Ubiracy de Souza Braga
“Vou da extrema generosidade ao mais
absoluto egoísmo”. Cacilda Becker
Nascida Cacilda Becker Yáconis, em
Pirassununga, São Paulo, em 1921, a atriz protagonizou no decorrer da carreira inúmeros
espetáculos de grande complexidade temática e profundidade, tendo trabalhado
com os principais diretores e atores de seu tempo. Filha da professora Alzira
Becker e do comerciante italiano Edmundo Radamés Yáconis, Cacilda desde cedo
conheceu as dificuldades da vida. Quando seus pais se separaram, ela e as
irmãs, Cleide e Dirce, ficaram com a mãe e foram morar em Santos (SP). Sua
infância e adolescência foram marcadas pela pobreza e pela carência afetiva.
Cacilda Becker começou a trabalhar cedo para pagar seus estudos e suprir a
ausência do pai. Estudou balé e formou-se professora. Mudou-se para São Paulo
para trabalhar como escriturária em uma empresa de seguros. Com 20 anos, viaja
para o Rio de Janeiro para iniciar a carreira de atriz. Participa de algumas
montagens, mas quando o teatro paulista começa a profissionalizar-se, Cacilda
Becker regressa a São Paulo em 1943. Neste
ano integra-se no Grupo Universitário de
Teatro, fundado por Décio de Almeida Prado. Lá participou de peças como “Auto
da Barca do Inferno”, de Gil Vicente; “Irmãos das Almas”, de Martins Pena e “Pequeno
Serviço em Casa de Casal”, de Mario Neme. Cacilda fez rádio-teatro para se
manter, mas era a atuação no palco
que mais a atraia.
Cacilda Becker interpretou personagens antagônicos, como a
velha de “Jornada de um longo dia para dentro da noite”; a devassa de “Quem tem
medo de Virgínia Woolf?”; a rainha de Maria Stuart; o palhaço clown de “Esperando Godot” (“En
attendant Godot”), indo da farsa à tragédia, do clássico ao moderno,
constituindo uma atriz extremada. Foi a primeira peça de teatro escrita pelo
dramaturgo irlandês Samuel Beckett (1906-1989). Escrita originalmente em
francês foi publicada pela primeira vez em 1952 e apresentada no pequeno Théâtre Babylone em Paris, com direção
de Roger Blin (1907-1984). O Brasil foi o segundo país a ter uma montagem deste
texto, com a direção de Alfredo Mesquita, em 1955, autor, ator e fundador e primeiro coordenador da Escola de Arte Dramática (EAD), fundada em 1948 e que hoje está integrada à Universidade de São Paulo. Fundador do conjunto amador Grupo de Teatro Experimental (GTE) com Abilio Pereira de Almeida. Uma das raizes para a criação do Teatro Brasileiro de Comédia - TBC. Mais reconhecido como doutor Alfredo, ele foi um grande incentivador de jovens talentos e foi o responsável direto pelo aparecimento de vários atores que atuam nos palcos e televisão brasileira. É um dos
principais textos do teatro do absurdo e a principal obra de Samuel Beckett (1906-1989), que foi amplamente considerado um dos escritores mais influentes do século XX. Literalmente influenciado por James Joyce, ele é considerado um dos últimos modernistas.
No
Brasil, as duas primeiras montagens de “Esperando Godot” foram amadoras: uma
pela Escola de Arte Dramática - EAD,
em 1955, com direção de Alfredo Mesquita e a outra, com direção de Luiz Carlos
Maciel, em Porto Alegre, no ano de 1959. Cacilda Becker, junto com o marido
Walmor Chagas, aceitou o convite de Flávio Rangel para realizar, no primeiro
semestre de 1969, a primeira montagem profissional do já conhecido texto de
Beckett. Ela no papel de Estragon e Walmor no de Vladimir. O espetáculo foi
encenado no Teatro Cacilda Becker - TCB; foi também apresentado em São Carlos,
em abril de 1969, quando da inauguração oficial do Teatro Municipal de São
Carlos. Durante uma apresentação diurna para uma assistência de estudantes, no
dia 6 de maio, Cacilda Becker sentiu-se mal e foi imediatamente levada para o
hospital, ainda em trajes do espetáculo. Foi diagnosticado derrame cerebral.
