domingo, 3 de abril de 2016

Burlesque – Espetáculos, Memória de Variedade & Sociologia do Cabaré.

Ubiracy de Souza Braga
                                                                                                  
A primeira lei que a natureza me impõe é gozar à custa seja de quem for”. Marquês de Sade
 
                     
Na Alemanha, o primeiro e legítimo cabaré, no sentido etimológico do termo ocorreu com o reconhecimento do “Überbrett”. Criado pelo barão Ernst von Wolzogen e Otto Julius Bierbaum, em 1901, para oferecer “uma forma mais elevada de espetáculos de variedades” (“a higher form of variety shows”) (cf. Senelick, 1993). O seu maravilhoso e afetado exibicionismo artístico levou Alfred Kerr (1867-1948) a criticá-lo por desprezo à chamda “arte pela arte”. No mesmo ano, o jovem Max Reinhardt (1873-1943) e atores do “Deutsches Theater” inauguravam o “Schall und Rauch” de Berlim, e Frank Wedeking (1873-1943) cantava ao violão seus poemas macabros no “Elf Scharfrichter”. Os escritores e artistas analogamente vinculados ao “jornalismo satírico”, como ocorre com o impressionante barão de Itararé (cf. Konder, 2007), que tem como representação uma forma de jornalismo literário. Seu estilo é agressivo e contundente crítico com uma intenção política ou ideológica clara. Seu objetivo tem como escopo divertir e difundir novas tendências literárias, assim como as “manifestações de vida”, de Friedrich Nietzsche à Georg Simmel expressas sob as formas artísticas, estéticas e inclusivamente filosóficas.

Símbolo desta época de fausto, do ponto de vista da globalidade/totalidade, e euforia que feneceu com as guerras do século XX os cabarés constituíram-se como lugares de glamour onde as elites políticas – primeiro a europeias, se divertiam com os lucros do espólio imperialista. O “cancan” era a dança deste lugar onde os janotas bebiam licor e as prostitutas finas formavam a imagem frenética de um mundo enriquecido e alegre. Uma certeza inabalável presidia esse mundo: a de que ele era eterno e superior. Nestas casas os boás eram usados para efeitos cênicos e para envolver os espectadores pelas cores fortes e beleza. Aí o “fígado do povo” era desopilado com muito humor, decerto humor sarcástico muitas vezes, de preferência com ironia, sofisticado para alguns, grosseiro para outros, agressivo e de alta ferocidade e de alta periculosidade para os tiranos e os inimigos da liberdade anarco-individualista de todas as equações e conteúdos de sentido. Os cabarés representavam espaços pequenos e ligados ao submundo das grandes cidades europeias dedicados a shows, fossem eles de dança, teatro, música, contadores de piadas, “strippers”, enfim, um grande show de calouros “onde a fumaça de cigarro nublava os holofotes e enchia as narinas” (“wo Zigarettenrauch vernebelt das Rampenlicht und die Nasenlöcher gefüllt”).

Autores notaram a extrema confusão que reina na demasiado rica terminologia do imaginário social: signos, imagens, símbolos, alegorias, emblemas, arquétipos, esquemas (schémas), esquemas (schèmes), ilustrações, representações, diagramas e sinepsias são termos empregados pelos analistas do imaginário social. O esquema é uma generalização dinâmica e afetiva da imagem, constitui a factividade e a não-substantividade geral do parcours imaginário. O esquema aparenta-se ao que Jean Piaget, na esteira de Herbert Silberer, chama “símbolo funcional” e ao que Gaston Bachelard na filosofia chama de “símbolo motor”. Faz a junção ente dos gestos inconscientes da sensório-motricidade, entre as dominantes reflexas e as representações. São esses esquemas que na antropologia do imaginário formam o “esqueleto dinâmico”, o esboço funcional da imaginação. A diferença entre os gestos reflexológicos que Gilbert Durand descreve analogamente e os esquemas é que estes últimos já não são apenas abstratos engramas teóricos, mas trajetos encarnados em representações concretas bem mais precisas. Os gestos diferenciados em esquemas vão determinar, em contato com o ambiente natural e social, os grandes arquétipos que Jung os definiu. Os arquétipos constituem as substantificações dos esquemas. E vai buscar esta noção em Jakob Burckhardt e faz dela sinônimo de origem primordial, de enagrama, de margem original, de protótipo social.

                                    

Não queremos perder de vista que O Mais Antigo Sistema do Idealismo Alemão é um ensaio de 1796/1797, de autoria desconhecida, possivelmente escrito por Friedrich Schelling, Georg Wilhelm Friedrich Hegel ou Friedrich Hölderlin. O documento foi publicado pela primeira vez (em alemão) por Franz Rosenzweig, que o designou como Das älteste Systemprogramm des deutschen Idealismus. Embora o documento tenha a caligrafia de Hegel, especula-se se terá sido escrito por Hegel, Schelling, Hölderlin ou uma quarta pessoa desconhecida. Yves Bonnefoy considera que foi “certamente inspirado por Hölderlin”. Segundo Glenn Magee, a maioria dos peritos em Hegel considera-o o autor. No entanto, várias das ideias defendidas no ensaio (como o desaparecimento do Estado ou a supremacia da poesia no universo intelectual) parecem contraditórias com a filosofia hegeliana. Schelling, Hegel, e Hölderlin eram colegas de turma e de dormitório em Tübinger Stift, o Seminário da Universidade de Tubinga, e eram reconhecidos magistralmente como os “Três de Tubinga”. Hegel e Hölderlin tinham 27 anos, e Schelling 22 anos. Em 1818 em Berlim, quando ocupou a cátedra de filosofia, período em que encontra a expressão definitiva de suas concepções estéticas e religiosas. Tinha grande talento pedagógico, mas considerado mau orador, pois usava terminologias pouco usadas que dificultavam sua interpretação. Exerceu enorme influência em seus discípulos que dominaram as universidades da Alemanha. Logo passou a ser o filósofo oficial do rei da Prússia (cf. Wickert, 2013). Friedrich Hegel descreve sua concepção filosófica, no prefácio a uma de suas mais célebres obras, a Fenomenologia do Espírito (1807).   

