terça-feira, 17 de maio de 2016

Educação & Política - Colocando os Pingos nos Ís.



                                                                                                   Ubiracy de Souza Braga*

  Se existe um poder soberano neste país, ele é a Rede Globo de Televisão”. Herbert de Souza



  A noção de “desconstrução” surge pela primeira vez na introdução à tradução de 1962 da “Origem da Geometria” de E. Husserl. A desconstrução não significa destruição, mas sim desmontagem, decomposição dos elementos da escrita. A desconstrução serve nomeadamente para descobrir partes do texto que estão dissimuladas e que interditam certas condutas. Esta metodologia de análise centra-se apenas nos textos. Falar de desconstrução dentro da teoria do conhecimento é falar de Jacques Derrida. Além de valorizar a escritura, o próprio texto derridiano “joga” com a linguagem, dá esse novo corpo, num exercício literário. Seus textos se filiam de certa forma, ao poético, ao intraduzível, ao excedente do significante. Sua escritura costuma trabalhar em torno de uma palavra ou um verso no qual ele constrói um pensamento.
            As transformações políticas e a chamada “modernização” no campo de análise econômico-social do Brasil quase sempre foram efetuadas no quadro de pensamento através da “via prussiana”, melhor dizendo, através da conciliação entre as frações das classes dominantes e de medidas aplicadas “de cima para baixo”. Com sua conservação essencial das relações de produção atrasadas (o latifúndio) e com a reprodução ampliada  de capital de dependência ao capitalismo internacional. Essas transformações “pelo alto” tiveram como causa e efeito principal, a permanente tentativa de marginalizar as classes subalternas. Não só da vida social em geral, mas, sobretudo do processo social de formação e tomada das grandes decisões políticas nacionais. Conjunturalmente os exemplos são inúmeros: quem proclamou nossa Independência política foi um príncipe português, numa típica manobra “pelo alto”; a classe dominante do Império foi a mesma da época colonial; quem terminou capitalizando os resultados da proclamação da República também ela proclamada “pelo alto” foi a quinhentista oligarquia agrária.



      A Revolução de 1930, apesar de tudo, não passou de um rearranjo do velho bloco de poder, que cooptou - e, desse modo, neutralizou e subordinou – alguns setores mais radicais das camadas médias urbanas; a burguesia industrial floresceu sob a proteção de um regime bonapartista, o Estado Novo (1937-45), que assegurou pela repressão e pela demagogia a neutralização da classe operária, ao mesmo tempo em que conservava quase intocado o poder do latifúndio.. Mas essa modalidade de via prussiana, ou de ´revolução-restauração, encontrou seu ápice no regime militar, que criou as condições políticas de implantação de uma modalidade dependente e conciliada com o latifúndio de capitalismo monopolista de Estado, radicalizando a tendência a excluir das decisões políticas as grandes massas urbanas da população nacional.            
Golpes de Estado são característicos de momentos em que grupos políticos de oposição extrapolam a legalidade e, por vezes, fazem uso da violência para derrubar um governo legítimo. O termo golpe de Estado é conhecido em sua versão francesa, “coup d’État”, e em sua versão alemã, “Staatssreich”, identificando uma ruptura institucional repentina. O primeiro evento a ser considerado como golpe de Estado é o chamado “18 Brumário”, de Napoleão Bonaparte analisado por Marx.. O controle do Estado passa subitamente das mãos do governo constitucionalmente eleito para outro grupo de governantes. Esta é a condição que caracteriza o conceito proveniente das mudanças de paradigma propostas pelo Iluminismo e pela revolução clássica francesa. Antes desta conjuntura política, as rupturas institucionais não eram chamadas de revolução, o que, hoje, se entende como profundo processo de transformação social provocados com a participação popular. Logo, golpe de Estado passou a representar as vias excepcionais de tomada do poder, recorrendo ao apoio militar ou de outras facções no poder que utilizam a quartelada parlamentar. Têm-se a suspensão do poder Legislativo, a perseguição aos oposicionistas, instauração de um quadro de exceção e decretação de novos meios jurídico-políticos. A prática do golpe de Estado legal parece ser a nova estratégia das oligarquias latino-americanas, e particularmente, com o afastamento ilegal de Dilma Rousseff da presidência, eleita com maioria de 54 milhões de votos.


