Friedrich Hegel que parte da análise da consciência comum, não podia situar como princípio primeiro uma dúvida universal que só é própria per se da reflexão filosófica. Por isso mesmo ele segue o caminho aberto pela consciência e a história detalhada de seu longo processo de formação. Ou seja, a Fenomenologia do Espírito vem a ser a representação de uma história concreta da consciência, sua saída da caverna e sua ascensão à Ciência. Daí a analogia que em Hegel existe de forma coincidente entre a história da filosofia e a história do desenvolvimento do pensamento, mas este desenvolvimento é necessário, como força irresistível que se manifesta lentamente através dos filósofos, que são instrumentos de sua manifestação. Assim, preocupa-se apenas em definir os sistemas, sem discutir as peculiaridades e opiniões dos diferentes filósofos. Na determinação do sistema, o que o preocupa é a categoria fundamental que determina o todo complexo do sistema, e o assinalamento das diferentes etapas, bem como as vinculasses destas etapas que conduzem à síntese do espírito absoluto. Para compreender o sistema é necessário começar pela representação, que não sendo totalmente exata permite, no entender da dimensão de sua obra a seleção de afirmações e preenchimento do sistema abstrato de interpretação per se do método dialético, para poder alcançar a transformação social da representação numa noção clara e exata.
A passagem da representação
abstrata, para o conceito claro e
concreto é mediada através do acúmulo de determinações. Aquilo que por movimento
dialético separa e distingue perenemente a identidade e a diferença, sujeito e
objeto, finito e infinito, é a alma vivente de todas as coisas, a Ideia
Absoluta que é a força geradora, a vida e o espírito eterno. Mas a Ideia
Absoluta seria uma existência puramente abstrata se a noção de que procede não fosse mais
que uma unidade abstrata, e não o que é em realidade, isto é, a noção que, por “um
giro negativo sobre si mesma”, revestiu-se novamente de forma subjetiva. Metodologicamente a
determinação mais simples e primeira como ponto de partida que o espírito pode estabelecer é o Eu, a
faculdade de poder abstrair todas as coisas, até sua própria vida.
Chama-se idealidade precisamente esta supressão da
exterioridade. Entretanto, o espírito não se detém na apropriação,
transformação e dissolução da matéria em sua universalidade, mas, enquanto
consciência religiosa, por sua faculdade representativa, penetra e se eleva
através da aparência dos seres até esse poder divino, uno, infinito, que
conjunta e anima interiormente todas as coisas, enquanto pensamento filosófico,
como princípio universal, a ideia eterna que as engendra e nelas se manifesta. O espírito finito se encontra-se numa união
imediata com a natureza, a seguir em oposição e finalmente em
identidade com esta. Porque suprimiu a oposição e voltou a si mesmo e, consequentemente,
o espírito finito é a ideia. Mas ideia que girou sobre si mesma e que
existe por si em sua realidade.
A
Ideia absoluta que para realizar-se colocou como oposta a si, à natureza,
produz-se através dela como espírito, que através da supressão de sua
exterioridade entre inicialmente em relação simples com a natureza, e, depois,
ao encontrar a si mesma nela, torna-se consciência de si, espírito que conhece
a si mesmo, suprimindo assim a distinção entre sujeito e objeto, chegando assim
a Ideia a ser por si e em si, tornando-se unidade perfeita de suas diferenças,
sua absoluta verdade. Com o surgimento do espírito através da natureza abre-se
a história da humanidade e a história humana é o processo que medeia entre isto
e a realização do espírito consciente de si. A filosofia hegeliana centra sua
atenção sobre esse processo e as contribuições mais expressivas de Hegel
ocorrem precisamente nesta esfera, do espírito. Melhor dizendo, para Hegel, à
existência na consciência, no espírito chama-se saber, conceito pensante.
O espírito é também isto: trazer à existência, isto é, à consciência. Como
consciência em geral eu tenho um objeto; uma vez que eu existo e ele está na
minha frente. Mas enquanto o Eu é o objeto de pensar, é o espírito precisamente produzir-se para fora de
si, saber o que ele é. Nisto consiste a grande diferença: o homem sabe o que
ele é. Em primeiro lugar, ele é real. Sem isto, a razão, a liberdade
não são nada.
