sábado, 19 de maio de 2018

Evita Perón - Carisma & Rotinização do Poder na Argentina.

                                                                                                   Ubiracy de Souza Braga
 
   “O velório durou 12 dias, e seu ataúde foi beijado por milhões de argentinos”. In: Folha de S. Paulo, 15.10. 2015.


         O mais impressionante na história da vida de María Eva Ibarguren de Duarte, nascida em 1919, no município de Los Toldos, uma cidade da Argentina, localizada na província de Buenos Aires é que se tornou a cidade natal de Evita Perón. Leva esse nome por ter sido colonizado e ocupado inicialmente pelos índios e suas tendas eram chamadas de toldos. Seu ersatz foi o caminho meteórico que ela percorreu na vida pública. Isto quer dizer o seguinte. Entre o aparente desconhecimento público ao mais absoluto resplendor pessoal e político da vida e em seguida a morte. Tudo ocorreu em apenas 7 anos e nesse curto tempo/espaço ela saiu do anonimato para se tornar uma das mulheres mais poderosas do mundo. Na breve existência de 33 anos de idade há muitos mistérios, entre fatos sociais pouco esclarecidos, mas principalmente uma personalidade marcante. Representou uma figura chave de um regime ancorado no paternalismo e na demagogia. Mais do que uma estadista, mais do que um pivô ou um esteio sobre o qual o governo populista de Perón se apoia, Evita ganha voz própria porque ela encarnou em si ambições e pretensões políticas e sociais. Sua transcendência está consubstanciada na sua fantástica ascensão sócio-política. Uma mulher que venceu através dos mecanismos próprios da política. Soube espelhar um sistema de poder centrado na sedução em torno do carisma e no ascendente feminismo populista. Através da sedução coletiva das massas, do fascínio e da ascese que acarreta pode firmar-se um regime deste tipo.                          
            Na passagem do século XIX para o XX, a Argentina viveu um período próspero e estável logo após o fim da ditadura de Juan Manuel Rosas. O cenário político era regido por um Estado Liberal onde os grandes proprietários de terra e a burguesia financeira equilibrava-se no controle do poder. O crescimento da economia argentina ocorria a largos passos e aproveitou da crise econômica europeia no início do século XX para ampliar seu parque industrial. Juan Manuel José Domingo Ortiz de Rosas, apelidado de “o Restaurador das Leis”, foi um político e oficial militar argentino que governou a província de Buenos Aires e brevemente a Confederação Argentina. Nasceu em uma família rica, porém mesmo assim conseguiu acumular uma riqueza pessoal, adquirindo grandes extensões de terra no processo. Ortiz de Rosas colocou seus trabalhadores em uma milícia particular, algo comum para proprietários rurais da época, e participou de disputas entre facções que levaram a várias guerras civis no país. Foi bem sucedido na guerra, conseguiu influência pessoal e era seguido por um exército particular leal, tornando-se o modelo do caudilho, como os senhores provinciais da região eram conhecidos. Rosas eventualmente alcançou a patente de brigadeiro-general, a mais alta do exército argentino, e tornou-se o líder incontestável do Partido Federal.

                                              
            Rosas foi eleito governador em dezembro de 1829 e estabeleceu uma ditadura apoiada pelo terrorismo de Estado. Assinou o Pacto Federal em 1831, reconhecendo a autonomia provincial e criando a Confederação Argentina. Seu mandato terminou em 1832 e Rosas partiu para as fronteiras a fim de travar uma guerra contra populações indígenas. Seus apoiadores realizaram em 1835 um golpe de Estado em Buenos Aires e pediram para que ele retornasse mais uma vez como governador. Rosas restabeleceu sua ditadura e formou a Mazorcauma polícia armada repressiva que matou centenas de civis. As eleições acabaram tornando-se farsas e os poderes legislativo e judiciário foram transformados em instrumentos de sua vontade. Rosas também criou um culto de personalidade e seu regime se tornou totalitário, com todos os aspectos da sociedade sendo rigidamente controlados. Enfrentou muitas ameaças contra seu poder no final da década de 1830 e início da de 1840 quando travou uma guerra com a Confederação Peru-Boliviana, sofreu um bloqueio naval promovido pela França. Enfrentou uma revolta em sua própria província e lutou durante anos contra uma rebelião que se espalhou pelos outros territórios. Mesmo assim perseverou e ampliou sua influência, exercendo controle efetivo de todas as províncias através de meios diretos ou indiretos. Por volta de 1848, seu poder se estendia para além das fronteiras de Buenos Aires e governava toda a Argentina. Enfim, Rosa também tentou anexar os países vizinhos do Uruguai e Paraguai. Os franceses e britânicos retaliaram em conjunto contra o expansionismo argentino, bloqueando Buenos Aires pela maior parte da segunda metade dos anos 1840, porém eventualmente foram incapazes de parar Rosas, cujo prestígio tinha crescido enormemente devido seus  progressivos sucessos.                                   