O prólogo é posterior à redação da obra. Foi escrito, passado já o tempo, quando o próprio Hegel pode “tomar consciência de seu avanço e sua descoberta” (cf. Silva, 2017). Tinha como objetivo assegurar o ligamento entre a Fenomenologia, a qual só aparece como a primeira parte da ciência, e a Lógica que, situando-se em uma perspectiva distinta da adotada pela Fenomenologia, deve constituir o primeiro momento abstrato de uma Enciclopédia. Explica-se que neste prólogo que é algo assim, comparativamente, como um gonzo entre a subjetividade da Fenomenologia e a objetividade Lógica, Hegel se sentira fundamentalmente preocupado em representar uma ideia geral de todo o seu sistema filosófico. Isto é, segundo sua concepção que só deve ser justificada pela apresentação do próprio sistema, tudo decorre de entender e exprimir o verdadeiro não como substância, mas precisamente como sujeito. A substância viva é o ser, que na verdade é sujeito, ou que é na verdade efetivo, mas só na medida em que é o movimento do pôr-se-a-si-mesmo, ou a mediação consigo mesmo do tornar-se outro. Como sujeito, é a negatividade pura e simples, e justamente por isso é o fracionamento do simples ou a duplicação oponente, que é de novo a negação dessa diversidade indiferente e de seu oposto. Só essa igualdade se reinstaurando, ou só a reflexão em si mesmo no seu ser-Outro, é que são o verdadeiro; e não uma unidade originária enquanto tal, ou uma unidade imediata enquanto tal. O verdadeiro é o vir-a-ser de si mesmo, o círculo que pressupõe seu fim como sua meta, ipso facto sua antítese, que o tem como princípio, e que só é efetivo mediante sua atualização e seu fim. Friedrich Hegel era crítico das filosofias claras e distintas, uma vez que, para ele, o negativo era constitutivo da ontologia. Neste sentido, a clareza não seria adequada para conceituar o próprio objeto. Introduziu um sistema de pensamento para compreender a história da filosofia e do mundo chamado geralmente dialética: uma progressão no âmbito da história e sociedade na qual cada movimento sucessivo surge, pois, como solução das contradições inerentes ao movimento anterior.

Desta forma, a Introdução (Eileintung) à Fenomenologia foi concebida ao mesmo tempo em que a obra é redatada em primeiro termo; parece, pois, que encerra o substancial pensamento do que é efetivo em toda a obra. Verdadeiramente constitui uma Introdução em sentido literal aos três primeiros momentos de toda a obra, isto é: a consciência, a autoconsciência e a razão -, enquanto a última parte da Fenomenologia, que contêm os particularmente importantes desenvolvimentos sobre o Espírito e a Religião, ultrapassa por seu conteúdo a Fenomenologia tal como é definida stricto sensu na muito citada Introdução. Ao que parece é como se Hegel entrasse no marco de desenvolvimento fenomenológico com algo que na teoria, em princípio não deveria haver ocupado um posto nele. Não obstante, seu estudo, em maior medida que o do prólogo, nos permitirá elucidar o sentido da obra que Hegel quis escrever, assim como a técnica que para ele representa o desenvolvimento fenomenológico. Precisamente porque a Introdução não é como um Prólogo anexo posterior que contêm consideráveis informações gerais sobre o objetivo que se propunha o autor e as relações que sua obra tem com outros tratados filosóficos do mesmo tema. Ao contrário, de acordo com a interpretação de Hyppolite (1974), “a introdução é parte integrante da obra, constitui o delineamento mesmo do problema e determina os meios postos em prática para resolvê-lo”. Em primeiro lugar, Hegel define na Introdução como se coloca para ele o problema do conhecimento. Vem um certo aspecto retorna ao ponto de vista de Kant e de Fichte. 

A Fenomenologia não é uma noumenologia nem uma ontologia, mas segue sendo, todavia, um conhecimento do Absoluto, pois, que outra coisa poderia conhecer se só o Absoluto é verdadeiro, ou só o verdadeiro é Absoluto? Não obstante, em vez de apresentar o saber do Absoluto “em si para si”, filosoficamente considera o saber tal como é na consciência e precisamente desde esse saber fenomênico, mediante sua autocrítica, é como ele se eleva ao saber Absoluto. Em segundo lugar, Hegel define a Fenomenologia exatamente como desenvolvimento e cultura, isto é, no sentido de seu progressivo afinamento da consciência natural acerca da ciência, isto é o saber filosófico, o saber do Absoluto; por sua vez indica a necessidade per se de uma evolução. Em último lugar, Hegel precisa a técnica teórica do desenvolvimento fenomenológico e em que sentido este método é precisamente obra própria da consciência que faz sua aparição na experiência, em que sentido é suscetível de ser repensado em sua necessidade pela filosofia. A lei cujo desenvolvimento necessário engendra todo o universo é a da dialética, segundo a qual toda ideia abstrata, a começar pela de ser considerada no seu estado de abstração, afirma necessariamente a sua negação, a sua antítese, de modo que esta contradição exige para se resolver a afirmação de uma síntese mais compreensiva que constitui uma nova ideia, rica em desenvolvimento, ao mesmo tempo, do conteúdo das duas outras.

