Autores
notaram a extrema confusão que reina na demasiado rica terminologia do
imaginário social: signos, imagens, símbolos, alegorias, emblemas, arquétipos,
esquemas (schémas), esquemas (schèmes), ilustrações,
representações, diagramas e sinepsias são termos empregados pelos analistas do
imaginário social. O esquema é uma generalização dinâmica e afetiva da imagem,
constitui a factividade e a não-substantividade geral do parcours imaginário. O
esquema aparenta-se ao que Jean Piaget, na esteira de Herbert Silberer, chama
“símbolo funcional” e ao que Gaston Bachelard na filosofia chama de “símbolo
motor”. Faz a junção ente dos gestos inconscientes da sensório-motricidade,
entre as dominantes reflexas e as representações. São esses esquemas que na
antropologia do imaginário formam o “esqueleto dinâmico”, o esboço funcional da
imaginação. A diferença entre os gestos reflexológicos que Gilbert Durand
descreve analogamente e os esquemas é que estes últimos já não são apenas
abstratos engramas teóricos, mas trajetos encarnados em representações
concretas bem mais precisas. Os gestos diferenciados em esquemas vão
determinar, em contato com o ambiente natural e social, os grandes arquétipos
que Jung os definiu. Os arquétipos constituem as substantificações dos
esquemas. E vai buscar esta noção em Jakob Burckhardt e faz dela
sinônimo de origem primordial, de enagrama, de margem original, de protótipo
social.
Não
queremos perder de vista que O Mais Antigo Sistema do Idealismo Alemão é
um ensaio de 1796/1797, de autoria desconhecida, possivelmente escrito por
Friedrich Schelling, Georg Wilhelm Friedrich Hegel ou Friedrich Hölderlin. O
documento foi publicado pela primeira vez (em alemão) por Franz Rosenzweig, que
o designou como Das älteste Systemprogramm des deutschen Idealismus.
Embora o documento tenha a caligrafia de Hegel, especula-se se terá sido
escrito por Hegel, Schelling, Hölderlin ou uma quarta pessoa desconhecida. Yves
Bonnefoy considera que foi “certamente inspirado por Hölderlin”. Segundo Glenn
Magee, a maioria dos peritos em Hegel considera-o o autor. No entanto, várias
das ideias defendidas no ensaio (como o desaparecimento do Estado ou a
supremacia da poesia no universo intelectual) parecem contraditórias com a
filosofia hegeliana. Schelling, Hegel, e Hölderlin eram colegas de turma e de
dormitório em Tübinger Stift, o Seminário da Universidade de Tubinga, e eram
reconhecidos magistralmente como os “Três de Tubinga”. Hegel e Hölderlin tinham
27 anos, e Schelling 22 anos. Em 1818 em Berlim, quando ocupou a cátedra de
filosofia, período em que encontra a expressão definitiva de suas concepções
estéticas e religiosas. Tinha grande talento pedagógico, mas considerado mau
orador, pois usava terminologias pouco usadas que dificultavam sua
interpretação. Exerceu enorme influência em seus discípulos que dominaram as
universidades da Alemanha. Logo passou a ser o filósofo oficial do rei da
Prússia (cf. Wickert, 2013). Friedrich Hegel descreve sua concepção filosófica,
no prefácio a uma de suas mais célebres obras, a Fenomenologia do Espírito
(1807).
O
prólogo é posterior à redação da obra. Foi escrito, passado já o tempo,
quando o próprio Hegel pode “tomar consciência de seu avanço e sua descoberta”
(cf. Silva, 2017). Tinha como objetivo assegurar o ligamento entre a
Fenomenologia, a qual só aparece como a primeira parte da ciência, e a Lógica
que, situando-se em uma perspectiva distinta da adotada pela Fenomenologia,
deve constituir o primeiro momento abstrato de uma Enciclopédia. Explica-se que
neste prólogo que é algo assim, comparativamente, como um gonzo entre a
subjetividade da Fenomenologia e a objetividade Lógica, Hegel se
sentira fundamentalmente preocupado em representar uma ideia geral de todo o
seu sistema filosófico. Isto é, segundo sua concepção que só deve ser
justificada pela apresentação do próprio sistema, tudo decorre de entender e
exprimir o verdadeiro não como substância, mas precisamente como sujeito. A
substância viva é o ser, que na verdade é sujeito, ou que é na verdade efetivo,
mas só na medida em que é o movimento do pôr-se-a-si-mesmo, ou a mediação
consigo mesmo do tornar-se outro. Como sujeito, é a negatividade pura e
simples, e justamente por isso é o fracionamento do simples ou a duplicação
oponente, que é de novo a negação dessa diversidade indiferente e de seu
oposto. Só essa igualdade se reinstaurando, ou só a reflexão em si mesmo no seu
ser-Outro, é que são o verdadeiro; e não uma unidade originária enquanto tal,
ou uma unidade imediata enquanto tal. O verdadeiro é o vir-a-ser de si mesmo, o
círculo que pressupõe seu fim como sua meta, ipso facto sua antítese, que o tem
como princípio, e que só é efetivo mediante sua atualização e seu fim.