Ou melhor, a possibilidade para
isto, para ser razão, existe em cada um, é dada a cada um. A razão não ajuda em
nada a criança, sobremodo o inculto. É somente uma possibilidade, embora não seja uma
possibilidade vazia, mas possibilidade real e que se move em si. Assim, por
exemplo, dizemos que o homem é racional, e distinguimos muito bem o homem que
nasceu somente e aquele cuja razão educada está diante de nós. Isto pode ser
expresso também assim: o que é em si, tem que se converter em objeto para o homem,
chegar à consciência; assim chega para ele e para si mesmo. A história para
Hegel é o desenvolvimento do Espírito no tempo, assim como a Natureza é o
desenvolvimento da ideia no espaço. Deste modo o homem se duplica. Uma vez, ele
é razão, é pensar, mas em si: outra, ele pensa, converte este ser, em si, em
objeto do pensar. Assim o próprio pensar é objeto, logo objeto de si mesmo,
então o homem é por si. A racionalidade produz o racional, o pensar produz os
pensamentos. O que o ser em si é se manifesta no ser por si. Todo conhecer,
todo aprender, toda visão, toda ciência, inclusive toda atividade humana, não
possui nenhum outro interesse além do aquilo que filosoficamente é em si, no
interior, podendo manifestar-se desde si mesmo, produzir-se, transformar-se
objetivamente. Nesta diferença se descobre toda a diferença na história do
mundo. Os homens são todos racionais. O formal desta racionalidade é que o
homem seja livre. Esta é a sua natureza. Isto pertence à essência do
homem: a liberdade.
O europeu sabe de si, afirma Hegel, é objeto de si mesmo. A determinação que ele conhece é a liberdade. Ele se conhece a si mesmo como livre. O homem considera a liberdade como sua substância. Se os homens falam mal de conhecer é porque não sabem o que fazem. Conhecer-se, converter-se a si mesmo no objeto (do conhecer próprio) e o fazem relativamente poucos. Mas o homem é livre somente se sabe que o é. Pode-se também em geral falar mal do saber, como se quiser. Mas somente este saber libera o homem. O conhecer-se é no espírito a existência. Portanto isto é o segundo, esta é a única diferença da existência (Existenz) a diferença do separável. O Eu é livre em si, mas também por si mesmo é livre e eu sou livre somente enquanto existo como livre. A terceira determinação é que o que existe em si, e o que existe por si são somente uma e mesma coisa. Isto quer dizer precisamente evolução. O em si que já não fosse em si seria outra coisa. Por conseguinte haveria ali uma variação, mudança. Na mudança existe algo que chega a ser outra coisa. Na evolução, em essência, podemos também sem dúvida falar da mudança, mas esta mudança deve ser tal que o outro, o que resulta, é ainda idêntico ao primeiro, de maneira que o simples, o ser em si não seja negado.
A questão diz respeito a saber: por que a dialética do “Senhor e do Escravo” é necessária para a compreensão da ideia de liberdade? São representações sociais instrumentais de um dialogo racional entre duas consciências que por sua vez foram imaginadas por Hegel que brilhantemente utilizou o dialogo entre as duas consciências para chegar ao reconhecimento de si e para si, permitindo chegar a ideia de liberdade, uma liberdade pautada pelo respeito mutuo. E a exata importância e posição que ocupam as duas consciências, que inicialmente em guerra e posteriormente pelo amadurecimento que as leva a ideia de liberdade pautada em limitadores essenciais para a convivência harmoniosa. Reconhecer a si mesmo e ao outro é uma forma de ver nossos limites e dos demais, respeitando e sendo respeitado são elementos necessários para a paz e a liberdade. Hegel se utiliza habilmente desta metáfora. A dialética do “senhor e do escravo” é um processo de liberdade estabelecido nas relações de reconhecimento. Neste sentido a figura humana de John Lennon é representativa da ideia filosófica de Immanuel Kant a Friedrich Hegel de liberdade, mas o autor não existe fora da linguagem e cultura.