           O desenvolvimento econômico argentino trouxe um amplo processo de urbanização que ampliou os grupos trabalhadores do país. A ascendência desse novo cenário sócio-político se contrapôs ao controle político das oligarquias que se cristalizaram no poder. As tensões e disputas políticas ficaram assim marcadas pelo surgimento da União Cívica Nacional, que reunia diversos grupos políticos defensores do Estado democrático de direito. Durante a década de 1920, a União Cívica conseguiu chegar ao poder com a eleição de Hipólito Irigoyen. A força política desse novo grupo foi oprimida pelos grupos conservadores que, no ano de 1930, realizaram um golpe de Estado com o apoio dos norte-americanos. Dessa forma, a década de 1930 foi reconhecida como a década da infâmia, onde fraudes eleitorais e a violência davam sustentação à chamada Concordância. No ano de 1943, a Concordância impôs o mandato de Ramon Castilho, que ficaria conhecido como “o último dos presidentes apoiados pelo grupo conservador”. Em seu governo, o coronel Juan Domingo Perón liderou a pasta do Ministério do Trabalho, incentivou a ampliação dos direitos trabalhistas e a organização dos movimentos sindicais argentinos. Seu apelo popular, usualmente dirigido aos “descamisados” da nação argentina, como ocorrera com Collor no Brasil, fez com que Perón vencesse as eleições de 1946. 
     Sua perspectiva política combinava elementos populistas e mecanismo de centralização do poder. O poder de políticas de intervenção foi marcado por baixos preços de consumo e altos salários. De acordo com a interpretação do próprio Juan Perón essa seria a autêntica justiça social necessária ao povo trabalhador argentino. A fama desse seu discurso político de controle da economia acabou dando nome ao seu governo reconhecido como “justicialista”. Em verdade do ponto de vista ideológico o peronismo é a denominação dada genericamente ao Movimento Nacional Justicialista, criado e liderado a partir do pensamento de Juan Domingo Perón, militar e estadista argentino, presidente daquele país, eleito nos pleitos de1946, 1951 e 1973. O Movimento Justicialista transformou-se, mais tarde em Partido Justicialista, então a força política maioritária na Argentina. Os ideais políticos do peronismo se encontram nos escritos de Perón como “La Comunidad Organizada”, “Conducción Política”, “Modelo Argentino para un Proyecto Nacional”, onde expressa a rotinização que continuam influenciando o pensamento teórico acadêmico e na vida política da 2ª maior nação sul-americana.  
        Em 1944, durante uma campanha de socorro às vítimas do terremoto de San Juan, ela conheceu o Juan Domingo Perón, que, aos 48 anos, se encantou com aquela moça de 24 anos e cabelos ainda escuros. Rapidamente o romance entre os dois se tornou público, já que Perón, na época à frente do Ministério do Trabalho, gostava de chocar seus correligionários e amigos ao apresentá-la de maneira formal como sua amante. Após tingir os seus cabelos de loiro para um filme, que depois se tornou a sua marca registrada, Evita falsificou os seus documentos, transformando-se em Maria Eva Duarte, nascida em Junín, em 1923, para poder casar-se legalmente com o coronel Perón em uma cerimônia intima e para poucos amigos. Após a sua forte atuação na campanha presidencial, que levou Perón ao poder em fevereiro de 1946, Eva foi convidada para uma viagem para a Itália, França, Espanha e Suíça, onde passou três meses e retornou com um novo guarda-roupa repleto de roupas de grife. Uma matéria publicada na revista Life, em 1950, mostrando seus inúmeros armários com joias, peles, sapatos e vestidos de grandes estilistas causou espanto na comunidade internacional. No papel de primeira-dama, Evita desenvolveu um trabalho intenso no lado político, criando o Partido Peronista Feminino e dando direito a voto às mulheres em 1947. Ao mesmo tempo, no lado social, desenvolveu a Fundação Eva Perón, onde trabalhava mais de 18 horas por dia distribuindo alimentos, roupas, construindo hospitais, escolas, lares para as chamadas “mães solteiras” e asilos para idosos. Apesar de ter ganhado a simpatia da classe média baixa da população, Evita era severamente atacada pela oposição, que transferiu para ela a antipatia e a rejeição que sentiam por Perón.
