domingo, 29 de maio de 2016

Estupro Coletivo – Orientalismo, Justiçamento Privado & Verdade Social.


Giuliane de Alencar & Ubiracy de Souza Braga
 
    “Queríamos dar uma lição nela. Ela deveria ter ficado em silêncio e aceitado o estupro!”. Mukesh Singh

                

A desqualificação frequente de pessoas que se empregam para se submeter a um salário é um resultado direto do princípio de estratificação estamental, peculiar à ordem social e, decerto, da oposição desse princípio a uma distribuição de poder regulada exclusivamente por intermédio do mercado global entre nações e nacionalidades. A ordem estamental significa precisamente o inverso, ou seja, a estratificação em termos de “honras” e estilos de vida peculiares aos grupos estamentais organizados como tal. Se a simples aquisição econômica e o poder econômico puro, ainda trazendo o estigma de sua origem extra-estamental, pudessem conceder a quem os tivesse conseguido as mesmas honras que os interessados em estamentos em virtude de um estilo de vida que pretendem para si, a ordem estamental estaria ameaçada em suas bases mesmas, principalmente tendo em vista que, em condições de igualdade de honras estamentais, a posse per se representa um acréscimo, mesmo não sendo abertamente reconhecida como tal. Portanto, provavelmene todos os grupos que têm interesses na ordem estamental reagem com especial violência precisamente contra as pretensões de aquisição exclusivamente econômica. O parvenu jamais é aceito, pessoalmente e sem reservas, pelos grupos estamentalmente privilegiados nas sociedades existentes estruturadas antes do histórico de constituição da sociedade industrial no processo de globalização.    

Se o conceito de nação pode, de alguma forma, ser definido sem ambiguidades, certamente, não pode ser apresentado em termos de qualidades empíricas comuns aos que contam como membros da nação. O conceito indubitavelmente significa que podemos apreender de certos grupos de homens um sentimento específico de solidariedade frente a outros grupos. Assim, o conceito pertence à esfera de valores. Não obstante, não há acordo sobre como esses grupos devem ser delimitados ou sobre que ação concertada deve resultar dessa solidariedade. Na linguagem comum, nação não equivale a povo de um Estado, ou seja, aos integrantes de uma determinada comunidade política. Além disso, uma nação não é a mesma coisa que uma comunidade que fala a mesma língua, pois uma língua comum não parece ser absolutamente necessária a uma nação. E certos grupos linguísticos não se consideram como nação à parte, pois língua comum e nação são de intensidade variada. A solidariedade nacional entre homens e mulheres que falam a mesma língua pode ser aceita ou rejeitada. Ao invés disso, pode estar ligada a diferenças culturais de contingência das massas que tem como representação um credo religioso.

 Na verdade, em toda parte, os nacionalistas especialmente radicais são, com frequência, de origem estrangeira. Além disso, um tipo antropológico comum, específico, não seja relevante para a nacionalidade, não é bastante nem constitui pré-requisito para fundar uma nação. Não obstante, a ideia de nação pode incluir as noções de descendência comum e de uma homogeneidade essencial, embora frequentemente indefinida. A ação tem essas noções em comum com o sentimento de solidariedade das comunidades étnicas, que também é alimentado de várias fontes. Mesmo o sentimento de solidariedade étnica não faz, por si, uma nação. É um velho problema, saber se os judeus podem ser chamados de nação. As razões práticas para que um grupo social acredite representar uma nação varia muito, tal como a conduta empírica que na realidade resulta da filiação ou falta de filiação a uma nação. As camadas feudais, as camadas de funcionários, as camadas empresariais de várias categorias, as camadas de intelectuais ou de estamentos e castas, não têm atitudes homogêneas ou históricas  em suas ações.    

