Ubiracy de Souza Braga
“Lula ajudou a mudar o equilíbrio do mundo”.
Eric Hobsbawm
Em
1967, Lech Wałęsa começou a trabalhar como eletricista no estaleiro naval de Gdansk, onde assistiu à repressão de
manifestações operárias pela força das armas. Estes acontecimentos trágicos
levaram-no a lutar pela constituição de sindicatos livres no país. Wałęsa
torna-se, com efeito, fundador e líder do sindicato Solidariedade, a
organização sindical independente do Partido Comunista que obteve importantes
concessões políticas e económicas do Governo polonês em 1980-1981, sendo nessa
altura ilegalizado e passando à clandestinidade. Em 1980, Wałęsa liderou o
movimento grevista dos trabalhadores do estaleiro de Gdansk, cerca de 17 000
que protestavam contra a carestia de vida e as difíceis condições de trabalho.
A greve alargou-se rapidamente a outras empresas. Com dificuldade, as
reivindicações dos trabalhadores acabaram por ser concedidas. As reivindicações
sociais dos trabalhadores tomaram consequências políticas quando foi assinado
um acordo que lhes garantia o direito de se organizarem livremente e a garantia
da liberdade política, de expressão e de religião.
Em
1974, ano em que o Brasil vivia uma das mais graves crises políticas e
econômicas da história, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (na época Sindicato
dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema), preparava-se para a eleição que
renovaria sua diretoria. Na disputa para suceder Paulo Vidal na presidência do
sindicato estavam três metalúrgicos: Rubens Teodoro, Nelson Campanholo e
Antenor Biolcatti. Os três desistiram da candidatura para apoiar a liderança
que despontava nas assembléias: Luiz Inácio Lula da Silva. A decisão de
inscrever uma única chapa fortaleceu o sentimento dos metalúrgicos que, já
naquela época, criticavam o atrelamento dos sindicatos ao Estado e brigavam por
recuperação das perdas salariais. Eleito com 97,5%, Lula assumiu sua primeira
presidência no Sindicato em 19 de abril de 1975. Também participam da cerimônia
os dirigentes que assumiram com a vitória de Lula a direção do sindicato em 1975.
Entre eles, Rubens Teodoro de Arruda, Nelson Campanholo, Salvador Venâncio,
Vasile Valcov Filho, João Justino de Oliveira (Janjão), Heleno Cordeiro de
Oliveira, José Roberto Mori Machado, Luciano Garcia Galache, Antenor Biolcatti,
Geraldo Cestavo Pereira Lima, Djalma Bom, Devanir Ribeiro, Paulo Vidal, Luciano
Garcia Galache e Heleno Cordeiro de Oliveira.
À
frente de um dos mais fortes sindicatos, eles foram responsáveis pelo início de
um movimento para recuperar perdas salariais, anterior à ideia de “sindicalismo
de resultados” que chegavam a 34,1%. Nas ruas, os movimentos sociais
protestaram contra a alta nos preços e pelas liberdades democráticas. Nos
sindicatos, as assembleias nas portas das fábricas, antes proibidas e pouco
frequentadas, passaram a ter até 3 mil trabalhadores. Em 1978 implodiu uma
greve na Scania que se espalhou rapidamente por quase todas as fábricas de São
Bernardo do Campo, originando o que foi batizado como “novo sindicalismo”. No
dia 12 de maio de 1978, os trabalhadores da fábrica de caminhões da Scania, em
São Bernardo do Campo (SP), cruzaram os braços exigindo um aumento salarial de
20%, acima do reajuste estipulado pelo governo. A greve da Scania – que
rapidamente se alastrou por um grande número de fábricas na região do ABC paulista
– foi o sinal de que um poderoso ator social estava entrando em cena no país: a
classe trabalhadora. O movimento expressava um novo sindicalismo; combativo,
autônomo e organizado a partir da base. Surpreendeu a ditadura e alterou os
rumos da “abertura”, a transição conservadora do regime que excluía os
trabalhadores.