            Contudo, os elementos paternalistas e nacionalistas de Juan Perón andavam de mãos dadas com um governo centrista que não aceitava protestos públicos aniquilando a oposição através de um sistema partido único. A popularidade que lhe garantiu um segundo mandato, em 1951, não conseguiu resistir à crise econômica global deflagrada naquele mesmo ano. O papel intervencionista do Estado acabou gerando uma enorme dívida pública incapaz de desenvolver a indústria pesada e de bens não-duráveis. O processo inflacionário veio logo em seguida. A estagnação da economia obrigou tanto seu governo a tomar medidas impopulares que regulavam o consumo e congelava os salários. Juan Perón estabeleceu na Argentina a onda populista que se irradiava de diferentes formas em governos latino-americanos. O projeto de justiça social que encabeça seu governo e o seu poder carismático, aglutinam as classes trabalhadores, as massas, em um novo campo de interação social e política que formam a base política de Perón. Essa fórmula converte-se no movimento peronista, alia um viés justicialista com a preocupação de apoio econômico e político de setores da sociedade argentina, caracterizando-se os movimentos liderados por líderes personalistas da América Latina.     
            Na América Latina, o primeiro país que concedeu o voto às mulheres foi o Equador, em 1929. Na Argentina só após a posse de Juan Domingo Perón, em 1946, é que começou a campanha pelo voto feminino, através de sua esposa Evita, que se empenhou com vontade política por essa conquista, aprovada pelo Congresso em 23 de setembro de 1947. A lei do voto feminino assinada em 1947, e a criação do Partido Feminino tiveram grande importância na inclusão das mulheres no âmbito político foram decisivos para o segundo mandato de Juan Perón. As mulheres que fizeram parte do partido feminino peronista eram escolhidas por Evita Perón devido á sua lealdade partidária. A primeira dama a partir de sua expressão política representou para essas mulheres o principal instrumento ideológico de inclusão na sociedade. A criação do partido feminino contribuiu para construir a sua liderança de Eva Perón, porém não buscava somente esse propósito, mas também o controle social e eleitoral para aumentar a base de sustentação do regime populista. As mulheres escolhidas por Evita trabalhavam nas Unidades Básicas Femininas, que tinham uma política pública voltada para as mulheres e crianças e a proteção da família. Elas trabalhavam principalmente em ligação com a Fundação Eva Perón, pois ajuda social era um dos objetivos clientelista do partido. Com a liderança de Eva, as mulheres conseguiam mais presença política, sendo candidatas aa cargos importantes e participando do rol eleitoral.
            Foi a consagração de Eva Perón, que em 26 de julho de 1949 fundou o Partido Peronista Feminino. A ideia primordial era ter o grande contingente da mulher argentina votando nas eleições que seriam realizadas dois anos depois, com Evita concorrendo como vice-presidente na chapa de seu companheiro, mas a oposição dos militares acaba parcialmente com esse sonho. No dia 11 de novembro de 1951, a mulher argentina vota pela primeira vez e o Partido Comunista tem em sua chapa uma mulher como vice. Com o apoio das mulheres, Perón é reeleito com uma diferença de mais de 1 milhão e oitocentos mil votos sobre o segundo colocado. Para o Congresso foram eleitas 6 senadoras e 23 deputadas peronistas, demostrando a força político-ideológica de Evita Perón, que morreria de câncer no dia 26 de julho de 1952, aos 33 anos de idade. Após a morte da primeira-dama, partido feminino enfraqueceu, mas continuou suas funções com Juan Perón escolhendo as dirigentes e permaneceu a imagem da líder, o seu exemplo e missão de luta pela causa e pela pátria com lealdade, herança que deixou para as peronistas. O Partido Peronista Feminino (PPF) iniciou suas atividades em 1949, sua função era permitir à participação política das mulheres e o exercício de sua cidadania através do trabalho nas unidades básicas, espaço de atuação feminino e extensivo do lar. Por isso, baseando-se na ideologia peronista, tiveram Evita e seus líderes a responsabilidade pela mudança da realidade anterior de inclusão da atuação feminina. 
