Helena Hirata - Solidariedade & Aspectos do Feminismo Materialista.
Ubiracy de Souza Braga
“O pássaro na gaiola, a parede das prisões, é
ainda mais penoso viver nos dormitórios”. Helena Hirata
A sociologia francesa do
trabalho como disciplina científica teve como objeto central o operário do sexo
masculino da empresa industrial, como figura arquetípica considerada universal.
Com o crescimento do mercado feminino e o desenvolvimento do terciário, setor
majoritariamente feminino. As pesquisas sobre divisão sexual do trabalho e
relações sociais de sexo/ gênero demonstraram que uma análise de gênero muda quase
que radicalmente as condições de produção dos conhecimentos sobre o trabalho. Os
trabalhos masculino e feminino são comparáveis se partimos do conceito marxista
de trabalho, enquanto trabalho formal e informal, profissional e doméstico,
remunerado e não-remunerado. A introdução do conceito de gênero nas análises da
sociologia clássica do trabalho, como o emprego, o desemprego, a qualificação, os
movimentos sociais, os modelos produtivos ou a “especialização flexível”, desloca
a ordem tradicional masculina e produz novos conhecimentos. Qualificação do
trabalho não tem a mesma significação conjugada no masculino ou
no feminino. O desemprego tem implicações contrastadas para homens e mulheres.
Os processos de “requalificação” atingem os homens e muito pouco as mulheres na
produção.
O trabalho não representa apenas
a produção de objetos-mercadoria, a força de trabalho não é mais apenas sujeita
à inércia das coisas, o trabalho não é mais apenas o instrumento da sociedade procurando
organizar a sobrevivência. Trabalho, força de trabalho, capacidade de trabalho
e trabalhador tendem a unificar-se em pessoas
que se produzem reproduzindo o mundo. E essa produção ocorre igualmente nos
locais de trabalho, escolas, bares, estádios, viagens, teatros, concertos,
jornais, livros, exposições, comunas, bairros, grupos de discussão e de luta,
em suma em todos os lugares onde os indivíduos relacionam-se uns com os outros
e produzem o universo das relações humanas. Cada vez mais, essa produção tende
a fazer parte integrante não somente da produção do homem, mas da reprodução –
necessariamente ampliada – da própria força de trabalho. O desenvolvimento
internacional e intercontinental das trocas; a divisão do trabalho em escala de
espaços econômicos cada vez mais vastos; a tendência às especializações
regionais e nacionais; a rapidez das comunicações massivas, põem cada
atividade produtiva, através do jogo das mediações, cada vez mais
numerosas com o universo inteiro e tendem à sua unificação prática.
A introdução do conceito de
gênero na sociologia do trabalho renovou os conceitos e os paradigmas sociológicos.
Mas a questão ideológica presente na disciplina ainda são se constituem através
dos gender-blinded e não normatizam os
resultados das pesquisas que são realizadas. Em primeiro lugar porque o
marxismo influenciou historicamente correntes feministas como o “feminismo
operário” e o “feminismo materialista”. No primeiro caso a greve de fome de
Domitila Barrios, na Bolívia, junto aos mineiros e ao Comitê de Donas de Casa
do Distrito Mineiro, é um dos exemplos mais conhecidos. Também existe uma
tradição de comitês de apoio de mulheres nos Estados Unidos da América (EUA),
desde a mítica greve do Pan y Rosas de 1912, aonde se organizaram reuniões de
crianças dentro do sindicato, para do ponto de vista da formação da consciência
lhes explicar por que suas mães e seus pais estavam lutando, combatendo assim a
propaganda anti-operária nas escolas e na imprensa classista. Nesta luta também
se destacou uma grande organização de famílias solidárias, o que permitiu que
enviassem suas próprias crianças para distintas cidades, enquanto se
desenvolvia o conflito de classes, para que fossem cuidadas por outras pessoas,
e para que os grevistas tivessem a tranquilidade para prosseguirem
em sua luta.