                           

Um em cada seis indianos não pertence a nenhuma das quatro castas do sistema hierárquico social da Índia. Estatisticamente representam 200 milhões de indianos, os párias, são considerados seres impuros e desprezíveis. Nos vilarejos indianos os párias fazem um trabalho braçal no campo e retiram o lixo, porém vivem à margem da sociedade. Em alguns lugares ainda não podem entrar nos templos, recolher água de poços que servem à comunidade, tocar em outros indianos ou viver dentro do vilarejo. As punições por violar os limites das castas são severas. Muitos párias, atraídos pelos missionários ocidentais, converteram-se ao cristianismo. Mas continuaram excluídos da sociedade (cf. Drèze e Amartya, 2015). Um puzzle do ponto de vista sociológico é que nenhuma religião na Índia conseguiu superar as divisões sociais do sistema rígido de castas do hinduísmo. A Constituição da Índia promulgada em 1947 proibiu a discriminação por castas e instituiu leis específicas de acesso à educação e ao emprego bem remunerado, porém o preconceito contra os párias ainda existe na sociedade indiana.

   O avô de Gidla, educado por missionários canadenses, ao ser expulso de seu vilarejo, alistou-se no Exército da Índia Britânica e, no início da década de 1940, foi lutar no Iraque. A partir desse episódio, a autora reconstitui a vida das crianças que o avô deixou para trás no contexto social e político do movimento de Independência da Índia. Satyamurthy, o filho mais velho, abraçou a causa nacionalista, mas sua crença na democracia foi efêmera. Inspirado pelas ideias de Mao Tsé-Tung, disseminando uma visão revolucionária do comunismo, desapareceu nas florestas da região central da Índia, onde participou do movimento de guerra de guerrilha contra o governo indiano. Embora Satyamurthy, de cujo significado tem como representação a ideia em desenvolvimento de que a pessoa inteira seja o tema principal do livro, a mãe de Gidla, Manjula, é a verdadeira heroína da história. Apesar da discriminação socialmente admitida de casta e sexo, Manjula cursou a universidade, enfrentou um marido repressivo e criou três filhos. Ao voltar para a casa após a experiência de militância frustrada, Satyamurthy encontrou surpreso, uma família educada nas melhores instituições de ensino da Índia, um exemplo reflexivo da superação do preconceito social e da pobreza de forma generalizada.

     O desenvolvimento do estamento é essencialmente uma questão de estratificação que e baseia na usurpação, que é a origem normal de quase toda honra estamental. Mas o caminho dessa situação puramente convencional para o privilégio local, positivo ou negativo, é percorrido facilmente, tão logo determinada estratificação da ordem social  tenha, na verdade, sido vivida e tenha conseguido a estabilidade em virtude de uma distribuição estável do poder econômico. Isto quer dizer o seguinte: onde as suas consequências se realizaram em toda extensão, o estamento evolui para uma casta fechada. As distinções estamentais são, então, asseguradas não simplesmente pelas convenções e leis, mas também pelos rituais. Isto ocorre de tal modo que todo contato físico com um membro de uma casta “superior” é considerado como uma impureza ritualística e um estigma que deve ser expiado por um ato religioso. O estigmatizado e o normal admitira Erving Goffman (2013: 146), “são parte um do outro; se alguém se pode mostrar vulnerável, outros também o podem. Porque ao imputar identidades aos indivíduos, desacreditáveis ou não, o conjunto social mais amplo e seus habitantes, de certa forma, se comprometeram, mostrando-se como tolos”. As castas individuais criam cultos e deuses bem distintos. A casta é a forma pela qual costumam socializar-se as comunidades étnicas que creem na relação de parentesco de sangue com os membros de comunidades exteriores e relacionamento social.