O
chamado “novo sindicalismo”, ou “sindicalismo autêntico”, como também se tornou
conhecido, desafiou a legislação anti-greves e começou a romper as amarras da
organização sindical subordinada ao Estado, modelo implantado no país desde a
década de 1940 varguistas. Os trabalhadores impulsionaram a luta pela
redemocratização não somente por meio de greves: iriam criar seu próprio
partido, o Partido dos Trabalhadores - PT, em 1980, e a Central Única dos
Trabalhadores, a CUT, em 1983. Articulado com outros movimentos sociais, o novo
sindicalismo levaria a pauta dos trabalhadores às ruas e à Assembleia
Constituinte (1987-1988), conferindo nova qualidade à luta política na
transição da ditadura militar para o regime democrático. Seus principais
expoentes eram de uma geração formada sob a repressão do regime militar que
atingiu duramente os sindicatos e organizações políticas da classe
trabalhadora. Uma das primeiras medidas após o golpe de 1° de abril de 1964 foi
a proibição do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), a central sindical ligada
ao antigo Partido Trabalhista Brasileiro e ao Partido Comunista do Brasil. O
presidente do CGT, Dante Pelacani, foi cassado e perseguido; o vice-presidente,
Clodesmidt Riani, foi preso; mais de mil sindicalistas foram cassados, muitos
foram presos ou exilados.
Cerca
de 600 sindicatos sofreram intervenção da ditadura em 1964 e 1965. A repressão
implantou uma política de arrocho que reduziria os salários em cerca de 20%
entre 1965 e 1967. O valor real do salário mínimo seria reduzido em 42% entre
1964 e 1974. Para minar a resistência dos trabalhadores, o direito à
estabilidade no emprego após dez anos de contrato – que favorecia a organização
nos locais de trabalho – foi substituído pelo Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço; uma nova legislação impediu as greves a partir de
junho de 1964. Mesmo nessas condições, várias categorias conseguiram manter a
combatividade. Em abril de 1968, uma grande greve na região de Contagem e Belo
Horizonte conquistou um aumento nacional de 10%. A repressão caiu sobre os
trabalhadores depois da vitória, com a demissão dos líderes e ativistas. Seus
nomes foram incluídos numa lista de perseguição política, que os impediu de trabalhar em
qualquer fábrica da região. No 1° de Maio de 1968, em São Paulo, sindicalistas
e militantes protestaram na data da solenidade oficial. Em junho, em Osasco, uma
greve com ocupação de fábrica foi reprimida com uso da força policial por tropas do Exército. Em 1981, Lula da Silva e Lech Walesa em Roma.
A
greve de Osasco terminou com a prisão de centenas de trabalhadores. A repressão
que se seguiu ao Ato Iinstitucional-5, em dezembro de 1968, parecia ter calado
definitivamente a voz dos trabalhadores. Foi um período de resistência
silenciosa nas fábricas e em poucos sindicatos, pois a maioria das entidades
estava sob a intervenção de agentes comprometidos com a ditadura ou sob a
direção de “pelegos”, sindicalistas controlados pelos patrões. A nova liderança
sindical se formou na medida em que os trabalhadores percebiam o esgotamento do
“milagre econômico”, que havia promovido o crescimento da economia e do parque
industrial, ao custo de uma brutal concentração de renda. Esse modelo começou a
falir a partir do choque de petróleo de 1973, seguido pela crise da dívida
externa e pela estagnação da economia. O regime para enfrentar a crise recaiu
mais uma vez sobre os trabalhadores, submetidos ao arrocho salarial e, nos
centros industriais, a um sistema de rotatividade pelo qual as empresas
promoviam demissões em massa para reduzir os salários de contratação.
Em
análise comparada Gdańsk é uma cidade em que se realizaram vários eventos
importantes do ponto de vista da história mundial. Em 01 de setembro de 1939 eclodiu
a 2ª guerra mundial, que mudou o mapa do mundo contemporâneo. Ao mesmo tempo,
Gdańsk é o berço do movimento sindical “Solidariedade” que levou à mudança de
paradigma da questão social para a questão sindical, situando o trabalho como
centro das relações de desenvolvimento de métodos de trabalho e de produção na
esfera da globalização das sociedades. O fato de ter liderado as paralisações
dos grevistas e de ser católico apostólico romano deu a Wałęsa uma base de
apoio popular, comparativamente ao sindicalismo dos metalúrgicos do ABC e o
surgimento do Partido dos Trabalhadores (PT) tendo como prócer do movimento
Luiz Inácio Lula da Silva, mas os seus ganhos tiveram um carácter positivo a
resistência do regime comunista. Em 13 de dezembro de 1981, o governo impôs a
lei marcial, o sindicato Solidariedade entrou na ilegalidade, seus líderes
foram presos, incluindo Lech Wałęsa, até 14 de novembro de 1982. O país passou
a ser governado por uma ditadura comandada pelo general Wojciech Jaruzelski.