Domitila Barrios de Chungara foi
uma líder operária. De família humilde deu numerosos depoimentos a respeito do
sofrimento que tinham os mineiros de seu país. Tornou-se famosa por sua luta
“pela via pacífica” contra as ditaduras de René Barrientos Ortuño e de Hugo
Banzer Suárez. Domitila Barrios Chungara nasceu no dia 7 de maio de 1937 na
comunidade Catavi, dentro da mina Siglo XX. Quando tinha dez anos, os rigores
da vida do povo mineiro acabaram com a vida de sua mãe; teve então que cuidar das
suas cinco irmãs menores, pois seu pai passava todo o dia trabalhando. Com o
passar dos anos, deixou de ser uma mera vítima das circunstâncias
convertendo-se em dona de seu próprio destino. Em 1952, como esposa de um
trabalhador mineiro, fez parte do Comité de Amas de Casa del Distrito Minero
Siglo XX, “um centro mineiro boliviano, produtor de estanho, pertencente ao
Estado e administrado pela Corporación
Minera de Bolívia (COMIBOL) desde 1952, quando as minas foram
nacionalizadas. Antes, pertencia aos assim chamados “barões do estanho”:
Patiño, Hoscild e Aramayo. É um centro mineiro famoso, não
somente pela quantidade de mineral extraído da mina, senão por ser o maior do
país, e pelo espírito de luta que tem caracterizado os trabalhadores, através
da organização e de líderes conscientes (cf.
Viezzer, 1977). Sua liderança já era evidente, o que a levou a ser designada
Secretária Geral dessa importante organização. O último teve grande êxito na
França, onde se desenvolveram conceitos em torno das relações sociais de sexo pelo
fato de partirem da premissa da articulação com as relações sociais de gênero,
raça e classe que por regra foram tomadas como similares ou intercambiáveis
sociologicamente. No âmbito da modernidade o “trabalho de cuidado” (“care work”)
representa uma atividade profissional em plena expansão na economia de serviços
em escala internacionalmente globalizada. Às mulheres tem sido confiado o
encargo do cuidado domiciliar estratificadamente das pessoas idosas, das
crianças, dos portadores de deficiência e dos doentes. Elas
enfrentam dificuldades crescentes para cuidar dos membros dependentes da
família uma vez que estão inseridas no mercado de trabalho como assalariadas. As profissões relacionadas ao “care” e, em geral no setor de
serviços nos países recém-industrializados, se explica pela
conjunção desses fatores sociais e políticos do mundo contemporâneo.
A observação empírica demonstra
que, pelo contrário, ao aumento do nível de vida pode ir junto com uma
exacerbação das necessidades fundamentais. Na França principalmente, o grau de
insatisfação destas (a pobreza como realidade ressentida) não diminuiu de 1950
a 1960, enquanto a produção quase duplicou. O desenvolvimento das necessidades
foi tão rápido (algumas vezes mais rápido) quanto o desenvolvimento do produto
social: o sentimento de pobreza em anda foi afetado pela multiplicação das
riquezas. Do ponto de vista disciplinar embora a divisão sexual do trabalho
tenha sido objeto de trabalhos precursores em diversos países, foi na França,
no início dos anos 1970, sob o impulso do movimento feminista, que surgiu uma
onda de trabalhos que rapidamente assentariam as bases teóricas desse conceito.
Primeiro na Etnologia, depois na Sociologia e na História. Assim, inicialmente,
a divisão sexual do trabalho tinha o estatuto de articulação de duas esferas.
Porém, essa noção de articulação logo se mostra insuficiente, o que nos levou a
um segundo nível de análise: a conceptualização dessa relação social recorrente
entre o grupo dos homens e o das mulheres. Essa foi a origem do que na França
passou a se chamar de “relações sociais de sexo”. Além disso, que ela passou a
ser indissociável da teorização em termos de divisão sexual do trabalho.
