domingo, 27 de maio de 2018

Irmã Dorothy Stang - Ambiente, Assassinatos & Virtudes Heroicas.

                                                                                                     Ubiracy de Souza Braga

The death of the forest is the end of our life”. Dorothy Stang
 
      

Todas as tentativas feitas até hoje para resolver os problemas do sonho partiam diretamente do conteúdo onírico manifesto dado na memória, esforçando-se para obter a partir dele a interpretação do sonho ou, quando renunciavam a uma interpretação do sonho ou, quando renunciavam a uma interpretação, para fundamentar seu juízo sobre o sonho por referência a esse conteúdo. Para Freud (2017) somos os únicos a nos defrontar com outros fatos; para nós, um novo material psíquico se introduz entre o conteúdo onírico e os resultados de nossa observação: o conteúdo onírico latente – ou os pensamentos oníricos – obtido pelo nosso método. Foi a partir desses pensamentos, e não do conteúdo onírico manifesto, que desenvolvemos a solução do sonho. Por isso também se apresentou a nós uma nova tarefa que antes não existia, a de investigar as relações de conteúdo onírico manifesto com os pensamentos oníricos latentes e pesquisar os processos que levaram estes a se transformarem naquele. Os pensamentos oníricos e o conteúdo onírico se mostram a nós como duas figurações do mesmo conteúdo em duas línguas diferentes, melhor dizendo, se apresenta como uma tradução numa outra forma de expressão, cujos signos e leis sintáticas devemos conhecer pela comparação entre o original e a tradução. Os pensamentos oníricos são compreendidos.

Uma observação perspicaz de Stricker, segundo Freud, chamou nossa atenção para o fato de as manifestações de afeto no sonho não poderem ser despachadas com o desdém com que, despertos, costumamos nos livrar do conteúdo onírico: - Quando tenho medo dos ladrões no sonho, os ladrões em dúvida são imaginários, mas o medo é real”, e o mesmo acontece quando me alegro no sonho. Segundo o testemunho de nossa sensibilidade, o afeto experimentado no sonho de forma alguma é inferior comparado aquele de mesma intensidade que se experimenta na vigília, e mais energicamente do que pelo seu conteúdo de representações, é pelo seu conteúdo de afetos que o sonho reivindica o direito de ser incluí entre as experiências reais da psique. Não realizamos essa inclusão na vigília porque não sabemos avaliar psiquicamente um afeto a não ser ligando- a um conteúdo de representações. Se o afeto e a representação não se corresponderem segundo o tipo e a intensidade, nosso juízo de vigília fica desnorteado. Strümpell afirmou que nos sonhos as representações são privadas de seus valores psíquicos. Porém, o contrário também não falta no sonho, ou seja, que surja uma intensa manifestação de afeto no caso de um conteúdo que não parece oferecer ocasião para a liberação do afeto. Encontro-me em sonhos numa situação terrível, perigosa ou repugnante, porém não sinto qualquer medo ou repugnância; em compensação, outras vezes me apavoro com coisas inofensivas e me alegro com coisas pueris. Esse enigma desaparece tão súbita e completamente como talvez nenhum outro dos enigmas oníricos se passarmos do conteúdo manifesto ao latente.  

Do ponto de vista sociológico, ambientalismo, é movimento ecológico ou movimento verde que consiste em uma diversidade de correntes de pensamento e movimentos sociais que têm na defesa do ambiente sua principal preocupação, reivindicando medidas de proteção ambiental e, sobretudo, uma ampla mudança nos hábitos e valores da sociedade de modo a estabelecer um paradigma de vida sustentável. O ambientalismo teve de esperar o fim das grandes guerras ocidentais para emergir como uma tendência influente e como um campo ou área de estudos específicos. Assim, mediante a constatação de que o modelo de desenvolvimento global em vigor, baseado numa perspectiva de crescimento contínuo, na manipulação tecnológica da natureza e numa visão positivista de que os recursos naturais são inesgotáveis existem basicamente para o benefício humano (cf. Cunha e Menezes, 2015; Bringel, 2015; Amaral, 2017). A esta dimensão histórica de tempo e espaço social já haviam causado uma destruição ímpar ambiental, sem precedentes na história da humanidade, pondo em risco até mesmo a futura sobrevivência da espécie humana.
