Ubiracy de Souza Braga*
“A sinceridade é o eventual engano
de todos os grandes homens”. Rembrandt van Rijn
Historicamente Rembrandt
é uma modificação do primeiro nome do artista, que começou a usá-lo em 1633
quando adicionou um d, e manteve a assinatura constante, apenas com
uma pequena alteração puramente visual, sem alterações de pronúncia.
Curiosamente, apesar de suas pinturas e gravuras apresentarem vários formatos
de assinatura neste período inicial, seus documentos sempre mantiveram o
original Rembrant. Esta prática de assinar com apenas o primeiro
nome foi seguida por Vincent van Gogh, e provavelmente inspirada por Rafael,
Leonardo da Vinci e Michelangelo, que são considerados os primeiros a adotar
esta prática. Na infância frequentou aulas de Latim e foi matriculado na
Universidade de Leida. Registros etnográficos demonstram que ele tinha grande
inclinação para pintura, tornando-se sem demora aprendiz do pintor, Jacob van
Swanenburgh, com quem conviveu por três anos.
Após
um breve, mas importante aprendizado de seis meses com o famoso pintor Pieter
Lastman em Amsterdã, Rembrandt abriu um estúdio em Leida em 1624 ou 1625,
compartilhando-o com seu amigo e colega de profissão Jan Lievens. Mas foi
somente após a parceria
com Jan Lievens, com quem dividiu um estúdio, que Rembrandt começou a criar sua
reputação de artista talentoso e promissor. Com 21 anos já era professor de
pintura e, aos 25, realizou seu primeiro trabalho por encomenda: o retrato de
Nicolaes Ruts. Em 1627, Rembrandt começou a aceitar alunos, entre eles Gerrit
Dou. Em 1629, foi descoberto pelo estadista Constantijn Huygens, pai do matemático
e físico Christiaan Huygens, que conseguiu para o pintor importantes encomendas
na corte de Haia. Como resultado desta relação social, o príncipe Frederik
Hendrik continuou a adquirir as obras de Rembrandt até 1646.
Rembrandt
mudou-se para Amsterdã (1631), então em rápida expansão como centro comercial
dos Países Baixos. Começou a praticar como retratista profissional, obtendo
grande êxito, permanecendo com o marchand,
Hendrick van Uylenburg, e em 1634 casou-se com sua sobrinha, Saskia van
Uylenburg, advinda de uma família respeitável: seu pai fora advogado e prefeito
(“burgemeester”) de Leeuwarden. Quando Saskia, a filha caçula, ficou órfã,
passou a morar com sua irmã mais velha em Het Bildt. Rembrandt e Saskia
casaram-se na igreja local de Sint Annaparochie, sem a presença de seus
parentes. Assim, no mesmo ano, tornou-se cidadão de Amsterdã e membro da guilda
local de pintores. Ele também conquistou diversos alunos, entre eles Ferdinand
Bol e Govert Flinck. Em 1639, passaram a
viver em um casarão na Rua Jodenbreestraat. A hipoteca para financiar a
aquisição da propriedade seria mais tarde a razão principal de graves
dificuldades financeiras.
Foi neste local que recorreu com frequência aos vizinhos judeus para pintar cenas do Velho Testamento. Embora abastado, o casal enfrentou diversos problemas pessoais; seu filho Rumbartus morreu com dois meses de idade em 1635, e sua filha Cornelia apenas três semanas após o parto em 1638. Em 1640 tiveram mais uma filha, também chamada Cornelia, que morreu com um mês de idade. Somente seu quarto filho, Titus, nascido em 1641, é que sobreviveu até a maioridade. Saskia morreu em 1642, pouco depois do nascimento de Titus, provavelmente em decorrência de uma tuberculose. Os desenhos de Rembrandt, dela em seu leito de morte, estão entre seus trabalhos mais intimistas e comoventes. Durante a enfermidade de Saskia, Geertje Dircx foi contratada como enfermeira e babá de Titus, tornando-se durante a mesma época amante de Rembrandt.
Foi neste local que recorreu com frequência aos vizinhos judeus para pintar cenas do Velho Testamento. Embora abastado, o casal enfrentou diversos problemas pessoais; seu filho Rumbartus morreu com dois meses de idade em 1635, e sua filha Cornelia apenas três semanas após o parto em 1638. Em 1640 tiveram mais uma filha, também chamada Cornelia, que morreu com um mês de idade. Somente seu quarto filho, Titus, nascido em 1641, é que sobreviveu até a maioridade. Saskia morreu em 1642, pouco depois do nascimento de Titus, provavelmente em decorrência de uma tuberculose. Os desenhos de Rembrandt, dela em seu leito de morte, estão entre seus trabalhos mais intimistas e comoventes. Durante a enfermidade de Saskia, Geertje Dircx foi contratada como enfermeira e babá de Titus, tornando-se durante a mesma época amante de Rembrandt.
