Ubiracy de Souza Braga
“Descobri que tinha as pernas tortas lendo os jornais”. Mané Garrincha (1933-1983)
A
história do futebol no Brasil tem início em 1895, através invenção das regras dos ingleses,
como ocorre comparativamente na maioria dos outros países europeus. Os
primeiros clubes começaram a se formar neste período. Assim como a fundação dos
clubes, a prática também era restrita à elite branca no âmbito do processo
civilizatório. Diz-se que a primeira bola de futebol do país foi trazida em
1894 pelo paulista Charles William Miller. Como em muitos países, o futebol
chegou ao Brasil nos pés de ingleses expatriados. No Brasil, é amplamente
considerado que o pai do futebol foi Charles Miller, o filho de um empregado de
uma empresa ferroviária. Miller, que era nascido no Brasil, foi à Inglaterra
para estudar na Banister Court School. Lá, se tornou um admirador do futebol e
quando retornou ao Brasil, em 1894, trouxe com ele duas bolas na mala. Em 1895 ocorreu o primeiro jogo de futebol no país. Na Várzea do
Carmo, em São Paulo, em 14 de abril, uma partida entre ingleses e
anglo-brasileiros, formados pelos funcionários da São Paulo Gaz Company e da
Estrada de Ferro São Paulo Railway Company. O amistoso terminou em 4 a 2, com
vitória do São Paulo Railway. No entanto, há registros que afirmam que o
esporte já havia sido praticado no país anteriormente. Em 1874, marinheiros
estrangeiros disputaram uma partida em praias cariocas. Foram
os ingleses que criaram a maioria das regras que conhecemos. Foi oficializado esse acontecimento em 1863, quando a Football Association foi criada. Um dos nomes importantes na criação da associação é o do inglês
Ebenezer Cobb Morley (1831-1924), visto por muitos como o pai do futebol
moderno.
Os
registros etnográficos mais antigos sobre o Futebol praticado no Brasil, porém,
datam de 1875, em Curitiba, Paraná. A aristocracia dominava as ligas de
futebol, enquanto o esporte começava a ganhar as várzeas. As camadas sociais
mais pobres da população urbana e mesmo os negros no início da República Velha,
ou República das oligarquias podiam apenas assistir. Em 1878, tripulantes do
navio Criméia enfrentaram-se em uma exibição para a Princesa Isabel. Em 1886, o
Colégio Anchieta, em Nova Friburgo, impunha regularmente a prática do futebol,
por influência dos padres jesuítas. O pioneirismo de Miller também é contestado
pelo Bangu Atlético Clube, que afirma ser o escocês Thomas Donohoe quem
introduziu o esporte em terras brasileiras. Thomas, que era um técnico da firma
inglesa Platt Brothers and Co., de Southampton, tinha sido contratado para
ajudar na implantação da fábrica têxtil de Bangu. Em 1894, teria ido a
Inglaterra e de lá trazido uma bola, dando pontapé ao primeiro jogo de futebol
brasileiro, em maio de 1894, quatro meses antes de Miller. Para Loris Baena Cunha, haveria registros da partida entre ingleses da Amazon Steam Navigation Company Ltd., da Parah Gaz Company
e da Western Telegraph, no Pará, em 1890.
Entre
1910 e 1919, mais times e federações surgiram. O esporte tornou-se cada vez
mais popular. Em 1910, por exemplo, após uma visita do Corinthians FC de
Londres ao Brasil, surgiu em São Paulo o Sport Club Corinthians Paulista.