Foi
um político e militar comunista da Polônia. Ocupou os cargos de
primeiro-ministro (1981-1985), chefe do conselho de estado (1985-1989) e
presidente da Polônia (1989-1990). Lutou na 2ª guerra mundial e tornou-se
general em 1956. Chefe do Estado-Maior em 1965 e Ministro da Defesa da Polônia
entre 1968 e 1981, Jaruzelski tornou-se, em seguida, chefe do governo e
secretário do Comitê Central do Partido Operário Unificado Polaco. Utilizou o
estado de exceção para reprimir o sindicato Solidariedade em dezembro de 1981 e
requisitou a prisão dos líderes do movimento, incluindo Lech Wałęsa. Formou o
Conselho Militar de Salvação Nacional, que tomou o poder e submeteu o país à
hegemonia soviética, com um tímido processo de reforma econômica e social para
calar a oposição interna. No final de 1982, a lei marcial foi suspensa e
Wałęsa, libertado. Três anos depois, Jaruzelski abandonou o cargo de
primeiro-ministro para se tornar presidente do Conselho de Estado. Abriu
caminho para uma reforma democrática sob as diretrizes de Mikhail Gorbatchev.
Contudo, não conseguiu recuperar sua popularidade, apesar de seu programa de
reformas.
Em
julho de 1980, ao se verem enfrentado a uma crise econômica, o governo da Polônia
elevou o preço dos alimentos e outros bens de consumo, enquanto tentava refrear
o crescimento dos salários. A subida dos preços tornou difícil para muitos
poloneses a compra das necessidades básicas e uma onda de greves varreu o país.
Em meio às crescentes tensões, uma popular operadora de empilhadeiras chamada
Anna Walentynowicz foi despedida dos estaleiros Lenin de Gdansk, importante
cidade do norte da Polônia. Em meados de agosto, em torno de 17 mil
trabalhadores do estaleiro começaram uma greve de braços cruzados exigindo a
reincorporação dela, bem como um moderado aumento dos salários. Eram liderados
por Walesa, que havia sido ele próprio demitido havia quatro anos por “ativismo
sindical”. Em 31 de agosto de 1980, representantes do governo comunista da
Polônia aceitam as reivindicações dos trabalhadores dos estaleiros da cidade de
Gdansk em greve. O ex-eletricista Lech Walesa liderava os grevistas, o que o
levou a fundar o sindicato Solidariedade, o primeiro sindicato independente de
trabalhadores organizado numa nação do bloco socialista. Em 31 de agosto,
Walesa e Mieczyslaw Jagielski representante do governo, assinaram um acordo em
que concedia a muitas das reivindicações dos trabalhadores. Walesa assinou o
documento com uma caneta esferográfica gigante decorada com um retrato do
recém-eleito papa João Paulo II, Karol Wojtyla, ex-arcebispo de Cracóvia.
A Hungria - mutatis mutandis - começou o período pós-guerra como uma livre
democracia pluripartidária, e as eleições em 1945 produziram um governo de
coalizão sob a batuta do primeiro-ministro Zoltán Tildy. Entretanto, o Partido
Comunista, apoiado pela União Soviética das Repúblicas Soviéticas, que tinha
recebido somente 17% dos votos, constantemente obtinha pequenas concessões em
um processo nomeado “tática do salame”, que fatiava a influência política do governo
eleito. Depois das eleições de 1945, os poderes do Ministro do Interior - que
supervisionava a Autoridade de Proteção
de Estado (ÁVH) - foram transferidos do “Partido dos Pequenos Proprietários
Independentes” para a chamada “gente de confiança” do Partido Comunista. A ÁVH
empregava métodos de intimidação, falsas acusações, prisões e tortura para
suprimir a oposição política. O breve período de democracia pluripartidária
acabou quando o Partido Comunista fundiu-se com o Partido Socialdemocrata para
se tornar o “Partido Popular dos Trabalhadores Húngaro”, cuja lista de
candidatos foi a votos sem oposição em 1949. A República Popular Húngara foi
então declarada.