A
noite de 8 de dezembro de 1980 trouxe uma notícia ruim para o mundo inteiro. O ex-Beatle
John Lennon havia sido baleado. Ainda não se sabia por quem nem por quê, e
a perplexidade se tornou ainda maior quando ficou claro que os tiros disparados
vieram da arma de um fã esquizofrênico que horas antes havia pedido um
autógrafo do artista na capa de seu novo Long Play. Como se fosse o desfecho de
uma tragédia teatral, a morte de John Lennon interrompia sua volta ao mundo da
música. Distante durante cinco anos da indústria fonográfica, quando resolveu
“assar pães e cuidar de seu filho”, Lennon havia acabado de gravar um disco em
parceria com sua mulher, Yoko Ono. Era uma espécie de diálogo entre eles, com
músicas apaixonadas, mas trazendo uma visão amadurecida da relação. Em
entrevistas, John demonstrava otimismo com seu retorno à arte e com o mundo. Após o deslumbramento nos anos 1960, e a “bad trip”
dos anos 1970, os anos 1980 pareciam promissores. Mas a promessa não se
cumpriria.
John
Lennon já havia se envolvido com política e movimentos sociais desde o final
dos anos 1960, quando apoiou os Panteras Negras e a luta contra o
envolvimento norte-americano na guerra do Vietnã. Não por acaso, muitos veem
seu assassinato como um complô político, uma vez que o artista estava voltando
a chamar a atenção da mídia. Morador de Nova Iorque, Lennon se sentia no centro
do mundo, e desde os Beatles estava acostumado a ser porta-voz de vários
segmentos sociais. A trama que aponta o Federal Bureau of Investigation
(FBI) uma unidade de polícia do Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América (USA), servindo tanto como uma polícia política de investigação quanto simultaneamente um serviço de inteligência interno agindo cirurgicamente como contra
inteligência. O FBI tem jurisdição investigativa sobre as violações de mais de
duzentas categorias de crimes federais. Seu lema é Fidelity, Bravery, Integrity,
correspondente às iniciais FBI propriamente ditas.
Seu quartel-general no J. Edgar Hoover Building está localizado em Washington, D. C. Cinquenta e seis escritórios locais estão localizados nas principais cidades de todo os Estados Unidos da América, bem como comparativamente em espaços de mais de 400 agências residentes em cidades menores por todo o gigante país, e mais de 50 escritórios internacionais estão localizadas em embaixadas norte-americanas ao redor do mundo. FBI como mandante de sua morte parece bastante improvável, mas a recente descoberta dos papéis guardados pelo escritório de investigações americano a respeito de Lennon acaba por alimentar divagações conspiratórias. Delírios à parte, após sua morte, é um exercício interessante imaginar como o músico estaria atuando frente a questões mundiais como a busca por uma cultura de “desenvolvimento sustentável” e as intervenções norte-americanas nas questões políticas e sociais do Oriente Médio.
Como
John Lennon agiria hoje é, obviamente, uma incógnita. Nascido durante a 2ª guerra
mundial e influente na cultura dos anos 1960, o cantor passeou por movimentos
sociais importantes, como a luta por igualdade racial, o feminismo e o
pacifismo hippie. Seu engajamento como artista foi tímido durante os anos 1960,
uma vez que os Beatles preservavam sua imagem apolítica, mas, ainda com o
grupo, o músico lançou a música Revolution, em que afirmava que “todos nós
queremos mudar o mundo”, mas que não contassem com ele somente para matar seres
humanos ou mesmo para carregar fotos de Mao Tsé-Tung. - “Seria melhor você
libertar sua cabeça”, ele diz na composição da letra. Talvez a maior preocupação de John Lennon
tenha sido renovar o conceito abstrato de utopia como meta a ser atingida pela humanidade. Se o ex-Beatle
foi influente, também sofreu influências da cultura a qual estava submetido. As experiências com
alucinógenos e meditação abstrata levaram-no a perceber que toda revolução
começava na cabeça, e não deveria haver nela os limites impostos pelas relações
sociais. A utopia seria o ponto de partida, a pedra de toque para que as
relações se desenvolvessem.