Outro grande clube seria fundado dois anos depois: o Santos Futebol
Clube, com sede em Santos, SP. Em 1912, o Clube de Regatas do Flamengo
começaria a jogar futebol, assim como Club de Regatas Vasco da Gama faria em 1915,
clubes estes que existiam desde o século XIX, mas que iniciaram com a prática
do remo no Rio de Janeiro. Inicialmente, apenas pessoas de pele branca podiam
jogar futebol no Brasil como profissionais, dado o fato de a maioria dos
primeiros clubes terem sido fundados por estrangeiros. Em jogo contra o seu
ex-clube, o America do Rio de Janeiro, o mestiço Carlos Alberto no Campeonato
Carioca de 1914, por conta própria, chegou “a cobrir-se com pó-de-arroz para
que ele parecesse branco”. Porém, com o decorrer da partida, o suor cobriu a
maquiagem de pó-de-arroz e a farsa foi desfeita. A torcida do América, que o
conhecia - ele havia sido um dos jogadores que saíram do clube na cisão interna
de 1914, tendo sido campeão carioca em 1913 - começou a persegui-lo e a gritar “pó-de-arroz”,
apelido que acabou sendo absorvido pela torcida do Fluminense, que passou a
jogar pó-de-arroz e talco à entrada de seu time em campo. Surgem os campeonatos
regionais, e público e imprensa, interessados cada vez mais pelo esporte,
difundiram-no pelo país. Separa-se do tênis e do críquete, esportes da elite,
para despertar o interesse de toda a massa, principalmente na década de 1920,
quando os negros começaram a ser aceitos em clubes. O Vasco foi o
primeiro dos clubes a vencer títulos com uma equipe de
jogadores negros e pobres.
Somente
na década de 1920, os negros passaram a ser aceitos pelos clubes que se
fundavam ao passo que o futebol se massifica, especialmente com a
profissionalização ocorrida em 1933. Alguns clubes fora do eixo de
industrialização do Rio de Janeiro e São Paulo, resistiam à modernização e
continuavam como clubes amadores. Mas com o decorrer do tempo, quase todos
foram se acomodando à nova realidade econômica, política e social. Diversos
clubes tradicionais e consagrados abandonaram a elite do futebol, ou até mesmo
o esporte por completo. Durante os governos, principalmente de Getúlio
Dornelles Vargas, foi realizado um grande esforço para alavancar o futebol no
país. A construção do estádio do Maracanã, considerado o maior do mundo, na
cidade do Rio de Janeiro e a Copa do Mundo de Futebol no Brasil (1950), por exemplo, ocorreram
na chamada Era Vargas. A vitória no Mundial de 1958, com um time comandado
pelos brilhantes jogadores negros Didi e Pelé, pelos mestiços Vavá e Garrincha
e pelo capitão Bellini, ratificou o futebol como principal elemento da
identificação nacional, já que reúne pessoas de diversas etnias, condições
sociais, credos de diferentes regiões do país.
As
unidades de geração desenvolvem perspectivas, reações e posições políticas e
afetivas diferentes em relação a um mesmo dado problema. O nascimento em um
contexto social idêntico, mas em um período específico, faz surgirem
diversidades nas ações dos sujeitos. Outra característica é a adoção ou criação
de estilos de vida distintos pelos indivíduos, mesmo vivendo em um mesmo âmbito
social. Em outras palavras, sociologicamente, a unidade geracional constitui uma adesão mais
concreta em relação àquela comparativamente estabelecida pela conexão geracional. Mas a forma
como grupos de uma mesma conexão geracional lidam com os fatos históricos
vividos, por sua geração, fará surgir distintas unidades geracionais no âmbito
da mesma conexão geracional no conjunto da sociedade. Karl Mannheim não esconde
sua preferência pela abordagem histórico-romântica alemã. Destaca ainda que este é um exemplo bastante
claro de como a forma de se colocar uma questão pode variar na análise comparada, de país para país culturalmente,
assim como de uma época para outra. O pensamento romântico alemão se
esforça em compreender no problema geracional uma contraproposta diante da
linearidade do fluxo temporal da história social.