Rapidamente o movimento ganhou grande espaço nas mídias e desde então vem obtendo resultados importantes, atraindo uma enorme quantidade de outros campos do saber para o debate e a pesquisa ambiental, considerando todas as esferas da sociedade diretamente implicadas e corresponsáveis tanto pelos problemas como pelas soluções que devem ser encontradas, e ambicionando o desenvolvimento de uma visão integrada e de um manejo racional, respeitoso e responsável da vida sobre a Terra. O nível de conscientização popular e de envolvimento acadêmico e institucional nunca foi tão alto, mas ao questionarem o atual modelo de civilização os ambientalistas atraíram uma sonora e poderosa legião de críticos do planejamento comprometidos com o status quo e outro tanto de céticos. Muitas vezes os embates foram violentos e houve retrocessos dramáticos. Mas, como já foram reconhecidos por inúmeras organizações internacionais respeitadas, pesquisadores renomados ligados a grandes universidades e mesmo instâncias governamentais de inúmeros países, os impactos negativos que a sociedade moderna tem acarretado ao meio ambiente são vastos, requerem medidas urgentes de mitigação ou reversão e, ipso facto consequências globais catastróficas com tendência destrutiva continuada e inalterada, especialmente quando se considera a velocidade do bendito progresso na modernidade comparado ao crescimento da população mundial.

                       
A tese central do “nacionalismo desenvolvimentista” tem como representação social o desenvolvimento econômico e a consolidação da nacionalidade constituindo dois aspectos do mesmo processo emancipatório. O desenvolvimento dependeria, assim, de uma consciência nacional mobilizada em torno de uma vontade no plano global de desenvolvimento. Na esfera de ação cultural, a retórica do início dos anos 1960, tanto de  “direita” como de “esquerda”, para lembrarmo-nos da ciosa interpretação de Norberto Bobbio, foi demarcada pelo uso corrente das categorias sociais “povo” e “nação”, ou nacional- popular. Os movimentos de esquerda no caso emblemático do Centro Popular de Cultura (CPC), além do discurso anti-imperialista adotaram também uma postura vanguardista, baseada na premissa de que a autêntica cultura popular revolucionária é 2aquela produzida por artistas e intelectuais que optaram por ser povo - enquanto a cultura do povo era considerada arcaica e atrasada. A coleção Cadernos Brasileiros e a Revista Civilização Brasileira, editadas por Ênio Silveira, e a História Nova, organizada por Nelson Werneck Sodré, sugerem a intensa colaboração entre o ISEB e o CPC.
Dorothy Mae Stang, reconhecida como Irmã Dorothy foi uma freira norte-americana naturalizada brasileira. Pertencia às Irmãs de Nossa Senhora de Namur, congregação religiosa fundada em 1804 por Santa Julie Billiart e Françoise Blin de Bourdon. Esta congregação católica internacional reúne mais de duas mil mulheres que realizam trabalho pastoral nos cinco continentes. Dorothy Stang ingressou na vida religiosa em 1948, emitiu seus votos perpétuos: pobreza, castidade e obediência em 1956. De 1951 a 1966 foi professora em escolas da congregação: St. Victor School (Calumet City, Illinois), St. Alexander School (Villa Park, Illinois) e Most Holy Trinity School (Phoenix, Arizona). Neste ano iniciou seu ministério no Brasil, na cidade de Coroatá, no Estado do Maranhão, mas estava presente na Amazônia desde a década de 1970 junto aos trabalhadores rurais da Região do Xingu. Sua atividade pastoral e missionária buscava a geração de emprego e renda com projetos de reflorestamento em áreas degradadas, junto aos trabalhadores rurais da Transamazônica. Seu trabalho tinha como escopo a minimização dos conflitos fundiários entre trabalhadores rurais e latifundiários. Como missionária atuou ativamente nos movimentos sociais no Pará.