Neste aspecto vale uma digressão teórica, histórica e ideológica. O Massacre de Nanquim, também reconhecido como o Estupro de Nanquim, foi um episódio de assassinato em massa e estupros em massa cometidos por tropas do Império do Japão contra a cidade de Nanquim, na China, durante a Segunda Guerra Sino-Japonesa, na 2ª guerra mundial. O massacre ocorreu durante um período de seis semanas a partir de 13 de dezembro de 1937, o dia em que os japoneses tomaram Nanquim, que na época era a capital chinesa. Durante este período, dezenas de milhares, se não centenas de milhares de civis chineses e combatentes desarmados foram mortos por soldados do Exército Imperial Japonês. Estupros e saques também ocorreram. Vários dos principais perpetradores das atrocidades, na altura rotulados como crime de guerra, mais tarde foram julgados e considerados culpados pelo Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente e pelo Tribunal de Crimes de Guerra de Nanquim, e executados. Outro autor chave, o príncipe Asaka, um membro da Família Imperial, escapou da acusação por ter imunidade concedida pelos Aliados. O número de mortos no massacre não pode ser preciso. A maioria dos registros militares japoneses sobre os assassinatos foram deliberadamente destruídos ou mantidos em segredo após a rendição do Japão, em 1945.
O Tribunal Militar Internacional
para o Extremo Oriente estimou, em 1948, que mais de 200 mil chineses foram
mortos no incidente. A estimativa oficial da China é de mais de 300 mil mortos,
com base na avaliação do Tribunal de Crimes de Guerra de Nanquim em 1947. O
número de mortos tem sido ativamente contestado entre os estudiosos desde a
década de 1980, com estimativas que variam de 40 mil a mais de 300 mil seres
humanos mortos. Edgar Morin é um dos
principais representantes contemporâneos da análise de estudos da complexidade,
que inclui perspectivas anglo-saxônicas e de origem latinas. Sua abordagem é
reconhecida dubiamente como pensamento complexo ou paradigma da complexidade.
Mas o filósofo não se identifica como analista “teórico da complexidade”. Nem
pretende limitar suas pesquisas às chamadas concepções de “ciências da complexidade”.
Pois, menos se distingue entre perspectivas restritas, limitadas, e amplas ou
mesmo generalizadas da reflexão sobre a complexidade. Em 1941, adere ao Partido
Comunista, “num momento em que se sentia, pela primeira vez, que uma força
poderia resistir à Alemanha nazista”. Entre 1942 e 1944, como tenente das
forças combatentes francesas, adotou o codinome Morin, que conservaria em
diante. Durante a Libération, é transferido para a Alemanha ocupada, como adido
ao Estado Maior do Primeiro Exército Francês na Alemanha (1945), e como chefe
do Departamento de Propaganda do governo militar francês (1946).
Escreve
seu primeiro livro, L`An Zéro de l`Allemagne, publicado em 1946, no qual
descreve a condição do povo alemão no pós-guerra, sendo apreciado por Maurice
Thorez, que o convida a escrever para a revista Lettres françaises. A
partir de 1949, distancia-se do Partido Comunista Francês, do qual será
excluído em 1951, por suas posições críticas. Aconselhado por Georges
Friedmann, que conheceu durante a ocupação e com o apoio de Maurice
Merleau-Ponty, de Vladimir Jankélévitch e Pierre George, entra para o Centre
National de la Recherche Scientifique (CNRS) em 1950. Começa a escrever L`Homme
et la Mort que será editado a seguir, em 1951. Em 1955 coordena um comitê
político contra a guerra da Argélia e defende particularmente Messali Hadj,
pioneiro da luta anticolonial e um dos próceres da Independência da Argélia. Em
1960, funda, na École des Hautes Études en Sciences Sociales - Sociologie,
Anthropologie, Histoire (EHESS), o Centro de Estudos de Comunicação de
Massa (CECMAS), com o sociólogo Georges Friedmann e o estudioso da
linguística Roland Barthes, com a intenção de adotar uma abordagem
transdisciplinar do tema, e fundaram a inovadora revista Communications. Edgar Morin é também fundador da revista Arguments
(1957-1963). Em 1963, casa-se com a artista plástica de origem
quebecoise-caribenha Joahnne, com quem viaja ao Brasil diversas vezes. De 1978
a 1975, integrou o “Grupo dos Dez”, onde absorveu contato com as três teorias
que fundamentariam a teoria da complexidade:
cibernética, teoria da informação e teoria dos sistemas.
