Ubiracy de Souza Braga
“Fundado e mantido pela classe patronal, o
Instituto só poderia ter uma diretriz conservadora”.
Roland Corbisier
Quando nos referimos ao pensador
brasileiro Luís Washington Vita, como um “ensaísta esquecido”, estamos fazendo
alusão ao filósofo Michel de Montaigne que se tornou célebre por ter sido o
criador do ensaio pessoal como gênero
de escrita. A proposta da criação deste estilo que lhe daria fama por toda a
posteridade era a de abordar quaisquer assuntos que considerasse relevantes,
sem uma preocupação formal, estética, ou meramente acadêmica, e sem ter como
escopo um tipo específico de leitor. Interessava a Montaigne oferecer seu ponto
de vista pessoal, registrando os fatos sociais à maneira de um observador
arguto. Mas foram seus Essays,
publicados em três volumes, que acabaram por apresentar uma linguagem refinada,
culta, de uma infinita riqueza, tendo seduzido um amplo escopo de leitores
exigentes. De um ponto de vista heterodoxo, o filósofo da comparação, da descrição
e da sugestão, concentrou sua atenção na história e na poesia, nas guerras
civis e religiosas, na tensão entre os impérios, assim como nas opacidades da
consciência ou nas digressões da mente. Seus Essays representam principalmente “autorretratos” de um homem, mais
do que o autorretrato do filósofo. Montaigne apresentasse-nos em toda a sua
complexidade e variedade humanas.
Procura também encontrar em si o que é
singular. Mas ao fazer esse estudo de “auto-observação”, próximo da técnica de
“observação participante” nos estudos de Antropologia da Civilização, acabou
por observar também o homem no seu todo. Por isso, não nos é de espantar que
neles ocorram reflexões tanto sobre os temas mais clássicos e elevados ao lado
de pensamentos sobre a flatulência. Montaigne é assim um livre pensador, um
pensador sobre o humano, sobre as suas inconsistências, diversidades e
características. E é um pensador que se dedica aos temas que mais lhe apetecem,
vai pensando de forma intimista ao sabor dos seus interesses e caprichos. Montaigne não tem um sistema. Não é um moralista, e muito menos um doutrinador. Mas não sendo moralista, não tendo um sistema de trabalho e de conduta, uma moral com princípios rígidos, é um pensador ético. Procura indagar o que está certo ou errado na conduta humana. Propõe-se mais estudar pelos seus ensaios certos assuntos do que dar respostas. No fundo, Montaigne está naquele grupo de pensadores que estão perguntar em vez de responder, e é na sua incerteza em dar respostas, que surge um certo ceticismo em Montaigne. Como não está interessado em dar respostas apriorístico tem uma certa reserva em relação a misticismos e crenças. É de notar um certo alheamento em relação ao Cristianismo e às históricas lutas em torno de religião que se viviam em França de seu tempo.
Luís Washington Vita nasceu em São
Paulo em 23 de março de 1921. Concluiu os cursos de Filosofia e Direito,
respectivamente na Universidade de São Paulo e na Universidade Federal do Rio
de Janeiro. Exerceu a advocacia e ingressou no magistério superior em São
Paulo. Em 1960 assumiu as funções de secretário da Revista Brasileira de Filosofia (RBF). Juntamente com Miguel Reale, concebeu uma coleção dedicada à
história das ideias no país e outra que deveria reunir a parcela fundamental da
obra de nossos principais filósofos. Faleceu prematuramente num acidente aos 47
anos, em 1968. Sua obra tem duas dimensões no plano de análise teórico e
ideológico fundamentais: a) difundir a filosofia; b) interessar as pessoas no
seu processo social de conhecimento. Além disso, o incansável trabalho em
migalhas de documentar a existência
da filosofia brasileira. No primeiro caso, não estava de posse de uma proposta
unitária. Guardou grande fidelidade à filosofia de Ortega y Gasset, mas adotou
muitas ideias da fenomenologia, sobretudo na feição que Max Scheler buscou
atribuir-lhe. Inteiramente incompatibilizado com o golpe de Estado político-militar de 1°
de abril de 1964, que retardou o avanço da democracia em torno de 20 anos, chegou a
simpatizar com a tese posta em circulação por Jean-Paul Sartre de que o “marxismo
seria a filosofia de nosso tempo”.