Após permanecer em coma por 38 dias, ela morreu em 14 de junho de 1969. Em
1976, Antunes Filho dirigiu a primeira montagem brasileira com um elenco apenas
de mulheres: Eva Wilma, Lilian Lemmertz, Lélia Abramo, Maria Yuma e Vera Lima.
Em 2006, por ocasião do I Centenário de nascimento de Samuel Beckett, Gabriel
Villela, também com um elenco feminino, estreou sua versão da obra, no Serviço Social do Comércio - SESC
Belenzinho, em São Paulo. É uma das peças mais encenadas no Brasil. Levaram aos
palcos montagens: o Armazém Cia de Teatro,
a Boa Companhia, o grupo Máskara de Goiás, entre outros.
Filha
do imigrante italiano Edmondo Iaconis e de Alzira Becker, Cacilda tinha apenas
nove anos quando seus pais romperam o casamento e sua mãe viu-se obrigada a
criar três filhas sozinhas, uma delas a também atriz Cleyde Yáconis. Por este
motivo, fixaram-se na cidade de Santos, onde Cacilda ainda jovem frequentou os
círculos boêmios e mais vanguardistas. Cacilda começou no teatro paulista como
atriz amadora e se profissionalizou em 1948. Neste ano, Nydia Lícia recusou um
papel na peça “Mulher do Próximo”, de Abílio Pereira de Almeida, produzida pelo
Teatro Brasileiro de Comédia (TBC),
para não ter que beijar nem dizer “amante” em cena, pois isto podia lhe custar
o emprego num importante magazine. Cacilda Becker, que a substituiu, exigiu ser
contratada como profissional, rompendo com o velho preconceito sobre a classe artística de que artista
sério deveria ser diletante. - “Quando encontrei o teatro, foi como se tivesse
encontrado todas as artes que desejaria conhecer”, a atriz festejava o passo
decisivo na carreira.
Em
1948, a atriz Nydia Lícia recusou um papel na peça teatral “Mulher do Próximo”,
de Abílio Pereira de Almeida, pois tinha receio de perder seu emprego em uma
loja. Na encenação, produzida pelo Teatro
Brasileiro de Comédia (TBC), sua personagem teria que beijar e dizer
“amante” em cena. Outra atriz a substituiu, entrando para o TBC como a primeira atriz contratada em caráter
profissional no Brasil. Essa atriz era Cacilda Becker e assim começava sua démarche nos palcos, sempre marcada pela
ousadia e entrega afetiva de seus personagens. Foram 68 peças, dois filmes e
uma telenovela, quando ela chegou a
presidir a Comissão Estadual de Teatro
(SP) e fundou sua própria companhia. Por essas e outras passou a ser
considerada a “primeira-dama do teatro brasileiro”. Em 30 anos de carreira,
Cacilda Becker encenou 68 peças, no Rio de Janeiro e em São Paulo; fez três
filmes: “Luz dos Seus Olhos”, em 1947, “Caiçara”, em 1950 e “Floradas na Serra”,
em 1954, uma telenovela: “Ciúmes”, em 1966, na TV Tupi, além de participações
em teleteatros na televisão. A célebre frase de Cacilda Becker - “Meu teatro
são todos os teatros”, não se trata apenas de slogan de efeito, a atriz se posicionava sempre em conformidade com
sua classe artística. O que é evidenciado na querela das devoluções do Prêmio
Saci (1968), embora contrária à atitude, acatou a opinião da maioria da classe
dos dos artistas devolvendo ao jornal Estado
de São Paulo, que concedia o prêmio, o qual era considerado favorável à
censura, devido a um editorial dúbio. Vale lembrar que foi Cacilda Becker quem
inaugurou o Teatro Municipal de São Carlos com a peça teatral: “Esperando Godot”, no
começo de 1969.