Friedrich Hegel era crítico das filosofias claras e distintas, uma vez que,
para ele, o negativo era constitutivo da ontologia. Neste sentido, a clareza
não seria adequada para conceituar o próprio objeto. Introduziu um sistema de
pensamento para compreender a história da filosofia e do mundo chamado
geralmente dialética: uma progressão no âmbito da história e sociedade
na qual cada movimento sucessivo surge, pois, como solução das contradições
inerentes ao movimento anterior.
Desta
forma, a Introdução (Eileintung) à Fenomenologia foi concebida ao mesmo
tempo em que a obra é redatada em primeiro termo; parece, pois, que encerra o
substancial pensamento do que é efetivo em toda a obra. Verdadeiramente
constitui uma Introdução em sentido literal aos três primeiros momentos de toda
a obra, isto é: a consciência, a autoconsciência e a razão -, enquanto a última
parte da Fenomenologia, que contêm os particularmente importantes
desenvolvimentos sobre o Espírito e a Religião, ultrapassa por seu conteúdo a
Fenomenologia tal como é definida stricto sensu na muito citada Introdução. Ao
que parece é como se Hegel entrasse no marco de desenvolvimento fenomenológico
com algo que na teoria, em princípio não deveria haver ocupado um posto nele.
Não obstante, seu estudo, em maior medida que o do prólogo, nos permitirá
elucidar o sentido da obra que Hegel quis escrever, assim como a técnica que
para ele representa o desenvolvimento fenomenológico. Precisamente porque a
Introdução não é como um Prólogo anexo posterior que contêm consideráveis
informações gerais sobre o objetivo que se propunha o autor e as relações que
sua obra tem com outros tratados filosóficos do mesmo tema. Ao contrário, de
acordo com a interpretação de Hyppolite (1974), “a introdução é parte
integrante da obra, constitui o delineamento mesmo do problema e determina os
meios postos em prática para resolvê-lo”. Em primeiro lugar, Hegel define na
Introdução como se coloca para ele o problema do conhecimento.
A
Fenomenologia não é uma noumenologia nem uma ontologia, mas segue sendo,
todavia, um conhecimento do Absoluto, pois, que outra coisa poderia conhecer se
só o Absoluto é verdadeiro, ou só o verdadeiro é Absoluto? Não obstante, em vez
de apresentar o saber do Absoluto “em si para si”, filosoficamente considera o
saber tal como é na consciência e precisamente desde esse saber
fenomênico, mediante sua autocrítica, é como ele se eleva ao saber Absoluto. Em
segundo lugar, Hegel define a Fenomenologia exatamente como desenvolvimento e
cultura, isto é, no sentido de seu progressivo afinamento da consciência
natural acerca da ciência, isto é o saber filosófico, o saber do Absoluto; por
sua vez indica a necessidade per se de uma evolução. Em último lugar,
Hegel precisa a técnica teórica do desenvolvimento fenomenológico e em que
sentido este método é precisamente obra própria da consciência que faz sua
aparição na experiência, em que sentido é suscetível de ser repensado em sua
necessidade pela filosofia. A lei cujo desenvolvimento necessário engendra todo
o universo é a da dialética, segundo a qual toda ideia abstrata, a começar pela
de ser considerada no seu estado de abstração, afirma necessariamente a sua
negação, a sua antítese, de modo que esta contradição exige para se resolver a
afirmação de uma síntese mais compreensiva que constitui uma nova ideia, rica
em desenvolvimento, ao mesmo tempo, do conteúdo das duas outras.