Esses povos formam comunidades que adquirem tradições ocupacionais específicas de artesanatos, ou de outras artes, e cultivam uma crença em sua comunidade étnica. As castas já foram contestadas por vários movimentos hindus reformistas, muçulmanos, siques, cristãos e budistas. O Sikhismo ou siquismo é uma religião monoteísta fundada em fins do século XV no Punjab, região dividida entre o Paquistão e a Índia por Guru Nanak (1469-1539). É por vezes retratado como o resultado de um sincretismo entre elementos do hinduísmo e do Islamismo e Sufismo. Quando chegou à Índia, a Companhia Britânica das Índias Orientais criou leis constitucionais separadas por religião e casta. A Índia britânica tornou a organização por castas, a base do sistema de administração do país. Os jatis foram a base da etnologia das castas na Índia britânica. No censo de 1881 e posteriormente, os etnógrafos coloniais usaram os jatis para inserir num sistema de modo que pudesse classificar as pessoas. O censo de 1891 incluiu sessenta subgrupos, cada um deles dividido em seis categorias ocupacionais e raciais, e os números aumentaram nos censos subsequentes. A divisão por castas na Índia britânica, segundo Bayly (2001), “classificou os jatis indianos com base em princípios semelhantes (comparativamente) aos da zoologia e botânica, ranqueando-os em ordem de pureza, origem ocupacional e reputação social”. O sistema compreendia uma população humana de 3 mil castas, englobando aproximadamente 90 mil subgrupos endogâmicos regionais.

 Apesar da proteção legal, a Índia continua marcada pelo o que ex-primeiro-ministro Manmohan Singh descreveu como “apartheid de castas”, um complexo sistema de estratos sociais profundamente arraigados na cultura indiana. Milhões de dalits, considerados intocáveis no sistema de castas, sofrem de forma permanente a discriminação, constantemente reforçada pelo Estado e por entidades privadas. Uma pesquisa realizada em 2014 pelo Conselho Nacional de Pesquisa Econômica Aplicada (NCAER) revelou que um em cada quatro pessoas entrevistadas, de diferentes grupos religiosos reconheceu ter sido praticado a intocabilidade. Lamentavelmente, a prática se manifesta de várias maneiras. Em algumas aldeias os estudantes das castas superiores se negam a comer alimentos preparados pelos dalits, um grupo que inclui várias comunidades marginalizadas. Um estudo detalhado, feito por Sarva Shiksha Abhiyan, um programa estatal para conseguir a educação primária universal, concluiu que existem três tipos de discriminação social, dos professores, dos colegas e de todo o sistema educacional. O sistema de castas, considerado uma característica dominante da religião hindu e praticamente visto como uma divisão divina do trabalho dá aos dalits as tarefas mais servis: coleta de lixo, remoção de excrementos humanos, varrer, pavimentar e eliminar corpos humanos e de animais. Dados estatísticos do censo de 2011 revelam que 800 mil dalits trabalhavam esvaziando manualmente latrinas, embora se estime que através da divisão do trabalho essa tarefa pudesse afetar 1,3 milhão de pessoas.   

   A casta, isto é, os direitos e deveres rituais que ela dá e impõe, e a posição dos  brâmanes, é a instituição fundamental do hinduísmo que só pode ser compreendida em relação à casta, sem cujo entendimento é impossível compreender o hinduísmo que representa o terceiro dos três períodos da religião indiana, caracterizado por um extremo pluralismo de cultos, deuses e seitas; neobramanismo, neo-hinduísmo. Mas a posição social do hindu em relação á autoridade do brâmane pode variar extraordinariamente, desde a submissão incondicional até o desafio de sua autoridade. Quando algumas castas contestam a autoridade do brâmane, isto significa que o brâmane é rejeitado como sacerdote, que seu juízo nas questões controversas de ritual não é reconhecido como autorizado, e que seu conselho é jamais buscado. À primeira vista parece contrariar a regra de que as castas e os brâmanes pertencem ambos ao hinduísmo. Mas na realidade, se a casta é essencial ao hindu, o inverso não é válido, isto é, nem toda casta é uma casta hindu. Há castas entre os maometanos da Índia, copiadas dos hindus. E castas existentes também entre budistas. Até mesmo os cristãos indianos comparativamente não foram capazes de evitar, por motivos práticos, o reconhecimento das castas. Os jats são historicamente uma casta majoritária na região rural do Estado de Haryana, mas presente em outros sete estados do Norte da Índia, como no Uttar Pradesh, Rajastão e Gujarat. Mais de um século depois, e com o fenômeno sociológico do êxodo rural, os jats passaram a exigir um maior reconhecimento das grandes cidades no perímetro urbano e da administração do Estado. Com cerca de 6 milhões de membros concretamente na Índia, os jats dividem-se em dois grupos religiosos, a saber, os Sikhs e os hindus.  