O
problema geracional gira em torno de um conjunto de práticas e saberes sociais que
se torna um problema de existência de um tempo interior não mensurável e que só
pode ser apreendido qualitativamente. As unidades de geração desenvolvem
perspectivas, reações e posições políticas diferentes em relação a um mesmo
problema dado. O nascimento em um contexto social idêntico, mas em um período
específico, faz surgirem diversidades sociais nas ações dos sujeitos. Outra
característica é a adoção ou criação de estilos de vida distintos pelos
indivíduos, mesmo vivendo em um mesmo ambiente social. Em outras palavras: a
unidade geracional constitui uma adesão mais concreta em relação àquela
estabelecida pela conexão geracional. Estes, de acordo com Mannheim, foram
produtos específicos - capazes de produzir mudanças sociais - da colisão entre
o tempo biográfico e o tempo histórico. Ao mesmo tempo, as gerações podem ser
consideradas o resultado de descontinuidades históricas e, portanto, de mudanças
sociais. O que forma uma geração não
é uma data de nascimento - a “demarcação geracional” é algo apenas
potencial - mas é a parte do processo histórico que jovens da mesma idade
compartilham em vista do vínculo com a geração atual.
Manuel
Francisco dos Santos, o futebolista Mané Garrincha, nasceu em Magé (RJ) em 28
de outubro de 1933. Foi um atleta que se notabilizou por seus dribles desconcertantes
devido ao gingado de suas pernas tortas. O discurso identitário sobre o futebol
brasileiro fundamenta sua singularidade afirmando possuir um estilo de jogo
alegre e bonito. A arte do drible, comparativamente como a “ginga da capoeira”
e com o ritmo do samba seriam as principais marcas
de reconhecimento. É considerado o maior craque (jogador) de futebol de todos os tempos
e, ipso facto, o mais célebre
ponta-direita da história do futebol (cf. Lili, 2014). No auge de sua carreira, passou a assinar
Manuel dos Santos, em homenagem a um tio homônimo, que o ajudou. Sua irmã o
teria apelidado de Garrincha, fazendo
associação com o pássaro de mesmo nome, comum na região. Garrincha também é
considerado o maior driblador da
história do futebol, denominado O Anjo de Pernas Tortas, um dos vencedores da
Copa do Mundo de 1958 e da Copa do Mundo de 1962 quando após a proposital
contusão de Pelé se tornou o principal jogador brasileiro. Morreu em 1983, aos 49 anos no dia
20 de janeiro, quando tinha tudo para ser de uma festa da fé,
abençoados por São Sebastião, mas uma tragédia deixou o mundo do futebol e o
Brasil, de forma geral, inconsoláveis. Morria Manoel Francisco dos Santos. O “caçador
de passarinhos”, o “Anjo de Pernas Tortas”, o único jogador capaz de fazer “a
superfície de um lenço parecer um latifúndio”, como metaforicamente descreveu
Armando Nogueira, no Rio de Janeiro, vítima de edema pulmonar. De origem
humilde, com uma família numerosa de quinze irmãos, Manuel dos Santos era
natural de Pau Grande, um distrito de Magé, um município da Baixada Fluminense, situado na Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro. Seu ponto turístico mais famoso é representado pela 1ª Estrada de Ferro do Brasil, construída em 1854 por Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá.
Com
quatorze anos de idade, começou a jogar no Esporte Clube Pau Grande (RJ) e seu
talento, já manifestado, despertou a atenção de Arati, um ex-jogador do
Botafogo. Não se sabe com certeza quem o levou a fazer um teste no Club de
Regatas Botafogo, agremiação esportiva brasileira, fundada na cidade do Rio de
Janeiro em 1894, cujo escopo principal era o remo e os desportos aquáticos.
Clube tradicional extinguiu-se em 1942 após a fusão com o Botafogo Football
Club, originando o Botafogo de Futebol e Regatas. Em 1891, contando em sua
gênese com a participação de membros egressos do Clube Guanabarense, criado em
1874, o Grupo de Regatas Botafogo foi fundado pelo remador Luiz Caldas, conhecido
como Almirante no contexto político da Revolta da Armada, em que o almirante e
o comandante Custódio de Melo e Guilherme Frederico de Lorena, respectivamente tinham
dois filhos como sócios do grupo de ativistas, João Carlos de Melo (John) e
Frederico Lorena (Fritz). Esta ligação dos jovens com o grupo levantou
suspeitas do governo sobre o Botafogo, que foi obrigado a interromper suas
atividades. Por conta da perseguição política, John e Fritz deixaram a cidade
do Rio de Janeiro, e Luiz Caldas torna-se, salvo engano de interpretação na teoria, o primeiro jogador de
futebol preso pela polícia política brasileira.