A floresta amazônica localiza-se no norte da América do Sul, abrange os estados do Amazonas, Acre, Amapá, Rondônia, Pará e Roraima, além de menores proporções nos países: Peru, Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana, Suriname e Guiana Francesa. Por estar localizada próxima à linha do Equador, a floresta amazônica apresenta clima equatorial. Assim, é marcada por elevadas temperaturas e umidade do ar. A floresta amazônica é considerada a maior floresta tropical do mundo e concentra enorme biodiversidade. Além disso, ela faz parte do bioma Amazônia, o maior dos seis biomas brasileiros. Ela corresponde a 53% das florestas tropicais ainda existentes. Por isso, a sua conservação é debatida em âmbito internacional, em virtude de sua dimensão e importância ecológica. Criada em 1953, a Amazônia Legal é uma área que abrange nove estados brasileiros: Acre, Amapá, Pará, Amazonas, Rondônia, Roraima, Mato Grosso, Tocantins e Maranhão. Ela compreende, aproximadamente, área global em torno de 61% de todo o território brasileiro. O objetivo político da criação da Amazônia Legal é promover o desenvolvimento econômico, social e ambiental da região. 
    
Irmã Dorothy Stang esteve presente na Amazônia desde a década de 1970 junto aos trabalhadores rurais da Região do Xingu. Sua atividade pastoral e missionária propunha a geração de emprego e renda com projetos sociais de reflorestamento em áreas degradadas, junto aos trabalhadores rurais da área da rodovia Transamazônica construída no decorrer do governo do general Emílio Garrastazu Médici, entre 1969 e 1974. Uma obra de grande proporção para o desenvolvimento da região, quando o governo conduziu aproximadamente quatro mil homens entre 1970 e 1973, com o intuito de abrir estradas e estabelecer a comunicação entre as cidades. Seu trabalho como religiosa também tinha como escopo a minimização dos conflitos fundiários na região. Atuou ativamente na formação dos movimentos sociais no Pará. Devido seu engajamento sua participação em projetos de desenvolvimento sustentável ultrapassou as fronteiras da pequena Vila de Sucupira, no município de Anapu, no Estado do Pará, a 500 km de Belém do Pará, ganhando reconhecimento nacional e internacional.
Do ponto de vista do espaço o município de Anapu enfrenta conflitos por terra, com assassinatos históricos e pontuais de trabalhadores rurais e de defensores dos direitos civis. Criado há 15 anos por Dorothy Stang e militantes do movimento sem-terra, o PDS Virola-Jatobá tinha o objetivo de criar renda social para famílias assentadas usando recursos naturais da floresta, no entanto, sem destruí-la. A utilização dos 160 lotes é dada por meio de uma concessão, ou seja, “o morador não se torna proprietário do pedaço onde vive”. Uma pequena parte da área pode ser usada para agricultura familiar. O restante é floresta e deve ser preservado - é essa área de reserva que está sendo desmatada pelos invasores. A criação da reserva criou conflitos com exploradores ilegais de madeira e grileiros que atuavam em Anapu. Em fevereiro de 2005, a freira Dorothy Stang, de 73 anos, foi assassinada com seis tiros. O crime teve repercussão política internacional. Cinco homens foram condenados pela morte - um deles, um fazendeiro, foi apontado como mandante. Por outro lado, uma das controvérsias exógena ao modelo PDS é de que ele não conseguiu consolidar as famílias no terreno, questão imanente à reforma agrária e menos por não ser economicamente sustentável. Pelos 160 lotes originais já passaram mais de 600 famílias em 15 anos de projeto social.