As
gravuras consistiam de uma técnica aperfeiçoada e simplificada pelo próprio
pintor, por volta de 1630, onde ele gravava placas de metal com um buril e
depois, com a utilização de alguns ácidos, corava estas ranhuras feitas nas
placas, marcando-as. Com o auxílio de uma prensa ele transpunha esta imagem
gravada na placa de metal para o papel, resultando em lindas gravuras. O nome
desta técnica é “água-forte”. Rembrandt usava das mais variadas temáticas nas
suas gravuras como cenas bíblicas, mitologia, paisagens, nus, retratos e outras
mais, como também nas suas pinturas; embora os autorretratos sejam mais comuns
neste tipo de arte. A fase onde realizou a maior quantidade de gravuras
iniciou-se em 1636 e durou cerca de 20 anos. Muitas delas permanecem,
algumas encontradas no Museu Rembrandt, em Amsterdã. Gravuras no mundo em exposições temporárias, a fim de que outros possam
apreciar as obras do grande mestre.
No
final da década de 1640, Rembrandt deu início a um relacionamento com sua
empregada Hendrickje Stoffels. Em 1654 tiveram uma filha, Cornelia, o que
provocou a intimação de Hendrickje pela protestante Igreja Reformada Holandesa
para responder a acusação de que cometera "atos de uma prostituta com
Rembrandt o pintor". Ela confessou a verdade, sendo excomungada. Rembrandt
por sua vez não foi convocado ou excomungado, pois, como ateu não fazia parte
de nenhuma igreja. Os dois foram considerados legalmente casados sob a lei
comum do Direito, apesar do pintor não ter se casado oficialmente para não
perder acesso aos recursos financeiros destinados a Titus no testamento de sua
mãe. Rembrandt
vivia socialmente além do que obtinha de suas rendas, comprando obras de arte, impressões e raridades, o
que supostamente provocou em 1656 um acordo nos tribunais para evitar sua
falência, que resultou na venda da maioria de seus quadros e sua imensa coleção
de antiguidades. A lista de itens vendidos sobreviveu ao tempo.
Relaciona entre
outros objetos os bustos de vários imperadores romanos, armaduras japonesas e
um acervo de história natural e mineral. Os valores obtidos com as vendas em
1657 e 1658, contudo, foram irrisórios. Em 1660 ele foi forçado a vender sua
casa e máquina impressora e mudar-se para uma habitação modesta em Rozengracht.
As autoridades e credores eram em geral compreensivos com sua situação, com
exceção da guilda de pintores de Amsterdã, que introduziu uma nova regra
proibindo a qualquer um nas circunstâncias de Rembrandt de trabalhar como
pintor. Para
contornar a proibição, Hendrickje e Titus iniciaram um empreendimento para
agenciar obras de arte, com Rembrandt como seu funcionário. Em 1661, ele foi
contratado para completar os trabalhos do recém-construído paço municipal - a
contratação só ocorreu, no entanto, após a morte de Govert Flinck, que fora
designado originalmente para o trabalho. A obra resultante, A Conspiração de
Claudius Civilis, foi rejeitada e devolvida ao pintor; apenas um fragmento dela
acabaria conservado, quando na mesma época Rembrandt admitiu seu último
aprendiz, Aert de Gelder.
Em 1662 ele continuava a executar grandes encomendas de retratos e outras obras. Quando Cosme III da Toscana viajou a Amsterdã em 1667, visitou, a casa de Rembrandt que nessa altura pintava em camadas de tintas, construindo a cena da região mais afastada até a sua frente, com o uso de vernizes entre estas camadas de tinta, que eram bem espessas, o que permitia uma ilusão de ótica graças à qualidade tátil da própria tinta. A manipulação tátil da tinta se aproximava de técnicas medievais, quando alguns efeitos de mimetismo transformavam a superfície da pintura. O resultado final varia muito no manuseio da tinta, sugerindo espaço de uma maneira particularmente singular e intimista. Rembrandt pintou basicamente três temas distintos: as pinturas sacras, os autorretratos e os retratos de grupos. As pinturas sacras foram realizadas por toda a vida do pintor, principalmente de cenas retratadas na Bíblia. Temos como bons exemplos desta fase "O retorno do filho pródigo" em exposição no Museu Hermitage de São Petersburgo e “Jacó abençoa os filhos de José” no Museu Staatliche Kunstsammlungen Kassel. Muito elogiado por seus contemporâneos, que sempre o reverenciaram como um mestre intérprete das histórias bíblicas graças à sua habilidade em representar emoções e atenção aos detalhes. Além disso, ficou muito famoso pela quantidade de autorretratos que realizou, sendo mais de 100 no total, por 40 anos. Estes autorretratos, que representavam “leituras psicológicas do autor”, foram comparados sociologicamente somente aos autorretratos que Vincent Van Gogh fez de si mesmo, mais de 200 anos depois.
