Ubiracy de Souza Braga
“O velório durou 12 dias, e seu
ataúde foi beijado por milhões de argentinos”. In: Folha de S. Paulo, 15.10. 2015.
O mais impressionante na história da
vida de María Eva Ibarguren de Duarte, nascida em 1919, no município de Los
Toldos, uma cidade da Argentina, localizada na província de Buenos Aires é que se
tornou a cidade natal de Evita Perón. Leva esse nome por ter sido colonizado e
ocupado inicialmente pelos índios e suas tendas eram chamadas de toldos. Seu ersatz foi o caminho meteórico que ela
percorreu na vida pública. Isto quer dizer o seguinte. Entre o aparente
desconhecimento público ao mais absoluto resplendor pessoal e político da vida
e em seguida a morte. Tudo ocorreu em apenas 7 anos e nesse curto tempo/espaço
ela saiu do anonimato para se tornar uma das mulheres mais poderosas do mundo.
Na breve existência de 33 anos de idade há muitos mistérios, entre fatos
sociais pouco esclarecidos, mas principalmente uma personalidade marcante.
Representou uma figura chave de um regime ancorado no paternalismo e na
demagogia. Mais do que uma estadista, mais do que um pivô ou um esteio sobre o
qual o governo populista de Perón se apoia, Evita ganha voz própria porque ela
encarnou em si ambições e pretensões políticas e sociais. Sua transcendência
está consubstanciada na sua fantástica ascensão sócio-política. Uma mulher que
venceu através dos mecanismos próprios da política. Soube espelhar um
sistema de poder centrado na sedução em torno do carisma e no ascendente
feminismo populista. Através da sedução coletiva das massas, do fascínio e da
ascese que acarreta pode firmar-se um regime deste tipo.
Na passagem do século XIX para o XX,
a Argentina viveu um período próspero e estável logo após o fim da ditadura de
Juan Manuel Rosas. O cenário político era regido por um Estado Liberal onde os
grandes proprietários de terra e a burguesia financeira equilibrava-se no
controle do poder. O crescimento da economia argentina ocorria a largos passos
e aproveitou da crise econômica europeia no início do século XX para ampliar
seu parque industrial. Juan Manuel José Domingo Ortiz de Rosas, apelidado de “o
Restaurador das Leis”, foi um político e oficial militar argentino que governou
a província de Buenos Aires e brevemente a Confederação Argentina. Nasceu em
uma família rica, porém mesmo assim conseguiu acumular uma riqueza pessoal,
adquirindo grandes extensões de terra no processo. Ortiz de Rosas colocou seus
trabalhadores em uma milícia particular, algo comum para proprietários rurais
da época, e participou de disputas entre facções que levaram a várias guerras
civis no país. Foi bem sucedido na guerra, conseguiu influência pessoal e era
seguido por um exército particular leal, tornando-se o modelo do caudilho, como os senhores provinciais
da região eram conhecidos. Rosas eventualmente alcançou a patente de
brigadeiro-general, a mais alta do exército argentino, e tornou-se o líder incontestável
do Partido Federal.
Rosas foi eleito governador em
dezembro de 1829 e estabeleceu uma ditadura apoiada pelo terrorismo de Estado.
Assinou o Pacto Federal em 1831, reconhecendo a autonomia provincial e criando
a Confederação Argentina. Seu mandato terminou em 1832 e Rosas partiu para as
fronteiras a fim de travar uma guerra contra populações indígenas. Seus
apoiadores realizaram em 1835 um golpe de Estado em Buenos Aires e pediram para
que ele retornasse mais uma vez como governador. Rosas restabeleceu sua
ditadura e formou a Mazorca, “uma polícia armada repressiva que matou centenas
de civis”. As eleições acabaram tornando-se farsas e os poderes legislativo e
judiciário foram transformados em instrumentos de sua vontade. Rosas também
criou um culto de personalidade e seu regime se tornou totalitário, com todos
os aspectos da sociedade sendo rigidamente controlados. Enfrentou muitas
ameaças contra seu poder no final da década de 1830 e início da de 1840 quando
travou uma guerra com a Confederação Peru-Boliviana, sofreu um bloqueio naval
promovido pela França. Enfrentou uma revolta em sua própria província e lutou
durante anos contra uma rebelião que se espalhou pelos outros territórios.