Na
Introdução à Fenomenologia Hegel repete suas críticas a uma filosofia que não
fosse mais que teoria do conhecimento. E não obstante, a Fenomenologia, como
têm assinalado quase todos os seus expressivos comentaristas, marca em certos
aspectos um retorno ao ponto de vista de Kant e de Fichte (cf. Salvadori,
2014). Em que novo sentido devemos entendê-lo? Ora, se o saber é um
instrumento, modifica o objeto a conhecer e não nos apresenta em sua pureza; se
for um meio tampouco, nos transmite a verdade sem alterá-la de acordo com a
própria natureza do meio interposto. Se o saber é um instrumento, isto supõe
que o sujeito do saber e seu objeto se encontram separados; por conseguinte, o
Absoluto seria distinto do conhecimento: nem o Absoluto poderia ser saber de si
mesmo, nem o saber, fora da relação dialética, poderia ser saber do Absoluto.
Contra tais pressupostos a existência mesma da ciência filosófica, que conhece
efetivamente, é já uma afirmação. Não obstante, esta afirmação não poderia
bastar porque deixa a margem a afirmação de outro saber; é precisamente esta
dualidade o que reconhecia Schelling quando opunha o saber fenomênico e o saber
absoluto, mas não demonstrava os laços entre um e outro. Uma vez colocado o
saber absoluto não se vê como é possível no saber fenomênico, e o saber
fenomênico por sua parte fica igualmente separado do saber Absoluto. Hegel
retorna ao saber fenomênico, ao saber típico da consciência comum, e pretende
demonstrar como aquele conduz necessariamente ao saber Absoluto, ou também que
ele mesmo é um saber absoluto que, todavia, não se sabe como tal.
Não
apenas Fichte, mas o próprio Schelling, adverte Hösle (2007), tampouco satisfaz
a exigência de uma estrutura de sistema que retorna a si mesma, pois o dualismo
fichteano do eu e Não-Eu, perdura, em última análise, no primeiro projeto
resumido de sistema, no Sistema do idealismo transcendental. Segundo ele, a
filosofia tem, com efeito, duas partes – filosofia natural e filosofia
transcendental, a qual, por sua vez, contém, entre outras coisas, filosofia
prática e filosofia teórica. Schelling argumenta do seguinte modo: já que o
saber seria unidade de subjetividade e objetividade, o ponto de partida da
filosofia teria de ser ou o objetivo (a natureza) ou o subjetivo (a
inteligência). Naquele caso, surgiria a filosofia da natureza; neste, a
filosofia transcendental. No entanto, o objetivo de cada uma dessas duas
ciências seria avançar na direção da outra – portanto, de um lado, “partindo da
natureza chegar ao inteligente”, e, de outro, partindo do subjetivo, “fazer
surgir dele o objetivo”. Esta afirmação apenas poderia fazer sentido se para
Hösle, com ela se tivesse em mente que a inteligência tem de objetivar e
naturalizar em atos práticos e estéticos, como Schelling tenta demonstrar no
Sistema. A segunda falha resulta da
primeira. Friedrich Schelling conhece, em última instância, apenas duas esferas em tono da concepção de filosofia, as quais, na terminologia de Hegel, pertencem ambas à filosofia.
Aquela estrutura que precede à ambas e que Hegel tematiza na Ciência da Lógica
não tem lugar neste projeto de sistema de Schelling. É fácil ver que não se
pode um renunciar a ela, e por três motivos.
Em
segundo lugar, somente desse modo se pode compreender porque ambas as partes
são momentos de uma unidade. Não basta afirmar sua relação mútua, é preciso
explicitar estruturas ontológicas gerais que subjazem de igual modo à natureza
e à inteligência. Em segundo lugar, somente desse modo se pode tornar plausível
a dependência da natureza em relação a uma esfera ideal. E, em terceiro lugar,
uma filosofia natural e uma filosofia transcendental apriorísticas são
inconcebíveis sem essa esfera abrangente, pois a partir de que deveriam ser
fundamentadas as primeiras suposições de ambas as filosofias da realidade?
