domingo, 17 de abril de 2016

Cobra de Ferro - Comboio, Cinema & Imaginação de Leões Tsavos.


                                                                                                             Ubiracy de Souza Braga*
 
                                   Eles não são leões, são a sombra e a escuridão”. A fama dos Leões de Tsavos

              

O leão foi descrito no século XVIII por Carolus Linnaeus (1707-1778), em seu Systema Naturae, como Felis leo. Nos séculos XVIII e XIX, a maioria dos naturalistas e pesquisadores seguiram a nomenclatura originalmente proposta. Em 1816, Lorenz Oken (1779-1851) propôs a definição genérica Panthera, original como subgênero de Felis, assim como a Leo e Tigris. Algumas autoridades consideraram o Panthera como “inválido por razões técnicas de nomenclatura e preferiram usar o termo genérico Leo”. Em 1956, a Comissão Internacional de Nomenclatura Zoológica rejeitou a obra de Lorenz Oken, Lehrbuch der Naturgeschichte, para fins de nomenclatura zoológica. Na década de 1960 e 1970, a questão sobre a validade do gênero Panthera foi questionada junto a Comissão Internacional de Nomenclatura Zoológica, que em 1985 decidiu pela conservação do termo genérico Panthera. O registro fóssil mais antigo atribuído ao Panthera leo provém da Garganta de Olduvai, na Tanzânia, e está datado do Pleistoceno Inferior em cerca de 1,5 milhões de anos. Um registro etnográfico proveniente de Laetoli, na Tanzânia, e datado de 3,5 milhões de anos, era atribuído ao P. leo, entretanto, essa identificação é incerta, e outras interpretações demonstraram que os restos fósseis pertencem a espécie mais primitiva dentro do gênero Panthera.

Alguns registros etnográficos do Plio-Pleistoceno na África do Sul, encontrados nas cavernas em Kromdraai, Swartkrans e Sterkfontein, são atribuídos ao P. leo. Entretanto, o status taxonômico do material das cavernas de Sterkfontein é incerto, e os materiais de Kromdraai e Swartkrans aparentam ser de um animal mais robusto que o leão moderno. A espécie originalmente estava distribuída por toda África subsaariana, exceto na densa floresta tropical e do Norte da África, acima do deserto do Saara através do sudoeste asiático, a Oeste até a Europa (península balcânica e Cáucaso) e a Leste até a Índia. Na África, os leões podem ser encontrados em savanas com arborização escassa de Acacia que servem como áreas de descanso; na Índia, o habitat compreende uma mistura de savana arbustiva seca e floresta decídua seca. O leão tem uma larga tolerância para habitats, ausente somente na floresta tropical e no interior do deserto do Saara. A espécie pode ocorrer do nível do mar até regiões montanhosas, no leste da África pode ser encontrado até 3 600 metros, nos Monte Elgon, Quênia e Ruwenzori, e nas Montanhas Bale, na Etiópia, pode ser encontrado aos 4 200 metros. O leão é o segundo maior felino depois do tigre, apresentando comprimento e peso menor, mas sendo mais alto na cernelha. Possui uma pelagem curta e a coloração é unicolor, variando do castanho claro ao cinza prateado e do vermelho amarelado ao marrom escuro. Não apresenta rosetas e os filhotes e juvenis apresentam manchas na pelagem. O ventre e as partes mediais dos membros são mais claros, e o tufo de pelos na ponta da cauda é preto.

A juba é geralmente castanha, variando em tonalidades amareladas, avermelhadas ou tons mais escuros de marrom. Com a idade, a juba tende a ficar mais escura, podendo ser inteiramente preta. Tem a cabeça arredondada e curta, com a face larga e orelhas arredondadas. Só o macho possui a juba e o leão é o único felino que a possui. Há duas teorias que podem justificar a sua existência, a primeira diz que a juba seria um meio de se defender de predadores e de luta por território; a segunda teoria diz que a juba serve para que o macho pareça maior e assim intimide os adversários, impedindo que na maioria das vezes aconteça luta corporal que representa sociologicamente a teoria convincente e aceita atualmente. Em experiências realizadas com réplicas de leões com jubas de colorações diferentes, as leoas se interessaram por leões de jubas maiores e mais escuras, o que fortifica a concepção da segunda teoria. Também foi observado que nas lutas, o pescoço dos leões raramente é atacado, mesmo no caso de exemplares jovens sem juba.  A primeira teoria, levantada por Charles Darwin (1809-1882), permaneceu, mesmo sem embasamento, até 1972, quando George Schaller publicou seu trabalho intitulado: The Serengeti Lion, sugerindo que leões possuíam grandes jubas para evidenciar qualidades reprodutivas.