A abordagem através da divisão
sexual do trabalho, segundo Helena Hirata, deveria permitir o rompimento das
categorias tradicionais da sociologia industrial e de uma das concepções
marxistas da separação – demasiado simplista – entre a esfera produtiva
(produção de valor) e a esfera reprodutiva (produção de valores de uso não
mercantis), com vistas à elaboração de novos conceitos que superem de um lado,
a universalidade apenas aparente das categorias da economia política, muito
frequentemente calcadas num modelo masculino, e que rompam com a divisão rígida
das disciplinas, que caracterizam atualmente as ciências sociais. Nosso objeto
de estudo – a divisão sexual do trabalho na reprodução das relações mercantis no
Japão – convém melhor do que qualquer outro para tal posicionamento, na medida
em que o caso japonês é particularmente exemplar: fluidez da linha de
demarcação entre tempo de trabalho e tempo de extratrabalho, atividade
profissional e pessoal, pública e privada; fluidezna qual desempenha um papel decisivo o lugar
primitivo atribuído às mulheres no seio da sociedade capitalista desenvolvida.
A primeira marca histórica do patriarcado na divisão do trabalho segundo os
sexos aparece no nível da linguagem.
Essa divisão do trabalho segundo
os sexos, indicada no nível da linguagem, é praticada desde o nascimento,
pontuada por ritos e marcada por inumeráveis símbolos. Com efeito, a aceitação
e a interiorização da divisão sexual do trabalho tanto entre trabalho doméstico
e trabalho assalariado quanto no interior mesmo do trabalho assalariado são o
objetivo da socialização inicial das crianças. Essa educação é condição prévia
da aceitação e interiorização mesmas da autoridade mediante aprendizado, na
escola, das formas de linguagem diferenciadas de acordo com o estatuto social
do emissor e do receptor. Assim, desde o nascimento, a menina será educada
dentro do respeito pelos homens, que serão os primeiros (contrariamente ao Ladies first da etiqueta ocidental) a
ser servidos à mesa e a ter os melhores pedaços; os primeiros a entrar no
banho; o que consagra e reproduza o preceito feudal das mulheres dentro e dos
homens fora (“oto wa sotomawari, tsuma wa utimawari”) e a regra de obediência
em ordem: quando jovem, ao pai; casada, ao marido, e idosa, ao
primogênito.
Esse duplo movimento impulsionou
em vários países a abordagem da divisão sexual do trabalho para repensar a
questão tópica do trabalho e suas categorias. Essas reflexões levaram a mudança
de simbólica da sociologia da família e do paradigma funcionalista que lhe
servia de base. No que se referem à sociologia do trabalho, elas permitiram
retomar noções e conceitos como de qualificação, produtividade, mobilidade
social e abriram novos campos de pesquisa: relação de serviço, trabalhos de
cuidado pessoal, mixidade no trabalho, ingresso das mulheres às profissões de
nível superior, temporalidades sexuadas, vínculos entre políticas de emprego e
políticas para família etc. Tal literatura tinha como escopo aspectos sociais comparativos
como o crescimento das taxas de desempenho de atividade no trabalho, o perfil
etário da mulher na composição da força de trabalho e as transformações sociais
no padrão de mixidade em setores e ocupações enquanto tendências que também se
verificavam em outros países.
A divisão sexual do trabalho é a forma de divisão do trabalho social
decorrente das relações sociais entre os sexos; mais do que isso, é um fator
prioritário para a sobrevivência da relação social entre os sexos. Essa forma é
modulada histórica e socialmente. Tem como características a designação prioritária
dos homens à esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva e,
simultaneamente, a apropriação pelos homens das funções com maior valor social
adicionado (políticos, religiosos, militares etc.). Sobre essa definição, todo
mundo, ou quase, está de acordo. Contudo, do nosso ponto de vista, era
necessário ir mais longe ao plano conceitual. Por isso, propusemos distinguir
claramente os princípios da divisão sexual do trabalho e suas modalidades. Essa
forma particular da divisão social do trabalho tem dois princípios organizadores:
o de separação existente entre trabalhos de homens e trabalhos de
mulheres e o princípio hierárquico, segundo o qual, um trabalho de homem “vale”
mais que um trabalho de mulher. Esses princípios são válidos tanto no plano
teórico como empírico para todas as sociedades no tempo e no
espaço.