 Porsche 356 Eva Peron.
            Durante seus dois mandatos Perón colocou um limite de tempo para as horas diárias trabalhadas e estabeleceu um imperativo para a maioria dos trabalhos. Ele pagou a dívida externa e construiu várias obras públicas, como escolas e hospitais. Assim deu aos trabalhadores vários benefícios como, por exemplo, 13 salários por ano, folgas semanais, redução da jornada de trabalho, aumento do salário mínimo, aposentadoria, férias remuneradas, seguro médico e cobertura para os acidentes de trabalho. Sua ideologia é baseada no papel central de trabalhadores na economia e a necessidade de proteger os direitos trabalhistas. Várias medidas sociais foram adotadas pelo governo de Perón. A segurança social tornou-se universal, a educação universitária e livre para os estudantes, foram criados projetos de habitação para os trabalhadores de baixa renda, e 5 semanas de férias. A todos os trabalhadores foram garantidos cuidados médicos gratuitos e metade de seus gastos de férias. As mães obtiveram o direito a três meses de férias pagos antes e depois do parto. Desde a criação do peronismo em 1945 e a legislação trabalhista os candidatos peronistas venceram 9 das 11 eleições presidenciais.  Perón foi o único político argentino eleito presidente por três vezes.    
            A consolidação de uma participação social e política das mulheres no processo democrático são condicionadas a partir do surgimento de uma “ala feminina”, por assim dizer, no movimento peronista, o Partido Peronista Feminino, associado à figura de Eva Perón, tanto como organizadora central quanto como símbolo e modelo de comportamento da mulher no movimento social e político. Em seu livro, Eva Perón diz que a decisão de organizar as mulheres em uma seção separada do partido foi ideia de Perón, e não o resultado de seu próprio interesse e convicção. O critério usado para escolher os membros fundadores do novo partido foi conferir cuidadosamente seus antecedentes e o registro de lealdade a Perón, a amizade com Eva e sua total devoção à ideologia Peronista. O Partido Peronista convocou seus membros para enviar delegados para um grande comício no gigantesco Estádio Luna Park, em Buenos Aires, em 26 de julho de 1949. Esse comício, que era a inauguração formal da nova seção do partido governante, deu a Perón a oportunidade pública da permissão às mulheres do direito de participar separadamente dos homens, e as linhas gerais da natureza e potencial implícito dessa filiação feminina. Esse mecanismo discursivo possibilita explorar a situação dual de uma pessoa que se define, ao mesmo tempo, como “insider” e “outsider” - neste caso Perón, que deixa as mulheres “por conta própria”, mas que está presente com elas através de sua doutrina e através de sua companheira.
           Segundo Zabaleta (2000), de fato, Eva Perón usa interpretação, termos recriados pelo Peronismo, e agora reconhecidos como parte de sua doutrina oficial. Enquanto esses discursos contêm os temas constantes, que caracterizam os discursos para as massas de mulheres da classe trabalhadora, eles a representam muito mais claramente do que antes, como o próprio modelo para as mulheres imitarem na política, para explicar como as mulheres deveriam comportar-se para demonstrar seu apoio ao governo Peronista. O primeiro discurso foi extremamente longo e talvez, seu melhor discurso. O segundo foi curto, dogmático e despojado da maior parte dos mecanismos de oratória, em claro contraste com sua primeira intervenção. Ambos pareciam indicar que a mobilização política das mulheres no explícito apoio ao regime não é meramente uma demanda das mulheres do Peronismo, mas que até meados de 1949 é considerada, pelo próprio Perón, como parcela nevrálgica para a sustentação de seu governo.
       É tarefa vital de Eva Perón, na política fazer as mulheres tomarem conhecimento dessa necessidade. Entre os elementos chave de seu discurso estavam as especificidades da posição política e econômica das mulheres na sociedade, e a implicação da participação das mulheres como um setor autônomo, com sua força política resultando de um conjunto de circunstâncias históricas diferentes, inclusive daquelas dos homens das classes mais pobres. Pode também ser visto que Eva por razões próprias considerou a mobilização das mulheres como uma força separada do restante do partido, porém concebida inteiramente dentro das instruções dadas pelo chefe supremo, o general Perón. Os discursos, com todo o contexto no qual estavam inseridos - uma mobilização política massiva, delegados de todo país chegando na capital, os cinco dias do congresso do partido, os arranjos para a acomodação coletiva. - são exemplos típicos da espécie de comportamento político promovido pelo peronismo e dos valores que ele inspirou, são por si só atos ideológicos como funciona a ideologia.
