quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Luís Washington Vita - Notas Sobre Um Ensaísta Esquecido

                                                                                                     Ubiracy de Souza Braga

Fundado e mantido pela classe patronal, o Instituto  só poderia ter uma diretriz conservadora”. Roland Corbisier


        Quando nos referimos ao pensador brasileiro Luís Washington Vita, como um “ensaísta esquecido”, estamos fazendo alusão ao filósofo Michel de Montaigne que se tornou célebre por ter sido o criador do ensaio pessoal como gênero de escrita. A proposta da criação deste estilo que lhe daria fama por toda a posteridade era a de abordar quaisquer assuntos que considerasse relevantes, sem uma preocupação formal, estética, ou meramente acadêmica, e sem ter como escopo um tipo específico de leitor. Interessava a Montaigne oferecer seu ponto de vista pessoal, registrando os fatos sociais à maneira de um observador arguto. Mas foram seus Essays, publicados em três volumes, que acabaram por apresentar uma linguagem refinada, culta, de uma infinita riqueza, tendo seduzido um amplo escopo de leitores exigentes. De um ponto de vista heterodoxo, o filósofo da comparação, da descrição e da sugestão, concentrou sua atenção na história e na poesia, nas guerras civis e religiosas, na tensão entre os impérios, assim como nas opacidades da consciência ou nas digressões da mente. Seus Essays representam principalmente “autorretratos” de um homem, mais do que o autorretrato do filósofo. Montaigne apresentasse-nos em toda a sua complexidade e variedade humanas. 
          Procura também encontrar em si o que é singular. Mas ao fazer esse estudo de “auto-observação”, próximo da técnica de “observação participante” nos estudos de Antropologia da Civilização, acabou por observar também o homem no seu todo. Por isso, não nos é de espantar que neles ocorram reflexões tanto sobre os temas mais clássicos e elevados ao lado de pensamentos sobre a flatulência. Montaigne é assim um livre pensador, um pensador sobre o humano, sobre as suas inconsistências, diversidades e características. E é um pensador que se dedica aos temas que mais lhe apetecem, vai pensando de forma intimista ao sabor dos seus interesses e caprichos. Montaigne não tem um sistema. Não é um moralista, e muito menos um doutrinador. Mas não sendo moralista, não tendo um sistema de trabalho e de conduta, uma moral com princípios rígidos, é um pensador ético. Procura indagar o que está certo ou errado na conduta humana. Propõe-se mais estudar pelos seus ensaios certos assuntos do que dar respostas. No fundo, Montaigne está naquele grupo de pensadores que estão  perguntar em vez de responder, e é na sua incerteza em dar respostas, que surge um certo ceticismo em Montaigne. Como não está interessado em dar respostas apriorístico tem uma certa reserva em relação a misticismos e crenças. É de notar um certo alheamento em relação ao Cristianismo e às históricas lutas em torno de religião que se viviam em França de seu tempo.



            Luís Washington Vita nasceu em São Paulo em 23 de março de 1921. Concluiu os cursos de Filosofia e Direito, respectivamente na Universidade de São Paulo e na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Exerceu a advocacia e ingressou no magistério superior em São Paulo. Em 1960 assumiu as funções de secretário da Revista Brasileira de Filosofia (RBF). Juntamente com Miguel Reale, concebeu uma coleção dedicada à história das ideias no país e outra que deveria reunir a parcela fundamental da obra de nossos principais filósofos. Faleceu prematuramente num acidente aos 47 anos, em 1968. Sua obra tem duas dimensões no plano de análise teórico e ideológico fundamentais: a) difundir a filosofia; b) interessar as pessoas no seu processo social de conhecimento. Além disso, o incansável trabalho em migalhas de documentar a existência da filosofia brasileira. No primeiro caso, não estava de posse de uma proposta unitária. Guardou grande fidelidade à filosofia de Ortega y Gasset, mas adotou muitas ideias da fenomenologia, sobretudo na feição que Max Scheler  buscou atribuir-lhe. Inteiramente incompatibilizado com o golpe de Estado político-militar de 1° de abril de 1964, que retardou o avanço da democracia em torno de 20 anos, chegou a simpatizar com a tese posta em circulação por Jean-Paul Sartre de que o “marxismo seria a filosofia de nosso tempo”.