Os siques, ou sikhs, representam socialmente um grupo etnorreligioso que adere ao Siquismo, uma religião dármica que se originou no final do século XV na região do Punjab, no subcontinente indiano, com base na revelação do Guru Nanak. O termo sikh tem sua origem na palavra sânscrita śiṣya (शिष्य), que significa “discípulo” ou “estudante”. Os siques do gênero sexual masculino geralmente têm Singh (“leão”) como sobrenome, embora nem todos os Singhs sejam necessariamente siques; da mesma forma, as mulheres siques têm Kaur (“princesa”) como sobrenome. Esses sobrenomes exclusivos foram dados pelos gurus para permitir que os siques se destacassem e também como um ato de desafio ao sistema de castas da Índia, ao qual os gurus foram contra. Os siques acreditam firmemente na ideia de Sarbat da bhala (“bem-estar de todos”) e são frequentemente vistos na linha de frente para fornecer ajuda humanitária em todo o mundo. Os siques que se submeteram ao Amrit Sanchar (“batismo pelo Khanda”), uma cerimônia de iniciação, reconhecidos como Khalsa desde o dia de sua iniciação e devem ter sempre em seus corpos os cinco K: kesh, cabelo não cortado geralmente coberto por um dastār, também conhecido como turbante; kara, um bracelete de ferro ou aço; kirpan, uma espada semelhante a uma adaga enfiada em uma cinta gatra ou em um cinturão kamar kasa; kachera, uma roupa de baixo de algodão; e kanga, um pequeno pente de madeira. A região de Punjab, no subcontinente indiano, tem sido a pátria histórica dos siques, tendo sido inclusive governada por eles em partes significativas dos séculos XVIII e XIX.

Atualmente, o Canadá tem a maior proporção nacional de siques (2,1%) do mundo, enquanto o estado de Punjab, na Índia, tem a maior proporção de siques (58%) entre todas as divisões administrativas do mundo. Muitos países, como o Canadá e o Reino Unido, reconhecem os siques como uma religião designada em seus censos, e, a partir de 2020, os siques são considerados como um grupo étnico separado nos Estados Unidos da América. O Reino Unido também considera os siques como um povo etnorreligioso, como resultado direto do caso Mandla v Dowell-Lee em 1982.  Guru Nanak (1469-1539), o fundador do Siquismo, nasceu em uma família Khatri, filho de Mehta Kalu e Mata Tripta, na aldeia de Talwandi, atualmente Nankana Sahib, perto de Laore. Durante toda a sua vida, Guru Nanak foi um líder religioso e reformador social. No entanto, pode-se dizer que a história política sique começou em 1606, com a morte do quinto guru sique, Guru Arjan Dev. As práticas religiosas foram formalizadas pelo Guru Gobind Singh em 30 de março de 1699, quando o guru iniciou cinco pessoas de diversas origens sociais, conhecidas como Panj Piare (“cinco amados”), para formar um corpo coletivo de siques iniciados, conhecido como Khalsa (“puro”). Os primeiros seguidores do Guru Nanak eram khatris, mas mais tarde um grande número de jates aderiu à fé. Os brâmanes se opuseram “à exigência de que os siques deixassem de lado os costumes distintos de suas castas e famílias, incluindo os rituais mais antigos”.