            Um exemplo conspícuo neste aspecto refere-se ao que a historiadora Sílvia Sigal sustenta que para o conjunto dos intelectuais a ditadura de 1943 e a figura de Perón eram vistos exclusivamente dentro do contexto internacional que opunha aos Aliados da 2ª guerra mundial com o nazismo e o fascismo, e daí que erroneamente “Perón era percebido, sobretudo, como uma figura do regime militar e, dentro deste, formando parte da fração de coronéis pró-nazis”. O antiperonismo dos intelectuais nasceu dessa percepção e não como oposição pública às novas políticas sociais.  A historiadora Flavia Fiorucci reitera que os intelectuais das mais diversas ideologias, desde os que se expressavam na revista liberal estetizante Sur até os que escreviam no conhecido diário socialista La Vanguardia recusaram a Perón em sua grande maioria e que quando este iniciou seu governo “o consideraram como a instauração do fascismo”. Um grupo minoritário de intelectuais apoiou a Perón, integrado por nacionalistas de direita que desconfiavam do sistema democrático e da aliança de Perón com os operários e os nacionalistas populares que procuravam construir uma democracia social, entre os quais  vinham do radicalismo e o grupo La Fuerza de Orientación Radical de la Joven Argentina fundado em 29 de junho de 1935, que atuou dentro da esfera de influência da União Cívica Radical e dissolvida em 1945,  como Arturo Jauretche e Raúl Scalabrini Ortiz, ou do tango, Enrique Santos Discépolo.
         Entre os intelectuais antiperonistas encontrava-se o escritor Julio Cortazar, que refletiu esta confrontação em um famoso conto intitulado: “Casa Tomada”, em sua novela “El Examen”, onde descreve a postura da classe média alta, os sentimentos de medo e a rejeição ante o avanço dos setores mais postergados. Dentro da corrente antiperonistas também se envolveram grupos de inspiração corporativista, fascista, antissemita, nazista e stalinista, bem como partidários das ditaduras militares de direita latino-americanas que tiveram especial importância nas ditaduras autodenominadas “Revolução Libertadora” (1955-1958), “Revolução Argentina” (1966-1973) e “Processo de Reordenação Nacional” (1976-1983). Ainda que Perón fosse militar e tivesse militares peronistas, também o antiperonismo em oposição assimétrica teve presença real nas Forças Armadas e na composição da Marinha.
        Entre os diversos militares que governaram o país o almirante Isaac Rojas, o general Alejandro A. Lanussey, o ex-general Jorge Rafael Videla, mantiveram uma estrita posição antiperonistas. Oscar Camilión, que foi Ministro de Defesa do Processo de Reordenação Nacional e do presidente peronista Carlos Menem, afirmou que o denominador comum da rejeição ao peronismo começou de 1946 em adiante e que no eram necessariamente las ideias econômicas de Perón, nem as ideias sociais, senão certamente seu autoritarismo e a obscurantismo que haviam caracterizado de um modo muito profundo seu sistema. Alguns setores antiperonistas desenvolveram posições racistas de forte conteúdo emocional e grande difusão, no que se considera aos peronistas como negros, dando à palavra negra um sentido pejorativo. Fizeram parte do léxico antiperonistas expressões depreciativas como: “cabeça negra”, “gordura”, ”descamisado”, ou “troncho”. O termo o “aluvião zoológico” definia a chegada do peronismo ao poder, criado pelo deputado radical Ernesto Sammartino (1902-1979), quem por seus discursos no Congresso enfrentou denúncias por desacato e até finalmente exiliar-se. 