Em 1662 ele continuava a executar grandes encomendas de retratos e outras obras. Quando Cosme III da Toscana viajou a Amsterdã em 1667, visitou, a casa de Rembrandt que nessa altura pintava em camadas de tintas, construindo a cena da região mais afastada até a sua frente, com o uso de vernizes entre estas camadas de tinta, que eram bem espessas, o que permitia uma ilusão de ótica graças à qualidade tátil da própria tinta. A manipulação tátil da tinta se aproximava de técnicas medievais, quando alguns efeitos de mimetismo transformavam a superfície da pintura. O resultado final varia muito no manuseio da tinta, sugerindo espaço de uma maneira particularmente singular e intimista. Rembrandt pintou basicamente três temas distintos: as pinturas sacras, os autorretratos e os retratos de grupos. As pinturas sacras foram realizadas por toda a vida do pintor, principalmente de cenas retratadas na Bíblia. Temos como bons exemplos desta fase "O retorno do filho pródigo" em exposição no Museu Hermitage de São Petersburgo e “Jacó abençoa os filhos de José” no Museu Staatliche Kunstsammlungen Kassel. Muito elogiado por seus contemporâneos, que sempre o reverenciaram como um mestre intérprete das histórias bíblicas graças à sua habilidade em representar emoções e atenção aos detalhes. Além disso, ficou muito famoso pela quantidade de autorretratos que realizou, sendo mais de 100 no total, por 40 anos. Estes autorretratos, que representavam “leituras psicológicas do autor”, foram comparados sociologicamente somente aos autorretratos que Vincent Van Gogh fez de si mesmo, mais de 200 anos depois.
Notadamente
Rembrandt sempre foi fiel ao rosto
que encontrava no espelho, tanto nos momentos felizes quanto nos de desespero,
onde encarava as agruras da vida. Os retratos de grupos estavam em moda na
Holanda na época de Remdrandt, onde grupos procuravam os pintores para terem
seu retrato imortalizado em uma tela, e ainda podiam dividir os custos da
produção entre si. Apesar de ter pintado apenas quatro retratos em grupo, dois
dos mais famosos quadros de Rembrandt encontram-se nesta temática, A Aula de
Anatomia do Dr. Tulp, em exposição no Museu Mauritshuis, em Haia e A Ronda Noturna,
no Rijksmuseum, em Amsterdã. Em muitas pinturas bíblicas, como A Subida da
Cruz, José Contando Seus Sonhos e A Stoning de São Estevão, Rembrandt
pintou-se misturado como personagem na multidão, tal como Alfred Hitchcock no cinema.
Acredita-se que Rembrandt fez isto, pois, para ele, a Bíblia era um tipo de
diário, uma narrativa sobre os momentos de sua própria vida. O acabamento é
cuidadoso, com técnica refinada. Os grupos de figuras são construídos segundo o
receituário barroco, com gestos dramáticos e expressivos, de ação intensa.
Em
1642, o pintor Rembrandt entregou uma obra que pintara sob encomenda. Era a
chamada A Ronda Noturna. O cliente a rejeitou, acusando o artista
de "não ter pintado seu retrato", de ter representado "o cenário
de uma ópera bufa" e de ter cobrado um preço "muito alto". Nos
debates que se seguiram, o pintor foi enfim acusado de "pintar só o que
queria". Um bom exemplo, neste sentido, refere-se O Juramento de
Julius Civilis (1661) pintado a serviço do prefeito de Amsterdã. A
encomenda havia sido recusada por diversos pintores e Rembrandt, passando por
enormes dificuldades, aceitou o trabalho. O resultado, porém, desagradou aos
governantes e ficou menos de um ano pendurado nas paredes da sede da
prefeitura. Incumbido de retratar o episódio em que Julius Civilis reúne
líderes batavos e combater os invasores romanos, Rembrandt apresentou uma tela realista, com um bando de bárbaros em
volta do rei caolho. Não gostaram do realismo fiel do
pintor.