De acordo com Michael Löwy (2016), o que a tragédia de 1964 e a farsa de 2016 têm em comum é o ódio à democracia. Os dois episódios revelam o profundo desprezo que as classes dominantes brasileiras têm pela democracia e pela vontade popular. Em 1964, grandes manifestações “da família com Deus pela liberdade” prepararam o terreno para o golpe contra o presidente João Goulart; dessa vez, multidões “patrióticas” – influenciadas pela imprensa submissa – se mobilizaram para exigir a destituição de Dilma, em alguns casos chegando a pedir o retorno dos militares. Formadas essencialmente por brancos, pois como sabemos, os brasileiros são em maioria negra ou mestiça, de classe média, essas multidões foram convencidas pela mídia que age como partido político de que, nesse caso, o que está em jogo é “o combate à corrupção”.  
O site norte-americano “The Intercept” publicou uma matéria na sexta-feira (18/03) na qual afirma que “as corporações de mídia” do Brasil agem como “organizadoras de protestos” contra a presidente do Brasil, Dilma Rousseff, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na matéria, a grande imprensa é classificada ainda como “máquinas de relações públicas de partidos de oposição”. O “Intercept” adverte que perfis pessoais de jornalistas da Rede Globo no “Twitter” exibem uma “incessante agitação anti-PT”. Um dos editores e cofundadores de “The Intercept” é o jornalista Glenn Greenwald, que assina a matéria e foi vencedor em 2014 do prêmio Pulitzer por Serviço Público após a publicação de Relatórios sobre vigilância dos governos dos EUA e do Reino Unido. Greenwald teve como base documentos “vazados” por Edward Snowden, ex-agente da NSA - Agência de Segurança Nacional dos EUA.           
A mídia ao redor do mundo está atenta ao golpe de Estado contra a presidenta Dilma Rousseff e a perseguição judicial que tenta atingir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sob o título “Crise de Estado no Brasil: golpe frio”, uma reportagem da revista semanal de notícias “Der Spiegel”, da Alemanha, analisou a crise política e a possibilidade de golpe em vigor no Brasil. O autor da reportagem, o jornalista Jens Glüsing, diz o que ocorre no País é uma tentativa de “golpe frio”. Nas manifestações a favor da presidenta Dilma e do ex-presidente Lula não se viu discursos de ódio, enquanto noutros havia “cada vez mais golpistas, extremistas de direita e intolerantes”. Em longa reportagem, “Al Jazeera” também analisa o comportamento da imprensa na cobertura da crise política brasileira. A emissora lembra que cinco famílias monopolizam grande parte da mídia televisada nacional: Marinho (rede Globo de Televisão), Frias (Folha de S. Paulo), Civita (revista Abril Cultural), dona da revista Veja, Saad (rede Bandeirantes de Televisão) e bipo Macedo (rede Record de Televisão).           
A mídia corporativa brasileira age como os verdadeiros organizadores dos protestos e como relações-públicas dos partidos de oposição. Os perfis no Twitter de alguns jornalistas mais influentes (e ricos) da Rede Globo contém incessantes agitações anti-PT. Quando uma gravação de escuta telefônica de uma conversa entre Dilma e Lula foi interceptada, o programa jornalístico mais influente da [rede] Globo, o Jornal Nacional, “fez suas âncoras relerem teatralmente o diálogo”. De melodramática e em tom de fofoca, que se parecia literalmente com uma novela distante de um jornal, causando ridicularização generalizada nas redes. Todo leitor mediano sabe que durante meses, as quatro principais revistas jornalísticas do Brasil dedicaram capa após capa a ataques inflamados contra Dilma e Lula, geralmente mostrando fotos dramáticas, abusadas, de um ou de outro, sempre com uma narrativa impactantemente unificada.              
A crise de hegemonia política que assombra o Brasil atrai substancialmente a atenção da mídia internacional. O que é compreensível, já que o Brasil é o quinto país mais populoso representando, além disso, a oitava economia do mundo. Sua segunda maior cidade, o Rio de Janeiro, é a sede das Olimpíadas deste ano. Boa parte dessa cobertura internacional é repetidora do discurso que vem das fontes midiáticas homogeneizadas, antidemocráticas e mantidas por oligarquias no Brasil e, como tal, essa informação é enviesada, ideologizada negativamente, pouco precisa e incompleta, especialmente quando vem daqueles profissionais com pouca familiaridade com o país, embora haja repórteres internacionais fazendo um ótimo trabalho de comunicação.             
O Brasil está enfrentando sua pior crise econômica das últimas décadas. Um enorme esquema de corrupção tem prejudicado a empresa pública petrolífera nacional. Quando a mídia internacional fala sobre crise, ela tem como escopo os crescentes protestos que forjam o “impeachment” da presidente Dilma Rousseff. As fontes midiáticas tipicamente mostram os protestos de forma idealizada, com certa adoração: “como movimentos de massa inspiradores que se levantam contra um regime corrupto”. Chuck Todd, da NBC News, replicou Ian Bremmer do Eurasia Group, descrevendo os protestos como “O povo contra a presidente” – um tema fabricado, condizente com o que é noticiado por grupos midiáticos brasileiros anti-governo, como a rede Globo.  