Depois
da 2ª guerra mundial, a Hungria caiu na esfera de influência soviética e foi
ocupada pelo Exército Vermelho. Em 1949, os soviéticos tinham concluído um
tratado de assistência mútua com a Hungria que garantia direitos políticos à
União Soviética para uma contínua presença militar, assegurando o último
controle político. De 1950 a 1952, a Polícia de Segurança forçadamente realocou
milhares de pessoas para obter propriedades e moradias para os membros do
Partido Popular dos Trabalhadores, e remover a ameaça da classe intelectual e
burguesa. Milhares foram presos, torturados, julgados e aprisionados em campos
de concentração, deportados para o leste, ou eram executados, incluindo o
fundador da ÁVH László Rajk. Em um único ano, mais de 26.000 pessoas foram
forçadamente realocadas de Budapeste. Como uma consequência, empregos e
moradias eram muito difíceis de obter. Os deportados geralmente experimentavam
parcas condições de habitação e eram recrutados para trabalho escravo em fazendas coletivas. Muitos morreram como
resultado das pobres condições sociais de vida e desnutrição. O estudo do
idioma russo e instrução política comunista foram tornados parte do currículo
escolar e universitário pelo país.
Analogamente
ficou demonstrado pela intervenção da ex-União Soviética na Hungria, em 1956, e
posteriormente na então Checoslováquia, em 1968, pondo termo ao “socialismo de
rosto humano” conhecido como a primavera de Praga receou-se que, quando a crise
polaca se acirrou, em 1981, a ameaça de invasão do país pelas forças do Pacto
de Varsóvia se pudesse concretizar. De acordo com a teoria de soberania limitada
formulada por Leonid Brejnev considerada um dos princípios fundamentais da
política externa soviética relativamente aos países comunistas da Europa de
Leste, podia procurar evitar-se que o país eventualmente saísse do campo
socialista. Para o Kremlin haveria uma situação irreversível na Europa
resultante do status quo estabelecido nas conferências de Yalta e Postdam
realizadas, respectivamente, em fevereiro e julho de 1945, que tinham
claramente delineado as áreas de influência das duas superpotências emergentes,
a União Soviética e os Estados Unidos da América, ficando a Polónia na esfera
soviética. Para muitos polacos ocorrera traição ao passar para a esfera de
influência soviética em detrimento da manutenção dos vínculos com a Europa
ocidental.
Lula e o historiador Eric Hobsbawm. |
Reconstituíram-se
os Partidos dos Pequenos Proprietários, Socialdemocrata e Camponês Petőfi. O Politburo Soviético decide, numa
primeira fase (30 de outubro) mandar as tropas sair de Budapeste, e mesmo da
Hungria se viesse essa a ser a vontade do novo governo. Mas no dia seguinte
volta a trás e decide-se pela intervenção militar e instauração de um novo governo.
A 1° de novembro, o governo húngaro, ao tomar conhecimento das movimentações
militares em direção a Budapeste, comunica a intenção húngara de se retirar do
Pacto de Varsóvia e pede a proteção das Nações Unidas. A 3 de novembro,
Budapeste está cercada por mais de (01) mil tanques. Em 4 de novembro, o
Exército Vermelho invade Budapeste, com o apoio de ataques aéreos e
bombardeamentos de artilharia a Hungria, derrotando rapidamente as forças
húngaras. Calcula-se que 20 000 pessoas foram mortas durante a intervenção
soviética. Nagy foi preso (e posteriormente executado) e substituído no poder
pelo simpatizante soviético János Kádár. Mais de 2 mil processos políticos
foram abertos, resultando em 350 enforcamentos. Dezenas de milhares de húngaros
fugiram do país e próximo de 13 mil foram presos. Como sabemos, as tropas
soviéticas apenas saíram da Hungria em 1991.