Cacilda
Becker também participou da fundação do Teatro
Brasileiro de Comédia e da Escola de
Arte Dramática de São Paulo, entre outras companhias, como a sua própria, o
Teatro Cacilda Becker, em 1955. A
companhia escreveu um novo e próspero capítulo na história do teatro
brasileiro, realizando inúmeros espetáculos de grande sucesso e importância
artística. Em 1968, com a nomeação do governador paulista, Abreu Sodré, Cacilda
assume a Presidência da Comissão Estadual de Teatro. Durante sua gestão, que
durou cerca de um ano, participou ativamente da luta contra a ditadura militar
e da defesa da classe teatral contra a repressão. Sua delicada aparência contrastava com a garra com que defendia seus
ideais, os amigos e o teatro. Morreu em 1969, durante intervalo da encenação da
peça “Esperando Godot”, de Samuel Beckett, vítima de um derrame cerebral, aos
48 anos, deixando dois filhos: Luís Carlos, do casamento com o jornalista Tito
Fleury, e Maria Clara, com o ator Walmor Chagas.
Está
presente em quase todas as montagens do conjunto entre 1949 e 1955, com
destaque para “Nick Bar... Álcool, Brinquedos, Ambições”, de William Saroyan e “Arsênico
e Alfazema”, de Joseph Kesselring, ambos dirigidos por Adolfo Celi em 1949. Em
1950, participa de A Ronda dos Malandros,
de John Gay, espetáculo polêmico de Ruggero Jacobbi. No Teatro das Segundas-Feiras, acontece a sua primeira consagração. “Pega
Fogo”, de Jules Renard, inicialmente formando um programa tríplice ao lado de
outros dois textos, torna-se um grande sucesso de público, entrando no horário nobre do teatro e permanecendo em
cartaz por muito tempo. Sua interpretação do moleque Poil de Carotte lhe vale
um artigo apaixonado de Michel Simon, quando o espetáculo se apresenta no Teatro das Nações (Paris). O crítico
compara a atriz a Charlie Chaplin e Jean Louis Barrault, e, depois de dizer que
ela rompera sua pretensa frieza de especialista fazendo-o chorar, procura a
origem da emoção no “rosto emaciado”, no “olhar em vírgula (como nos desenhos
de Poulbot)”, nos “gestos pletóricos de garoto infeliz e arrogante”: - “Poil de
Carotte não pode ter mais, para mim e para muitos outros, de agora em diante,
outro rosto senão o seu”.
Cacilda Becker provocava paixões
avassaladoras e teve três casamentos, sendo o último com Walmor Chagas, com
quem adotou sua única filha, Maria Clara Becker Chagas, nascida em 1964.
Durante a apresentação do espetáculo “Esperando Godot”, que encenava com o
marido, na capital paulista, em 6 de maio de 1969, Cacilda sofreu um derrame
cerebral e foi levada para o hospital, ainda com as roupas de sua personagem.
Morreu após 38 dias de coma e foi sepultada no Cemitério do Araçá, com a
presença de uma multidão de fãs e admiradores. Cacilda Becker já foi retratada
como personagem no cinema e na televisão, interpretado por Camila Morgado na
minissérie: “Um Só Coração” (2004) e Ada Chaseliov no filme: “Brasília 18%”
(2006). Cacilda Becker também foi homenageada na peça teatral “Cacilda!”,
escrita por José Celso Martinez Corrêa. Cacilda foi interpretada por Bete
Coelho e posteriormente por Leona Cavalli. Em 2009 é novamente homenageada pela
Associação Teatro Oficina Uzyna Uzona
na peça teatral “Cacilda!”, sendo interpretada por Anna Guilhermina.
Sobre
o processo de interdição paterna a filósofa e escritora Simone de Beauvoir
sempre esteve consciente de que seu pai esperava ter um filho, ao invés de duas
filhas. Ele afirmava peremptoriamente: -“Simone pensa como um homem!” o que a
agradava muito, e desde pouca idade disciplinarmente Beauvoir distinguiu-se nos
estudos. Georges de Beauvoir passou seu amor pelo teatro e pela literatura para
sua filha. Ele ficou convencido de que somente o sucesso acadêmico poderia
tirar as filhas da pobreza. Hélène tornou-se uma pintora. Do ponto de vista de
sua formação ela se tornou uma adolescente desajeitada, dedicada completamente
aos livros e à aprendizagem, e preferiu ignorar os esportes porque ela não era
nada atlética. Aos 15 anos, Beauvoir já havia decidido que seria uma escritora.
Depois de passar nos exames de bacharelado em matemática e filosofia, estudou
matemática no Instituto Católico e literatura e línguas no Instituto
Sainte-Marie, e em seguida, filosofia na Universidade de Paris (Sorbonne).