O Partido dos Trabalhadores (PT) está na presidência há 14 anos: desde 2002. Sua popularidade foi um subproduto do antecessor carismático de Dilma, Luís Inácio Lula da Silva, universalmente referido como “Lula”. A ascensão de Lula à presidência foi um símbolo poderoso da luta da classe pobre no Brasil durante a democracia: um trabalhador e líder sindical, de uma família pobre, que deixou a escola na segunda série e não sabia ler até os 10 anos, preso pela ditadura por atividade na luta sindical. O ex-presidente foi motivo de riso para elites brasileiras por meio de um tom classista no discurso sobre seu jargão trabalhista e sua forma de falar. Eleito em 2002 e reeleito em 2006, ele deixou o cargo com taxas de aprovação tão altas que foi capaz de garantir a eleição de Dilma Rousseff, sua sucessora, antes aparentemente desconhecida pela classe trabalhadora, e que foi reeleita em 2014. Há muito tempo se cogita que Lula – um político que se opõe publicamente a medidas de austeridade – pretende concorrer novamente para a presidência em 2018 depois de completo o segundo mandato de Dilma, e forças anti-PT se sentem petrificadas com a ideia de que Lula vença novamente. Daí o discurso do ódio. Embora as oligarquias brasileira tenha usado o PSDB, partido de centro-direita, de forma bem sucedida como um contrapeso, o partido foi impotente para derrotar o PT em quatro eleições presidenciais consecutivas. Mesmo com o voto obrigatório os eleitores pobres garantiram as vitórias do Partido dos Trabalhadores. 

Bibliografia geral consultada:

DERRIDA, Jacques, “O Teatro da Crueldade e o Fechamento da Representação”. In: A Escritura e a Diferença. 2ª edição. São Paulo: Editora Perspectiva, 1995; Idem, O animal que logo sou (a seguir). São Paulo: Editora UNESP, 2002; HERZ, Daniel, A História Secreta da Rede Globo. 13ª edição. Porto Alegre: Editor Ortiz, 1989; BRITTOS, César Cruz; BOLAÑO, Valério Ricardo Siqueira, 40 Anos de Poder e Hegemonia. Rio de Janeiro: Editora Paulus, 2005; MONTAIGNE, Michel, “Da crueldade”. In: Ensaios. São Paulo: Editora Nova Cultural, 2000, volume 1; pp. 358-370. (Os pensadores); AGAMBEN, Giorgio, Homo Sacer: O Poder Soberano e a Vida Nua I. 2ª edição. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002; FOUCAULT, Michel, As Palavras e as Coisas: Uma Arqueologia das Ciências Humanas. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2007; MAGNONI, Maria Salete, Imprensa como Instância de Poder: Uma Leitura das Recordações do Escrivão Isaías Caminha de Lima Barreto. Tese de Doutorado em Literatura Brasileira. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo, 2010;  MAINENTI, Geraldo Márcio Peres, “O Jornalismo como Quarto Poder : A Liberdade de Imprensa e a Proteção dos Direitos da Personalidade”. Alceu, v. 14, n. 28; pp. 47-61; jan./jun. 2014;  LOWY, Michael, “O Golpe de Estado de 2016 no Brasil”. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2016/05/17NAPOLITANO, Paola, Neogolpismo na América Latina: Uma Análise Comparativa do Paraguai (2012) e do Brasil (2016). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação Integração da América Latina. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2019; NAPOLITANO, Marcos, “Golpe de Estado: entre o nome e a coisa”. In: Estudos Avançados, 33 (96), 2019; POZZI, Henrique Costa, Golpe de 2016: Uma Análise a partir dos Editoriais da FSP, O Globo e OESP. Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais. Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2019; entre outros. 
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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ) e Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais do Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará (UECE).

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