Em
1973, publica o livro L`Paradigme Perdu: La Nature Humaine. Este livro
foi o ponto de partida para a construção do Método, série de livros, onde Edgar
Morin explica minuciosamente a sua teoria da complexidade. Nomeado diretor de
pesquisa do CNRS em 1970, será entre 1973 e 1989, um dos dirigentes do Centro
de Estudos Transdisciplinares da EHESS, sucessor do CECMAS. A principal obra de
Edgar Morin é a constituída por seis volumes, mas é em particular em La
Méthode que o pensador propõe o conceito de complexidade, a ideia-chave do
método, que em seus volumes foi escrita durante três décadas e meia. Trata-se
de uma das maiores obras de epistemologia. Inicia seus primeiros manuscritos de
La Méthode, em 1973, com a publicação do livro: O Paradigma Perdido:
a Natureza Humana, uma transformação epistemológica por questionar o
fechamento ideológico e paradigmático das ciências, além de apresentar uma
alternativa à concepção de paradigma encontrada no pensamento de Thomas Kuhn. A
razão cartesiana impôs um paradigma. Ela nos ensinou a separar a razão da des-razão.
Temos que religar o que a ciência cartesiana e as universidades contemporâneas através
da divisão técnica do trabalho separaram. Ainda que as condições socioculturais
e evidentemente políticas sejam distintas das condições biocerebrais, estão
ligadas por um nó górdio: as sociedades existem e as culturas só se formam,
conservam, transmitem e desenvolvem através das interações cerebrais ou
espirituais entre os indivíduos.
A
cultura, que caracteriza as sociedades humanas, é organizada/organizadora via o
veículo cognitivo da linguagem, a partir, segundo Morin, do “capital cognitivo
coletivo” dos conhecimentos adquiridos, das competências aprendidas, das
experiências vividas, da memória histórica, das crenças míticas de uma
sociedade. E, dispondo de seu capital cognitivo, a cultura institui as
regras/normas que organizam a sociedade e governam os comportamentos
individuais. Estas regras geram processos sociais e regenera globalmente a complexidade
social adquirida por essa mesma cultura. Assim, a cultura não deve ser
compreendida pelas metáforas estruturais, que são termos impróprios em uma
organização recursiva onde o que é produzido e gerado torna-se produtor e
gerador daquilo que o produz ou gera. Isso facto, cultura e sociedade estão em
relação geradora mútua; nessa relação, não podemos esquecer as interações entre
indivíduos, eles próprios portadores ou transmissores de cultura, que regeneram
a sociedade, a qual regenera a cultura. Daí a tese sociológica segundo a qual,
“se a cultura contém um saber coletivo acumulado em uma memória social, se é
portadora de princípios, modelos, esquemas de conhecimento, se gera uma visão
de mundo, se a linguagem e o mito são partes constitutivas da cultura, então a
cultura não comporta somente uma dimensão cognitiva: é uma máquina cognitiva
cuja práxis é cognitiva”.
É
neste sentido próprio de saber cognitivo que uma cultura abre e fecha as
potencialidades bioantropológicas do conhecimento. Ela as abre e atualiza
fornecendo aos indivíduos o seu saber acumulado, a sua linguagem, os seus
paradigmas, a sua lógica, os seus esquemas, os seus métodos de aprendizagem,
métodos de investigação, de verificação, etc., mas, ao mesmo tempo, ela as
fecha e inibe com as suas normas, regras, proibições, tabus, o seu
etnocentrismo, a sua autossacralização, a sua ignorância de ignorância.
Ainda aqui, o que abre o conhecimento é o que fecha o conhecimento. Desde o seu
nascimento, o ser humano conhece não só por si, para si, em função de si, mas,
também pela sua família, pela sua tribo, pela sua cultura, pela sua sociedade,
para elas, em função delas. Assim, o conhecimento de um indivíduo alimenta-se
de memória biológica e de memória cultural, associadas na própria memória, que obedece
a várias entidades de referência, diversamente presentes nela. Tudo o que é
linguagem, lógica, consciência, tudo o que é espírito e pensamento,
constitui-se na encruzilhada dialógica entre dois princípios de tradução, um
contínuo, o outro descontínuo (binário).