Na Introdução à Fenomenologia Hegel repete suas críticas a uma filosofia que não fosse mais que teoria do conhecimento. E não obstante, a Fenomenologia, como têm assinalado quase todos os seus expressivos comentaristas, marca em certos aspectos um retorno ao ponto de vista de Kant e de Fichte (cf. Salvadori, 2014). Em que novo sentido devemos entendê-lo? Ora, se o saber é um instrumento, modifica o objeto a conhecer e não nos apresenta em sua pureza; se for um meio tampouco, nos transmite a verdade sem alterá-la de acordo com a própria natureza do meio interposto. Se o saber é um instrumento, isto supõe que o sujeito do saber e seu objeto se encontram separados; por conseguinte, o Absoluto seria distinto do conhecimento: nem o Absoluto poderia ser saber de si mesmo, nem o saber, fora da relação dialética, poderia ser saber do Absoluto. Contra tais pressupostos a existência mesma da ciência filosófica, que conhece efetivamente, é já uma afirmação. Não obstante, esta afirmação não poderia bastar porque deixa a margem a afirmação de outro saber; é precisamente esta dualidade o que reconhecia Schelling quando opunha o saber fenomênico e o saber absoluto, mas não demonstrava os laços entre um e outro. Uma vez colocado o saber absoluto não se vê como é possível no saber fenomênico, e o saber fenomênico por sua parte fica igualmente separado do saber Absoluto. Hegel retorna ao saber fenomênico, ao saber típico da consciência comum, e pretende demonstrar como aquele conduz necessariamente ao saber Absoluto, ou também que ele mesmo é um saber absoluto que, todavia, não se sabe como tal.

Não apenas Fichte, mas o próprio Schelling, adverte Hösle (2007), tampouco satisfaz a exigência de uma estrutura de sistema que retorna a si mesma, pois o dualismo fichteano do eu e Não-Eu, perdura, em última análise, no primeiro projeto resumido de sistema, no Sistema do idealismo transcendental. Segundo ele, a filosofia tem, com efeito, duas partes – filosofia natural e filosofia transcendental, a qual, por sua vez, contém, entre outras coisas, filosofia prática e filosofia teórica. Schelling argumenta do seguinte modo: já que o saber seria unidade de subjetividade e objetividade, o ponto de partida da filosofia teria de ser ou o objetivo (a natureza) ou o subjetivo (a inteligência). Naquele caso, surgiria a filosofia da natureza; neste, a filosofia transcendental. No entanto, o objetivo de cada uma dessas duas ciências seria avançar na direção da outra – portanto, de um lado, “partindo da natureza chegar ao inteligente”, e, de outro, partindo do subjetivo, “fazer surgir dele o objetivo”. Esta afirmação apenas poderia fazer sentido se para Hösle, com ela se tivesse em mente que a inteligência tem de objetivar e naturalizar em atos práticos e estéticos, como Schelling tenta demonstrar no Sistema.  A segunda falha resulta da primeira. Friedrich Schelling conhece, em última instância, apenas duas esferas em tono da concepção de filosofia, as quais, na terminologia de Hegel, pertencem ambas à filosofia. Aquela estrutura que precede à ambas e que Hegel tematiza na Ciência da Lógica não tem lugar neste projeto de sistema de Schelling. É fácil ver que não se pode um renunciar a ela, e por três motivos.  

Em segundo lugar, somente desse modo se pode compreender porque ambas as partes são momentos de uma unidade. Não basta afirmar sua relação mútua, é preciso explicitar estruturas ontológicas gerais que subjazem de igual modo à natureza e à inteligência. Em segundo lugar, somente desse modo se pode tornar plausível a dependência da natureza em relação a uma esfera ideal. E, em terceiro lugar, uma filosofia natural e uma filosofia transcendental apriorísticas são inconcebíveis sem essa esfera abrangente, pois a partir de que deveriam ser fundamentadas as primeiras suposições de ambas as filosofias da realidade? Depois de se desfazer do “resto de fichteanismo”, ainda reconhecível sobretudo na execução do Sistema do idealismo transcendental, Schelling introduziu na Apresentação, como base destas duas ciências, o Absoluto, e o definiu como identidade de subjetividade e objetividade. No entanto, não se pode deixar de ver um limite na doutrina schellinguiana do absoluto que representa um retrocesso, ficando, no mínimo, aquém de Fichte e, em certo sentido, até mesmo aquém de Immanuel Kant: as categorias analíticas que Schelling utiliza para a caracterização do Absoluto são catadas e, de modo algum deduzidas do próprio Absoluto. Unidade, identidade, infinitude são determinações que Schelling toma da tradição e que, em primeiro lugar, ele não legitima a relação em si e por si – ele apenas mostra que em sua utilização de mera identidade, antes elas que seu contrário conviria ao absoluto, o qual é entendido como unidade de subjetividade e objetividade, e que em segundo lugar, ele nem sequer põe em um nexo causal ordenado.

Simplificadamente, segundo Vittorio Hösle (2007), o sistema pensamento de Hegel pode ser representado da seguinte forma: 1) o princípio supremo da filosofia transcendental tem de ser, com Fichte, uma estrutura iniludível e que fundamente a si mesma reflexivamente. 2) no entanto, esse princípio não pode ter nada perante si, se quer ser absoluto; sendo determinado como subjetividade, ele não pode, portanto, ser subjetividade finita, mas tem de ser com Schelling, unidade de subjetividade e objetividade ou, em terminologia hegeliana, ideia. 3) com o reconhecimento, porém, de que o Absoluto é unidade de subjetividade e objetividade, a filosofia ainda não está concluída. Antes, trata-se decisivamente de explodir o caráter pontual desse conhecimento, por quatro motivos: a) a estrutura absoluta não pode ser posta imediatamente, pois então ela mesma seria, na verdade, uma mera abstração, da qual nada decorreria; b) apenas assim pode-se alcançar uma prova da absolutidade dessa estrutura. Mas então é necessária uma prova, mas de um modo necessariamente diferente de como elas mesmas são pressupostas pela ideia absoluta, se é que o círculo deve ser evitado; c) a determinação da exata relação entre “lógica” e “metafísica”, isto e´, entre a doutrina das categorias finitas e a ciência do princípio absoluto, é o problema  para o qual em Jena, pelo fim de sua temporada Friedrich Hegel, conseguiu encontrar uma solução que o satisfizesse até o final de sua vida, enquanto, para a maior parte das demais estruturas fundamentais de sua filosofia , ele chegou bem mais cedo a respostas que sustentou até a Enciclopédia. A ideia Absoluta origina, não apenas as categorias lógicas anteriores a ela, por meio das quais ela mesma é constituída, sem abdicar da centralidade de seu sistema, ela mesma é constituída em termos de origem assimétrica.