 Estupro coletivo tem como representação social uma forma de violência sexual envolvendo dois ou mais agressores sociais. É uma ocorrência frequente em períodos de guerras e, devido a gangues, usado como método de punição, um controle social, vínculo e como rito de passagem. Esses estupros têm características além daquelas encontradas em estupro por indivíduos: os agressores tendem a ser mais jovens e cometer crimes em série, a quadrilha frequentemente vive sob a influência de drogas ou álcool. São do mesmo grupo étnico ou religião ou local de residência. Formando assim um grupo de pressão dos pares unidos, incentivado pelo comportamento de seus comparsas criminosos. Os estupros coletivos são mais violentos. Ipso facto, as lesões sexuais e não-sexuais à vítima são proporcionalmente muito mais graves. Os membros das gangues ou grupo, normalmente desumanizam a vítima alvo, antes e durante o estupro. Os estupros coletivos durante as guerras civis e tumultos étnicos têm a dimensão adicional de se tornarem um meio de vingança. Enviando uma mensagem para a comunidade das vítimas. Induzindo a intensificação do medo e assim criando e proporcionando um sentimento de solidariedade, entre os soldados, militantes ou entre grupo agressor. O estupro sociologicamente é um tipo ideal inúmeras vezes estereotipado na mídia televisiva “como um crime de pobres, de minorias ou cultural”. No entanto, contemporaneamente, as taxas de incidência de estupro coletivo são altas entre ricos em campi universitários de classe média alta, entre não-minorias e cada cultura. Em quase todos os lugares há uma tendência em culpar a vítima; no entanto, os estupros coletivos são quase sempre premeditados em seu intento, há uma vítima-alvo, causas de prova social psicológica. 
Alguns eventos como guerras civis, propagandas de ódio nas redes midiáticas e conflitos étnicos aumentam a taxa de incidência de estupros. No vale do Amazonas, o estupro coletivo é uma forma de intimidação contra as mulheres. Entre os índios Xingu, as mulheres são proibidas de ver um ritual onde os homens tocam a kauka, uma flauta, sendo punida com o estupro coletivo, que é atribuído “ao espírito operando através dos homens”. Na Papua-Nova Guiné, o estupro era considerado uma forma de rito de passagem do jovem homem para a vida adulta. O caso das castas já é mais complexo, porque à noção de aprentesco acrescenta-se uma especialidade profissional. Se em nossas sociedades a solidariedade sexual é reduzida ao mínimo teórico, entre os semicivilizados desempenha considerável papel em consequência da separação dos sexos nas questões econômicas, políticas e sobretudo mágico-religiosas. A vida individual, qualquer que seja o tipo de sociedade , consiste em passar sucessivamente de uma idade a outra e de uma ocupação a outra. Toda alteração na situação de um indivíduo implica aí ações e reações entre o profano e o sagrado, ações e erações que devem ser regulamentadas e vigiadas, a fim de a sociedade em geral não sofrer nenhum constrangimento ou dano. É opróprio fato de viver que exige as passagens sucessivas de uma sociedade especial a outra e de uma situação social a outra, de tal forma que a vida individual consiste em uma sucessão de etapas, tendo por término e começo conjuntos da mesma natureza, a saber, nascimento, puberdade social, casamento, paternidade, progressãop de classe, especialziação de ocupação e morte (cf. Van Gennep, 2013: 24).      
Iniciados em gangues chamadas raskol replicam tais ataques na forma de estupros coletivos, sendo mais considerados os que forem dirigidos contra as mulheres de descendência europeia ou mulheres da elite social. Comparativamente ao caso brasileiro, a violência sexual na Índia é “coisificada” no quotidiano, e só aparentemente não é capaz de causar indignação. Provavelmente, na maioria dos casos, não causa apenas curiosidade, devido aos métodos utilizados ou à idade das pessoas envolvidas. Muitas vezes, a violência sexual não fica registrada pelo fato das vítimas temerem a vergonha de ter passado por essa constrangedora situação de violência física e psicológica. Nestes tempos sombrios os noticiários têm revelado diversos casos de violência; seja de uma jovem que, além de ter sido violentada por um parlamentar, ainda foi acusada de roubo e metida na cadeia. Ou seja, foi vítima duas vezes. Mormente, como foi o caso de um ancião de setenta anos que violentou a vizinha devido às desavenças com o marido desta. Não são poucos os casos da violência exercida pela polícia indiana no interior do país. Em particular, no caso representativo entre os paramilitares, na guerra contra as milícias maoístas, que programam a guerra popular em vários Estados do país. Crianças, jovens e idosas não escapam à violência sexual reinante e impune.