Mesmo assim perseverou e ampliou sua influência, exercendo controle efetivo de
todas as províncias através de meios diretos ou indiretos. Por volta de 1848,
seu poder se estendia para além das fronteiras de Buenos Aires e governava toda
a Argentina. Enfim, Rosa também tentou anexar os países vizinhos do Uruguai e
Paraguai. Os franceses e britânicos retaliaram em conjunto contra o
expansionismo argentino, bloqueando Buenos Aires pela maior parte da segunda
metade dos anos 1840, porém eventualmente foram incapazes de parar Rosas, cujo
prestígio tinha crescido enormemente devido seus progressivos sucessos.
O desenvolvimento econômico
argentino trouxe um amplo processo de urbanização que ampliou os grupos
trabalhadores do país. A ascendência desse novo cenário sócio-político se
contrapôs ao controle político das oligarquias que se cristalizaram no poder.
As tensões e disputas políticas ficaram assim marcadas pelo surgimento da União
Cívica Nacional, que reunia diversos grupos políticos defensores do Estado
democrático de direito. Durante a década de 1920, a União Cívica conseguiu
chegar ao poder com a eleição de Hipólito Irigoyen. A força política desse novo
grupo foi oprimida pelos grupos conservadores que, no ano de 1930, realizaram
um golpe de Estado com o apoio dos norte-americanos. Dessa forma, a década de
1930 foi reconhecida como a década da infâmia, onde fraudes eleitorais e a
violência davam sustentação à chamada Concordância. No ano de 1943, a
Concordância impôs o mandato de Ramon Castilho, que ficaria conhecido como “o
último dos presidentes apoiados pelo grupo conservador”. Em seu governo, o
coronel Juan Domingo Perón liderou a pasta do Ministério do Trabalho, incentivou
a ampliação dos direitos trabalhistas e a organização dos movimentos sindicais
argentinos. Seu apelo popular, usualmente dirigido aos “descamisados” da nação
argentina, como ocorrera com Collor no Brasil, fez com que Perón vencesse as
eleições de 1946.
Sua perspectiva política combinava elementos populistas e
mecanismo de centralização do poder. O poder de políticas de intervenção foi
marcado por baixos preços de consumo e altos salários. De acordo com a interpretação do
próprio Juan Perón essa seria a autêntica justiça social necessária ao povo trabalhador
argentino. A fama desse seu discurso político de controle da economia acabou
dando nome ao seu governo reconhecido como “justicialista”. Em verdade do ponto
de vista ideológico o peronismo é a denominação dada genericamente ao Movimento Nacional Justicialista, criado
e liderado a partir do pensamento de Juan Domingo Perón, militar e estadista
argentino, presidente daquele país, eleito nos pleitos de1946, 1951 e 1973. O Movimento Justicialista transformou-se,
mais tarde em Partido Justicialista, então a força política maioritária na
Argentina. Os ideais políticos do peronismo se encontram nos escritos de Perón
como “La Comunidad Organizada”, “Conducción Política”, “Modelo Argentino para
un Proyecto Nacional”, onde expressa a rotinização que continuam influenciando o pensamento teórico acadêmico e na vida política
da 2ª maior nação sul-americana.