A religiosa participava da Comissão Pastoral da Terra (CPT) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) desde a sua fundação e acompanhou com determinação e solidariedade a vida e a luta de organização dos trabalhadores do campo, sobretudo na região da Transamazônica, no Pará. Defensora de uma reforma agrária justa e consequente, Irmã Dorothy mantinha intensa agenda de diálogo com lideranças camponesas, políticas e religiosas, na busca de soluções duradouras para os conflitos relacionados à posse e à exploração laboral da terra na Região Amazônica. Dentre suas inúmeras iniciativas em favor dos mais empobrecidos, Irmã Dorothy ajudou a fundar a primeira escola de formação de professores na rodovia Transamazônica, que corta ao meio a pequena Anapu. Era a Escola Brasil Grande. Ainda em 2004 recebeu premiação da Ordem dos Advogados do Brasil, secção Pará, pela sua luta em defesa dos direitos humanos. Em 2005, foi homenageada pelo documentário “Amazônia Revelada”.
O seu trabalho pastoral era a catequese e a formação de Comunidades cristãs. O zelo da Irmã Dorothy a levava a atuar em várias cidades e vilarejos rurais da região do Xingu, formando filhos e filhas de Deus. Ela buscava também a geração de emprego e renda, com projetos de reflorestamento em áreas degradadas. Seu trabalho focava-se também na minimização dos conflitos fundiários existentes na região. Atuou em várias pastorais sociais do Pará, principalmente na Comissão Pastoral da Terra. Devido ao seu trabalho junto aos agricultores, ganhou vários prêmios a nível nacional e internacional. Participava ativamente na luta dos trabalhadores do campo contra a grilagem e a devastação da floresta. Ajudou a fundar a primeira escola de formação de professores na rodovia Transamazônica. Planejada para integrar o Norte brasileiro com o resto do país, foi inaugurada em 27 de agosto de 1972, ainda inacabada e faltando vários trechos a serem asfaltados. Inicialmente projetada para ser uma rodovia pavimentada com 8 mil quilômetros de comprimento, conectando as regiões Norte e Nordeste do Brasil com o Peru e o Equador, não sofreu maiores modificações desde sua inauguração.          
Depois o projeto foi modificado para 4 977 km até Benjamin Constant, porém a construção foi interrompida em Lábrea totalizando 4 223 km. É a terceira maior rodovia do Brasil, com 4 223 km de comprimento, ligando a cidade de Cabedelo, na Paraíba à Lábrea, no Amazonas, cortando sete estados brasileiros: Paraíba, Ceará, Piauí, Maranhão, Tocantins, Pará e Amazonas. É classificada como rodovia transversal. Em grande parte, principalmente no Pará e no Amazonas, a rodovia ainda não é totalmente pavimentada. Os trabalhadores ficavam completamente isolados e sem comunicação por meses. Alguma informação era obtida apenas nas visitas ocasionais a algumas cidades próximas. O transporte geralmente era feito por pequenos aviões, que usavam pistas totalmente precárias. Por não ser pavimentado, o trânsito na Rodovia Transamazônica é impraticável nas épocas de chuva na região, entre outubro e março. O desmatamento em áreas próximas à rodovia é um sério problema ocasionado por sua construção. 
A pavimentação dos 993 quilômetros da rodovia BR-163 que atravessam o sudoeste paraense desponta como uma das principais e mais estudadas e debatidas obras de infraestrutura da atualidade brasileira. Se, por um lado, o debate em torno da obra reforça sua importância estratégica para o escoamento da produção de soja do centro-norte do Mato Grosso, por outro, gera revolta nos movimentos socioambientais e nas populações tradicionais que, apesar de quererem a trafegabilidade da estrada, têm convivido com um clima intenso de violência e o conflito pela posse da terra e pela exploração descontrolada e ambiciosa dos seus recursos naturais. O cenário político é agravado pela situação controversa fundiária indefinida da região, que facilita a grilagem de terras da União e a expulsão de trabalhadores rurais, facilitado pela ausência do Estado ou cumplicidade das autoridades ambientais, fundiárias, policiais e indígenas. A ausência do Estado nessa rodovia ajuda a acirrar os conflitos e põe em xeque a viabilidade socioambiental e a sustentabilidade do empreendimento.