Depois de se desfazer do “resto de fichteanismo”, ainda reconhecível sobretudo
na execução do Sistema do idealismo transcendental, Schelling introduziu na
Apresentação, como base destas duas ciências, o Absoluto, e o definiu como
identidade de subjetividade e objetividade. No entanto, não se pode deixar de
ver um limite na doutrina schellinguiana do absoluto que representa um
retrocesso, ficando, no mínimo, aquém de Fichte e, em certo sentido, até mesmo
aquém de Immanuel Kant: as categorias analíticas que Schelling utiliza para a
caracterização do Absoluto são catadas e, de modo algum deduzidas do próprio
Absoluto. Unidade, identidade, infinitude são determinações que Schelling toma
da tradição e que, em primeiro lugar, ele não legitima a relação em si e por si – ele
apenas mostra que em sua utilização de mera identidade, antes elas que seu
contrário conviria ao absoluto, o qual é entendido como unidade de
subjetividade e objetividade, e que em segundo lugar, ele nem sequer põe em um
nexo causal ordenado.
Simplificadamente,
segundo Vittorio Hösle (2007), o sistema pensamento de Hegel pode ser
representado da seguinte forma: 1) o princípio supremo da filosofia
transcendental tem de ser, com Fichte, uma estrutura iniludível e que
fundamente a si mesma reflexivamente. 2) no entanto, esse princípio não pode
ter nada perante si, se quer ser absoluto; sendo determinado como
subjetividade, ele não pode, portanto, ser subjetividade finita, mas tem de ser
com Schelling, unidade de subjetividade e objetividade ou, em terminologia
hegeliana, ideia. 3) com o reconhecimento, porém, de que o Absoluto é unidade
de subjetividade e objetividade, a filosofia ainda não está concluída. Antes,
trata-se decisivamente de explodir o caráter pontual desse conhecimento, por
quatro motivos: a) a estrutura absoluta não pode ser posta imediatamente, pois
então ela mesma seria, na verdade, uma mera abstração, da qual nada decorreria;
b) apenas assim pode-se alcançar uma prova da absolutidade dessa
estrutura. Mas então é necessária uma prova, mas de um modo necessariamente
diferente de como elas mesmas são pressupostas pela ideia absoluta, se é que o
círculo deve ser evitado; c) a determinação da exata relação entre “lógica” e
“metafísica”, isto e´, entre a doutrina das categorias finitas e a ciência do
princípio absoluto, é o problema para o
qual em Jena, pelo fim de sua temporada Friedrich Hegel, conseguiu encontrar
uma solução que o satisfizesse até o final de sua vida, enquanto, para a maior
parte das demais estruturas fundamentais de sua filosofia , ele chegou bem mais
cedo a respostas que sustentou até a Enciclopédia. A ideia Absoluta origina,
não apenas as categorias lógicas anteriores a ela, por meio das quais ela mesma
é constituída, sem abdicar da centralidade de seu sistema, ela mesma é
constituída em termos de origem assimétrica.
Para
resolver esse problema, oferece-se propriamente apenas um caminho. O espírito
assim, reconhece Hegel já cedo contra Friedrich Schelling - tem de estar acima
da natureza, a qual tem de corresponder às categorias deficientes da Ciência
da Lógica. Friedrich Hegel que
parte da análise da consciência comum, não podia situar como princípio primeiro
uma dúvida universal que só é própria da reflexão filosófica. Por isso mesmo
ele segue o caminho aberto pela consciência e a história detalhada de sua formação.
Ou seja, a Fenomenologia vem a ser uma história concreta da consciência, sua
saída da caverna e sua ascensão à Ciência. Daí a analogia que em Hegel existe
de forma coincidente entre a história da filosofia e a história do
desenvolvimento do pensamento, mas este desenvolvimento é necessário, como
força irresistível que se manifesta lentamente através dos filósofos, que são
instrumentos de sua manifestação. Assim, preocupa-se apenas em definir os
sistemas, sem discutir as peculiaridades e opiniões dos diferentes filósofos.
Na determinação do sistema, o que o preocupa é a categoria fundamental que
determina o todo complexo do sistema, e o assinalamento das diferentes etapas,
bem como as vinculasses destas etapas que conduzem à síntese do espírito absoluto.
Para compreender o sistema é necessário começar pela representação, que ainda
não sendo totalmente exata permite, no entender de sua obra a seleção de
afirmações e preenchimento do sistema abstrato de interpretação do método
dialético, para poder alcançar a transformação da representação numa noção
clara e exata.