Jacques
Champigneulle tornou-se seu mentor intelectual e amigo, aquele que sua mãe
esperava que fosse se casar com ela. Ela e sua irmã foram educadas no Institut
Adeline Désir, ou Cour Désir, uma escola católica para meninas, algo que era
desprezado pelos intelectuais de seu tempo. As escolas católicas para meninas
eram vistas como lugares onde as jovens aprendiam uma das duas alternativas
abertas às mulheres: casamento ou um convento. Sua mãe, que Beauvoir
considerava uma intrusa espiando cada movimento seu, frequentou aulas com elas,
sentada atrás delas, como se esperava que a maioria das mães fizessem. Lá
Beauvoir conheceu sua melhor amiga, Elisabeth Le Coin, amou a escola e se
formou em 1924 com distinção. Em 1929, quando na Sorbonne, Simone de Beauvoir fez uma apresentação
sobre Leibniz ela conheceu outros intelectuais, incluindo Maurice
Merleau-Ponty, René Maheu e Jean-Paul Sartre.
No
campo de análise filosófico, além de Henri Bergson, passou a ler Friedrich Nietzsche, Immanuel Kant, René Descartes e Baruch Spinoza. Na escola começa a desenvolver as primeiras ideias de uma “filosofia
da liberdade leiga”, tendo como representação a oposição entre os seres e a
consciência, do absurdo e da contingência que ele viria a desenvolver
posteriormente em suas grandes obras filosóficas. Seu principal interesse
filosófico é o indivíduo e a psicologia. Em 1931, Simone é nomeada professora em
Marseille, e J.-P. Sartre para o Havre. Este afastamento provoca-lhe tamanha
contrariedade que Sartre propõe casamento. Ela se recusa, pois não queria
aderir aos moldes das obrigações familiares, nem alterar a originalidade
inestimável de suas relações pessoais. Aos 23 anos, Beauvoir prefere Sartre em
liberdade. Lembramos nessas notas que Sartre e Beauvoir nunca formaram um casal
monogâmico. Não se casaram e mantinham uma relação afetiva aberta. Sua
correspondência é repleta de confidências de suas relações com outro (a)s
parceiro(a)s. Além da relação amorosa, eles tinham uma grande afinidade intelectual.
Ela colaborou com sua obra filosófica, revisava seus livros e também se tornou
uma das principais filósofas do movimento existencialista. Sua obra literária
que inclui diversos volumes autobiográficos, frequentemente relata o processo
criativo de Sartre e dela mesma.
Ipso facto
quando surgiu o ensaio: Le Deuxième Sexe, em 1949, causou tanto admiração,
quanto ódio, temor e estranheza. Era uma obra vasta, dividida em dois volumes,
bem documentada e alicerçada na lógica e no conhecimento e muito pouco feminina.
Às mulheres então estavam reservadas aos gêneros literários como o romance ou a
novela. Tendo como missão o inaudito, sem ser messiânica, pôs “a nu” a beleza
da condição feminina. Ela mesma explorou áreas ligadas à situação da mulher no
mundo, englobando história, filosofia, economia, biologia, etc., bem como
alguns “case studies” e algumas experiências particulares. Simone queria
demonstrar que a própria noção de feminilidade era uma ficção inventada pelos
homens na qual as mulheres consentiam, fosse por estarem pouco treinadas nos
rigores do pensamento lógico ou porque calculavam ganhar algo com a sua
passividade, perante as tristes fantasias masculinas.
No
entanto, ao fazê-lo cairiam na armadilha de se autolimitarem. Os homens
chamaram a si os terrores e triunfos da transcendência, oferecendo às mulheres
segurança e tentando-as com as teorias da aceitação e da dependência.
Mentindo-lhes ao dizer que tais são características inatas do seu caráter. Ao
fugir a este determinismo biológico, Simone de Beauvoir abriu as portas a quase
todas as mulheres no sentido de formarem o seu próprio ser e escolherem o seu
próprio destino. Libertando-se de um conjunto de ideias pré-concebidas e dos
mitos estabelecidos que lhe dê pouca ou nenhuma hipótese de escolha. Assim, a
mulher, qualquer mulher, sobretudo nos dias atuais, deve criar a sua própria
via. Mesmo que seja a de cumprir um papel tradicional, se for esse o escolhido
por ela e só por ela, admitem muitas mulheres que enveredaram filosoficamente,
para lembramos de Marx, por esses sinos luminosos até alcançarem suas escarpas
abruptas que podem desconstruir, com base na reflexão e na teoria.