Para resolver esse problema, oferece-se propriamente apenas um caminho. O espírito assim, reconhece Hegel já cedo contra Friedrich Schelling - tem de estar acima da natureza, a qual tem de corresponder às categorias deficientes da Ciência da Lógica.      Friedrich Hegel que parte da análise da consciência comum, não podia situar como princípio primeiro uma dúvida universal que só é própria da reflexão filosófica. Por isso mesmo ele segue o caminho aberto pela consciência e a história detalhada de sua formação. Ou seja, a Fenomenologia vem a ser uma história concreta da consciência, sua saída da caverna e sua ascensão à Ciência. Daí a analogia que em Hegel existe de forma coincidente entre a história da filosofia e a história do desenvolvimento do pensamento, mas este desenvolvimento é necessário, como força irresistível que se manifesta lentamente através dos filósofos, que são instrumentos de sua manifestação. Assim, preocupa-se apenas em definir os sistemas, sem discutir as peculiaridades e opiniões dos diferentes filósofos. Na determinação do sistema, o que o preocupa é a categoria fundamental que determina o todo complexo do sistema, e o assinalamento das diferentes etapas, bem como as vinculasses destas etapas que conduzem à síntese do espírito absoluto. Para compreender o sistema é necessário começar pela representação, que ainda não sendo totalmente exata permite, no entender de sua obra a seleção de afirmações e preenchimento do sistema abstrato de interpretação do método dialético, para poder alcançar a transformação da representação numa noção clara e exata.

Assim, temos a passagem da representação abstrata, para o conceito claro e concreto através do acúmulo de determinações. Aquilo que por movimento dialético separa e distingue perenemente a identidade e a diferença, sujeito e objeto, finito e infinito, é a alma vivente de todas as coisas, a Ideia Absoluta que é a força geradora, a vida e o espírito eterno. Mas a Ideia Absoluta seria uma existência abstrata se a noção de que procede não fosse mais que uma unidade abstrata, e não o que é em realidade, isto é, a noção que, por um giro negativo sobre si mesma, revestiu-se novamente de forma subjetiva. Metodologicamente a determinação mais simples e primeira que o espírito pode estabelecer é o Eu, a faculdade de poder abstrair todas as coisas, até sua própria vida. Chama-se idealidade precisamente esta supressão da exterioridade. Entretanto, o espírito não se detém na apropriação, transformação e dissolução da matéria em sua universalidade, mas, enquanto consciência religiosa, por sua faculdade representativa, penetra e se eleva através da aparência dos seres até esse poder divino, uno, infinito, que conjunta e anima interiormente todas as coisas, enquanto pensamento filosófico, como princípio universal, a ideia eterna que as engendra e nelas se manifesta. Isto quer dizer que o espírito finito se encontra inicialmente numa união imediata com a natureza, a seguir em oposição com esta e finalmente em identidade com esta, porque suprimiu a oposição e voltou a si mesmo e, consequentemente, o espírito finito é a ideia, mas ideia que girou sobre si mesma e que existe por si em sua própria realidade.

A Ideia absoluta que para realizar-se colocou como oposta a si, à natureza, produz-se através dela como espírito, que através da supressão de sua exterioridade entre inicialmente em relação simples com a natureza, e, depois, ao encontrar a si mesma nela, torna-se consciência de si, espírito que conhece a si mesmo, suprimindo assim a distinção entre sujeito e objeto, chegando assim a Ideia a ser por si e em si, tornando-se unidade perfeita de suas diferenças, sua absoluta verdade. Com o surgimento do espírito através da natureza abre-se a história da humanidade e a história humana é o processo que medeia entre isto e a realização do espírito consciente de si. A filosofia hegeliana centra sua atenção sobre esse processo e as contribuições mais expressivas de Hegel ocorrem precisamente nesta esfera, do espírito. Melhor dizendo, para Hegel, à existência na consciência, no espírito chama-se saber, conceito pensante. O espírito é também isto: trazer à existência, isto é, à consciência. Como consciência em geral tenho eu um objeto; uma vez que eu existo e ele está na minha frente. Mas enquanto o Eu é o objeto de pensar, é o espírito precisamente isto: produzir-se, na esfera do pensamento e poder sair fora de si, saber na consciência o que ele é. Nisto consiste a grande diferença: o homem sabe o que ele é. Logo, em primeiro lugar, ele é real. Sem isto, a razão, a liberdade não são nada. O homem é essencialmente razão.

O homem, a criança, o culto e o inculto, é razão. Ou melhor, a possibilidade para isto, para ser razão, existe em cada um, é dada a cada um. A razão não ajuda em nada a criança, o inculto. É somente uma possibilidade, embora não seja uma possibilidade vazia, mas possibilidade real e que se move em si. Assim, por exemplo, dizemos que o homem é racional, e distinguimos muito bem o homem que nasceu somente e aquele cuja razão educada está diante de nós. Isto pode ser expresso também assim: o que é em si, tem que se converter em objeto para o homem, chegar à consciência; assim chega para ele e para si mesmo. A história para Hegel, é o desenvolvimento do Espírito no tempo, assim como a Natureza é o desenvolvimento da ideia no espaço. Deste modo o homem se duplica. Uma vez, ele é razão, é pensar, mas em si: outra, ele pensa, converte este ser, seu em si, em objeto do pensar. Assim o próprio pensar é objeto, logo objeto de si mesmo, então o homem é por si. A racionalidade produz o racional, o pensar produz os pensamentos. O que o ser em si é se manifesta no ser por si. Todo conhecer, todo aprender, toda visão, toda ciência, inclusive toda atividade humana, não possui nenhum outro interesse além do aquilo que filosoficamente é em si, no interior, podendo manifestar-se desde si mesmo, produzir-se, transformar-se objetivamente. Nesta diferença se descobre toda a diferença na história do mundo. Os homens são todos racionais. O formal desta racionalidade é que o homem seja livre. Esta é a sua natureza.