         Nas eleições de 1946, quando Juan Domingo Perón foi eleito presidente, foi novamente eleito deputado nacional pela Capital Federal para o período 1946-1950, assumindo uma posição claramente antiperonista. Em 8 de agosto de 1946, ele acusou a maioria peronista de “conhecer as 40 formas de roubo”, razão pela qual foi suspenso por três dias. No decorrer de um debate parlamentar, pronunciou a controversa e famosa expressão “inundação do zoológico”. O evento aconteceu durante a sessão da Câmara dos Deputados em 26 de julho de 1947 quando ele se pronunciou literalmente: - A inundação zoológica de 24 de fevereiro parece ter jogado um deputado em seu banco, de modo que de lá ele miou para as estrelas por uma dieta de 2.500 pesos. Continue miando, isso não me incomoda. Isso levou a um duelo de pistolas entre Sammartino e Eduardo Colom. Mais tarde, Ernesto Sammartino explicou que com sua expressão não se referia a simpatizantes peronistas, mas a os núcleos de grupos de militantes, organizados ou inorgânicos, que não representavam o povo autêntico da Nação, e que na busca da justiça social não hesitaram em denegrir a liberdade. 
            Em decorrência dessas manifestações, em 5 de agosto de 1948, foi expulso da Câmara dos Deputados pelo voto dos legisladores peronistas, deixando-o sem imunidade parlamentar. Em setembro de 1948 ele participou de um ato público com Ricardo Balbín e Arturo Frondizi na Plaza Constitución quando a polícia começou a cercar o local para prendê-lo. Sammartino, que na época já acumulava oito processos de desacato, conseguiu deixar o local e, posteriormente, seguir para o Uruguai via Carmelo com documentos falsos, ficando até 1955. Depois que Perón foi derrubado em 1955, ele retornou ao país. Quando a União Cívica Radical se separou em 1957, optou por pertencer à União Cívica Radical Popular. Nessa ocasião ingressou no setor sindical como candidato a Vice-Presidente da Nação, acompanhando Miguel Ángel Zavala Ortiz, fórmula que foi derrotada nas eleições internas pelo binômio Ricardo Balbín - Santiago H. del Castillo. Em 1960 foi eleito deputado nacional novamente, mas seu mandato foi interrompido pelo golpe político-militar de 1962 que derrubou o presidente Arturo Frondizi. Foi embaixador da Argentina no Peru durante o governo do médico Arturo Illia.
Bibliografia geral consultada.
SÁ, Cristina Isabel Abreu Campolina, A Palavra de Perón: Análise do Discurso e da Política Trabalhista Argentina (1943-1949). Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em História. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Departamento de História. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2007;  HAINES, Andrés Ernesto Ferrari, O Peronismo: Um Fenômeno Argentino. Uma Interpretação da Política Econômica Argentina: 1946-1955. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Economia. Faculdade de Ciências Econômicas. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2008; ZANATTA, Loris, Eva Perón. Una Biografia Política. Buenos Aires: Editora Sudamérica, 2011; BEIER, Leandro, Mito, História y Política: Una Lectura de La Razón de mi Vida. Buenos Aires: Departamento de Humanidades. Bahía Blanca (AR): Universidad Nacional Del Sur, 2013; SECCHES, Pedro, Max Weber e a Racionalização: Passos Iniciais para a Compreensão e a Crítica do Mundo Moderno. Dissertação de Mestrado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Filosofia. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2014; SANTOS, Jean Isidio dos, O Documentário como Crítica Social: A Representação da Crise Neoliberal da Argentina na Câmera de Pino Solanas. Dissertação de Mestrado. Goiânia: Unidade Universitária de Ciências Socioeconômicas e Humanas. Anápolis: Universidade Estadual de Goiás, 2014; GONZÁLEZ URREGO, Alejandro, A Construção do Corpo de Evita no Romance Santa Evita, de Tomás Martínez. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários. Faculdade de Ciências e Letras. Araraquara: Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, 2015; SOUZA, Renata Alves Melki de, A Imagem de Eva: O Governo Peronista. Dissertação de Mestrado em História Social. Programa de Estudos Pós-Graduados em História. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2016; FINCHELSTEIN, Federico, The Ideological Origins of the Dirty War: Fascism, Populism and Dictatorship in Twentieth-Century Argentina. USA: Oxford University Press, 2017; PIRES, Maria Raquel Gomes Maia, Críticas de Marx, Weber e Lukács ao Capitalismo: Ideologia, Ética e Reificação como Meios de Racionalização e de Justificação. In: Pólemos - Revista de Estudantes de Filosofia da Universidade de Brasília, 7 (13), 48-65, 2018; entre outros.

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