Metodologicamente, tomando a sua
obra em conjunto deve ser filiado à Escola Culturalista e este era francamente
o seu desejo. Foi nessa condição, basicamente, que se articulou em torno do
pensamento social brasileiro explicitando algo de subjacente ao culturalismo
desde Tobias Barreto, isto é, a crença na capacidade das ideias de influir
sobre o meio e de aguçar o nível de exigência moral da intelectualidade. Tinha
para ele grande relevo a noção de “consciência histórica”, a que se chegaria
pela compreensão (assimilação) do passado, assimilação esta que não deveria
tornar-se meramente subjetiva, mas ativa para incorporar-se ao presente a fim
de “melhor preparar o futuro”. A análise da meditação filosófica nacional tinha
por objetivo desvendar-lhe o sentido, impondo-nos uma tomada de posição.
Semelhante visão da Filosofia acha-se igualmente nos textos de cunho historicista, onde a noção de cultura é
capital para apontar-lhe três dimensões, a saber: a) o processo de atividade
humana que se objetiva nos bens (espírito subjetivo); b) a vida humana
objetivada, que constitui o orbe dos objetos culturais (espírito objetivo); e,
c) as relações desenvolvidas entre o espírito subjetivo e objetivo.
O contato conceitual de Wilhelm
Dilthey com a hermenêutica está relacionada à sua preparação teológica, embora
a tenha utilizado para responder a seguinte pergunta: - “Como se diferenciam as ciências humanas ou sociais
das ciências naturais? A reflexão de Dilthey para estabelecer as relações entre
significados e sistemas está presente ao longo de todos os seus escritos
principalmente àqueles relacionados sobre as “ciências do espírito”, com
oscilações que ensejam a leitura da sua obra tanto no âmbito psicológico quanto
de uma perspectiva mais propriamente sociológica. Sem dúvida ele sempre recusou
algum caráter de ciência à sociologia, referindo-se às suas variantes
positivistas, mas em sintonia com uma preocupação com os fenômenos históricos
em grande escala, nos quais as dimensões decisivas dizem respeito às formas de
organização da vida coletiva. Foi o primeiro pensador preocupado em aproximar e
a conceber a hermenêutica do terreno das incertezas da história social europeia.
A inovação causada por sua teoria e metodologia foi única e, por isso, ele está
na base de muitas correntes de pensamento que articulam história e
hermenêutica.
A Faculdade de Direito e o movimento filosófico reconhecido como a Escola do Recife. |
É
neste sentido que Dilthey considera que vida e a mudança dos seus principais
momentos estruturais fazem que a concepção do mundo sempre e em toda a parte se
expresse em oposições, embora sobre um fundo comum. Portanto é na arte, na religião e no pensamento que
encarnam os ideais que atuam na existência de um povo. Por conseguinte, toda a
mundividência é produto da história. A historicidade revela-se como uma
propriedade fundamental da consciência humana. Os sistemas filosóficos não
constituem uma exceção. Como as religiões e as obras de arte, contêm uma visão do
mundo, inserida na vitalidade das pessoas que os produziram e em consonância
com as épocas em que vieram à luz do dia; traduzem uma determinada atitude afetiva, caracterizam-se pela
imprescindível energia lógica, porque o filósofo procura trazer a imagem do
mundo à clara consciência e ao mais estrito urdimento cognitivo. Neste esforço
de reflexão e de trabalho dos conceitos, que gera uma circunspecção potenciada,
é que reside o valor prático da atitude filosófica. Como o centro da
compreensão está na vida ou um todo estruturado, quase sempre resultando da relação entre
individualidades, é possível perceber a conexão entre a ética e a teoria
compreensiva.