Isto pertence à essência do homem: a liberdade. O europeu sabe de si, afirma Hegel, é objeto de si mesmo. A determinação que ele conhece é a liberdade. Ele se conhece a si mesmo como livre. O homem considera a liberdade como sua substância. Se os homens falam mal de conhecer é porque não sabem o que fazem. Conhecer-se, converter-se a si mesmo no objeto (do conhecer próprio) e o fazem relativamente poucos. Mas o homem é livre somente se sabe que o é. Pode-se também em geral falar mal do saber, como se quiser. Mas somente este saber libera o homem. O conhecer-se é no espírito a existência. Portanto isto é o segundo, esta é a única diferença da existência (Existenz) a diferença do separável. O Eu é livre em si, mas também por si mesmo é livre e eu sou livre somente enquanto existo como livre. A terceira determinação é que o que existe em si, e o que existe por si são somente uma e mesma coisa. Isto quer dizer precisamente evolução. O em si que já não fosse em si seria outra coisa. Por conseguinte, haveria ali uma condição de sentido e variação, que dizer, mudança. Na mudança existe algo que chega a ser outra coisa. Na evolução, em essência, podemos também sem dúvida falar da mudança, mas esta mudança deve ser tal que o outro, o que resulta, é idêntico ao primeiro, de maneira que o simples, o ser em si não seja negado.

Para Friedrich Hegel a evolução não somente faz aparecer o interior originário, exterioriza o concreto contido já no em si, e este concreto chega a ser por si através dela, impulsiona-se a si mesmo a este ser por si. O espírito abstrato assim adquire o poder concreto da realização. O concreto é em si diferente, mas logo só em si, pela aptidão, pela potência, pela possibilidade. O diferente está posto ainda em unidade, ainda não como diferente. É em si distinto e, contudo, simples. É  em si mesmo contraditório. Posto que é através desta contradição impulsionado da aptidão, deste este interior à qualidade, à diversidade; logo cancela a unidade e com isto faz justiça às diferenças. Também a unidade das diferenças ainda não postas como diferentes é impulsionada para a dissolução de si mesma. O distinto (ou diferente) vem assim a ser atualmente, na existência. Porém do mesmo modo que se faz justiça à unidade, pois o diferente que é posto como tal é anulado novamente. Tem que regressar à unidade; porque a unidade do diferente consiste em que o diferente seja um. E somente por este movimento é a unidade verdadeiramente concreta. É algo concreto, algo distinto. Entretanto contido na unidade, no em si primitivo. O gérmen se desenvolve assim, não muda. Se o gérmen fosse mudado desgastado, triturado, não poderia evoluir. Na alma, enquanto determinada como indivíduo, as diferenças aparecem na consciência e assim estão enquanto enquanto mudanças que se dão no indivíduo, que é o sujeito uno que nelas persiste e, segundo Hegel, enquanto momentos do seu desenvolvimento.

Por serem elas diferenças, à uma, físicas e espirituais, seria preciso, para determinação ou descrição mais concreta, antecipar a noção do espírito cultivado. As diferenças são: 1) curso natural das idades da vida, desde a criança, desde a criança, o espírito envolvido em si mesmo – passando pela oposição desenvolvida, a tensão de uma universalidade ela mesma ainda subjetiva em contraste com a singularidade imediata, isto é, como o mundo presente, não conforme a tais ideais, e a situação que se encontra, em seu ser-aí para esse mundo, o indivíduo que, de outro lado, está ainda não-autônomo e em si mesmo não está pronto (o jovem) – para chegar à relação verdadeira, ao reconhecimento da necessidade e racionalidade objetivas do mundo já presente, acabado; em sua obra, que leva a cabo por si e para si, o indivíduo retira, por sua atividade, uma confirmação e uma parte, mediante a qual ele é algo, tem uma presença efetiva e um valor objetivo; até a plena realização da unidade com essa objetividade do conhecer: unidade que, enquanto real, vem dar na inatividade da rotina que tira o interesse, enquanto ideal se liberta dos interesses mesquinhos é das complicações do presente exterior (o ancião).                

O espírito manifesta aqui sua independência da própria corporalidade, em poder desenvolver-se antes que nela torne. Com frequência, crianças têm demonstrado um desenvolvimento espiritual que vai muito mais rápido que sua formação corporal. Esse foi o caso histórico, sobretudo em talentos artísticos indiscutíveis, em particular nos gênios da música. Também em relação ao fácil apreender de variados conhecimentos, especialmente na disciplina matemática; e tal precocidade tem-se mostrado não raramente também em relação a um raciocínio de entendimento, e mesmo sobre objetos éticos e religiosos. O processo de desenvolvimento do indivíduo humano natural decompõe-se então em uma série de processos, cuja diversidade se baseia sobre a relação do indivíduo para com  o gênero, e funda a diferença da criança, do homem e do ancião. Essas diferenças são as apresentações das diferenças do conceito. A idade da infância é o tempo da harmonia natural, da paz do sujeito consigo mesmo e com o mundo. Um começo tão sem-oposição quanto a velhice é um fim sem-oposição. As oposições que surgem ficam sem interesse mais profundo. A criança vive na inocência, sem sofrimento durável; no amor aos seus pais, e no sentimento de ser amado por eles.

O pensador evidencia claramente o caráter essencial de trajeto antropológico dos arquétipos quando escreve que a imagem primordial deve incontestavelmente estar em relação com certos processos perceptíveis da natureza que se reproduzem sem cessar e são sempre ativos, mas por outro lado é igualmente indubitável que ela diz respeito também a certas condições inferiores da vida do espírito e da dinâmica da vida em geral. Bem longe de ter a primazia sobre a imagem, a ideia seria tão-somente o comprometimento pragmático do arquétipo imaginário num contexto histórico e epistemológico dado. Neste sentido, o mito representa um sistema dinâmico de símbolos, arquétipos e esquemas, sistema dinâmico que, sob o impulso de um esquema tende a compor uma narrativa. O mito é já um esboço de racionalização, dado que utiliza o fio do discurso, no qual os símbolos se resolvem em palavras e os arquétipos em ideias culturais. O mito explicita um esquema ou um grupo de esquemas. Do modo que o arquétipo promovia a ideia, o símbolo o nome, concordamos com Gilbert Durand que o mito promove a doutrina religiosa, o sistema filosófico ou, como anteviu Émile Bréhier, a “narrativa histórica e lendária”.  Foi este princípio, que o psicólogo Carl Jung sentiu abrangido por seus conceitos de “Arquétipo” e “Inconsciente coletivo”, justamente o que uniu o médico psiquiatra Jung ao físico Wolfgang Pauli, dando início às pesquisas interdisciplinares em física e psicologia. A sincronicidade, vale lembrar, se manifesta muitas vezes atemporalmente e/ou em eventos energéticos acausais, e em ambos são violados princípios associados ao paradigma científico vigente.