Portanto, pode ser aplicada
mediante um processo específico de legitimação, a chamada ideologia naturalista. Esta rebaixa o gênero ao sexo
biológico, reduz as práticas sociais a “papéis sociais” sexuados que remetem ao
destino natural da espécie. Com essa perspectiva naturalista e manipuladora da
realidade, a ideologia naturalista dificulta a consciência de que a
desigualdade entre os sexos é determinada por interesses socialmente
construídos. Se os dois princípios (de separação e hierárquico) encontram-se em
todas as sociedades conhecidas e são legitimados pela ideologia naturalista,
isto não significa, no entanto, que a divisão sexual do trabalho seja um dado
imutável. Ao contrário, ela tem inclusive uma incrível plasticidade: suas
modalidades concretas variam grandemente no tempo e no espaço, como
demonstraram fartamente antropólogos e historiadores (as). O que é estável não
são as situações (que evoluem sempre), e sim a distância entre os grupos de
sexo. Portanto, esta análise deve tratar dessa distância, assim como das “condições”,
pois, se é inegável que a condição feminina melhorou, pelo menos na sociedade francesa,
a distância continua insuperável.
Trata-se antes de tudo da
aparição e do desenvolvimento, com a precarização e a flexibilização do emprego,
de “nomadismos sexuados”, segundo Kergoat (1998): nomadismo no tempo, para as
mulheres (é a explosão do trabalho em tempo parcial, geralmente associado a
períodos de trabalho dispersos no dia e na semana); nomadismo no espaço, para
homens com provisórios canteiros do BTP (Banque du Bâtiment et Travaux Publics) e
do setor nuclear para os operários, banalização e aumento dos deslocamentos
profissionais na Europa e em todo o mundo para executivos). Constata-se que a
divisão sexual do trabalho molda as formas do trabalho e de emprego e, que a bendita
“flexibilização” reforça as formas mais estereotipadas das relações sociais de
sexo.
O segundo exemplo é o da priorização
do emprego feminino, que ilustra bem o cruzamento das relações sociais. Desde a
década de 1980, o número de mulheres contabilizadas pelo Institut National de
la Statistique et des Études Économiques - Insee como “funcionários e profissões
executivas de nível superior” mais do que dobrou; eles destacam que cerca de
10% das mulheres ativas são classificadas nessa categoria. Simultaneamente à
precarização e à pobreza de um número crescente de mulheres, observa-se, portanto,
o aumento dos capitais econômicos, culturais e sociais de uma proporção não
desprezível de mulheres ativas no trabalho. Assiste-se também ao aparecimento,
pela primeira vez na história social do capitalismo, de uma camada de mulheres
cujos interesses diretos, isto é, não mediados como antes pelos homens: pai,
esposo, amante, opõem-se frontalmente aos interesses daquelas que foram
atingidas pela generalização do tempo parcial, pelos empregos em serviços muito
mal remunerados e não reconhecidos socialmente e, de maneira mais geral, pela
precariedade.
Enfim, as mulheres das sociedades
do Norte trabalham cada vez mais e, com uma frequência cada vez maior, são
funcionárias e investem em suas carreiras. Como o trabalho doméstico nem sempre
é levado em conta nas sociedades mercantis, e o envolvimento pessoal é cada vez
mais solicitado, quando não exigido pelas novas formas de gestão de empresas,
essas mulheres para realizar seu trabalho profissional precisam externalizar o
trabalho doméstico. Para isso, podem recorrer à enorme reserva de mulheres em
situação precária, sejam francesas ou imigrantes. Essa demanda, maciça no
âmbito europeu, criou um imenso alento para as mulheres migrantes que chegam
aos países do Norte com a esperança de conseguir um emprego de serviço, neste
caso, particularmente no cuidado de crianças e idosos, no emprego
doméstico e assim por diante. Essas mulheres, muitas vezes diplomadas, entram
em concorrência direta com as dos países de origem, que têm situação precária e
pouco estudo. Duas relações sociais entre mulheres, inéditas historicamente,
estabelecem-se dessa maneira: uma relação de classe entre as mulheres do Norte,
empregadoras, e essa nova classe servil; uma relação de concorrência entre mulheres,
todas precárias, mas precárias de maneira diferente, dos países do Norte e dos
países do Sul e, logo também, de etnias diferentes com a chegada e a esse
mercado globalizado em movimento de mulheres dos países do Leste.