                         

Em 1898, os colonizadores britânicos decidiram construir uma ferrovia na África Oriental. Esta ferrovia iria se estender de Mombasa na costa do atual Quênia até o Lago Victoria, e dali seguiria até o país vizinho, Uganda, chamada de Uganda Railroad. A construção da ferrovia tinha uma série de propósitos legítimos. Do ponto de vista da comunicação, era a única rota sobre trilhos para o interior do continente africano substituindo a jornada que tinha de ser feita à pé. Economicamente havia muitas mercadorias agrícolas que poderiam ser transportadas para a costa a fim de ser em seguida distribuída para o mercado ocidental. Um transporte ligando a costa do Quênia ao interior também permitiria uma colonização mais eficiente. No mercado religioso, missionários estavam interessados na palavra de Deus aos povos tribais do interior e as dificuldades da jornada por terra eram um constante empecilho. Finalmente, havia o mercado do tráfico de escravos. A chegada da ferrovia encorajaria pessoas ligadas a captura de escravos a buscar outras atividades. Do ponto de vista técnico-metodológico a construção da ferrovia é dos maiores feitos de engenharia do final do século XIX. Suas 580 milhas de trilhos cruzam o Vale do Great Rift, diversos rios, e alguns dos terrenos mais inóspitos que se possa imaginar. A construção se iniciou em 1896, e chegou a Nairobi em 1899. 

Ela prosseguiu até a cidade de Kismu às margens de Lake Victoria em 1901. Levou mais 27 anos para que a ferrovia atingisse Kampala, além da fronteira de Uganda. Boa parte da mão de obra empregada no empreendimento foi suprida por trabalhadores vindos da Índia, colônia sobre o controle dos britânicos. O censo de 1872 revelou que 91,3% da população da região que forma a atual Índia residia em vilas e a urbanização em geral permaneceu lenta até a década de 1920. Esses trabalhadores comumente chamados de Coolies à princípio não se saíram muito bem na função. É um termo usado historicamente para designar trabalhadores braçais oriundos da Ásia, especialmente da China e da Índia, durante o século XIX e início do século XX. Segundo alguns historiadores especializados no tema, mais de 60% acabaram sucumbindo a doenças e acidentes com animais em seu habitat. A maioria dos que sobreviveram se estabeleceram no Quênia, formando expressiva comunidade de indianos que existe na África ocidental. Esta ferrovia continua em operação, ainda que tenha perdido muito do esplendor do passado. Há passeios turísticos que levam pessoas de muitas partes mundo através deste trecho e do monumental projeto: a construção de uma ponte elevada cruzando o Rio Tsavo (Rio da Morte), a cerca de 132 milhas a noroeste de Mombasa, objeto do filme: A Sombra e a Escuridão (1996).                                              