Do ponto de vista da memória a concepção de tempo baseada no progresso, metodologicamente, permanece no pensamento e na emancipação do conceito desde Hegel, que interioriza no tempo da arte, a relação estruturada entre imagem e história (cf. Kern, 2005), constituindo uma espécie de duração formadora de ciclos e destino. Para tal, estabelece a dialética que dirige a continuidade da arte e se fundamenta, primeiramente, no Espírito, depois no Absoluto e que deve se encontrar finalmente como Espírito Absoluto. Essa noção de tempo concebida na duração, em direção a um futuro misterioso, mas inevitável e determinado, torna-se a base filosófica da historiografia em geral e particularmente da museologia, a partir do século XIX. Metafisicamente a história da arte revela essa progressiva evolução do espírito humano. Assim, nesse momento, as grandes histórias universais da arte emergem estruturadas em narrativas e obras selecionadas do passado, buscando dar unidade e sentido evolutivo as mesmas, sendo essas premissas também utilizadas na organização dos museus. Hegel substitui a filosofia da história pela filosofia do Espírito, elimina a separação entre sujeito e razão, assim como a ação dos atores sociais e históricos que são absorvidos pelo Espírito Absoluto, símbolo do devir, do progresso e da perfeição humana concebida no universo.
As formas nas quais resulta esse processo social de comunicação ganham vida própria. São liberadas de todos os laços com os conteúdos. Existem por si mesmas e pelo fascínio que difundem pela própria liberação desses laços. É isso precisamente o conceito a que chamamos “sociabilidade”. Sendo a interação e o contato no plano real/virtual, se quisermos pensar em termos de sociedade contemporânea o fundamento para realização dos instintos, desejos, ideias e interesses com o outro, para ou contra ele, a sociabilidade é despedida do conteúdo objetivo originário. Ela apenas assegura a sucessão das “interações formais”, das partidas jogadas, que prosseguem perpassando as gerações, para lembrarmo-nos de Mannheim, ora remodelando-se, ora conservando-se. O âmbito dessa estrutura estética tem caráter eminentemente lúdico. É regido pela forma de seus participantes conscientes “em si”, em sua transitoriedade simmeliana.
No século XIX e parte do XX, domina na historiografia a noção de “espírito do tempo” que é contestada pelas vanguardas devido ao seu caráter homogêneo, face à diversidade de suas múltiplas e diferenciadas ações em prol da invenção e da projeção do devir. Entretanto, a historiografia continua, em geral, articulada ao historicismo, numa concepção de tempo unitário e evolutivo e de arte universal. Ela centraliza seus estudos em artistas ou movimentos estéticos e filosóficos, cujas obras fundam-se nas categorias de autonomia, qualidade e originalidade, segundo a visão de mundo unitária de seu tempo, assim como exalta os feitos criativos dos artistas que anunciam o futuro, numa orientação teleológica. As noções de “progresso” e “espírito absoluto” representam os fins aspirados pelos artistas e adotados, em parte, pela historiografia. O “espírito do tempo” aparece muitas vezes interligado ao “querer artístico” de Riegl, ou à ideia de cosmovisão de mundo na perspectiva de Erwin Panofsky, o que leva alguns historiadores, críticos de arte e filósofos contestarem essas categorias: a) tendo em vista a percepção e a necessidade de que o tempo da arte é um tempo próprio, e, b) que na realidade é pluralista e heterogêneo do ponto de vista da atividade cultural.           
No plano concreto, histórico e real, propostas semelhantes eram apresentadas no “Els Quatre Gats”, em Barcelona e no “Zielony Balonik” na Cracóvia, nascidas de encontros de pintores. Na Rússia, as associações eram mais ligadas ao teatro. O “Letuchaya Mysh” foi criado por Nikita Baliev e a partir das hilariantes “Festas do Repolho” promovidas pelo Teatro de Arte de Moscou, rapidamente transformou-se em um teatro em miniatura apresentando peças e cenas baseadas na literatura clássica russa e no folclore. Após a revolução de 1905, tornou-se mundialmente famoso como “Le Chauve-Souris”. O “Krivoe Zerkalo”, fundado em 1908, em São Petersburgo, sob a direção de Nicolai Evreinov, se destacava pela paródia e formas experimentais, como por exemplo, o melodrama. O mais literário desses cabarés era o “Brodyachaya Sobaka” (“O Cão Vadio”, 1913-1915), refúgio de futuristas. Ele foi sucedido pelo “Prival Komediantov” (“Repouso dos Comediantes”, 1916-1919), um teatro aconchegante que tinha na presidência Vsevolod Meyerhold, para ficarmos nestes exemplos.
O filme: “Burlesque”, objeto de pensamento, representa o resgate do musical escrito e dirigido por Steven Antin e estrelado pelas cantoras Christina Aguilera e Cher, e também Eric Dane, Cam Gigandet, Julianne Hough, Alan Cumming, Peter Gallagher, Kristen Bell, Stanley Tucci e Dianna Agron. O filme foi lançado em 24 de novembro de 2010 na América do Norte, e foi o filme de estreia de Aguilera como atriz, e o retorno de Cher á Sétima Arte. Cher e Aguilera contribuíram para a trilha sonora do filme, com Aguilera cantando oito faixas e Cher duas. O álbum foi lançado nos Estados Unidos em 22 de novembro de 2010, e recebeu duas indicações ao Grammy Award. A canção “You Haven`t Seen the Last of Me”, foi escrita por Diane Warren e cantada por Cher, e também ganhou o Globo de Ouro na categoria “Melhor Canção Original” (2011), foi indicado para o Globo de Ouro de “Melhor Filme - Musical ou Comédia”. O filme arrecadou 90 milhões dólares em todo o mundo.
            Qual o papel social do filme “Burlesque”? Em primeiro lugar a ambientação de Burlesque é toda inspirada em Chicago (EUA), em especial pelo estilo de cabaré empregado. Na 1ª grande guerra (1914-1918), a capacidade industrial de Chicago foi expandida de modo a atender às necessidades da economia de guerra, enquanto milhares de afro-americanos, vindos do sul do país, instalaram-se na cidade para trabalhar nas indústrias em busca de uma vida melhor. Os afro-americanos eram segregados do restante da população, sendo que a massiva maioria habitava um bairro pobre na região sul da cidade. A década de 1920 foi um tempo de prosperidade na cidade, bem como nos Estados Unidos em geral. A indústria ainda prosperava, os habitantes da cidade gastavam seu dinheiro sem pensar. A década também foi marcada: a) por altas taxas de criminalidade, b) diversas gangues lutando entre si, c) pelo controle regional de drogas e álcool então proibido no país. Assim, um dos shows performáticos chega ao ponto de copiar movimentos cênicos apresentados no filme estrelado por Renée Zellweger e Catherine Zeta-Jones. 
Sem a mesma criatividade nem intensidade, porque não é seu objetivo, a história cultural por sua vez, é praticamente igual à de “Show Bar” O número musical final lembra bastante “Nine”, filme “musical-romance” norte-americano de 2009 dirigido por Rob Marshall, baseado no livro de Arthur Kopit de 1982 para o prêmio Tony musical de mesmo nome. Foi, igualmente, derivada de um jogo italiano de Mario Fratti, inspirado pelo filme autobiográfico de Federico Fellini 8 ½. Maury Yeston compôs a música e escreveu as letras das músicas. O filme ainda conta com uma versão de “Diamonds are a Girl`s Best Friend”, clássico cantado por Marilyn Monroe em: “Os Homens Preferem as Loiras”, em que fora da crítica apressada é completamente desprovido de glamour e charme. Contudo, nem só de cópias é feito “Burlesque”. Em especial de Cher, a dona da boate Burlesque. Impressiona perceber que a atriz que levou o Óscar por “Feitiço da Lua” agora mal consegue mover um músculo facial.