As
mulheres representam algo mais do que uma categoria existente socialmente e compreendem
pessoas do sexo feminino de diferentes idades, diferentes condições familiares
pertencentes a diferentes estratos, comunidades e classes sociais, nações e
nacionalidades. Suas vidas são ordenadas por diferentes regras sociais e costumes,
em um meio no qual se configuram crenças e opiniões distintas decorrentes de
estruturas de dominação. Um aspecto da história social das mulheres que a
distingue particularmente das outras diz respeito ao fato de ter sido uma
história vinculada a um movimento social. Por um longo período ela tem sido
escrita a partir de convicções feministas,
embora o conceito e o movimento decorram d meados do século XX. Certamente toda
história é herdeira de um contexto político, mas relativamente poucas histórias
têm uma ligação tão forte com um programa de transformação e de ação como a
história das mulheres. Quer as historiadoras tenham sido membros de organizações
feministas ou de grupos de conscientização, quer elas se definissem como ativistas
feministas, ou decerto fora deste movimento social, seus trabalhos não foram
menos marcados pelo movimento feminista hic
et nunc das décadas de 1970 e 1980 e assim em diante.
Um
dos domínios sociais (e simbólicos) mais intrigantes na circunscrição das
relações de gênero diz respeito às conexões entre corpo, demarca nome e renome.
De acordo com a literatura antropológica disponível sobre o assunto, o processo
de renomeação, quase sempre associado a situações rituais, é um dos marcadores
sociais por excelência da aquisição de prestígio e de status nas sociedades não ocidentais. Essa conexão entre corpo, gênero
e marca tem suscitado interpretações distintas a respeito dos significados
envolvidos nos rituais que a enfeixam: ritos de passagem, na acepção de Van
Gennep (1873-1957), ou de instituição, para Pierre Bourdieu (1930-2002), interpelados pela exclusão e violência simbólica, eles visam a separar aqueles
que já passaram por eles, daqueles que ainda não o fizeram e, assim, instituir
uma diferença duradoura entre os que foram e os que não foram afetados. No
ritual cabila de circuncisão, ele separa o rapaz das mulheres e do mundo
feminino, ao mesmo tempo em que converte o mais efeminado dos homens num homem
na plena acepção da condição de homem, separado por uma diferença de natureza,
de essência, mesmo da mais masculina, da maior e da mais forte das mulheres.
Os
estudos produzidos no âmbito da história social das artes e da sociologia da
cultura têm trazido contribuições fundamentais para repensarmos a equação entre
nome, status e prestígio a partir de
sua articulação com o problema da autoria e da autoridade. Ao tentar
reconstruir a passagem pelo Brasil de Dina Lévi-Strauss - que em 1938 chegou a São
Paulo, junto com o jovem e quase desconhecido marido, o antropólogo Claude
Lévi-Strauss - Mariza Corrêa (1995) defrontou-se com uma situação social inquietante. Durante quatro anos procurou por
Dina, “que, se não era uma celebridade na história da antropologia, também não
era uma desconhecida”. Decepcionada com o resultado dessa busca, em que Dina
ora aparecia como uma referência secundária, ora desaparecia sob a rubrica “casal
Lévi-Strauss”, ora, ainda, tornava-se apenas a “mulher de Lévi-Strauss”, a
antropóloga enveredou pela questão da “notoriedade retrospectiva”, isto é, pelo
modo “como o renome adquirido a partir de certo momento pode iluminar a vida
inteira de um personagem” e ofuscar a de outro. Refletindo sobre a “notoriedade
retrospectiva” de Lévi-Strauss (1908-2009) e o “esquecimento” de Dina, a autora se perguntava o que teria sido feito das pesquisadoras estrangeiras
naquele momento de implantação da antropologia no país. Elas adotaram o nome do
marido a ponto de ser difícil redescobri-las com seus nomes, mesmo quando descasadas
no caso de Dina.