Em 1944, durante uma campanha de
socorro às vítimas do terremoto de San Juan, ela conheceu o Juan Domingo Perón,
que, aos 48 anos, se encantou com aquela moça de 24 anos e cabelos ainda
escuros. Rapidamente o romance entre os dois se tornou público, já que Perón,
na época à frente do Ministério do Trabalho, gostava de chocar seus correligionários
e amigos ao apresentá-la de maneira formal como sua amante. Após tingir os seus
cabelos de loiro para um filme, que depois se tornou a sua marca registrada,
Evita falsificou os seus documentos, transformando-se em Maria Eva Duarte,
nascida em Junín, em 1923, para poder casar-se legalmente com o coronel Perón
em uma cerimônia intima e para poucos amigos. Após a sua forte atuação na
campanha presidencial, que levou Perón ao poder em fevereiro de 1946, Eva foi
convidada para uma viagem para a Itália, França, Espanha e Suíça, onde passou
três meses e retornou com um novo guarda-roupa repleto de roupas de grife. Uma
matéria publicada na revista Life, em
1950, mostrando seus inúmeros armários com joias, peles, sapatos e vestidos de
grandes estilistas causou espanto na comunidade internacional. No papel de
primeira-dama, Evita desenvolveu um trabalho intenso no lado político, criando
o Partido Peronista Feminino e dando
direito a voto às mulheres em 1947. Ao mesmo tempo, no lado social, desenvolveu
a Fundação Eva Perón, onde trabalhava mais de 18 horas por dia distribuindo
alimentos, roupas, construindo hospitais, escolas, lares para as chamadas “mães
solteiras” e asilos para idosos. Apesar de ter ganhado a simpatia da classe
média baixa da população, Evita era severamente atacada pela oposição, que
transferiu para ela a antipatia e a rejeição que sentiam por Perón.
Contudo, os elementos paternalistas
e nacionalistas de Juan Perón andavam de mãos dadas com um governo centrista
que não aceitava protestos públicos aniquilando a oposição através de um
sistema partido único. A popularidade que lhe garantiu um segundo mandato, em
1951, não conseguiu resistir à crise econômica global deflagrada naquele mesmo
ano. O papel intervencionista do Estado acabou gerando uma enorme dívida
pública incapaz de desenvolver a indústria pesada e de bens não-duráveis. O
processo inflacionário veio logo em seguida. A estagnação da economia obrigou tanto
seu governo a tomar medidas impopulares que regulavam o consumo e congelava os
salários. Juan Perón estabeleceu na Argentina a onda populista que se irradiava
de diferentes formas em governos latino-americanos. O projeto de justiça social
que encabeça seu governo e o seu poder carismático, aglutinam as classes
trabalhadores, as massas, em um novo campo de interação social e política que
formam a base política de Perón. Essa fórmula converte-se no movimento
peronista, alia um viés justicialista com a preocupação de apoio econômico e
político de setores da sociedade argentina, caracterizando-se os movimentos
liderados por líderes personalistas da América Latina.
Na América Latina, o primeiro país
que concedeu o voto às mulheres foi o Equador, em 1929. Na Argentina só após a
posse de Juan Domingo Perón, em 1946, é que começou a campanha pelo voto
feminino, através de sua esposa Evita, que se empenhou com vontade política por
essa conquista, aprovada pelo Congresso em 23 de setembro de 1947. A lei do
voto feminino assinada em 1947, e a criação do Partido Feminino tiveram grande importância
na inclusão das mulheres no âmbito político foram decisivos para o segundo mandato
de Juan Perón. As mulheres que fizeram parte do partido feminino peronista eram
escolhidas por Evita Perón devido á sua lealdade partidária. A primeira dama a
partir de sua expressão política representou para essas mulheres o principal
instrumento ideológico de inclusão na sociedade. A criação do partido feminino
contribuiu para construir a sua liderança de Eva Perón, porém não buscava
somente esse propósito, mas também o controle social e eleitoral para aumentar
a base de sustentação do regime populista. As mulheres escolhidas por Evita
trabalhavam nas Unidades Básicas Femininas,
que tinham uma política pública voltada para as mulheres e crianças e a
proteção da família. Elas trabalhavam principalmente em ligação com a Fundação
Eva Perón, pois ajuda social era um dos objetivos clientelista do partido. Com
a liderança de Eva, as mulheres conseguiam mais presença política, sendo
candidatas aa cargos importantes e participando do rol eleitoral.