 Uma suíça foi a mais recente vítima de uma violação coletiva na Índia, três meses depois de outro caso ter despoletado a revolta no país com eco em todo o mundo.  Oito suspeitos para interrogatório foram detidos, cinco deles já confessaram o seu envolvimento no estupro. O ataque deu-se na sexta-feira, 15/03/2013 à noite no Estado de Madyha Pradesh, no centro do país. A mulher de 39 anos viajava de bicicleta com o marido de Orchha com destino a Agra quando decidiram acampar na aldeia de Jhadia para passar a noite.  De acordo com as autoridades indianas, um grupo de homens agrediu o marido com paus e amarrou-o para depois violarem a mulher diante dele. Os agressores roubaram vários pertences do casal, entre eles, um celular e dez mil rupias (cerca de 140 euros). A turista foi hospitalizada na cidade de Gwailor. Estava consciente e prestou depoimento. A embaixada da Suíça pedindo investigação detalhada. A evolução jurídica e cultural do estupro como um dos crimes mais odiados na sociedade refere-se a um processo de lentidão e justificação. No Antigo Regime francês, por exemplo, a vítima era criminalizada pelo estupro sofrido, quando o crime era denunciado e julgado. 
           O caminho jurídico era tortuoso para a parte afetada, além do que, quando condenado o estupro era identificado como uma agressão aos costumes e uma agressão à propriedade, conforme o processo de compensações financeiras extrajudiciais. A figura especificamente feminina da mulher enqunato relaçao social como propriedade do marido, direcionava os discursos à este tipo de resultado. Fora todas as dificuldades que envolviam, o crime de estupro homossexual, condenando as partes á morte por sodomia. Além de que, o agressor só era condenado após um lento processo, que além de expor totalmente à vítima a situação de vergonha pública, tinha como provas o rompimento do hímen e a certeza das testemunhas acerca da conduta da vítima e sua resistência total ao ato. Aruna Shanbaug foi vítima de violência sexual no hospital onde trabalhava como enfermeira. No dia 27 de novembro de 1973, Aruna foi atacada dentro do hospital e sodomizada. Foi atacada com uma corrente de cão, utilizada para asfixiá-la. A asfixia causou uma lesão cerebral e a perda da visão. 
Desde então, Aruna encontra-se hospitalizada em situação vegetativa no King Edward Memorial Hospital de Mumbai. Aruna tem agora mais de 60 anos e o seu amigo, o jornalista Pinki Virani, autor do livro: “A Historia de Aruna”, dirigiu ao Supremo Tribunal um apelo à eutanásia. O pedido, o primeiro a ser feito na Índia, foi julgado pelo Tribunal, que decidiu, em janeiro, adiar qualquer decisão, instalando um painel de especialistas médicos para analisar o caso. O governo da Índia tem-se oposto claramente à eutanásia. Aruna gosta de sopa de peixe e galinha. Não gosta de muito barulho no seu quarto do hospital. Essas manifestações são usadas como argumento pelos que se opõem à eutanásia. Após o ataque, em 1973, as enfermeiras de Mumbai fizeram uma greve de protesto exigindo melhores condições de trabalho e melhor atendimento para Aruna. A eutanásia continua a ser um tabu social. Mas, se temos o direito de viver, deveríamos ter também o direito democrático de morrer, já que isso é uma coisa inevitável para qualquer ser vivo.
           No dia 16 de dezembro de 2012, do lado de fora de um shopping centers dos mais populares de Nova Délhi, uma estudante de medicina de 23 anos e seu amigo decidiram pegar um ônibus pra casa depois de ver um filme. Não era muito tarde, algo em torno de 21horas, e o ônibus que parou no ponto estava marcado como “fretado”, um ônibus mais arrumado que os da Corporação de Transporte de Délhi, com janelas escurecidas e cortinas. Parecia vazio, exceto por seis homens e o motorista. Ali ficou combinado que o ônibus levaria os dois direto pra casa. Mas assim que os amigos entraram os seis homens começaram a assediar a garota. Eles espancaram o amigo com uma barra de ferro quando ele tentou os fazer pararem e começaram a estuprar a moça. Eles também usaram a barra de ferro nela. E quando terminaram - depois de quase uma hora de estupro coletivo segundo a polícia -, largaram os dois jovens quase inconscientes num cruzamento da estrada com o ônibus ainda em movimento. Os amigos foram descobertos horas depois e levados a um hospital. As autoridades não divulgaram o nome das vítimas. A estudante de medicina foi transferida para hospital em Singapura e lá morreu. A polícia tem seis homens sob sua custódia (um menor de idade) que estão sendo julgados por assassinato e estupro.