A
crescente influência soviética ficou demonstrada pela série de acontecimentos
de que se destacam. Denuncia do Tratado de Amizade assinado com a Jugoslávia
devido às criticas de Stalin ao Marechal Tito. Nomeação do Marechal
Rokossovsky, de origem polaca, mas que sempre tinha vivido na União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas e adquirido a nacionalidade soviética, para o cargo de
Ministro da Defesa e pari passu
Comandante-Chefe das Forças Armadas. Reconhecimento formal de Moscovo, em 6 de
Junho de 1950, da fronteira ocidental polaca com a República Democrática Alemã,
definida pela linha Oder-Neisse, o que implicitamente significava que o traçado
das fronteiras dos países colocados sob sua influência eram decididas em última
instância pela União Soviética. O processo foi completado com a adopção, em 22
de Julho de 1952, da nova Constituição que criava a República Popular da
Polónia e a posterior adesão, como atrás se mencionou, ao Pacto de Varsóvia e
ao Comecon.
A
despeito da censura governamental e as tentativas de evitar publicação do
noticiário sobre a greve, protestos similares irromperam em cidades industriais
por toda a Polônia. Em 17 de agosto, um Comitê de Greve Interfábricas
apresentou ao governo polonês 21 reivindicações, incluindo o direito de
organizar sindicatos independentes, o direito à greve, a libertação de
prisioneiros políticos e ampliação do direito de expressão. Temendo que uma
greve geral pudesse levar a uma generalizada revolta nacional, o governo enviou
uma comissão ao estaleiro Gdansk a fim de negociar com os trabalhadores
rebeldes. Não representou apenas um movimento de alcance nacional, mas a
informação sobre a sua existência espalhou-se facilmente no âmbito da
comunicação política na sociedade globalizada. À frente do movimento permaneceu
Lech Wałęsa, um eletricista do estaleiro de Gdańsk, posteriormente vencedor do
Prêmio Nobel da Paz, assim como presidente da Polônia. Daí por diante foram
também assinados os “Acordos de agosto” graças ao qual a organização Solidariedade
foi legalizada. O acordo abriu caminho para a greve da Solidariedade no
Estaleiro de Gdańsk, onde os trabalhadores tomaram o partido da sua colega,
Anna Walentynowicz, operadora da grua expulsa do trabalho pela sua atividade
social e oposicionista.
Vale
lembrar neste aspecto quando voltou a seu país natal para fazer este filme, o
cineasta húngaro István Szabó já havia adquirido fama e respeito internacionais
com Mephisto, de 1981, Coronel Redl, de 1985, e Encontro com Vênus, de 1991 - todas as
três grandes coproduções internacionais, lançadas conjunturalmente no mercado
cinematográfico. Este aqui é em tudo diferente desses três anteriores que
garantiram a Szabó a admiração geral; não é um afresco, um painel; é um pequeno
retrato; não é um espetáculo para dezenas de atores, é todo em tom menor,
centrado na amizade de duas mulheres que vivem no seu dia-a-dia a passagem de
um mundo para outro. Ao contrário do que seria de se esperar, não se comemora
com fanfarras o fim do regime autoritário, o fim dos grilhões, a volta à liberdade
plena. Demonstra a perplexidade das pessoas
diante da mudança radical de tudo à sua volta – e tem mesmo um tom
melancólico com a perda do valor da solidariedade entre as pessoas, o sonho que
não se conseguiu realizar. Um belíssimo diálogo resume a weltanschauung de Szabó sobre aquele momento radical. Uma das amigas,
a querida Böbe do título original do filme, pergunta à outra, a doce Emma; o
que ela quer da vida, e ela diz: - “Uma sociedade fraterna; que apreciem o que
eu faço”. E Böbe responde contrária ao fetiche do dinheiro: - “Isso não vale
mais nada. O que vale agora é o dinheiro e as coisas materiais que você
possui”.