Foi a consagração de Eva Perón, que
em 26 de julho de 1949 fundou o Partido Peronista Feminino. A ideia primordial
era ter o grande contingente da mulher argentina votando nas eleições que
seriam realizadas dois anos depois, com Evita concorrendo como vice-presidente na
chapa de seu companheiro, mas a oposição dos militares acaba parcialmente com
esse sonho. No dia 11 de novembro de 1951, a mulher argentina vota pela
primeira vez e o Partido Comunista tem em sua chapa uma mulher como vice. Com o
apoio das mulheres, Perón é reeleito com uma diferença de mais de 1 milhão e
oitocentos mil votos sobre o segundo colocado. Para o Congresso foram eleitas 6
senadoras e 23 deputadas peronistas, demostrando a força político-ideológica de
Evita Perón, que morreria de câncer no dia 26 de julho de 1952, aos 33 anos de
idade. Após a morte da primeira-dama, partido feminino enfraqueceu, mas
continuou suas funções com Juan Perón escolhendo as dirigentes e permaneceu a
imagem da líder, o seu exemplo e missão de luta pela causa e pela pátria com
lealdade, herança que deixou para as peronistas. O Partido Peronista Feminino
(PPF) iniciou suas atividades em 1949, sua função era permitir à participação
política das mulheres e o exercício de sua cidadania através do trabalho nas
unidades básicas, espaço de atuação feminino e extensivo do lar. Por isso, baseando-se
na ideologia peronista, tiveram Evita e seus líderes a responsabilidade pela
mudança da realidade anterior de inclusão da atuação feminina.
Porsche 356 Eva Peron. |
Durante seus dois mandatos Perón
colocou um limite de tempo para as horas diárias trabalhadas e estabeleceu um
imperativo para a maioria dos trabalhos. Ele pagou a dívida externa e construiu
várias obras públicas, como escolas e hospitais. Assim deu aos trabalhadores
vários benefícios como, por exemplo, 13 salários por ano, folgas semanais,
redução da jornada de trabalho, aumento do salário mínimo, aposentadoria, férias
remuneradas, seguro médico e cobertura para os acidentes de trabalho. Sua
ideologia é baseada no papel central de trabalhadores na economia e a
necessidade de proteger os direitos trabalhistas. Várias medidas sociais foram
adotadas pelo governo de Perón. A segurança social tornou-se universal, a
educação universitária e livre para os estudantes, foram criados projetos de
habitação para os trabalhadores de baixa renda, e 5 semanas de férias. A todos
os trabalhadores foram garantidos cuidados médicos gratuitos e metade de seus
gastos de férias. As mães obtiveram o direito a três meses de férias pagos
antes e depois do parto. Desde a criação do peronismo em 1945 e a legislação
trabalhista os candidatos peronistas venceram 9 das 11 eleições presidenciais. Perón foi o único político argentino
eleito presidente por três vezes.
A consolidação de uma participação social e política das mulheres no
processo democrático são condicionadas a partir do surgimento de uma “ala
feminina”, por assim dizer, no movimento peronista, o Partido Peronista Feminino, associado à figura de Eva Perón, tanto
como organizadora central quanto como símbolo e modelo de comportamento da
mulher no movimento social e político. Em seu livro, Eva Perón diz que a
decisão de organizar as mulheres em uma seção separada do partido foi ideia de
Perón, e não o resultado de seu próprio interesse e convicção. O critério usado
para escolher os membros fundadores do novo partido foi conferir cuidadosamente
seus antecedentes e o registro de lealdade a Perón, a amizade com Eva e sua
total devoção à ideologia Peronista. O Partido Peronista convocou seus membros
para enviar delegados para um grande comício no gigantesco Estádio Luna Park,
em Buenos Aires, em 26 de julho de 1949. Esse comício, que era a inauguração
formal da nova seção do partido governante, deu a Perón a oportunidade pública
da permissão às mulheres do direito de participar separadamente dos homens, e
as linhas gerais da natureza e potencial implícito dessa filiação feminina. Esse
mecanismo discursivo possibilita explorar a situação dual de uma pessoa que se
define, ao mesmo tempo, como “insider” e “outsider” - neste caso Perón, que deixa as mulheres “por conta própria”, mas que está presente com elas através
de sua doutrina e através de sua companheira.