Após
38 anos de coexistência entre o Club de Regatas e o Football Club, as
agremiações se uniram oficialmente no dia 8 de dezembro de 1942. A união,
contudo, foi motivada por conta de uma tragédia: no dia 11 de junho de 1942, o
clube de regatas e o de futebol se enfrentava em uma partida de basquete,
válida pelo Campeonato Carioca. O atleta Armando Albano, um dos principais
jogadores do Botafogo Football Club e da Seleção Brasileira, saiu atrasado do
trabalho e chegou à quadra com o jogo já em andamento, no final do primeiro
tempo. Durante o intervalo, Armando se abaixou para pegar uma bola e caiu
desfalecido na quadra. Prontamente o jogador foi levado ao vestiário e a
partida recomeçou. Porém, após alguns minutos tentando trazê-lo de volta à
vida, a notícia de sua morte interrompeu o confronto quando o placar marcava 23
a 21 para o clube de futebol. A decisão de parar o jogo foi tomada pelo
Botafogo de Regatas, que abdicou da disputa para que Albano tivesse como
homenagem na última vitória. Envolvidos pela profunda atmosfera de comoção pela individualização das referências, os
dirigentes das duas agremiações futebolística optaram pela união dos clubes, criando solidariamente o
Botafogo de Futebol e Regatas. Elza Soares canta o hino nacional antes da partida entre Brasiliense e Brasília válida pela final.
O
Club de Regatas Botafogo não possuía um escudo oficial. Havia, porém, um escudo
usado popularmente que continha a Estrela Solitária, remos e o monograma do
clube, com as iniciais CRB. No uniforme, o clube usava apenas um monograma com
a estrela no topo. Em 1919, a estrela se sobrepôs às iniciais, que passaram
para dentro dela. Já o escudo do Botafogo Football Club foi desenhado a nanquim
por um de seus fundadores, Basílio Viana Júnior. Era um escudo branco no estilo
suíço, com o contorno em preto. Ao centro, as iniciais do clube BFC,
entrelaçadas em preto. Em 1942, com o
surgimento do Botafogo de Futebol e Regatas, manteve-se o formato do escudo do
Botafogo Football Club, com a Estrela Solitária branca, do Club de Regatas
Botafogo, no lugar das letras, em um fundo preto. Além disso, o escudo recebeu
dois contornos: o de dentro branco e o de fora negro. Em 2008, a revista japonesa
T Sports Magazine elegeu 100 escudos de futebol mais bonitos do mundo e o
símbolo do Botafogo foi escolhido como o primeiro colocado. Em 2009
foi considerado o escudo mais bonito do mundo, dessa vez pelo site
Esporte Final.
O time de jurados consistiu de jornalistas,
uma designer gráfica e um historiador
brasileiro. Em 2013, o site Bleacher
Report, uma revista eletrônica norte-americana de esportes que publica
aproximadamente 1.000 artigos por dia, também incluiu merecidamente o escudo
alvinegro entre os 20 mais bonitos do mundo ocidental. A
Estrela Solitária, presente no
escudo, na bandeira e na flâmula do clube, era o símbolo máximo do Club de
Regatas Botafogo. Originalmente, possuía um formato diferente: tinha em cada
ponta uma tonalidade, dividindo-as em preto e branco, dando efeito simbólico de
sombra. Contudo, foi substituída nos primeiros anos pelo famoso modelo da
estrela de cinco pontas branca em um fundo preto. A Estrela Solitária
representa a Estrela D`Alva e foi adotada porque os remadores do clube, que
cedo madrugavam na Enseada de Botafogo, no Rio de Janeiro, frequentemente viam o
planeta Vênus brilhando no firmamento. Com a fusão dos dois clubes, a estrela
apontada para o Zênite também foi adotada como símbolo do futebol. O Botafogo
de Futebol e Regatas recebeu carinhosamente um dos apelidos “clube da Estrela
Solitária”.