De fato as aptidões individuais que são organizadoras do cérebro humano necessitam de condições socioculturais para se atualizarem, as quais necessitam das aptidões do espírito humano para se organizarem individual e socialmente. A cultura está nos espíritos, vive nos espíritos, os quais estão na cultura, vivem na cultura. Meu espírito conhece através da minha cultura, vivem na cultura. Meu espírito conhece através da minha cultura, mas, em certo sentido, a minha cultura conhece através do meu espírito. Assim, portanto, as instâncias produtoras do conhecimento se coproduzem umas às outras; há uma unidade recursiva complexa estabelecida entre produtores e produtos do conhecimento, ao mesmo tempo em que há relação hologramática entre cada uma das instâncias, cada uma contendo as outras e, nesse sentido, cada uma contendo o todo enquanto todo. Falar em complexidade é falar de interação simultaneamente complementar, concorrente, antagônica, recursiva e hologramática entre essas instâncias cogeradoras do reconhecimento. Mas não é apenas essa complexidade que permite compreender a possível autonomia relativa do espírito e no sentido técnico do cérebro individual.
Como
artista, John Lennon demonstrava sua vontade de expressão com músicas cada vez mais
experimentais e letras que deveriam ser entendidas mais pela associação de
ideias do que pela sua coerência. Em 1971, foi lançada sua canção reconhecida, Imagine,
cuja letra é simples e direta. Apesar de usar imagens simplórias, como o
convite a imaginar um mundo sem fronteiras, sem religiões e onde se viva em
fraternidade constante, a música não deixa de ser um coroamento de sua
ideologia utópica. Lennon não se importava com a impossibilidade prática de sua
proposta, porque sabia que a arte não pode se limitar a isso, mas também não se
sentia impedido de tentar levar seu pensamento utópico para a práxis. Suas
manifestações políticas com Yoko Ono, seja no Bed-in, em que passaram
dias sobre uma cama dando entrevistas pregando a paz, seja apoiando
explicitamente os Panteras Negras, grupo norte-americano que consagrava
a luta armada contra o racismo, podem ser contraditórias, mas eram também um aspecto
fulminante de sua tentativa de refletir e almejar na prática uma sociedade
igualitária.
HELLER, Agnes, Sociologia della Vita Quotidiana. Roma: Editore Riuniti, 1975; DUMONT, Louis, “Casta, Racismo e Estratificação”. In: Hierarquias em Classes. Org. por Neuma Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1974; DURAND, Gilbert, Science de l’ Homme et Tradition. Paris: Berg International, 1979; SAID, Edward, Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1990; BENJAMIN, Walter, Magia e Técnica, Arte e Política. Obras Escolhidas. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994; HISGAIL, Fani (Org.), Biografia Sintoma da Cultura. São Paulo: Hacker Editor, 1997; BAKHTIN, Mikhail, Estética da Criação Verbal. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2003; BOSI, Ecléa, O Tempo Vivo da Memória: Ensaios de Psicologia Social. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003; PENA, Felipe, Teoria da Biografia sem Fim. São Paulo: Editor Mauad, 2004; SARMENTO, Luciana Villela de Moraes, Ticket to Ride. As Tensões entre Consumo e Contracultura nas Letras de Música dos Beatles. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2006; HEGEL, Friedrich, Fenomenologia do Espírito. 4ª edição. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2007; MORIN, Edgar, Introducción al Pensamiento Complejo. Barcelona: Editorial Gedisa, 1998; Idem, O Método 4 – As Ideias. Habitat, Vida, Costumes, Organização. 4ª edição. Porto Alegre: Editora Sulina, 2008; DELORY-MOMBERGER, Christine, La Condition Biographique: Essais sue le Récit de Soi dans la Modernité Avancée. Paris: Editeur Téraèdre, 2009; BAUMAN, Zygmunt; MAY, Tim, Aprendendo a Pensar com a Sociologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2010; DAVIES, Hunter, As Cartas de John Lennon. São Paulo: Editor Planeta, 2012; ANHEZINI, Karina, Arautos da História da Historiografia: As Disputas por um Conceito de Historiografia nas Cartas de Amaral Lapa enviadas a Nilo Odália. Patrimônio e Memória. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, vol. 11, pp. 4-21, 2015; Artigo: “John Lennon é homenageado em Nova York nos 35 anos de sua morte”. In: https://g1.globo.com/2015/12/08; MITCHELL, James, John Lennon em Nova York: Os Anos de Revolução. Rio de Janeiro: Editora Valentina, 2015; LOFRANO, Anita Cecilia, O Fator Espontaneidade-criatividade na Obra dos The Beatles. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Educação. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2016; entre outros.
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