O
sindicato saiu da clandestinidade após negociações com o governo em 1988-1989,
assim como outras organizações sindicais. Com o desmoronamento do bloco de
Leste e a liberalização aparentemente democrática, ficou consagrada a
realização de eleições livres. Em 9 de dezembro de 1990 Wałęsa foi eleito
presidente, tomando posse em 22 de dezembro de 1990. Em 1995, realizaram-se
novas eleições presidenciais, mas Wałęsa foi derrotado por uma diferença pequena
de 3 pontos percentuais no segundo turno. Nas eleições presidenciais de 2000,
não conseguiu para além de 1% dos votos, devido a uma crescente insatisfação da
opinião pública em relação às suas posições. A 11 de maio de 1993, recebeu o
Grande-Colar da Ordem da Liberdade e a 18 de outubro de 1994, recebeu o
Grande-Colar da Ordem do Infante D. Henrique de Portugal. Etnograficamente
Gdańsk está repleto de espaços e lugares relacionados com a Solidariedade. Ao
lado do pavilhão histórico de Segurança e do Pavilhão Olivia, pode ser vista a
Praça da Solidariedade com o monumento aos trabalhadores do estaleiro mortos em
1970. Merece destaque a exposição “Caminhos para a Liberdade” que apresenta de
forma detalhada e muito acessível a história da luta pela liberdade dos polacos
e de outras nações europeias colocado no abrigo da Guerra Fria a poucas
centenas de metros de distância do monumento aos trabalhadores do estaleiro.
No
frigir dos ovos da greve de Gdansk, líderes do Comitê de Greve Interfábricas votaram a criação de uma única
federação nacional conhecida como Solidarnosc
(“Solidariedade”), que logo evoluiu para um movimento social de massas com a
adesão de mais de 10 milhões de pessoas. O Solidarnosc
atraiu a simpatia de inúmeros líderes sindicais do Ocidente e a hostilidade de
Moscou, que chegou a cogitar uma intervenção militar na Polônia. No final de
1981, sob a pressão conservadora da União Soviética, o governo do general
Wojciech Jaruzelski revogou o reconhecimento do Solidarnosc e decretou lei marcial na Polônia. Cerca de 6.000
ativistas do sindicato Solidariedade foram presos, inclusive Walesa, que ficou
detido por quase um ano. O movimento Solidarnosc
moveu-se clandestinamente, continuando a receber apoio político e logístico de
líderes internacionais como o presidente dos Estados Unidos da América, Ronald
Reagan, que impôs sanções à Polônia. Walesa foi agraciado em 1983 com o Prêmio
Nobel da Paz e, após a queda do governo em 1989, tornou-se o primeiro
presidente da Polônia a ser eleito pelo voto popular. A agitação política operária
continuou, embora de forma mais contida. Mas o sindicalista Lech Wałęsa só seria libertado em 1982.
Um
ano depois lhe era atribuído o Prêmio Nobel da Paz. Ele foi incapaz de aceitá-lo
pessoalmente, temendo que o governo polonês o impedisse de voltar ao país.
Então, sua esposa Danuta Walesa aceitou o prêmio em seu lugar. A criação em
1980 do primeiro sindicato polonês livre da União Soviética é descrita por Danuta
como um dos dias mais felizes da sua vida, a par do10 de Dezembro de 1983,
quando recebeu o Prêmio Nobel da Paz, em Oslo, em nome do marido, que estava
consciente de não poder voltar a entrar no país se se deslocasse à Noruega. Revela
em sua autobiografia a sua solidão a partir do momento em que seu marido
assumiu a direção do sindicato e a Presidência da Polônia. O livro relata de
forma franca a sensação de solidão que Danuta sofreu nos anos 1980, quando a
oposição à repressão estatista vivia momentos decisivos às ordens de Lech
Walesa, então eletricista nos estaleiros de Gdansk. Nesse período Danuta criou
oito filhos, dos quais era “mãe, professora, cozinheira, empregada, enfermeira,
uma mulher que não tinha tempo para nada”, conforme descreve em sua
autobiografia. O livro evoca com certa amargura aquele período em que dezenas
de políticos, ativistas, jornalistas etc. se reuniam clandestinamente por horas
no apartamento de Walesa, enquanto Danuta preparava lanches e mantinha a casa
em ordem, sede improvisada do movimento. – “A política roubou meu marido e na
política não há amigos de verdade”, explica em entrevista na televisão pública
polonesa. A esposa de Walesa, que reitera que “chega um momento na vida onde
certas coisas são reveladas”, lamenta que seu marido não a tenha surpreendido
com um buquê de flores ou um simples detalhe para agradecer seu esforço. – “Os
homens não são muito brilhantes em alguns assuntos”, diz Danuta, que descreve
seu marido como uma pessoa “introvertida e difícil de conhecer”.