Reconhecido
pela estrela de cinco pontas em seu distintivo, que lhe dá a alcunha de clube
da Estrela Solitária, o Botafogo tem como suas cores oficiais o preto e o
branco. Um dos clubes mais populares do Brasil tem como seus principais rivais
o Flamengo, o Fluminense e o Vasco da Gama. Foi indicado pela FIFA ao seleto
grupo dos maiores clubes do século XX. Dentre seus principais títulos estão: 20
Campeonatos Cariocas, 4 Torneios Rio-São Paulo, 2 Campeonatos Brasileiros e 1
Copa Conmebol, precursora da atual Copa Sul-Americana. Além disso, o clube
detém alguns dos principais recordes do futebol brasileiro: a) como o de maior
número de partidas de invencibilidade: 52 jogos entre os anos de 1977 e 1978;
b) o recorde de partidas invictas em jogos do Campeonato Brasileiro: 42, também
entre 1977 e 1978; c) o maior número de participações de jogadores profissionais
em partidas totais da Seleção Brasileira de Futebol, mesmo considerando jogos
oficiais e não oficiais, num total de 1100 participações; d) o maior número de
jogadores cedidos à Seleção Brasileira para Copas do Mundo. Além disso, o clube
é o detentor da maior vitória já registrada no futebol brasileiro: 24 a 0 sobre
o Sport Club Mangueira no Campeonato Carioca de 1909. Garrincha seria a
tradução e a encarnação do “jogo bonito” (“beautiful game”). A imagem de
Garrincha é a do atleta ipsis litteris
que não valoriza esquemas táticos ou treinamentos físicos. Sua dramatis personae de sucesso dentro dos
campos de futebol é narrada como expressão de um dom ante as adversidades
enfrentadas. Ruy Castro descreve uma bela e consistente história social sobre a
démarche de Garrincha, que nas narrativas se esgueira e revela a
hegemonia da identidade do brasileiro.
Do
ponto de vista ortopédico uma das características marcantes que envolvem a
figura e o talento estilístico do jogador Garrincha relacionam-se do ponto de
vista da medicina a uma distrofia física, que tem como representação física as
pernas tortas, arcadas. Na descrição ortopédica uma perna direita, era seis
centímetros mais curta que a esquerda, era também flexionada para o lado
esquerdo, e a perna esquerda apresentava o mesmo desenho. Ambas as pernas eram,
pois, tortas para o seu lado esquerdo, o que o fazia projetar-se para o lado
oposto e com a inversão da jogada, completar o drible repetidamente. Garrincha
era destro, mas nos minutos iniciais do primeiro treino, como profissional, ele
teria dado vários dribles em Nílton Santos, o qual já era um renomado jogador. Afirma
Ruy Castro em seu livro que já teria nascido assim, mas há vários depoimentos
no sentido que tal característica tenha sido sequela de uma poliomielite. Garrincha
casou-se com Nair, namorada da infância, com quem teve nove filhas. Separou-se
de Nair e foi casado com Elza Soares por 15 anos, de 1968 a 1983. Os dois
tiveram um filho, Manuel Garrincha dos Santos Júnior, morto aos 9 anos de idade
num acidente automobilístico. Neném, o filho dele com Iraci, anterior ao
casamento com Elza, também morreu num acidente em Portugal em 20 de janeiro de
1992, aos 28 anos. Garrincha também é pai de um filho sueco: Ulf Lindberg de um
relacionamento com uma sueca da cidade de Umeå, durante uma excursão do
Botafogo à Europa em 1959.