A primeira dessas investigações -
escreve Luís Washington Vita - supõe uma teoria da
vida, uma determinação da essência da vida no marco de uma antropologia
filosófica; a segunda comporta um exame do espírito objetivo, de seus estilos e
possíveis, de suas formas e classificações; a terceira é, como culminação de
toda filosofia da cultura, o resultado das anteriores investigações parciais e
supõe, entre outras coisas, uma elucidação das diversas formas do saber e uma
completa filosofia – e não apenas uma teoria - da existência. Aproxima a ideia de espírito subjetivo à de comunidade
espiritual, envolvido por um conjunto de condições materiais e espirituais que
o informam e conformam. Mais que isso, deve igualmente situar-se: - “Se chega a
ser um lugar-comum dizer que todo pensador é um produto de sua época, mais
acertado seria dizer que o pensador é um produto de sua posição dentro de uma
época, ou melhor, resulta do conjunto particular de forças sociais que alentam
a condição de seu pensamento”. Dessa tomada de posição é que resulta revelar-se
o pensamento como conservador ou inovador e essencialmente na dimensão
ético-política do problema.
No tocante ao seu posicionamento em
face da filosofia brasileira, coincide com o enunciado por Miguel Reale, das
regras que devem presidir a investigação filosófica que se pretenda compreensiva. Até então vigorava
basicamente o empenho de utilizar o pensamento brasileiro como pretexto para
difundir as próprias idéias, que denominamos de “tendência participante”. Iniciou-a
Sílvio Romero, desconstruindo o ideário dos autores precedentes para exaltar a
Tobias Barreto e ao que depois veio a ser conhecido como a chamada Escola do
Recife. Seguiu-se o padre Leonel Franca, empenhado em demonstrar que “sem a luz
do tomismo os pensadores sucumbem nas trevas, de que seria exemplo eloquente a
meditação brasileira”. Por fim, Cruz Costa (1945) dirá que, embora “todas as
filosofias sejam importadas”, o positivismo falaria mais de perto ao espírito
nacional, claro, em função da penetração do pensamento de Auguste Comte no
Brasil. A tendência participante correspondeu a uma fase - batizada por Miguel
Reale como sendo a da “filosofia em mangas de camisa”, para filiá-la ao tom
polêmico levado a extremos pela Escola do Recife, um movimento de caráter
sociológico e cultural, mas que seria mais explícito denominar de “mangas arregaçadas”,
mas em franco recesso.
Auguste Comte é antes de tudo o sociólogo da unidade humana e social, da unidade da
história humana. Leva a sua concepção da unidade até o ponto em que se coloca a
aporia, situando a dificuldade em encontrar e fundamentar, como seu
contemporâneo Marx, a questão tópica da diversidade na sociedade capitalista.
Como só há um tipo de sociedade absolutamente válido, toda a humanidade deverá,
segundo sua filosofia, chegar a esse tipo de sociedade, mas para tanto
representando as três formas pelas quais a tese da “unidade humana” é afirmada,
explicada e justificada pelas três obras principais. A primeira, entre 1820 e
1826, é a dos “Opuscules de Philosophie Sociale”, de abril de 1820; “Prospectus
des Traveaux Scientifiques Nécessaires pour Réorganiser la Societé”, de abril
de 1822; “Considérations Philosophiques sur la Idées et les Savants”,
novembro-dezembro de 1825; “Considerations sur le Pouvoir Espirituel”,
1825-1826. A segunda etapa está constituída pelas lições do “Cours de
Philosophie positive”, 1830-1842; a terceira, pelo “Système de Politique Positive
ou Traité de Sociologie Instituant la Religion de l`Humanité”, publicado de
1851 a 1854.
É
durante esta época que A. Comte conclui, a partir da análise da sociedade em
que vive, que a reforma social tem como condição fundamental a reforma
intelectual. Os imponderáveis de uma revolução ou a violência não permitem
reorganizar a sociedade em crise. Para isso Comte propõe uma síntese das
ciências e a criação de uma política positiva. Encontra a explicação dos
problemas sociais na contradição entre uma ordem histórica teológico-militar em
vias de desaparecer e uma ordem social científica-industrial nascente. A
consequência dessa interpretação da crise social é que Comte, reformador, não é
um doutrinário da revolução social ao modo de Marx, nem um doutrinário das
instituições livres à maneira de Montesquieu ou de Alexis de Tocqueville; é um
doutrinário da ciência positiva e da ciência social. Na segunda etapa do
Cours de Philosophie Positive, as ideias diretrizes se repetem, mas a
perspectiva é ampliada. Nos Opuscules, Comte considera essencialmente as
sociedades contemporâneas e seu passado, isto é, a história da Europa como
padrão de sociedade.