            Metodologicamente, tomando a sua obra em conjunto deve ser filiado à Escola Culturalista e este era francamente o seu desejo. Foi nessa condição, basicamente, que se articulou em torno do pensamento social brasileiro explicitando algo de subjacente ao culturalismo desde Tobias Barreto, isto é, a crença na capacidade das ideias de influir sobre o meio e de aguçar o nível de exigência moral da intelectualidade. Tinha para ele grande relevo a noção de “consciência histórica”, a que se chegaria pela compreensão (assimilação) do passado, assimilação esta que não deveria tornar-se meramente subjetiva, mas ativa para incorporar-se ao presente a fim de “melhor preparar o futuro”. A análise da meditação filosófica nacional tinha por objetivo desvendar-lhe o sentido, impondo-nos uma tomada de posição. Semelhante visão da Filosofia acha-se igualmente nos textos de cunho historicista, onde a noção de cultura é capital para apontar-lhe três dimensões, a saber: a) o processo de atividade humana que se objetiva nos bens (espírito subjetivo); b) a vida humana objetivada, que constitui o orbe dos objetos culturais (espírito objetivo); e, c) as relações desenvolvidas entre o espírito subjetivo e objetivo.
            O contato conceitual de Wilhelm Dilthey com a hermenêutica está relacionada à sua preparação teológica, embora a tenha utilizado para responder a seguinte pergunta: - “Como se  diferenciam as ciências humanas ou sociais das ciências naturais? A reflexão de Dilthey para estabelecer as relações entre significados e sistemas está presente ao longo de todos os seus escritos principalmente àqueles relacionados sobre as “ciências do espírito”, com oscilações que ensejam a leitura da sua obra tanto no âmbito psicológico quanto de uma perspectiva mais propriamente sociológica. Sem dúvida ele sempre recusou algum caráter de ciência à sociologia, referindo-se às suas variantes positivistas, mas em sintonia com uma preocupação com os fenômenos históricos em grande escala, nos quais as dimensões decisivas dizem respeito às formas de organização da vida coletiva. Foi o primeiro pensador preocupado em aproximar e a conceber a hermenêutica do terreno das incertezas da história social europeia. A inovação causada por sua teoria e metodologia foi única e, por isso, ele está na base de muitas correntes de pensamento que articulam história e hermenêutica.



A Faculdade de Direito e o movimento filosófico reconhecido como a Escola do Recife.
            A hermenêutica tradicional se refere ao estudo da interpretação de textos escritos, especialmente nas áreas de literatura, religião e direito. A hermenêutica moderna ou contemporânea engloba não somente textos escritos, mas também tudo que há no processo interpretativo. Isso inclui formas verbais e não verbais de comunicação, assim como aspectos que afetam a comunicação, como proposições, pressupostos, o significado e a filosofia da linguagem e a semiótica. Não tem a pretensão de eternizar o homem, mas possibilitar ao homem se aproximar da vida, por meio de conexões que integram, aproxima e relaciona os homens. A teoria compreensiva tem uma importância ética ímpar para o mundo contemporâneo.  A base para esse nexo em que se dá a relação da vivência é a categoria do significado. Tal categoria corresponde a um apoio sólido que aparece como uma unidade de conjunto onde age o pensamento, os sentimentos e a vontade. Considerando que há um balanço parte e todo no nexo da vivência, o que garante o equilíbrio para esse balanço é a categoria do significado que em Wilhelm Dilthey, nada mais é do que a integração num todo que encontramos e nos remete ao significado da relação parte-todo que se encontra na vivência e é seu fundamento.