Seu rosto impávido, como Mohamed Ali, permanece o mesmo ao longo de todo o filme. Seja para expressar alegria, bronca ou preocupação diante da iminente perda econômica da boate. Seja lá o que aconteça, Cher está sempre a mesma. Em 1878, em sua historicidade, Emile Goudeau fundou um clube no “Le Sherry Cobbler”, em Paris, onde poetas liam suas próprias produções. Foi, porém, no “Chat Noir”, nome tirado do conto “O gato preto”, de Edgar Allan Poe, que deu origem ao termo genérico “cabaré artístico” a programas apresentados em cafés e bares. Ele foi fundado em 1881 pelo pintor Rudolphe Salis, que lhe deu o nome de cabaré porque as canções e esquetes se sucediam como os pratos de um “menu”. O local que ocupavam em Montmartre - com 60 lugares e projetado em estilo Luís XIII: a) era palco não somente de leitura de poesia nas noites de sexta-feira, b) bom como de complexos jogos de sombra, para os quais renomados artistas escreviam os textos e elaboravam os projetos artísticos, estéticos e filosóficos, c) além de fazerem duplamente o acompanhamento musical. Quando o “Chat Noir” mudou-se para um prédio em 1885, a sua sede antiga abrigou o “Le Mirliton”, de Aristide Bruant, um dos muitos cabarés de Montmartre por ele nitidamente inspirados.
       A atmosfera acolhedora permitiu que muitos artistas, como Yvette Guilbert desenvolvesse uma forma nova e sutil de atuação e tratassem de assuntos gostosamente naturalistas para época que redescobrira as delícias do corpo. Além de Sade, outros autores também foram condecorados com a criação de termos com base em seus nomes, um deles é Sacher Masoch, escritor austríaco que, diferentemente de Sade, escrevia histórias em que os protagonistas, em vez de bater, gostavam de levar umas boas bofetadas, masoquistas. O romance mais clássico do libertino Sacher Masoch, A vênus de peles, traz a narrativa de um escravo sexual e sua dominadora, que mais tarde, com a popularização de ambos os autores, faria nascer uma outra palavra: “Sadomasoquista”.  Para além das influências terminológicas, Marquês de Sade também deixou sua marca no mundo ocidental ao ser um ferrenho defensor republicano ainda numa França monarquista. Iluminista radical, pregava a ruptura com práticas concretas da humanidade com seus deuses em troca da felicidade libertina.
Os fantásticos figurinos de Burlesque e a coreografia ousada conquistam Ali, que se promete que, um dia, subirá ao palco do teatro. Logo, Ali fica amiga de uma dançarina (Julianne Hough), provoca o ciúme de Nikki, uma dançarina desequilibrada (Kristen Bell) e conquista o amor de Jack (Cam Gigandet), que trabalha como barman e músico. Com a ajuda de um esperto cenógrafo (Stanley Tucci) e o apresentador transformista (Alan Cumming), Ali consegue sair do bar e subir ao palco. Sua voz espetacular ajuda a recuperar a antiga glória do “The Burlesque Lounge”, porém somente depois que um empresário carismático (Eric Dane) chega com uma proposta tentadora. Burlesque tem 12 números de música e dança. Cher canta duas músicas no filme, sendo uma delas a performance de abertura. Peter Gallagher que já atuou ao lado de Cher há quase 20 anos no filme de Robert Altman chamado: “The Player”, faz o papel do ex-marido de Cher e seu parceiro nos negócios do “Burlesque Lounge”.
            Aguilera estreou no seu primeiro filme como personagem principal, uma “garota da cidade com uma grande voz”, que encontra trabalho em um clube burlesco em Los Angeles, inspirado no “Cabaret”, de Bob Fosse, um entretenimento burlesco europeu. As gravações de Burlesque começaram em 9 de novembro de 2009 e terminaram em 3 de março de 2010. Cher por sua vez, estrelou em seu primeiro papel no cinema desde 2003, em “Stuck on You”. Ela interpreta Tess, uma ex-dançarina que luta para manter o clube aberto e serve como uma mentora para o personagem de Aguilera, Ali. O amor de Ali (Aguilera) é interpretado por Cam Gigandet, Stanley Tucci é o gerente da boate, e Alan Cumming, Kristen Bell, Eric Dane e Julianne Hough completam o elenco. Dianna Agron faz uma aparição no filme como noiva de Jack, Natalie. Antin escreveu o roteiro, e Diablo Cody fez uma revisão, que foi revisto e editado por Susannah Grant. Burlesque é um dos filmes mais caros da empresa “Screen Gems”, com exceção dos filmes de “Resident Evil”, com custos de US$ 55 milhões.  
           Ali é uma jovem de uma cidade do interior, com uma bela voz, que escapa da vida dura e de um futuro incerto e vai a Los Angeles para concretizar os seus sonhos. Na cidade grande, ela chega a um teatro majestoso, porém em péssimo estado de conservação, “The Burlesque Lounge”, onde está sendo exibido um fantástico musical. Ali é contratada como garçonete por Tess, dona e administradora do teatro. Os fantásticos figurinos de Burlesque e a coreografia ousada conquistam Ali, que fará de tudo para subir ao palco do teatro e se tornar uma grande artista. Em seu primeiro trabalho como atriz no cinema, Christina Aguilera não trilhou o caminho de outras cantoras pop, como Mariah Carey e Britney Spears, duramente criticadas por suas atuações em “Glitter - O Brilho de Uma Estrela” (2001) e “Crossroads - Amigas para Sempre” (2002). Não recebeu indicação ao Óscar por seu desempenho em “Burlesque”, mas também escapou de uma marota premiação intitulada: “Framboesa de Ouro”, que ironicamente escolhia os piores filmes daquele ano. Repleto de belas, glamourosas e talentosas mulheres, o local se mantém com dificuldades financeiras.
Com números musicais representados com dançarinas bem preparadas e disciplinadas. Mas que só cantam com a segurança do “playback” – interpretação em que o cantor ou o ator sincronizam o seus movimentos com sons pré-gravados, com exceção de Tess, única a fazer a articulação entre os dois. Até Ali usar os cenários cheios de espelhos, plumas, perucas e brilhos para mostrar suas habilidades vocais. – “O burlesco dos anos 1920, 30 e 40 é algo que se via nos livros. Todo o lance dos cabelos, da maquiagem, da sensualidade envolvida na dança me intrigava. Afirma Aguilera: - “E eu cresci ouvindo músicas como Something`s Got a Hold On Me, cantada por Etta James, e vi em Paris o número I am a Good Girl”. Já não se produzem mais tantos musicais como no início do século. É um gênero que, como o “western”, tem produzido poucas novidades pela chamada “indústria cultural”. A partir daí, os grandes musicais, com a mudança de simbólica estética e artística nas sociedades industriais para as sociedades de controle da informação seriam completamente diferentes. Mais refinados, abordando temas complexos, realistas, como o racismo, a guerra, o autoritarismo do nazismo, a pobreza, a marginalidade de massa, e a complexidade entre a proximidade e distância da morte, para ficarmos em alguns exemplos tais como: “West Side Story” (1961), “Cabaret, All That Jazz” (2002), ou, o clássico e atualíssimo “O Ovo da Serpente” (“Das Schlangenei”/The Serpent`s Egg”), dirigido pelo extraordinário cineasta Ingmar Bergman e ambientado na Berlim protofascista da década de  1920.  
Bibliografia geral consultada. 