O
positivismo transforma-se, desde logo, em uma regra de moral individual,
administrativa e política. É que procuramos suprir, muito às pressas, as nossas
deficiências com as ideias que nos chegam. O certo é que, cansados do ensino
verbalístico e estéril da escolástica envelhecida e pobre que se impusera até
então ao país, os espíritos cultos e as instituições sociais de pesquisa em
geral governamentais abraçam com entusiasmo o positivismo. Mas, o relativismo
que existe na base da tradição filosófica francesa desde Michel de Montaigne,
esse senso de equilíbrio e da “nuance”, o espírito crítico, era e é ao que parece
bem estranho à índole brasileira, a qual cremos, possui bem mais desenvolvido
“espírito de géometrie” que o “Esprit de finesse”. Daí a transformação histórica e metodológica do
positivismo no comtismo enquanto ideologia estruturante do meio social.
No
caso brasileiro coincidia o advento do positivismo
articulado com o grande desenvolvimento que tiveram as ciências na segunda
metade do século XIX, o que deu origem a um “cientismo” ingênuo e quase
religioso, a uma época de “especialismo” muito adequada às nossas tendências
pragmáticas. Enquanto no sul reinava o positivismo, na sua forma ortodoxa e
religiosa, e os seus adeptos se iam filiando ao movimento republicano que
nascera do exemplo da proclamação da terceira república francesa, - no norte
surgia um novo movimento, nascido também, mas com outro espírito, da derrota
francesa de 1870. O norte, a Escola do Recife, lançava o movimento conhecido
pelo nome de “germanismo”. Com essa denominação, não é, porém, o estudo da
filosofia de Kant, de Schelling ou de Hegel, tampouco a de Schopenhauer, que
anima o entusiasmo dos germanistas pernambucanos. É um germanismo de segunda
ordem. É o materialismo científico de Büchner, de Moleschott, de Vogt e de
Haeckel, o monismo de Ludwig Noiré que entusiasmava os nortistas. Falava-se de
Noiré como se falava de Homero e de Shakespeare. Era, todavia, mais um
horizonte intelectual que se ia abrir à inteligência brasileira. O germanismo,
que nos deu a conhecer a cultura alemã, reagia contra a imitação francesa,
conseguiram ser originais desembaraçando-se dos franceses.
Foi na Faculdade de Direito do
Recife onde nasceu e floresceu o movimento intelectual poético, crítico,
filosófico, sociológico, folclórico e jurídico conhecido como a Escola do
Recife, nos anos de 1860 e 1880 e cujo líder era o sergipano Tobias Barreto.
Outras figuras importantes do movimento foram Sílvio Romero, Artur Orlando,
Clóvis Beviláqua, Capistrano de Abreu, Graça Aranha, Martins Júnior, Faelante
da Câmara, Urbano Santos da Costa Araújo, Abelardo Lobo, Vitoriano Palhares,
José Higino Duarte Pereira, Araripe Júnior, Gumercindo Bessa e João Carneiro de
Sousa Bandeira. Assim, tanto a Escola do
Recife, ou a chamada Geração de 1871, contribuiu para a intelectualização
brasileira nos temas pertinentes das áreas da sociologia, da antropologia, filosofia,
política, crítica literária e estética. Seus postulados representaram a valorização da
mestiçagem no Brasil, resultado do cruzamento de raças; a valorização do homem, a investigação histórica e pontual do caráter nacional brasileiro, constantemente em debate com o processo de assimilação das correntes teóricas e metodológicas europeias: o
positivismo, o evolucionismo e o materialismo.