Essas decisões de cunho fundiário, associadas à intensificação da ação do Ibama na região, à expedição da Portaria 10 do Incra, que suspendeu a liberação de planos de manejo em terras públicas, e às operações de investigação contra a corrupção no Incra e no Ibama, criaram uma situação de caos na economia local, dominada pelo comércio de terras e de madeira. Em abril de 2005, a segunda versão do Plano BR-163 Sustentável foi discutida em uma nova rodada de consultas públicas na região. O resultado está sendo sistematizado pelo GTI da BR-163 e está prestes a ser apresentado com a última versão do plano. Apesar de o processo de consultas terem sido criticados pelo pouco retorno de seus resultados aos trabalhadores rurais a metodologia empregada possibilitou o diálogo e o confronto entre os atores econômicos, sociais e políticos. A última audiência pública referente à rodovia BR-163 ocorreu em maio de 2005, em Brasília, e tratou da apresentação do estudo sobre o modelo de concessão da estrada encomendado pelo DNIT ao Instituto Militar de Engenharia (IME). Na audiência, foi confirmada a viabilidade econômica da exploração da rodovia e foi assumido que a pavimentação da BR-163 ficaria sob a responsabilidade do setor privado – prevista para ser uma concessão de 20 anos –, descartando o arranjo previamente suscitado de Parceria Público-Privada (PPP). Atualmente, o DNIT está esperando a análise do EIA-Rima e a liberação da licença de funcionamento pelo IBAMA, além de preparar o edital para a licitação dos trechos de pavimentação e manutenção da estrada.
A morosidade da ação burocrática governamental nas suas três esferas de governo e a fragilidade dos órgãos públicos com base no regionalismo acentuam-se com o sucateamento da infraestrutura e com a corrupção presente no corpo funcional. As recentes ações de fortalecimento dos órgãos públicos na região, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), associadas ao poder de polícia, além da expedição de marcos regulatória, como a Portaria 10, de dezembro de 2004, assinada conjuntamente pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), e a Medida Provisória 239, que estabelece a limitação administrativa de 8,2 milhões de hectares no percurso da rodovia, só têm acirrado os conflitos na região, pois afetam diretamente a grilagem de terras e a exploração madeireira identificada como ilegal. Essas duas últimas atividades, apesar de ilícitas, representam o lastro da economia local atualmente, pois se constituem de fonte de empregos e de poder político. Em suma, o governo federal encontra-se em uma encruzilhada histórica desenvolvimentista. Se, por um lado, suas ações têm repercutido na direção da solução dos problemas de ocupação desordenada da terra e do uso indiscriminado de seus recursos, por outro, têm acirrado a violência contra trabalhadores rurais e determinado o desmatamento na região.
A contradição real nos faz acreditar que a sustentabilidade para a região depende somente das ações legitimistas governamentais e da presente capacidade da sociedade local em perceber o que representa suas riquezas para a preservação da região. No passado recente, a abertura de estradas numa região aparentemente inóspita como a Amazônia despertou interesse dos cidadãos brasileiros, principalmente do Nordeste do país, pela terra e dos governantes e empresários, pela facilidade de acesso aos recursos naturais como minérios e madeira. Essa estratégia geopolítica possibilitou o avanço da fronteira agrícola, a expansão das atividades agropecuárias para o interior da Amazônia, além de permitir a ligação com as regiões mais desenvolvidas do país. Apesar dos projetos sociais aparentemente estarem embasados na premissa de que se propõem trazer melhorias para a produção econômica e para o bem-estar social, o resultado histórico desses investimentos, como a abertura de novas estradas, teve como impacto social uma ocupação desordenada decorrente de negligência do Estado: É notório que 80% do desmatamento da região encontram-se nas principais rodovias federais. Acredita-se que parte dos impactos causados pela abertura ou pavimentação de uma estrada na Amazônia possa ser minimizada se os investimentos forem acompanhados de apoio técnico governamental em outras áreas que não somente a de infraestrutura.