Assim,
temos a passagem da representação abstrata, para o conceito claro e concreto
através do acúmulo de determinações. Aquilo que por movimento dialético separa
e distingue perenemente a identidade e a diferença, sujeito e objeto, finito e
infinito, é a alma vivente de todas as coisas, a Ideia Absoluta que é a força
geradora, a vida e o espírito eterno. Mas a Ideia Absoluta seria uma existência
abstrata se a noção de que procede não fosse mais que uma unidade abstrata, e
não o que é em realidade, isto é, a noção que, por um giro negativo sobre si
mesma, revestiu-se novamente de forma subjetiva. Metodologicamente a
determinação mais simples e primeira que o espírito pode estabelecer é o Eu, a
faculdade de poder abstrair todas as coisas, até sua própria vida. Chama-se
idealidade precisamente esta supressão da exterioridade. Entretanto, o espírito
não se detém na apropriação, transformação e dissolução da matéria em sua
universalidade, mas, enquanto consciência religiosa, por sua faculdade
representativa, penetra e se eleva através da aparência dos seres até esse
poder divino, uno, infinito, que conjunta e anima interiormente todas as
coisas, enquanto pensamento filosófico, como princípio universal, a ideia
eterna que as engendra e nelas se manifesta. Isto quer dizer que o espírito
finito se encontra inicialmente numa união imediata com a natureza, a seguir em
oposição com esta e finalmente em identidade com esta, porque suprimiu a
oposição e voltou a si mesmo e, consequentemente, o espírito finito é a ideia,
mas ideia que girou sobre si mesma e que existe por si em sua própria
realidade.
A
Ideia absoluta que para realizar-se colocou como oposta a si, à natureza,
produz-se através dela como espírito, que através da supressão de sua
exterioridade entre inicialmente em relação simples com a natureza, e, depois,
ao encontrar a si mesma nela, torna-se consciência de si, espírito que conhece
a si mesmo, suprimindo assim a distinção entre sujeito e objeto, chegando assim
a Ideia a ser por si e em si, tornando-se unidade perfeita de suas diferenças,
sua absoluta verdade. Com o surgimento do espírito através da natureza abre-se
a história da humanidade e a história humana é o processo que medeia entre isto
e a realização do espírito consciente de si. A filosofia hegeliana centra sua
atenção sobre esse processo e as contribuições mais expressivas de Hegel
ocorrem precisamente nesta esfera, do espírito. Melhor dizendo, para Hegel, à
existência na consciência, no espírito chama-se saber, conceito pensante. O
espírito é também isto: trazer à existência, isto é, à consciência. Como
consciência em geral tenho eu um objeto; uma vez que eu existo e ele está na
minha frente. Mas enquanto o Eu é o objeto de pensar, é o espírito precisamente
isto: produzir-se, na esfera do pensamento e poder sair fora de si, saber na consciência o que ele é. Nisto consiste a grande
diferença: o homem sabe o que ele é. Logo, em primeiro lugar, ele é real. Sem
isto, a razão, a liberdade não são nada. O homem é essencialmente razão.
O homem, a criança, o culto e o inculto, é razão. Ou melhor, a possibilidade para isto, para ser razão, existe em cada um, é dada a cada um. A razão não ajuda em nada a criança, o inculto. É somente uma possibilidade, embora não seja uma possibilidade vazia, mas possibilidade real e que se move em si. Assim, por exemplo, dizemos que o homem é racional, e distinguimos muito bem o homem que nasceu somente e aquele cuja razão educada está diante de nós. Isto pode ser expresso também assim: o que é em si, tem que se converter em objeto para o homem, chegar à consciência; assim chega para ele e para si mesmo. A história para Hegel, é o desenvolvimento do Espírito no tempo, assim como a Natureza é o desenvolvimento da ideia no espaço. Deste modo o homem se duplica. Uma vez, ele é razão, é pensar, mas em si: outra, ele pensa, converte este ser, seu em si, em objeto do pensar. Assim o próprio pensar é objeto, logo objeto de si mesmo, então o homem é por si. A racionalidade produz o racional, o pensar produz os pensamentos. O que o ser em si é se manifesta no ser por si. Todo conhecer, todo aprender, toda visão, toda ciência, inclusive toda atividade humana, não possui nenhum outro interesse além do aquilo que filosoficamente é em si, no interior, podendo manifestar-se desde si mesmo, produzir-se, transformar-se objetivamente. Nesta diferença se descobre toda a diferença na história do mundo. Os homens são todos racionais. O formal desta racionalidade é que o homem seja livre. Esta é a sua natureza.