É neste sentido que Dilthey considera que vida e a mudança dos seus principais momentos estruturais fazem que a concepção do mundo sempre e em toda a parte se expresse em oposições, embora sobre um fundo comum. Portanto é na arte, na religião e no pensamento que encarnam os ideais que atuam na existência de um povo. Por conseguinte, toda a mundividência é produto da história. A historicidade revela-se como uma propriedade fundamental da consciência humana. Os sistemas filosóficos não constituem uma exceção. Como as religiões e as obras de arte, contêm uma visão do mundo, inserida na vitalidade das pessoas que os produziram e em consonância com as épocas em que vieram à luz do dia; traduzem uma determinada atitude afetiva, caracterizam-se pela imprescindível energia lógica, porque o filósofo procura trazer a imagem do mundo à clara consciência e ao mais estrito urdimento cognitivo. Neste esforço de reflexão e de trabalho dos conceitos, que gera uma circunspecção potenciada, é que reside o valor prático da atitude filosófica. Como o centro da compreensão está na vida ou um todo estruturado, quase sempre resultando da relação entre individualidades, é possível perceber a conexão entre a ética e a teoria compreensiva.
            A primeira dessas investigações - escreve Luís Washington Vita - supõe uma teoria da vida, uma determinação da essência da vida no marco de uma antropologia filosófica; a segunda comporta um exame do espírito objetivo, de seus estilos e possíveis, de suas formas e classificações; a terceira é, como culminação de toda filosofia da cultura, o resultado das anteriores investigações parciais e supõe, entre outras coisas, uma elucidação das diversas formas do saber e uma completa filosofia – e não apenas uma teoria - da existência.  Aproxima a ideia de espírito subjetivo à de comunidade espiritual, envolvido por um conjunto de condições materiais e espirituais que o informam e conformam. Mais que isso, deve igualmente situar-se: - “Se chega a ser um lugar-comum dizer que todo pensador é um produto de sua época, mais acertado seria dizer que o pensador é um produto de sua posição dentro de uma época, ou melhor, resulta do conjunto particular de forças sociais que alentam a condição de seu pensamento”. Dessa tomada de posição é que resulta revelar-se o pensamento como conservador ou inovador e essencialmente na dimensão ético-política do problema.
            No tocante ao seu posicionamento em face da filosofia brasileira, coincide com o enunciado por Miguel Reale, das regras que devem presidir a investigação filosófica que se pretenda compreensiva. Até então vigorava basicamente o empenho de utilizar o pensamento brasileiro como pretexto para difundir as próprias idéias, que denominamos de “tendência participante”. Iniciou-a Sílvio Romero, desconstruindo o ideário dos autores precedentes para exaltar a Tobias Barreto e ao que depois veio a ser conhecido como a chamada Escola do Recife. Seguiu-se o padre Leonel Franca, empenhado em demonstrar que “sem a luz do tomismo os pensadores sucumbem nas trevas, de que seria exemplo eloquente a meditação brasileira”. Por fim, Cruz Costa (1945) dirá que, embora “todas as filosofias sejam importadas”, o positivismo falaria mais de perto ao espírito nacional, claro, em função da penetração do pensamento de Auguste Comte no Brasil. A tendência participante correspondeu a uma fase - batizada por Miguel Reale como sendo a da “filosofia em mangas de camisa”, para filiá-la ao tom polêmico levado a extremos pela Escola do Recife, um movimento de caráter sociológico e cultural, mas que seria mais explícito denominar de “mangas arregaçadas”, mas em franco recesso.
Auguste Comte é antes de tudo o sociólogo da unidade humana e social, da unidade da história humana. Leva a sua concepção da unidade até o ponto em que se coloca a aporia, situando a dificuldade em encontrar e fundamentar, como seu contemporâneo Marx, a questão tópica da diversidade na sociedade capitalista. Como só há um tipo de sociedade absolutamente válido, toda a humanidade deverá, segundo sua filosofia, chegar a esse tipo de sociedade, mas para tanto representando as três formas pelas quais a tese da “unidade humana” é afirmada, explicada e justificada pelas três obras principais. A primeira, entre 1820 e 1826, é a dos “Opuscules de Philosophie Sociale”, de abril de 1820; “Prospectus des Traveaux Scientifiques Nécessaires pour Réorganiser la Societé”, de abril de 1822; “Considérations Philosophiques sur la Idées et les Savants”, novembro-dezembro de 1825; “Considerations sur le Pouvoir Espirituel”, 1825-1826. A segunda etapa está constituída pelas lições do “Cours de Philosophie positive”, 1830-1842; a terceira, pelo “Système de Politique Positive ou Traité de Sociologie Instituant la Religion de l`Humanité”, publicado de 1851 a 1854.  