No dia 29 de dezembro de 2012 dezenas de milhares de estudantes universitários foram até o Portão da Índia, um grande parque perto da residência presidencial e dos escritórios do Parlamento. Segurando cartazes, gritando palavras de ordem e exigindo mudança, os manifestantes abordaram uma série de questões como divisão de classes, misoginia cultural e repressão sexual, enquanto expressavam seu choque, ódio e desprezo pelos atos horríveis cometidos e pela apatia histórica do governo em relação à violência contra as mulheres. Em algum momento, a multidão transtornou-se - ou assim afirma a polícia -, o que levou os policiais a disparar gás lacrimogêneo e canhões de água, além de espancar os manifestantes com longas varas de madeira chamadas lathis. “Carga lathi” é uma expressão comum do léxico indiano, sinônimo da polícia acabando com alguma coisa. Depois de tudo isso, fora uma lei que exige que os ônibus mostrem sua licença no para-brisa e a formação de tribunais mais ágeis pra julgar casos de estupro, muito pouco foi realmente feito pra mudar alguma coisa. Mas a questão forçou os indianos a confrontar pressupostos básicos sobre o papel e as expectativas dos gêneros. Uma pergunta frequente ouvida agora nas festas e nas ruas é: “Por que você não estava no Portão da Índia?”. Parece que os políticos também prestaram atenção. O primeiro-ministro Manmohan Singh e a líder do congresso Sonia Gandhi “saudaram o corpo da vítima quando ele foi levado de Singapura”.
Na índia, um grupo de 600 guitarristas homenageou a estudante de 23 anos que morrera no último sábado, depois de ter sido “estuprada, espancada e atirada de um ônibus em movimento por um grupo de seis homens”. Três semanas depois deste crime brutal, os músicos tocaram o clássico “Imagine”, de John Lennon, durante o festival de música da cidade de Darjeeling, no Leste do país. De acordo com um dos organizadores do festival, eles escolheram esta música por ser um símbolo de paz e esperança e que suscita esperança. A homenagem é um gesto de apoio à família da vítima. A brutalidade do crime provocou uma série de protestos contra a impunidade nos casos de agressões sexuais a mulheres. No começo desta semana, a Organização das Nações Unidas (ONU) alertou para a natureza epidêmica de violência na índia e cobrou medidas efetivas das autoridades. A organização destacou, no entanto, que a pena de morte, exigida inclusive pela família da jovem assassinada, não é uma solução. Após a onda de comoção pela morte de uma jovem em um brutal estupro coletivo, a Índia volta a ser foco de críticas sobre a falta de controle do governo em relação à violência sexual no país.
            Desta vez, as vítimas são crianças, sendo a maioria matriculada em escolas, creches e orfanatos públicos. Segundo Relatório divulgado pela Human Rights Watch, os casos são “alarmantemente comuns” e agravados pelo silêncio forçado das vítimas e pela negligência da polícia e da Justiça. Segundo informações da Britsch Broadcasting Corporation (BBC), um estudo do governo indiano, em 2007, mostra que duas a cada três crianças no país já teriam sofrido maus tratos. Aproximadamente 53% delas reportaram uma ou mais formas de abuso sexual. Outros relatos, também citados pela emissora, afirmam que mais de 7.200 menores de idade - incluindo bebês - são estuprados por dia na Índia. O Relatório da Human Rights Watch afirma que o governo indiano “fracassou claramente” em proteger menores de idade da ameaça de abusos, pois as vítimas são usualmente ignoradas por autoridades e, quando a denúncia é aceita, elas são obrigadas a passar por exames médicos traumáticos: - “Muitas crianças são maltratadas pela segunda vez quando passam por exames médicos traumáticos ou por autoridades que não querem escutá-las”. O sistema jurídico indiano de combate aos crimes é inadequado, pois não garante a proteção de vítimas menores. Os abusos sexuais em geral são ignorados ou negligenciados, diz o Relatório.
 Famílias de crianças abusadas muitas vezes desistem de registrar a ocorrência do crime, temendo serem rebaixadas por policiais, médicos e agentes da Justiça, afirma o texto: - “É bastante difícil que uma criança submetida a abuso sexual ou seus familiares denunciem o caso ou peçam ajuda já que, ao invés de tratar esses casos com sensibilidade, as autoridades indianas humilham e voltam a traumatizar as vítimas”, afirma Meenakshi Ganguly, diretora da Human Rights Watch na Ásia Meridional. A Organização Não-Governamental entrevistou estatisticamente mais de 100 vítimas, seus familiares, funcionários do governo dedicados a proteção de menores, especialistas independentes, policiais, médicos e advogados que já trataram de casos de abusos infantis. O relatório, de 81 páginas, exorta o governo indiano a realizar mudanças na legislação para proteger crianças, exigindo a regulamentação rigorosa de leis de proteção a menor e uma maior fiscalização de instituições de ensino e cuidado infantil. Dezenas de ativistas saíram às ruas de Nova Délhi. Elas acusam o governo de ignorar as propostas de um grupo de juristas que estudou mais de 80 mil casos para criar um Relatório sobre a reforma. Entre as sugestões estão punições duras para autoridades que ignorarem vítimas de abuso e o fim de exames traumáticos de compovação. 
Bibliografia geral consultada.