Segundo Zabaleta (2000), de fato,
Eva Perón usa interpretação, termos recriados pelo Peronismo, e agora
reconhecidos como parte de sua doutrina oficial. Enquanto esses discursos
contêm os temas constantes, que caracterizam os discursos para as massas de
mulheres da classe trabalhadora, eles a representam muito mais claramente do
que antes, como o próprio modelo para as mulheres imitarem na política, para
explicar como as mulheres deveriam comportar-se para demonstrar seu apoio ao
governo Peronista. O primeiro discurso foi extremamente longo e talvez, seu
melhor discurso. O segundo foi curto, dogmático e despojado da maior parte dos
mecanismos de oratória, em claro contraste com sua primeira intervenção. Ambos
pareciam indicar que a mobilização política das mulheres no explícito apoio ao
regime não é meramente uma demanda das mulheres do Peronismo, mas que até
meados de 1949 é considerada, pelo próprio Perón, como parcela nevrálgica para
a sustentação de seu governo.
É tarefa vital de Eva Perón, na
política fazer as mulheres tomarem conhecimento dessa necessidade. Entre os
elementos chave de seu discurso estavam as especificidades da posição política
e econômica das mulheres na sociedade, e a implicação da participação das
mulheres como um setor autônomo, com sua força política resultando de um
conjunto de circunstâncias históricas diferentes, inclusive daquelas dos homens
das classes mais pobres. Pode também ser visto que Eva por razões próprias considerou
a mobilização das mulheres como uma força separada do restante do partido,
porém concebida inteiramente dentro das instruções dadas pelo chefe supremo, o
general Perón. Os discursos, com todo o contexto no qual estavam inseridos -
uma mobilização política massiva, delegados de todo país chegando na capital,
os cinco dias do congresso do partido, os arranjos para a acomodação coletiva. - são exemplos típicos da espécie de comportamento político promovido pelo
peronismo e dos valores que ele inspirou, são por si só
atos ideológicos como funciona a ideologia.
Um exemplo conspícuo neste aspecto
refere-se ao que a historiadora Sílvia Sigal sustenta que para o conjunto dos
intelectuais a ditadura de 1943 e a figura de Perón eram vistos exclusivamente
dentro do contexto internacional que opunha aos Aliados da 2ª guerra mundial com
o nazismo e o fascismo, e daí que erroneamente “Perón era percebido, sobretudo,
como uma figura do regime militar e, dentro deste, formando parte da fração de
coronéis pró-nazis”. O antiperonismo dos intelectuais nasceu dessa percepção e
não como oposição pública às novas políticas sociais. A historiadora Flavia Fiorucci reitera que os
intelectuais das mais diversas ideologias, desde os que se expressavam na
revista liberal estetizante Sur até
os que escreviam no conhecido diário socialista La Vanguardia recusaram a Perón em sua grande maioria e que quando
este iniciou seu governo “o consideraram como a instauração do fascismo”. Um
grupo minoritário de intelectuais apoiou a Perón, integrado por nacionalistas
de direita que desconfiavam do sistema democrático e da aliança de Perón com os
operários e os nacionalistas populares que procuravam construir uma democracia
social, entre os quais vinham do radicalismo e o grupo La Fuerza de Orientación Radical de la Joven
Argentina fundado em 29 de junho de 1935, que atuou
dentro da esfera de influência da União Cívica Radical e dissolvida em 1945, como Arturo Jauretche e Raúl Scalabrini Ortiz,
ou do tango, Enrique Santos Discépolo.
Entre os intelectuais antiperonistas
encontrava-se o escritor Julio Cortazar, que refletiu esta confrontação em um
famoso conto intitulado: “Casa Tomada”, em sua novela “El Examen”, onde
descreve a postura da classe média alta, os sentimentos de medo e a rejeição
ante o avanço dos setores mais postergados. Dentro da corrente antiperonistas
também se envolveram grupos de inspiração corporativista, fascista,
antissemita, nazista e stalinista, bem como partidários das ditaduras militares
de direita latino-americanas que tiveram especial importância nas ditaduras
autodenominadas “Revolução Libertadora” (1955-1958), “Revolução Argentina”
(1966-1973) e “Processo de Reordenação Nacional” (1976-1983). Ainda que Perón
fosse militar e tivesse militares peronistas, também o antiperonismo em
oposição assimétrica teve presença real nas Forças Armadas e na composição da Marinha.