A
camisa 7 é considerada a mais importante da história social do Botafogo. Diversos
jogadores do clube se destacaram tanto pelo alvinegro quanto pela Seleção
Brasileira vestindo o número místico nas costas. A história de sucesso começou
com o atacante Paraguaio (1948). O jogador foi um dos grandes responsáveis pelo
título carioca daquele ano, conquistado após uma vitória sobre o Expresso da
Vitória vascaíno. Nos anos 1960, a camisa 7 vestiu Garrincha, um dos maiores
ídolos do clube e da Seleção Brasileira. Com diversos títulos conquistados pelo
alvinegro, além de duas Copas do Mundo, o jogador consagrou de vez o número. A partir
daí a camisa foi reservada ao jogador considerado de maior qualidade do
time. Na década de 1970, Jairzinho, Rogério e Zequinha mantiveram a mística do
n°7. A camisa ainda voltaria a ter destaque em 1989, quando após 21 anos sem
vencer o Campeonato Carioca, o atacante Maurício, vestindo o número mágico, fez o gol do título por 1 a 0
sobre o rival o Clube de Regatas Flamengo.
O jogador Garrincha
era descendente de índios da aldeia fulniô, nasceu no ano de 1933 na pequena
cidade de Pau Grande, no estado do Rio de Janeiro. Segundo Castro o gosto do
menino pelo futebol foi cedo despertado: - “Não precisava ser dono da bola para
garantir seu lugar nas peladas – já era melhor que todos os moleques da rua”. A
expressão o “dono da bola” tem um duplo sentido ideológico no Brasil, tanto alude
ao significado da forma pela qual os praticantes com poucas habilidades
corporais participam do jogo, pelo fato de possuírem o artefato do esporte, a
bola, que viabiliza o jogo; quanto ilude uma crítica a algum jogador que
integra uma equipe e sobre ele paira a desconfiança de suas qualidades ou
habilidades como jogador. Em outras palavras, significa que o “dono da bola” é,
em última instância, aquele que não tem competência para o esporte. A ideologia
das sociedades individualistas, que se reflete de forma bem nítida no esporte,
afirma que os indivíduos devem conquistar seu espaço/lugar por
suas competências e não a partir de suas posses e/ou origem social. Garrincha é
nesse caso alguém que se afirma desde cedo pela marca inconteste.
O sociólogo Oracy
Nogueira compreende que os estudos que tratam da “situação racial” brasileira,
no que se refere ao negro (e ao mestiço de negro), podem ser divididos em três
correntes: 1) a corrente afro-brasileira, a que deram impulso Nina Rodrigues e
Arthur Ramos, e os estudiosos que mais diretamente foram influenciados por
ambos; e que, sob a influência de Herskovits, prossegue, sob uma forma
renovada, com os trabalhos de René Ribeiro, Roger Bastide e outros, podendo ser
caracterizada como aquela corrente que dá ênfase ao estudo do processo de
aculturação, preocupada em determinar a contribuição das culturas africanas à
formação da cultura brasileira; 2) a dos estudos históricos, em que se procura
mostrar como ingressou o negro na sociedade brasileira, a receptividade que
encontrou e o destino que nela tem tido, corrente esta de que Gilberto Freyre é
o principal representante; e 3) a corrente sociológica que, sem desconhecer a
importância das destas perspectivas, se orienta em
desvendar o estado atual das relações entre os componentes brancos e de cor
(seja qual for o grau de mestiçagem com o negro ou o índio) da população
brasileira. O
primeiro aspecto, no plano de análise
identifica a distinção entre preconceito de marca (aparência) e preconceito de
origem (ascendência), que historicamente tem o intuito de qualificar a situação
racial brasileira vis-à-vis aos condicionamentos histórico- raciais na
sociedade norte-americana.