É durante esta época que A. Comte conclui, a partir da análise da sociedade em que vive, que a reforma social tem como condição fundamental a reforma intelectual. Os imponderáveis de uma revolução ou a violência não permitem reorganizar a sociedade em crise. Para isso Comte propõe uma síntese das ciências e a criação de uma política positiva. Encontra a explicação dos problemas sociais na contradição entre uma ordem histórica teológico-militar em vias de desaparecer e uma ordem social científica-industrial nascente. A consequência dessa interpretação da crise social é que Comte, reformador, não é um doutrinário da revolução social ao modo de Marx, nem um doutrinário das instituições livres à maneira de Montesquieu ou de Alexis de Tocqueville; é um doutrinário da ciência positiva e da ciência social. Na segunda etapa do Cours de Philosophie Positive, as ideias diretrizes se repetem, mas a perspectiva é ampliada. Nos Opuscules, Comte considera essencialmente as sociedades contemporâneas e seu passado, isto é, a história da Europa como padrão de sociedade.
O positivismo transforma-se, desde logo, em uma regra de moral individual, administrativa e política. É que procuramos suprir, muito às pressas, as nossas deficiências com as ideias que nos chegam. O certo é que, cansados do ensino verbalístico e estéril da escolástica envelhecida e pobre que se impusera até então ao país, os espíritos cultos e as instituições sociais de pesquisa em geral governamentais abraçam com entusiasmo o positivismo. Mas, o relativismo que existe na base da tradição filosófica francesa desde Michel de Montaigne, esse senso de equilíbrio e da “nuance”, o espírito crítico, era e é ao que parece bem estranho à índole brasileira, a qual cremos, possui bem mais desenvolvido “espírito de géometrie” que o “Esprit de finesse”. Daí a transformação histórica e metodológica do positivismo no comtismo enquanto ideologia estruturante do meio social.
No caso brasileiro coincidia o advento do positivismo articulado com o grande desenvolvimento que tiveram as ciências na segunda metade do século XIX, o que deu origem a um “cientismo” ingênuo e quase religioso, a uma época de “especialismo” muito adequada às nossas tendências pragmáticas. Enquanto no sul reinava o positivismo, na sua forma ortodoxa e religiosa, e os seus adeptos se iam filiando ao movimento republicano que nascera do exemplo da proclamação da terceira república francesa, - no norte surgia um novo movimento, nascido também, mas com outro espírito, da derrota francesa de 1870. O norte, a Escola do Recife, lançava o movimento conhecido pelo nome de “germanismo”. Com essa denominação, não é, porém, o estudo da filosofia de Kant, de Schelling ou de Hegel, tampouco a de Schopenhauer, que anima o entusiasmo dos germanistas pernambucanos. É um germanismo de segunda ordem. É o materialismo científico de Büchner, de Moleschott, de Vogt e de Haeckel, o monismo de Ludwig Noiré que entusiasmava os nortistas. Falava-se de Noiré como se falava de Homero e de Shakespeare. Era, todavia, mais um horizonte intelectual que se ia abrir à inteligência brasileira. O germanismo, que nos deu a conhecer a cultura alemã, reagia contra a imitação francesa, conseguiram ser originais desembaraçando-se dos franceses.             