Isto
pertence à essência do homem: a liberdade. O europeu sabe de si, afirma
Hegel, é objeto de si mesmo. A determinação que ele conhece é a liberdade. Ele
se conhece a si mesmo como livre. O homem considera a liberdade como sua
substância. Se os homens falam mal de conhecer é porque não sabem o que fazem.
Conhecer-se, converter-se a si mesmo no objeto (do conhecer próprio) e o fazem
relativamente poucos. Mas o homem é livre somente se sabe que o é. Pode-se
também em geral falar mal do saber, como se quiser. Mas somente este saber
libera o homem. O conhecer-se é no espírito a existência. Portanto isto é o
segundo, esta é a única diferença da existência (Existenz) a diferença
do separável. O Eu é livre em si, mas também por si mesmo é livre e eu sou
livre somente enquanto existo como livre. A terceira determinação é que o que
existe em si, e o que existe por si são somente uma e mesma coisa. Isto quer
dizer precisamente evolução. O em si que já não fosse em si seria outra coisa. Por
conseguinte, haveria ali uma condição de sentido e variação, que dizer, mudança.
Na mudança existe algo que chega a ser outra coisa. Na evolução, em essência,
podemos também sem dúvida falar da mudança, mas esta mudança deve ser tal que o
outro, o que resulta, é idêntico ao primeiro, de maneira que o simples, o
ser em si não seja negado.
Para Friedrich Hegel a evolução não somente faz aparecer o interior originário, exterioriza o concreto contido já no em si, e este concreto chega a ser por si através dela, impulsiona-se a si mesmo a este ser por si. O espírito abstrato assim adquire o poder concreto da realização. O concreto é em si diferente, mas logo só em si, pela aptidão, pela potência, pela possibilidade. O diferente está posto ainda em unidade, ainda não como diferente. É em si distinto e, contudo, simples. É em si mesmo contraditório. Posto que é através desta contradição impulsionado da aptidão, deste este interior à qualidade, à diversidade; logo cancela a unidade e com isto faz justiça às diferenças. Também a unidade das diferenças ainda não postas como diferentes é impulsionada para a dissolução de si mesma. O distinto (ou diferente) vem assim a ser atualmente, na existência. Porém do mesmo modo que se faz justiça à unidade, pois o diferente que é posto como tal é anulado novamente. Tem que regressar à unidade; porque a unidade do diferente consiste em que o diferente seja um. E somente por este movimento é a unidade verdadeiramente concreta. É algo concreto, algo distinto. Entretanto contido na unidade, no em si primitivo. O gérmen se desenvolve assim, não muda. Se o gérmen fosse mudado desgastado, triturado, não poderia evoluir. Na alma, enquanto determinada como indivíduo, as diferenças aparecem na consciência e assim estão enquanto enquanto mudanças que se dão no indivíduo, que é o sujeito uno que nelas persiste e, segundo Hegel, enquanto momentos do seu desenvolvimento.
Por
serem elas diferenças, à uma, físicas e espirituais, seria preciso, para
determinação ou descrição mais concreta, antecipar a noção do espírito
cultivado. As diferenças são: 1) curso natural das idades da vida, desde a
criança, desde a criança, o espírito envolvido em si mesmo – passando pela
oposição desenvolvida, a tensão de uma universalidade ela mesma ainda subjetiva
em contraste com a singularidade imediata, isto é, como o mundo presente, não
conforme a tais ideais, e a situação que se encontra, em seu ser-aí para esse
mundo, o indivíduo que, de outro lado, está ainda não-autônomo e em si mesmo
não está pronto (o jovem) – para chegar à relação verdadeira, ao reconhecimento
da necessidade e racionalidade objetivas do mundo já presente, acabado; em sua
obra, que leva a cabo por si e para si, o indivíduo retira, por sua atividade,
uma confirmação e uma parte, mediante a qual ele é algo, tem uma presença
efetiva e um valor objetivo; até a plena realização da unidade com essa
objetividade do conhecer: unidade que, enquanto real, vem dar na inatividade da
rotina que tira o interesse, enquanto ideal se liberta dos interesses
mesquinhos é das complicações do presente exterior (o ancião).