Quando alguns destes autores se deparam com pesquisas dentro e fora da universidade sobre o Brasil citam Caio Prado Jr., Celso Furtado, Gilberto Freyre, Fernando Henrique Cardoso, Octavio Ianni, Cruz Costa, em detrimento de letrados e pesquisadores acadêmicos como: Matias Aires assimilando o iluminismo, Diogo Antonio Feijó o kantismo, Mont`Alverne o ecletismo, Gonçalves de Magalhães o espiritualismo, Pereira Barreto o positivismo, Tobias Barreto o evolucionismo, Farias Brito o bergsonismo, Leonel Franca a neoescolástica, Miguel Reale o culturalismo, Cruz Costa o historicismo, Vicente Ferreira da Silva o existencialismo, Caio Prado Jr. o marxismo, Bento Prado Jr., Notas sobre a Lettre à d`Alembert, de Jean-Jacques Rousseau, Euryalo Cannabrava o positivismo lógico. Ou, através da relação entre filosofia e literatura. É o caso de Paulo Prado ou Sérgio Milliet, Gilberto Freyre ou Afrânio Coutinho, Fernando de Azevedo ou Oswald de Andrade, Oliveira Vianna ou Mario de Andrade, etc. que, sem tratar seus temas de maneira estritamente filosófica, sem dúvida adensam a problemática especulativa, posto que “no processo de assimilação das idéias alheias, imprimimos as nossas características, de acordo, aliás, com o velho princípio: tudo o que se recebe toma a forma do recipiente, ou como certos perfumes que, em contato com a epiderme, sofrem uma alteração química que lhes altera a fragrância, e nisto consiste nossa originalidade” (Vita, 1964:12).
Quando alguns destes autores se deparam com pesquisas dentro e fora da universidade sobre o Brasil citam Caio Prado Jr., Celso Furtado, Gilberto Freyre, Fernando Henrique Cardoso, Octavio Ianni, Cruz Costa, em detrimento de letrados e pesquisadores acadêmicos como: Matias Aires assimilando o iluminismo, Diogo Antonio Feijó o kantismo, Mont`Alverne o ecletismo, Gonçalves de Magalhães o espiritualismo, Pereira Barreto o positivismo, Tobias Barreto o evolucionismo, Farias Brito o bergsonismo, Leonel Franca a neoescolástica, Miguel Reale o culturalismo, Cruz Costa o historicismo, Vicente Ferreira da Silva o existencialismo, Caio Prado Jr. o marxismo, Bento Prado Jr., Notas sobre a Lettre à d`Alembert, de Jean-Jacques Rousseau, Euryalo Cannabrava o positivismo lógico. Ou, através da relação entre filosofia e literatura. É o caso de Paulo Prado ou Sérgio Milliet, Gilberto Freyre ou Afrânio Coutinho, Fernando de Azevedo ou Oswald de Andrade, Oliveira Vianna ou Mario de Andrade, etc. que, sem tratar seus temas de maneira estritamente filosófica, sem dúvida adensam a problemática especulativa, posto que “no processo de assimilação das idéias alheias, imprimimos as nossas características, de acordo, aliás, com o velho princípio: tudo o que se recebe toma a forma do recipiente, ou como certos perfumes que, em contato com a epiderme, sofrem uma alteração química que lhes altera a fragrância, e nisto consiste nossa originalidade” (Vita, 1964:12).
Os
membros mais proeminentes da Escola foram Tobias Barreto, Clovis Bevilacqua,
Silvio Romero e Joaquim Nabuco, Gilberto Freyre e Pontes de Miranda, embora os
autores de “Tratado de Direito Privado” e “Casa Grande & Senzala” tenham
começado suas carreiras nos anos 1910 e 1930, respectivamente, sem a real
existência, portanto, da Escola do Recife que gozou de bastante trânsito até a
inauguração das faculdades de Ciências Sociais nos anos de 1930 e 1940, caso da
Escola de Sociologia e Política de São Paulo, da Universidade de São Paulo e da
Universidade do Brasil, depois UFRJ. Desde os escritos iniciais, observa Paim
(1986) que Washington Vita dá-se conta de que há algo de insustentável na
atitude negativa de Sílvio Romero, Leonel Franca e Cruz Costa. Parece-lhe que o
mal reside nas “amplas sínteses” e nos “panoramas gerais”, quando o tema requeria
tratamento monográfico. Sua intuição fundamental parece consistir na tese de
que a filosofia se constitui de problemas que têm dimensão real e efetiva. Esta
precisamente a via de acesso à compreensão da dinâmica do pensamento
brasileiro. Nos anos 1940, Luís Washington Vita limitava o primado dos
problemas que se caracterizaria pela superação dos sistemas.