Tratava-se de estabelecer uma crítica às análises
que diferenciavam o preconceito racial brasileiro daquele das demais sociedades
(em especial a norte-americana) apenas em termos de intensidade, sem
qualificá-lo. Essa abordagem significou o ponto de partida de sua contribuição
sociológica ao tema na medida em que o autor, ao analisar o preconceito, além
de reconhecê-lo, situa-o como um problema central nos estudos das relações
raciais no Brasil. Sua perspectiva acerca da sociedade norte-americana foi
desenvolvida durante sua estadia naquele país, posteriormente à passagem de
Gilberto Freyre na University of Columbia, entre os anos de 1945 e 1947, na
Universidade de Chicago, para a realização do doutorado. Ao longo do texto, ele
fornece relatos etnográficos de situações cotidianas que vivenciou nos Estados
Unidos e cujo impacto social proporcionou o insight para a criação do quadro
teórico-metodológico de referência para compreender a situação racial
brasileira. Os Estados Unidos e o Brasil constituem exemplos de dois tipos de
“situações raciais”: um em que o preconceito racial é manifesto e insofismável
e outro em que o próprio reconhecimento do preconceito dá margem a uma
controvérsia de não se superar.
Por
praticamente toda a sua carreira (95% das partidas), Garrincha defendeu o
Botafogo (no período de 1953-1965), além da Seleção Brasileira (de 1957-1966). Já
em fim de carreira jogou alguns meses no Sport Club Corinthians Paulista
(1966), no Clube de Regatas do Flamengo (1969), e no Olaria Atlético Clube, porém
já estava longe de sua forma. Integrou o elenco do Vasco, em um amistoso contra
a seleção da cidade de Cordeiro (RJ), marcando um gol nesta partida. Sua
contratação não foi fechada pela equipe cruzmaltina devido a sua má condição
física e foi devolvido ao Sport Club Corinthians Paulista após o supracitado
amistoso. Enquanto esteve no Corinthians, o Jornal da Tarde de 26 de outubro de
1966 assim escreveu sobre Garrincha: - “Mané veio para ser a alegria do
Corinthians, não foi. É um homem triste que só vê a bola em treino no Parque
São Jorge”. Formou uma dupla imbatível com Edson Arantes do Nascimento, o Pelé na Copa do Mundo de 1958, na
Suécia, e sessenta partidas pela seleção entre 1955 e 1966 com 17 gols, sendo
jogador fundamental para o Brasil conquistar seu primeiro título do campeonato mundial no
futebol. Em
todos os seus jogos, participou de uma derrota de 3 a 1 para a Hungria
na Copa do Mundo de Futebol de 1966. Com Garrincha e Pelé jogando o Brasil não perdeu. Mesmo na
Seleção, Garrincha nunca abandonou a irreverência de jogar.
Voltava a driblar o jogador oponente, no mesmo lance, ainda que
desnecessariamente, só pela brincadeira em si.
Nos clubes, jogou 614 vezes,
marcando 245 gols pelo Botafogo e sua carreira profissional se prolongou de
1953 a 1972. Participou de um amistoso jogando pela equipe Gaúcha do Novo
Hamburgo contra o Internacional, partida foi realizada no Estádio Beira Rio.
Ele vestiu a camisa 7 na noite de 2 de julho de 1969, o Internacional venceu o
Novo Hamburgo por 3 x 1. Garrincha saiu de campo aos 15 minutos do segundo
tempo, sendo muito aplaudido pelos torcedores gaúchos. Antes da partida,
Garrincha fez um treino no Estádio Santa Rosa, quando conheceu um pouco do clube
e o grupo de jogadores. O último gol de Garrincha aconteceu no empate do Olaria
Atlético Clube em 2 a 2 com o Comercial, dia 23 de março de 1972, no Estádio
Palma Travassos em Ribeirão Preto. Foi o único gol de Mané pelo
Olaria Atlético Clube, uma agremiação poliesportiva e clube de futebol profissional da cidade do Rio de Janeiro, localizada no bairro de Olaria, tendo sido fundada em 1 de julho de 1915, chegando ao centenário em 2015. Na metade da segunda etapa, ataque da equipe de azul e branco. O chute cruzado vem quente e o goleiro Paschoalin tem de se virar para espalmar. No rebote, o destino coloca a redonda no pé direito do aparentemente cansado homem de 38 anos. Sem cerimônia, ele empurra a pelota para as redes. Gol número 283 de sua vida. Último gol de sua vida. Em 23 de março de 1972, vestindo o manto do Olaria, o gênio de pernas tortas Garrincha fez seu derradeiro gol oficial. Jovem torcedor toca busto de Mané Garrincha no estádio do Maracanã, cidade do Rio de Janeiro.