A Irmã Dorothy Stang foi assassinada, com seis tiros, um na cabeça e cinco ao redor do corpo, aos 73 anos de idade, no dia 12 de fevereiro de 2005, às sete horas e trinta minutos da manhã, em uma estrada de terra de difícil acesso, a 53 km da sede do município de Anapu, no Estado do Pará. Segundo testemunha, antes de receber os disparos que lhe ceifaram a vida, ao ser indagada se estava armada, Ir. Dorothy afirmou: “eis a minha arma!” mostrando a volumosa Bíblia. Leu ainda alguns versículos das bem aventuranças para aquele que logo em seguida lhe balearia. No cenário dos conflitos agrários no Brasil, seu nome associa-se aos de tantos outros homens, mulheres e crianças que morreram e morrem sem ter seus direitos civis respeitados. O corpo da missionária está enterrado em Anapu, onde recebeu e recebe as homenagens de tantos que nela reconhecem as virtudes heroicas da matrona cristã. O fazendeiro Vitalmiro Moura, o Bida, acusado de ser o mandante do crime, havia sido condenado em um primeiro julgamento a 30 anos de prisão. Num segundo julgamento foi absolvido. Após um terceiro julgamento, foi novamente condenado pelo júri popular a 30 anos de prisão.

A reação do governo foi rápida. Ministros de Estado se deslocaram até Anapu (PA). Autoridades de todos os níveis se manifestaram condenando a agressão. O exército brasileiro deslocou contingentes para a região. Promessas de punição implacável dos culpados se repetiram. Medidas para regularizar a posse das terras foram anunciadas e áreas de proteção ambientais criadas. Não demorou muito tempo e os dois pistoleiros executores do crime foram detidos. Depois foi preso o intermediário que os contratou e por fim dois fazendeiros, apontados como mandantes do crime. As investigações da polícia federal apontaram para uma ação envolvendo um consórcio de fazendeiros e madeireiros interessados na eliminação desta missionária. Os executores do assassinato, Rayfran das Neves Sales e Clodoaldo Carlos Batista e o intermediário Amayr Feijoli da Cunha, o Tato, foram julgados e condenados num processo muito rápido para a morosidade da justiça paraense. Um dos mandantes, Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, foi condenado a 30 anos de prisão, em 2007, porém, menos de um ano depois, em segundo julgamento, foi absolvido. Julgado novamente em abril de 2010, foi condenado, após 15 horas de julgamento, a 30 anos de prisão em regime fechado. Em outubro de 2011 obteve o direito de cumprir sua pena em regime semiaberto.