As relações étnicas começam assim
a ser remodeladas através das migrações femininas e da explosão dos serviços a
particulares. As relações de gênero também se apresentam de uma forma inédita:
a externalização do trabalho doméstico tem uma função de apaziguamento das
tensões nos casais burgueses dos países do Norte (e em inúmeros países urbanos
do Sul, mas, nesse caso, trata-se de movimentos migratórios internos no país em
questão) e permite igualmente maior flexibilidade das mulheres em relação à
demanda de envolvimento das empresas. A reorganização simultânea do método e processo de
trabalho no campo assalariado da oficina, da fábrica, e no campo doméstico da casa. O que remete, no que diz
respeito a este último, à externalização do trabalho doméstico, mas também à
nova divisão do trabalho doméstico, o maior envolvimento de certos pais é
acompanhado de um envolvimento quase exclusivo no trabalho parental; duplo
movimento de mascaramento, de atenuação das tensões nos casais, de um lado, e a
acentuação das clivagens objetivas entre mulheres, de outro: ao mesmo tempo em
que aumenta o número de mulheres em profissões de nível superior, cresce o de
mulheres em situação precária de desemprego, flexibilidade, feminização das
correntes migratórias.
Esses movimentos desenvolvem-se
em um nível material, a externalização, mas, evidentemente, estendem-se às representações
ad hoc (os “novos pais”, o casal visto como lugar de negociação entre dois
indivíduos iguais de direito e de fato). Contudo, é preciso rever agora a outra
modalidade de teorização, a da divisão sexual do trabalho como vínculo social,
pois é ela que fundamenta a tese, que hoje adquiriu o estatuto de política – e
de política europeia a partir da cúpula de Luxemburgo em 1997 -, da conciliação
vida familiar/vida profissional – política fortemente sexuada, visto que define
implicitamente um único ator dessa conciliação: as mulheres, e consagra o statu quo segundo o qual homens e
mulheres não são iguais perante o trabalho profissional. A ideia de uma
complementaridade entre os sexos está inserida na tradição funcionalista da
complementaridade de papéis. Remete a uma conceptualização em termos de vínculo
social pelos conteúdos de sentido de suas noções como solidariedade orgânica,
conciliação, coordenação, parceria, especialização e divisão de tarefas etc. A
abordagem em termos de complementaridade é coerente com a ideia de uma divisão
entre mulheres e homens do trabalho profissional e doméstico e, dentro do
trabalho profissional, a divisão entre tipos e modalidades de empregos que
possibilitam a reprodução dos papéis sexuados. É essa expansão dos empregos em
serviços nos países capitalistas ocidentais, tanto desenvolvidos como em vias
de desenvolvimento, como o Brasil, que oferecem novas “soluções” para o
antagonismo entre responsabilidades familiares e profissionais.
Enfim, para Hirata, os estudos de
gênero têm, sobretudo, contribuído para ampliar o conceito de trabalho para além
do trabalho profissional, restituindo a importância devida ao trabalho
doméstico e ao trabalho exercido pelas mulheres no interior da família. A
gratuidade dessa modalidade de trabalho repercute sobre o trabalho profissional
das mulheres, que é constantemente desvalorizado e não reconhecido. Pensamos - afirma - que o
debate marxista sobre trabalho produtivo e improdutivo, que dominou a polêmica
sobre o trabalho doméstico nos anos 1970, foi suplantado pelo
estudo empírico das características constitutivas do trabalho doméstico, como relação
de "disponibilidade permanente" aos filhos, ao marido, ao companheiro, etc.
Essas análises apontam hoje para outra dimensão específica do trabalho, a
dimensão da afetividade, do amor, que
está no cerne do exercício do “care” no interior da família. A dificuldade em
lutar contra a divisão sexual do trabalho doméstico, que aloca à mulher as tarefas
relacionadas ao ambiente da casa e às crianças, liberando o homem para as
responsabilidades na esfera profissional, está nessa dimensão de afetividade,
que cria uma relação precisa nesta perspectiva crítica de “servidão voluntária”
das mulheres.
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