Um admirável estudo recente de Nancy Cott recoloca o feminismo em um contexto histórico e demonstra que, no seu sentido atual, esta palavra só começou a ser utilizada na América no primeiro decênio deste século. A “definição operacional” que ela propõe é funcional e completa: seus três componentes são: 1. A defesa da igualdade dos sexos ou oposição à hierarquia dos sexos; 2. O reconhecimento de que a “condição das mulheres é construída socialmente, (...) historicamente determinada pelos usos sociais”; 3. A identificação com as mulheres enquanto grupo social e o apoio a elas. Enquanto ideologia, o feminismo é acessível tanto aos homens quanto às mulheres, ainda que nem todas elas (ou eles, no caso) o aceitem. A maior parte da história universitária das mulheres se apoia sobre essas convicções do feminismo contemporâneo. No âmbito deste artigo, adverte Louise Tilly, a exemplo de Ellen Dubois e colegas, “consideraremos toda história das mulheres como feminista e vinculada ao movimento feminista, pelo menos quanto às suas raízes. Com efeito, é difícil estabelecer critérios apropriados e impossíveis, intelectual e politicamente, determinar quem é ou não é feminista”. Parece um entrave potencial à legitimação da história das mulheres como, um campo da história, mas o que se segue sugere que isto não impediu, nem sua institucionalização, nem seu reconhecimento.
Um admirável estudo recente de Nancy Cott recoloca o feminismo em um contexto histórico e demonstra que, no seu sentido atual, esta palavra só começou a ser utilizada na América no primeiro decênio deste século. A “definição operacional” que ela propõe é funcional e completa: seus três componentes são: 1. A defesa da igualdade dos sexos ou oposição à hierarquia dos sexos; 2. O reconhecimento de que a “condição das mulheres é construída socialmente, (...) historicamente determinada pelos usos sociais”; 3. A identificação com as mulheres enquanto grupo social e o apoio a elas. Enquanto ideologia, o feminismo é acessível tanto aos homens quanto às mulheres, ainda que nem todas elas (ou eles, no caso) o aceitem. A maior parte da história universitária das mulheres se apoia sobre essas convicções do feminismo contemporâneo. No âmbito deste artigo, adverte Louise Tilly, a exemplo de Ellen Dubois e colegas, “consideraremos toda história das mulheres como feminista e vinculada ao movimento feminista, pelo menos quanto às suas raízes. Com efeito, é difícil estabelecer critérios apropriados e impossíveis, intelectual e politicamente, determinar quem é ou não é feminista”. Parece um entrave potencial à legitimação da história das mulheres como, um campo da história, mas o que se segue sugere que isto não impediu, nem sua institucionalização, nem seu reconhecimento.
O
prestígio decorrente desse engajamento
é inseparável dos empreendimentos ligados aos movimentos de implantação e
consolidação da sua dimensão propriamente moderna. Tanto nos grupos amadores
criados na década de 1940, como o Grupo Universitário de Teatro, dirigido por
Décio de Almeida Prado; o Grupo de Teatro Experimental, dirigido por Alfredo
Mesquita; o Teatro do Estudante, criado e dirigido inicialmente pelo diplomata
Paschoal Carlos Magno; e Os Comediantes, responsáveis pela encenação de “Vestido
de noiva”, de Nelson Rodrigues, tida por muitos e desde a sua estreia no Rio de
Janeiro, em 1943, sob a direção de Ziembinski, como “o marco zero do moderno
teatro brasileiro”, quanto nos projetos de profissionalização da atividade
teatral, como o Teatro Brasileiro de Comédia, símbolo do teatro paulista na
virada da década de 1940 e referência obrigatória nos anos de 1950, ou nas
várias companhias que surgiram no período, as atrizes tiveram uma atuação e uma
projeção nacionais, só alcançadas na música popular brasileira, com cantoras
que ganharam uma popularidade expressiva. Mas o prestígio que as últimas
desfrutaram no período não parece se igualar comparativamente ao das atrizes
que atuaram no movimento de sedimentação
dos princípios estéticos e das rotinas de trabalho do teatro moderno.