SENELICK, Laurence, Cabaret Performance, Volume II: Europe 1920-1940. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1993; ROBERTS, Nickie, As Prostitutas na História. Rio de Janeiro: Editora Record/Rosa dos Tempos, 1998; MALDONADO ALEMÁN, Manuel, El Expresionismo y las Vanguardias en la Literatura Alemana. Madrid: Editorial Síntesis, 2006; CASTRO, Clara Carnicero, O Sistema Filosófico do Marquês de Sade: Estudo da Elaboração do Sistema Filosófico do Marquês de Sade a partir das Filosofias Iluministas e Libertinas do Século XVIII na França. Dissertação de Mestrado. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2006; HALBWACHS, Maurice, A Memória Coletiva. São Paulo: Centauro, 2006; KONDER, Leandro, “O Barão de Itararé”. In: FERREIRA, Jorge, REIS FILHO, Daniel Aarão (org.), A Formação das Tradições (1889-1945). Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2007; RAGO, Margareth, Prazeres da Noite. 2ª edição. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2008; CASTRO, Clara Carnicero de, Os Libertinos de Juliette e a Libertina de Sade. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Departamento de Filosofia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2012; ARRUDA, Juliana A. de Lima, O Segredo de Justine de Sade: Uma Mais além do Erótico. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História Social. Departamento de História. Universidade Estadual de Londrina, 2013; ALMEIDA, Luana Aparecida de, Tradução anotada de Les Infortunes de la Vertu (1787), do Marquês de Sade (1740-1814). Dissertação de Mestrado. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis. Universidade Estadual Paulista, 2013; NICOLAU, Marcos Fabiano Alexandre, O Conceito de Formação Cultural (Bildung) em Hegel. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira. Faculdade de Educação. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2013; SALVADORI, Mateus, Para Além da Justiça Formal: Hegel e o Formalismo Kantiano. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2014; SILVA, Rodrigo D’Avila Braga, O Marquês de Sade no Brasil: Tradução, Recepção e Crítica de Historiettes, Contes et Fabliaux. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução. Brasília: Universidade de Brasília, 2016; entre outros.

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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ) e Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo (ECA/USP).  Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).

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