Não
chega propriamente a aceitar o menosprezo tradicional à meditação precedente,
mas deixa-se impressionar pela hipótese de Francovich, segundo a qual haveria
uma história da criação filosófica e outra da assimilação, nas diferentes épocas de um povo, e o seu “quociente
de sensibilidade espiritual” -, os pensadores brasileiros dignos desse nome
guardam diante da filosofia posição bem diversa. Mas que retrata com justeza
determinados períodos da formação de nossas figuras representativas está bem
longe de corresponder ao essencial do processo que apenas se insinuava em seus
escritos juvenis. Ipso facto para Luiz
Washington Vita (1964:10) o pensamento social e político brasileiro, mais do
que criativo é assimilativo das
idéias alheias, e ao invés de abrir novos rumos, limita-se a assimilar e a
incorporar quase tudo o que vem de fora.
Daí
a história das idéias serem, em geral, uma história da penetração do pensamento
que vem “de fora para dentro”, e ao invés de abrir novos rumos, limita-se a
assimilar e a incorporar o que vem de fora. Daí a história da filosofia no
Brasil, ser, em geral, uma história da penetração do pensamento alheio nos
recessos de nossa vida especulativa, ser, em suma, “a narrativa do grau de
compreensão, da nossa capacidade de assimilação nas diferentes épocas e do
nosso cotidiano de sensibilidade espiritual”. Contudo, o que há de curioso é
que, não devemos perder de vista a circunstância de que tais idéias ao
desembarcarem nas costas marítimas brasileiras, quase sempre passam por
estranha, mas curiosa sorte: “algumas destas atingem nova significação, outras
logo se perdem”. Disto resulta que a história social das idéias na América
Latina, América Central e América do Norte, continentais, em geral, e no
Brasil, em particular, adquire grande importância político-afetiva, pois serve estruturalmente
para determinar a sua generalidade, a sua aplicação às atividades humanas e sua
flexibilidade cultural.
Bibliografia
geral consultada.
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Aires/México: Espasa-Calpe Argentina. 1945; VITA, Luís Washington, A Filosofia no Brasil. São Paulo:
Editora Martins, 1950; Idem, Compêndio de
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“Tentativa de Compreensão do Legado Especulativo de Oswald de Andrade”. In: Revista Brasileira de Filosofia (RBF).
Volume 6, n°4, pp. 544-554, out./dez. 1956; Idem, “A Filosofia Atual no Brasil”. In: RBF.
Volume 8, n° 3, pp. 331-340, jul./set. 1958; Idem, “O Novo Método e a Velha Ideologia
de Gilberto Freyre”. In:
RBF. Volume 9, n° 3, pp. 372-379, Jul./set.
1959; Idem, “Maurice Merleau-Ponty (1908-1961)”. In: RBF. Volume 11, n° 42, pp. 272-274,
abr./jun.1961; Idem, Escorço da
Filosofia no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Atlântida, 1964; COSTA, João
Cruz, Contribuição à História das ideias
no Brasil. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1956;
HEGENBERG, Leônidas, Luís Washington
Vita. Introdução à Filosofia. São Paulo: Editores Melhoramentos, 1964; MERCADANTE, Paulo, Consciência Conservadora no Brasil. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1972; NEDER, Gizlene, Criminalidade, Justiça e Constituição do Mercado de Trabalho no Brasil. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em História. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1987; SALAZAR BONDY, Augusto, Existe uma Filosofia de Nuestra América? 11ª edicion. México: Siglo Veintiuno Editores, 1998; BURKE,
Peter, Montaigne. São Paulo: Edições
Loyola, 2006; RODRIGUES, Lidiane Soares, A Produção Social do Marxismo Universitário em São Paulo: Mestres, Discípulos e Um Seminário (1958-1978). Tese de Doutorado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2011; MARGUTTI, Paulo Roberto, “Sobre a nossa tradição exegética e a
necessidade de uma reavaliação do ensino de Filosofia no país”. In: Kriterion. Belo Horizonte, vol. 55, n°
129, pp. 397-410, 2014; GONÇALVES, Rodrigo Jurucê Mattos, A Restauração Conservadora da Filosofia> O Instituto Brasileiro de Filosofia e a Autocracia Burguesa no Brasil (1949-1964). Tese de Doutorado. programa de Pòs-Graduação em História. Faculdade de História. Goiânia: UNiversidade Federal de Goiás, 2016; entre outros.
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