O outro acusado de ser mandante, Regivaldo Pereira Galvão, o Taradão, esteve preso durante um ano, mas foi solto, pouco depois, por habeas corpus emitido pelo Supremo Tribunal Federal (STF).  Julgado novamente em 2010, Regivaldo também foi condenado a 30 anos de prisão. O Tribunal de Justiça do Pará (TJPA), ao rejeitar a apelação, decretou sua prisão cautelar. Um pedido de habeas corpus foi feito para que o réu pudesse permanecer em liberdade até o julgamento do último recurso contra a condenação. Este foi negado pelo relator do caso, desembargador convocado Adilson Vieira Macabu, que considerou não haver elementos que justificassem sua libertação. As outras medidas governamentais não surtiram o efeito proclamado. Pior do que isso, em 2008 e 2009, o governo federal publicou as Medidas Provisórias 422 e 458 que acabam regularizando a grilagem de terras na Amazônia em áreas de até 1500 hectares. Com o discurso de propor um ordenamento jurídico para a ocupação da Amazônia, pavimenta-se, o caminho para a ampliação do agronegócio, com suas monoculturas predatórias para a exportação. O projeto de reformulação do Código Florestal e a aberração de Belo Monte, abriram feridas na ecologia da Amazônia de Dorothy, de Chico Mendes e de tantos outros e outras, cujo sangue semeia e fertiliza estas terras. Em 2011, essa mesma realidade vitimou, José Cláudio e Maria do Espírito Santo, assassinados por defender a floresta e a convivência harmônica dos povos com ela.
Bibliografia geral consultada. 
MARTINS, José de Souza, La Reforme Agraire et la Mondialisation de L`Economie: Le Cas du Brésil. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2000;  CASTRO, Edna (Org.), Sociedade, Território e Conflitos: BR-163 em Questão. Belém: NAEA - Núcleo de Altos Estudos Amazônicos. Universidade Federal do Pará, 2008; SILVA, Maria Ivonete Coutinho da, Mulheres Migrantes na Transamazônica: Construção da Ocupação e do Fazer Política. Tese de Doutorado. Belém: NAEA - Núcleo de Altos Estudos Amazônicos. Universidade Federal do Pará, 2008; YADO, Thaís Haramuri Manfré, O Discurso Hipermediático sobre/de Chico Mendes: Voz da floresta e cicatriz na terra. Dissertação de Mestrado. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, 2012; COUTINHO, Célio Ribeiro, Formação Político-educativa do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Contexto do Governo Lula (2003 a 2010). Tese de Doutorado. Programa de Pós-graduação em Educação Brasileira. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2014; CUNHA E MENEZES, Pedro de Castro da, Áreas de Preservação Ambiental em Zona de Fronteira: Sugestões para uma Cooperação Internacional no Combate da Amazônia. Brasília: Editora Fundação Alexandre Gusmão, 2015; BOEING, José, A Participação Comunitária Versus Modelo Desenvolvimentista do Governo Federal ao Longo da BR – 163: Cuiabá-Santarém: Conflitos. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Direito. Belo Horizonte: Escola Superior Dom Helder Câmara, 2015; BRINGEL, Fabiano de Oliveira, Fronteiras Agrárias Intermitentes e Processos de Territorialização do Campesinato na Amazônia. Uma Análise Comparativa de Projetos de Assentamento no Sudeste e Sudoeste do Pará. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Geografia. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2015; FREUD, Sigmund, A Interpretação dos Sonhos. Porto Alegre: L&PM Editores, 2017; CAMPOS, Nezilda Jacira Lourinho de, O Assassinato da Irmã Dorothy Stang. Estado, Vítima e Fazendeiros. Tese de Doutorado em Sociologia. Porto: Universidade do Porto, 2017; AMARAL, Mayka Danielle Brito, Reforma Agrária e Reconhecimento: O Caminho da Autonomia e Liberdade das Camponesas-quebradeiras de Coco Babaçu da Região do Bico do Papagaio. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Geografia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Geografia. São Paulo: Universidade de São paulo, 2017; PONTES, Felipe, “Mandante do Assassinato de Dorothy Stang deixa Prisão no Pará”. In: http://agenciabrasil.ebc.com.br/25/05/2018; SILVA, Carlos, “Supremo Manda Soltar Mandante do Assassinato de Dorothy Stang”. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/2018/05/25; FREITAS, Hingryd Inácio de, Assentamentos Rurais em Terras Baianas: Sujeitos em Luta, Territórios em Disputa. Tese de Doutorado. Departamento de Geografia. Centro de Ciências. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2018; entre outros. 

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