Entre os diversos militares que
governaram o país o almirante Isaac Rojas, o general Alejandro A. Lanussey, o
ex-general Jorge Rafael Videla, mantiveram uma estrita posição antiperonistas. Oscar
Camilión, que foi Ministro de Defesa do Processo de Reordenação Nacional e do
presidente peronista Carlos Menem, afirmou que o denominador comum da rejeição
ao peronismo começou de 1946 em adiante e que no eram necessariamente las ideias
econômicas de Perón, nem as ideias sociais, senão certamente seu autoritarismo
e a obscurantismo que haviam caracterizado de um modo muito profundo seu
sistema. Alguns setores antiperonistas desenvolveram posições racistas de forte
conteúdo emocional e grande difusão, no que se considera aos peronistas como
negros, dando à palavra negra um sentido pejorativo. Fizeram parte do léxico antiperonistas
expressões depreciativas como: “cabeça negra”, “gordura”, ”descamisado”, ou “troncho”.
O termo o “aluvião zoológico” definia a chegada do peronismo ao poder, criado
pelo deputado radical Ernesto Sammartino (1902-1979), quem por seus discursos no Congresso
enfrentou denúncias por desacato e até finalmente exiliar-se.
Nas
eleições de 1946, quando Juan Domingo Perón foi eleito presidente, foi
novamente eleito deputado nacional pela Capital Federal para o período
1946-1950, assumindo uma posição claramente antiperonista. Em 8 de agosto de
1946, ele acusou a maioria peronista de “conhecer as 40 formas de roubo”, razão
pela qual foi suspenso por três dias. No decorrer de um debate parlamentar,
pronunciou a controversa e famosa expressão “inundação do zoológico”. O evento
aconteceu durante a sessão da Câmara dos Deputados em 26 de julho de 1947
quando ele se pronunciou literalmente: - A inundação zoológica de 24 de fevereiro
parece ter jogado um deputado em seu banco, de modo que de lá ele miou para as
estrelas por uma dieta de 2.500 pesos. Continue miando, isso não me incomoda. Isso
levou a um duelo de pistolas entre Sammartino e Eduardo Colom. Mais tarde, Ernesto Sammartino explicou que com sua expressão não se referia a simpatizantes
peronistas, mas a os núcleos de grupos de militantes, organizados ou inorgânicos, que não
representavam o povo autêntico da Nação, e que na busca da justiça social não
hesitaram em denegrir a liberdade.
Em
decorrência dessas manifestações, em 5 de agosto de 1948, foi expulso da Câmara
dos Deputados pelo voto dos legisladores peronistas, deixando-o sem imunidade
parlamentar. Em setembro de 1948 ele participou de um ato público com Ricardo
Balbín e Arturo Frondizi na Plaza Constitución quando a polícia começou a
cercar o local para prendê-lo. Sammartino, que na época já acumulava oito
processos de desacato, conseguiu deixar o local e, posteriormente, seguir para
o Uruguai via Carmelo com documentos falsos, ficando até 1955. Depois que Perón
foi derrubado em 1955, ele retornou ao país. Quando a União Cívica Radical se
separou em 1957, optou por pertencer à União Cívica Radical Popular.
Nessa ocasião ingressou no setor sindical como candidato a Vice-Presidente da
Nação, acompanhando Miguel Ángel Zavala Ortiz, fórmula que foi derrotada nas
eleições internas pelo binômio Ricardo Balbín - Santiago H. del Castillo. Em
1960 foi eleito deputado nacional novamente, mas seu mandato foi interrompido
pelo golpe político-militar de 1962 que derrubou o presidente Arturo Frondizi. Foi
embaixador da Argentina no Peru durante o governo do médico Arturo Illia.
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