Alinhado à produção cultural erudita, esse tipo de teatro não perdeu a ligação com a tradição do teatro popular ou de feitio mais tradicional, apesar da origem social diversa de seus integrantes, recrutados predominantemente “junto a camadas sociais diferentes daquelas que desde o século XIX geravam os elencos nacionais, em geral de origem bastante humilde”. Sem perder de vista as diferenças consideráveis entre um e outro, evidenciadas, sobretudo pelo trabalho dos diretores e dos cenógrafos, pela escolha do repertório, pelas exigências do ensaio prolongado, pela eliminação do ponto e dos cacos, a presença da primeira atriz continuou a ser central na montagem e no sucesso dos empreendimentos teatrais. Prova disso são as companhias que se formaram de conflitos profissionais competitivos ou amorosos, entre integrantes e protagonistas do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), entre peças, pessoas, personagens como as de Madalena Nicol e Ruggero Jacobbi, Nydia Lícia e Sérgio Cardoso, Tônia Carrero, Adolfo Celi e Paulo Autran, Cacilda Becker e Walmor Chagas, para ficarmos nestes exemplos.
Alinhado à produção cultural erudita, esse tipo de teatro não perdeu a ligação com a tradição do teatro popular ou de feitio mais tradicional, apesar da origem social diversa de seus integrantes, recrutados predominantemente “junto a camadas sociais diferentes daquelas que desde o século XIX geravam os elencos nacionais, em geral de origem bastante humilde”. Sem perder de vista as diferenças consideráveis entre um e outro, evidenciadas, sobretudo pelo trabalho dos diretores e dos cenógrafos, pela escolha do repertório, pelas exigências do ensaio prolongado, pela eliminação do ponto e dos cacos, a presença da primeira atriz continuou a ser central na montagem e no sucesso dos empreendimentos teatrais. Prova disso são as companhias que se formaram de conflitos profissionais competitivos ou amorosos, entre integrantes e protagonistas do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), entre peças, pessoas, personagens como as de Madalena Nicol e Ruggero Jacobbi, Nydia Lícia e Sérgio Cardoso, Tônia Carrero, Adolfo Celi e Paulo Autran, Cacilda Becker e Walmor Chagas, para ficarmos nestes exemplos.
Bibliografia
geral consultada.
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Mestrado em História Social. Departamento de História. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio, 1995; VARGAS, Maria Thereza & FERNANDES, Nanci (org.), Uma Atriz: Cacilda Becker. 1ª edição.
São Paulo: Editora Perspectiva, 1983; PALLOTINI, Renata, Cacilda
Becker: O Teatro e suas Chamas. São Paulo: Editora Arte & Ciências,
1995; CORRÊA, Mariza. “A Natureza Imaginária do Gênero na História da Antropologia”.
In: Cadernos Pagu, (5), 1995; BRANDÃO,
Tânia, Teatro dos Sete: A Máquina de
Repetir e a Fábrica de Estrelas. Rio de Janeiro: Editora 7 Letras,
2002; PRADO, Luís André, Cacilda Becker: Fúria Santa. São Paulo:
Geração Editorial, 2002; SARLO, Beatriz, La
Pasión y la Excepción. Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores, 2003; PONTES, Heloisa, “A Burla do Gênero: Cacilda
Becker, a Mary Stuart de Pirassununga”. In: Tempo Soc. vol.16, n°1. São Paulo, junho de 2004; FRANKFURT, Sandra Herskowicz, As Práticas das Festas Escolares na Escola Normal de Pirassununga (1931-1950). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Educação: História, Política, Sociedade. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2006; PONTES, Heloisa, “Teatro, Gênero e Sociedade (1940 – 1968)”. In: Revista Tempo Social, Vol. 22 n°1. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2010; GRECO, Gabriela, O Teatro Ambiental e o Depoimento Pessoal como Estratégias para a Ação Poética na Escola. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Artes. Centro de Artes. Florianópolis: Universidade do Estado de Santa Catarina, 2016; FOGUEL, Israel, Cacilda Becker: Dos Sonhos Nascem os Mitos. São Paulo: Clube dos Autores, 2016; CAMARGO, Angélica
Ricci, Por um Serviço Nacional de Teatro: Debates, Projetos e o Amparo Oficial
ao Teatro no Brasil (1946-1964). Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em História Social. Instituto de História. Rio de Janeiro: Universidade
Federal do Rio de Janeiro, 2017; LIPOVETSKY, Gilles; CHARLES, Sébastien, Os Tempos Hipermodernos. Lisboa:
Edições 70, 2018; entre outros.
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