CHAUÍ, Marilena de Souza, Repressão Sexual: Essa Nossa (Des)conhecida. São Paulo: Editora Brasiliense, 1987; VIGARRELLO, Georges, História do Estupro. Violência Sexual nos Séculos XVI-XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998; Idem, Storia della Violenza Sessuale. Veneza: Marsilio Editore, 2001; MARKOVITS, Claude, A History of Modern India, 1480-1950. Nova Deli: Anthem Press, 2004; GOLDENBERG, Mirian, Ser Homem, Ser Mulher: Dentro e Fora do Casamento. Rio de Janeiro: Editora Revan, 1991; Idem, O Corpo como Capital. São Paulo: Editora Estação das Letras e Cores, 2007; DOMINGUES, José, As Ordenações Filipinas. Três Séculos de Direito Medieval - 1211 a 1512. Tese de Doutoramento. San Tiago de Compostela: Universidade de San Tiago de Compostela, 2007; ABBOTTI, Elizabeth, Storia della Castitá. Delle vestali a Elisabetta I, da Leonardo da Vinci a Magic Jonhson. Milano: Mondadori Editore, 2008; VIGARELLO, Georges; CORBAIN, Alain; COURTINE, Jean-Jacques (dir.), Histoire de la Virilité 3 tomes Paris: Éditions du Seuil, 2011; VIGARELLO, Georges; CORBAIN, Alain; COURTINE, Jean-Jacques (dir.), Histoire de la Virilité 3 tomes Paris: Éditions du Seuil, 2011; GOFFMANN, Erving, Manicômios, Conventos e Prisões. São Paulo: Editora Perspectiva, 2013; DE LA BÉDOYÈRE, Guy, Os Romanos para Leigos. Rio de Janeiro: Editor alta Books, 2013; Artigo: “Turista Suíça sofre Estupro Coletivo em uma Floresta da Índia”. In: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/16/03/2013; SOUZA, Flávia Bello Costa de, Consequências Emocionais de um Episódio de Estupro na vida de Mulheres Adultas. Dissertação de Mestrado em Psicologia. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2013; SEN, Amartya; DÈZE, Jean, Glória Incerta: A Índia e suas Contradições. Rio de Janeiro: Editora Companhia das Letras, 2015; CAVALCANTI, Ana Paula Rodrigues, Relações entre Preconceitos Religioso, Preconceito Racial e Autoritarismo de Direita: Uma Análise Psicossocial. Tese de Doutorado. Programa de Pòs-Graduação em Psocologia Social. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, 2016; entre outros.

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