O
espírito manifesta aqui sua independência da própria corporalidade, em poder
desenvolver-se antes que nela torne. Com frequência, crianças têm demonstrado
um desenvolvimento espiritual que vai muito mais rápido que sua formação
corporal. Esse foi o caso histórico, sobretudo em talentos artísticos
indiscutíveis, em particular nos gênios da música. Também em relação ao fácil
apreender de variados conhecimentos, especialmente na disciplina matemática; e
tal precocidade tem-se mostrado não raramente também em relação a um raciocínio
de entendimento, e mesmo sobre objetos éticos e religiosos. O processo de
desenvolvimento do indivíduo humano natural decompõe-se então em uma série de
processos, cuja diversidade se baseia sobre a relação do indivíduo para
com o gênero, e funda a diferença da criança,
do homem e do ancião. Essas diferenças são as apresentações das diferenças do
conceito. A idade da infância é o tempo da harmonia natural, da paz do sujeito
consigo mesmo e com o mundo. Um começo tão sem-oposição quanto a velhice é um
fim sem-oposição. As oposições que surgem ficam sem interesse mais profundo. A
criança vive na inocência, sem sofrimento durável; no amor aos seus pais, e no
sentimento de ser amado por eles.
O
pensador evidencia claramente o caráter essencial de trajeto antropológico dos arquétipos
quando escreve que a imagem primordial deve incontestavelmente estar em relação
com certos processos perceptíveis da natureza que se reproduzem sem cessar e
são sempre ativos, mas por outro lado é igualmente indubitável que ela diz
respeito também a certas condições inferiores da vida do espírito e da dinâmica
da vida em geral. Bem longe de ter a primazia sobre a imagem, a ideia seria
tão-somente o comprometimento pragmático do arquétipo imaginário num contexto
histórico e epistemológico dado. Neste sentido, o mito representa um sistema
dinâmico de símbolos, arquétipos e esquemas, sistema dinâmico que, sob o
impulso de um esquema tende a compor uma narrativa. O mito é já um esboço de
racionalização, dado que utiliza o fio do discurso, no qual os símbolos se
resolvem em palavras e os arquétipos em ideias culturais. O mito explicita um
esquema ou um grupo de esquemas. Do modo que o arquétipo promovia a ideia, o
símbolo o nome, concordamos com Gilbert Durand que o mito promove a doutrina
religiosa, o sistema filosófico ou, como anteviu Émile Bréhier, a “narrativa
histórica e lendária”. Foi este
princípio, que o psicólogo Carl Jung sentiu abrangido por seus conceitos de
“Arquétipo” e “Inconsciente coletivo”, justamente o que uniu o médico psiquiatra
Jung ao físico Wolfgang Pauli, dando início às pesquisas interdisciplinares em
física e psicologia. A sincronicidade, vale lembrar, se manifesta muitas vezes
atemporalmente e/ou em eventos energéticos acausais, e em ambos são violados
princípios associados ao paradigma científico vigente.
A atmosfera acolhedora permitiu que muitos artistas, como Yvette Guilbert desenvolvesse uma forma nova e sutil de atuação e tratassem de assuntos gostosamente naturalistas para época que redescobrira as delícias do corpo. Além de Sade, outros autores também foram condecorados com a criação de termos com base em seus nomes, um deles é Sacher Masoch, escritor austríaco que, diferentemente de Sade, escrevia histórias em que os protagonistas, em vez de bater, gostavam de levar umas boas bofetadas, masoquistas. O romance mais clássico do libertino Sacher Masoch, A vênus de peles, traz a narrativa de um escravo sexual e sua dominadora, que mais tarde, com a popularização de ambos os autores, faria nascer uma outra palavra: “Sadomasoquista”. Para além das influências terminológicas, Marquês de Sade também deixou sua marca no mundo ocidental ao ser um ferrenho defensor republicano ainda numa França monarquista. Iluminista radical, pregava a ruptura com práticas concretas da humanidade com seus deuses em troca da felicidade libertina.
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