            Foi na Faculdade de Direito do Recife onde nasceu e floresceu o movimento intelectual poético, crítico, filosófico, sociológico, folclórico e jurídico conhecido como a Escola do Recife, nos anos de 1860 e 1880 e cujo líder era o sergipano Tobias Barreto. Outras figuras importantes do movimento foram Sílvio Romero, Artur Orlando, Clóvis Beviláqua, Capistrano de Abreu, Graça Aranha, Martins Júnior, Faelante da Câmara, Urbano Santos da Costa Araújo, Abelardo Lobo, Vitoriano Palhares, José Higino Duarte Pereira, Araripe Júnior, Gumercindo Bessa e João Carneiro de Sousa Bandeira.  Assim, tanto a Escola do Recife, ou a chamada Geração de 1871, contribuiu para a intelectualização brasileira nos temas pertinentes das áreas da sociologia, da antropologia, filosofia, política, crítica literária e estética. Seus postulados representaram a valorização da mestiçagem no Brasil, resultado do cruzamento de raças; a valorização do homem, a investigação histórica e pontual do caráter nacional brasileiro, constantemente  em debate com o processo de assimilação das correntes teóricas e metodológicas europeias: o positivismo, o evolucionismo e o materialismo.
            Quando alguns destes autores se deparam com pesquisas dentro e fora da universidade sobre o Brasil citam Caio Prado Jr., Celso Furtado, Gilberto Freyre, Fernando Henrique Cardoso, Octavio Ianni, Cruz Costa, em detrimento de letrados e pesquisadores acadêmicos como: Matias Aires assimilando o iluminismo, Diogo Antonio Feijó o kantismo, Mont`Alverne o ecletismo, Gonçalves de Magalhães o espiritualismo, Pereira Barreto o positivismo, Tobias Barreto o evolucionismo, Farias Brito o bergsonismo, Leonel Franca a neoescolástica, Miguel Reale o culturalismo, Cruz Costa o historicismo, Vicente Ferreira da Silva o existencialismo, Caio Prado Jr. o marxismo, Bento Prado Jr., Notas sobre a Lettre à d`Alembert, de Jean-Jacques Rousseau, Euryalo Cannabrava o positivismo lógico. Ou, através da relação entre filosofia e literatura. É o caso de Paulo Prado ou Sérgio Milliet, Gilberto Freyre ou Afrânio Coutinho, Fernando de Azevedo ou Oswald de Andrade, Oliveira Vianna ou Mario de Andrade, etc. que, sem tratar seus temas de maneira estritamente filosófica, sem dúvida adensam a problemática especulativa, posto que “no processo de assimilação das idéias alheias, imprimimos as nossas características, de acordo, aliás, com o velho princípio: tudo o que se recebe toma a forma do recipiente, ou como certos perfumes que, em contato com a epiderme, sofrem uma alteração química que lhes altera a fragrância, e nisto consiste nossa originalidade” (Vita, 1964:12).
Os membros mais proeminentes da Escola foram Tobias Barreto, Clovis Bevilacqua, Silvio Romero e Joaquim Nabuco, Gilberto Freyre e Pontes de Miranda, embora os autores de “Tratado de Direito Privado” e “Casa Grande & Senzala” tenham começado suas carreiras nos anos 1910 e 1930, respectivamente, sem a real existência, portanto, da Escola do Recife que gozou de bastante trânsito até a inauguração das faculdades de Ciências Sociais nos anos de 1930 e 1940, caso da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, da Universidade de São Paulo e da Universidade do Brasil, depois UFRJ. Desde os escritos iniciais, observa Paim (1986) que Washington Vita dá-se conta de que há algo de insustentável na atitude negativa de Sílvio Romero, Leonel Franca e Cruz Costa. Parece-lhe que o mal reside nas “amplas sínteses” e nos “panoramas gerais”, quando o tema requeria tratamento monográfico. Sua intuição fundamental parece consistir na tese de que a filosofia se constitui de problemas que têm dimensão real e efetiva. Esta precisamente a via de acesso à compreensão da dinâmica do pensamento brasileiro. Nos anos 1940, Luís Washington Vita limitava o primado dos problemas que se caracterizaria pela superação dos sistemas.
Não chega propriamente a aceitar o menosprezo tradicional à meditação precedente, mas deixa-se impressionar pela hipótese de Francovich, segundo a qual haveria uma história da criação filosófica e outra da assimilação, nas diferentes épocas de um povo, e o seu “quociente de sensibilidade espiritual” -, os pensadores brasileiros dignos desse nome guardam diante da filosofia posição bem diversa. Mas que retrata com justeza determinados períodos da formação de nossas figuras representativas está bem longe de corresponder ao essencial do processo que apenas se insinuava em seus escritos juvenis. Ipso facto para Luiz Washington Vita (1964:10) o pensamento social e político brasileiro, mais do que criativo é assimilativo das idéias alheias, e ao invés de abrir novos rumos, limita-se a assimilar e a incorporar quase tudo o que vem de fora.