Nobel
da Paz é um dos cinco Prêmios legados pelo inventor da dinamite, o sueco Alfred
Nobel. Os prêmios de Física, Química, Fisiologia ou Medicina e Literatura são
entregues anualmente em Estocolmo, sendo o Nobel da Paz atribuído em Oslo. O
Comité Nobel Norueguês, cujos membros são nomeados pelo Parlamento norueguês,
tem a função de escolher o laureado pelo prémio, que é entregue pelo seu
presidente atualmente o ex-primeiro-ministro e atual Secretário-Geral do
Conselho da Europa Thorbjørn Jagland. Mais
de 160 mil pessoas assinaram uma campanha iniciada pelo argentino Adolfo Pérez
Esquivel, que recebeu o Nobel da Paz em 1980, para que o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, preso pelos supremacistas que compõem o judiciário
brasileiro, baseado na lógica do justiceiro da república de Curitiba S. Moro
(PSDB), receba o prêmio neste ano. É público e notório o apoio ideológico do
advogado com o golpe de Estado de 2016 no Brasil. A campanha para o prêmio
Nobel da Paz está sendo realizada pelo site Change.org. Pérez Esquivel
considera que Lula merece ser reconhecido com o Nobel pela “luta contra a
pobreza e a fome no Brasil”.
O
ativista argentino disse que apresentará uma carta para defender Lula no Comitê
Nobel em setembro, quando será aberta a convocação para as indicações ao
prêmio. - “Através do seu compromisso social, sindical e político, Lula
desenvolveu políticas públicas para superar a fome e a pobreza no seu país, um
dos de maior desigualdade estrutural no mundo”. Assim, afirmou: - “O governo de
Lula foi uma construção democrática e participativa com meios não violentos que
elevou o nível de vida da população e deu esperanças aos setores mais
necessitados. O mundo reconhece que houve um antes e um depois na história do
Brasil desigual depois dos dois mandatos de Lula”. A petição que pede que o
ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva do Partido dos
Trabalhadores (PT) seja indicado para receber o Prêmio Nobel da Paz, momento em
que já alcançou 84% da meta de assinaturas em cinco dias de campanha. O
documento formal proposto pelo argentino Adolfo Pérez Esquivel, vencedor do
Nobel da Paz (1980), estima conseguir 200 mil adesões. Até a pouco, cinco dias
depois da iniciativa de indicação ser criada, mais de 166,8 mil pessoas já se manifestaram
favoráveis. O ativista social criou a petição no dia em que o Supremo Tribunal
Federal (STF) negou o pedido de habeas
corpus ao petista. O texto que deverá ser apresentado ao comitê Nobel em
setembro deste ano refere-se a Lula como alguém que, “através do seu
compromisso social, sindical e político desenvolveu políticas públicas para
superar a fome e a pobreza do seu país um dos de maior desigualdade estrutural
do mundo”. Para Esquivel, a nomeação de
Lula é importante já que “a paz não é só a ausência da guerra, nem evitar a
morte de uma ou mais pessoas, a paz também é dotar de esperança o futuro dos
povos, em especial os sectores mais vulneráveis”, afirma em seu depoimento político-afetivo
no texto.
Bibliografia
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Trabalho e da Empresa; Instituto Universitário de Lisboa, 2008; SANTOS, Antônio Carlos dos, Eric J. Hobsbawm e a ´Era do Socialismo`: Da Revolução Russa ao Colapso da União Soviética (1917-1991). Dissertação de Mestrado em História. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2011; REIS FILHO, Daniel Aarão, RIDENTI, Marcelo, MOTTA, Rodrigo Patto Sá (Orgs.), A Ditadura que Mudou o Brasil: 50 Anos do Golpe de 1964. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 2014; MARCELINO, Paula, “La Nouvelle Phase du Syndicalisme Brésilien”. In: Cahiers
des Amériques Latines, n° 80, pp.147-167, 2015; SILVA, Luiz Inácio, “Discurso de São Bernardo”, In: Secco, Lincoln, A ideia: Lula e o Sentido do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Núcleo de Estudos de O Capital,
2018; entre
outros.
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