Talvez por isso, Rembrandt tornou-se um dos mais importantes nomes da história da arte ocidental. Enfim, existem vinte e sete autorretratos, 64 paisagens, a maioria pequena com um detalhamento impressionante. Um terço de suas gravuras era de tema religioso, muitas tratadas de forma bastante simplista, enquanto outras são impressões monumentais. Algumas eróticas, ou aparentemente obscenas também são encontradas, embora não haja paralelo a este tema em suas pinturas. Possuía uma série de gravuras de outros artistas e muitos esboços e influências que podem ser traçadas daí. Entre estes podemos destacar: Mantegna, Rafael Sanzio, Hercules Segers, e Giovanni Benedetto Castiglione. Assim como na pintura, comparativamente Rembrandt também passou por duas fases distintas no processo criativo na execução de gravuras, restando somente as impressões finais e esboços. Na segunda fase, mais madura (1650) uma quantidade de placas ainda restaram. Começa a experimentar diferentes tipos de papel para impressão, incluindo papel de arroz e veludo. Utiliza um tom de superfície, deixando a fina camada de tinta em partes da placa, ao invés de deixá-la completamente imersa em tinta em cada impressão.
Outro detalhe encontrado nas gravuras da segunda fase é a quantidade de áreas
brancas, o que sugeria espaço e outras áreas de linhas extremamente complexas,
a fim de produzir tons escuros ricos em detalhes. Enfim, Rembrandt era
requisitado pelos burgueses enriquecidos que desejavam se ver eternizados nas
paredes de suas casas. Talvez
por pura inaptidão para as contas viveu grande parte de sua vida endividado,
motivo pelo qual foi à falência em 1656, aos 50 anos de idade. Depois de ter
perdido a esposa e três filhos, teve ainda que vender sua enorme casa em
Amsterdã, além de praticamente toda sua coleção de móveis, tapeçarias, joias e
porcelanas. Até seus autorretratos, nunca antes postos à venda, tiveram que
sair das mãos do autor. Além de usar a mãe, a esposa e o filho como modelos,
Rembrandt realizou um grande número de autorretratos ao longo da vida. É
interessante e talvez imprescindível no processo de análise, comparar as mudanças operadas na feição do artista com o passar dos anos.
Diferentes estados psicológicos são demonstrados: o jovem bem-sucedido e inteligente,
o homem imponente, o velho sereno e resignado. Este era Rembrandt Harmenszoon
van Rijn, o maior pintor que a Holanda já teve, mas que só seria reconhecido
como tal duzentos anos após a sua morte, aos 63 anos, na solidão e na quase absoluta
miséria.
Bibliografia
geral consultada.
GARDINER, Muriel, El Hombre de los Lobos por el Hombre de los Lobos. Buenos Aires: Ediciones
Nueva Visión, 1983; CABANNE, Pierre, Rembrandt. Paris: Éditions du Chêne; Hachette Livre, 1991; ARTOLA, Juan Plazaola, História de Arte Cristiano. Madrid: Autores Cristianos, 1999; GOMBRICH, Ernest Hans Josef, A História da Arte. Rio de
Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora, 1999; BOCKEMUHL, Michael, Rembrandt. Lisboa: Editora Taschen, 2001; GENET, Jean, Rembrandt. Tradução de Ferreira Gullar. Rio de Janeiro: José Olympio Editor, 2002; PANOFSKY, Erwin, Significado
nas Artes Visuais. São Paulo: Editora Perspectiva, 2002; EUSÉBIO, Maria de Fátima, "A Apropriação Cristã da Iconografia Greco-Latina: o tema do Bom Pastor". In: Máthesis. Viseu. Universidade Católica de Petrópolis, 2005; NOVAES, Joana de
Vilhena, Auto-Retrato Falado: Construções
e Desconstruções de Si. São Paulo, Volume 4, n° 2, novembro de 2007; QUERIDO,
Alessandra Matias, “Autobiografia e Autorretrato: Cores e Dores de Carolina
Maria de Jesus e de Frida Kahlo”. In: Rev.
Estud. Fem., Florianópolis, v. 20, n° 3, dez. 2012; PULGA, Marcio Alexandre, A Técnica do Alterstil: Uma Investigação dos Materiais e da Maneira Rústica de Pintura a Óleo de Rembrandt Van Rijn. Tese de Doutorado. Instituto de Artes. Campinas: Universidade de Campinas, 2019; entre outros.
______________
* Sociólogo (UFF), Cientista Político
(UFRJ), doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais do Centro de
Humanidades da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
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