Daí a história das idéias serem, em geral, uma história da penetração do pensamento que vem “de fora para dentro”, e ao invés de abrir novos rumos, limita-se a assimilar e a incorporar o que vem de fora. Daí a história da filosofia no Brasil, ser, em geral, uma história da penetração do pensamento alheio nos recessos de nossa vida especulativa, ser, em suma, “a narrativa do grau de compreensão, da nossa capacidade de assimilação nas diferentes épocas e do nosso cotidiano de sensibilidade espiritual”. Contudo, o que há de curioso é que, não devemos perder de vista a circunstância de que tais idéias ao desembarcarem nas costas marítimas brasileiras, quase sempre passam por estranha, mas curiosa sorte: “algumas destas atingem nova significação, outras logo se perdem”. Disto resulta que a história social das idéias na América Latina, América Central e América do Norte, continentais, em geral, e no Brasil, em particular, adquire grande importância político-afetiva, pois serve estruturalmente para determinar a sua generalidade, a sua aplicação às atividades humanas e sua flexibilidade cultural.               
Bibliografia geral consultada.

ORTEGA Y GASSET, José, El Tema de Nuestro Tiempo. Buenos Aires/México: Espasa-Calpe Argentina. 1945; VITA, Luís Washington, A Filosofia no Brasil. São Paulo: Editora Martins, 1950; Idem, Compêndio de Filosofia. 1ª edição. São Paulo: Editores Melhoramentos, 1954; Idem, “Tentativa de Compreensão do Legado Especulativo de Oswald de Andrade”. In: Revista Brasileira de Filosofia (RBF). Volume 6, n°4, pp. 544-554, out./dez. 1956; Idem, “A Filosofia Atual no Brasil”.  In: RBF. Volume 8, n° 3, pp. 331-340, jul./set. 1958; Idem, “O Novo Método e a Velha Ideologia de Gilberto Freyre”. In: RBF. Volume 9, n° 3, pp. 372-379, Jul./set. 1959; Idem, “Maurice Merleau-Ponty (1908-1961)”. In: RBF. Volume 11, n° 42, pp. 272-274, abr./jun.1961; Idem, Escorço da Filosofia no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Atlântida, 1964; COSTA, João Cruz, Contribuição à História das ideias no Brasil. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1956; HEGENBERG, Leônidas, Luís Washington Vita. Introdução à Filosofia. São Paulo: Editores Melhoramentos, 1964; MERCADANTE, Paulo, Consciência Conservadora no Brasil. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1972; NEDER, Gizlene, Criminalidade, Justiça e Constituição do Mercado de Trabalho no Brasil. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em História. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1987; SALAZAR BONDY, Augusto, Existe uma Filosofia de Nuestra América? 11ª edicion. México: Siglo Veintiuno Editores, 1998; BURKE, Peter, Montaigne. São Paulo: Edições Loyola, 2006; RODRIGUES, Lidiane Soares, A Produção Social do Marxismo Universitário em São Paulo: Mestres, Discípulos e Um Seminário (1958-1978). Tese de Doutorado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2011;  MARGUTTI, Paulo Roberto, “Sobre a nossa tradição exegética e a necessidade de uma reavaliação do ensino de Filosofia no país”. In: Kriterion. Belo Horizonte, vol. 55, n° 129, pp. 397-410, 2014; GONÇALVES, Rodrigo Jurucê Mattos, A Restauração Conservadora da Filosofia> O Instituto Brasileiro de Filosofia e a Autocracia Burguesa no Brasil (1949-1964). Tese de Doutorado. programa de Pòs-Graduação em História. Faculdade de História. Goiânia: UNiversidade Federal de Goiás, 2016; entre outros. 

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