Atualmente,
em frente à sede de General Severiano, há uma estátua apelidada de
Manequinho, que faz parte do folclore alvinegro. Tombada em 2002
como patrimônio cultural, representa, de maneira bem-humorada, um menino
urinando. É uma reprodução da estátua “Manneken Pis”, da Praça de Bruxelas, na
Bélgica. Com um metro de altura, foi esculpida originalmente por Belmiro de
Almeida, em 1908, e esteve instalada na Praça Marechal Floriano, no Rio de
Janeiro, até 1927. Nessa ocasião, foi transferida, por ser considerada um
desrespeito aos bons costumes, para a Praia de Botafogo, próxima ao Mourisco
Mar. A imagem passou a ser associada ao Glorioso quando, na comemoração do
Campeonato Carioca de 1957, um torcedor vestiu a escultura com a camisa do
Botafogo. Os alvinegros, então, passaram a considerá-la um símbolo do clube. Em
todas as conquistas desportivas de títulos, o Manequinho recebe carinhosamente um uniforme do time. Em 1990,
vândalos roubaram e destruíram o monumento. Uma réplica, de autoria de Amadeu
Zani, foi instalada no local para substituí-lo. No ano de 1994, a estátua foi
transferida para a praça em frente à sede de General Severiano. Em 2008, após
novo ato de vandalismo fálico, o
Manequinho teve a peça de seu pênis roubada. A estátua novamente foi restaurada
e, no início de novembro desse mesmo ano, o Botafogo assumiu a posse e guarda
oficial do monumento.
O
primeiro movimento social de torcedores organizados do clube foi a Torcida Organizada do Botafogo (TOB),
formada em 7 de julho de 1957. Atualmente, a TOB já não existe mais, porém,
desde então, muitas outras organizadas foram criadas ao longo dos anos. Em
1969, surgiu a Torcida Jovem do Botafogo
(TJB), a organizada do clube mais antiga em atividade. Já a Fúria Jovem do Botafogo (FJB) foi criada
em 2001, a partir de dissidentes da TJB. No início do século, se tornou a maior
torcida organizada do alvinegro, “mas perdeu espaço por conta de sucessivas
punições e afastamentos devido a atos de violência de seus membros filiados, assim
como a TJB”. Com isso, ganhou espaço o movimento social: “Loucos pelo Botafogo”,
formado em 2006 com o intuito de ser a barra brava do clube. A representação
social: “Loucos”, como é reconhecida, não se considera uma torcida organizada,
pois não possui uniforme e entoa cantos direcionados apenas ao Botafogo. Outra
organizada de destaque é a “Torcida Botachopp”, fundada em 2003, ano em que o
Botafogo disputou a Série B do Campeonato Brasileiro. Criada informalmente numa
mesa de bar por um grupo de amigos alvinegros, o movimento da agremiação bem-humorado
se considera uma “torcida desorganizada” e prima pela amizade e respeito entre
os botafoguenses. Além destas, há várias torcidas organizadas e movimentos
espalhados no Brasil, como a “Torcida Estrela Solitária” (TES), a “Torcida
Alvinegra Fogoró” e a “Torcida Alvinegra Fogospel”. Há também as vertentes de estados na região sudeste, como a “FogoHorizonte” e na região nordeste
como a “Recifogo”, dentre outras.
Bibliografia
geral consultada.
CASTRO, Ruy, Estrela Solitária: Um Brasileiro Chamado Garrincha.
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no Campo de Futebol: Estudos Antropológicos sobre os Significados do Futebol Brasileiro. Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 1998; SOARES, Antonio Jorge, Futebol, Raça e Nacionalidade no Brasil: Releitura da História Oficial. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação
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Figueiredo de, “Em meia dois foi o Mané...”: Análise Narratológica do Filme
“Garrincha, Alegria do Povo”. Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação
em Jornalismo. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2018; entre outros.
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