   O filme The Ghost and the Darkness (“A Sombra e a Escuridão”) foi dirigido por Stephen Hopkins e realizadodo pela Paramount Pictures em 1996, inspirado na história real dos incidentes de Tsavo, em 1898 e dirigido Stephen Hopkins. No final do século XIX acontece a disputa entre franceses, alemães e britânicos para tomarem posse do continente africano. Estando em vantagem, os britânicos encarregam o engenheiro britânico John Henry Patterson (Val Kilmer) para supervisionar a construção da ponte que passa acima do rio Tsavo. Naquele lugar, dois leões começam a atacar os operários. Os leões eram tão agressivos que alguns dos nativos deduziram que eles não eram animais e sim “espíritos dos curandeiros” mortos que vieram para aterrorizar o mundo, enquanto outros pensavam que eram o demônio que havia vindo para impedir o avanço do progresso. As feras são batizadas de “sombra” versus “escuridão”. Diante dos ataques e contando com a ajuda do caçador Remington (Michael Douglas), o engenheiro segue “a missão desesperada para dar fim aos animais”. O fascínio sobrenatural pela chama teve um declínio no imaginário individual e coletivo, mas permanece como fonte de iluminação. Esse lugar imaginário é o cenário de uma situação que propõe, por força da natureza agressiva, que os indivíduos, durante a noite, permanecessem abrigados nas cavernas, onde existia o resguardo contra as intempéries e os animais selvagens.
         Mas não é tão simples como pensam os naturalistas compreender esses fatores físicos e reais. Os Masai vivem em pequenas cabanas feitas de esterco de vaca e estacas de acácia. Um grupo de cabanas é construído dentro de uma área fechada por cercas espinhosas, formando uma aldeia que é chamada de Enkang. Eles permanecem nesta terra enquanto seu gado pasta; quando as pastagens secam, eles se mudam. Entretanto uma grande população dos Masai se estabeleceu nos distritos de Narok, Trans Mara e Kajiado, no Quênia. As mulheres constroem suas casas e os homens cuidam da segurança do assentamento (“Boma”) e do gado. Sobre os masai, particularmente sobre a forma como parte desta comunidade está a ser afetada pelas alterações climáticas na região, está disponível o livro Horizontes em Branco, do escritor José Maria Abecasis Soares publicado em novembro de 2010 pela Editorial Presença (PT). Há também o filme da diretora alemã Hermine Huntgeburth, A Massai branca (“Die weisse Massai”), baseado em uma história real. Dentre suas principais manifestações coletivas, do povo Maasai é a dança em saltos, uma dança guerreira que faz parte do ritual de passagem dos jovens rapazes para a iade adulta e outra é a circuncisão.  

Grupo étnico Massai.
    O engenheiro chefe John Henry Patterson ordenou que fossem construídas bomas, que são cercas de espinhos tradicionalmente erguidas por tribos para manter predadores afastados ao redor dos acampamentos, e que tochas fossem acesas toda noite para afastar os leões. Mas as medidas não surtiram efeito. Os leões ignoraram os obstáculos e fizeram mais uma vítima, dessa vez um homem que transportava água e foi atacado a pouco mais de 300 metros do acampamento. O verdadeiro pânico se instalou quando certa noite, uma das feras rastejou por baixo da boma e entrou numa das tendas onde catorze trabalhadores dormiam. A fera derrubou a tenda, um dos homens foi morto e outro operário indiano gravemente ferido no ombro com uma mordida. O medo se espalhou pelos acampamentos. Patterson determinou que fossem construídas casamatas com 4 metros de altura guarnecidas de iluminação onde atiradores ficariam à postos toda noite. Mais bomas foram construídos para restringir a aproximação e armadilhas foram espalhadas por caçadores de origem tribais contratados junto aos aborígenes.
   Poucos meses depois da chegada do Coronel Patterson, estranhos rumores começaram a circular entre os trabalhadores indianos. Alguns trabalhadores simplesmente haviam desaparecido depois de se embrenhar na mata para realizar alguma tarefa. Na ocasião chegou-se a cogitar que leões podiam ser responsáveis, mas Partterson não acreditou nos boatos. Mas a despeito disso, homens continuaram desaparecendo o que forçou o Coronel a investigar mais a fundo o caso. Uma pequena expedição liderada por Patterson descobriu os restos mutilados de dois operários em uma área isolada a 800 metros do acampamento. Os rastros indicavam que eram dois grandes leões, os responsáveis pelas mortes. Na expedição, um dos felinos foi visto, mas as tentativas de alvejá-lo falharam. - O animal desapareceu, como se fosse uma sombra entrando na escuridão, escreveu o Coronel.
   Mas as medidas não surtiram efeito prático. Coincidentemente o mesmo leão atacou a tenda hospitalar do acampamento, onde o operário que havia sido ferido estava sendo tratado. A fera matou o sujeito e feriu outros dois homens até ser espantada com tiros. Para muitos, o leão havia retornado para terminar o seu trabalho. Ninguém estava seguro! Do ponto de vista mitológico a fera era na verdade um “espírito da morte”, que uma vez tendo marcado sua vítima, retornaria quantas vezes fosse necessário para levá-la. Para outros, a construção estava amaldiçoada e os homens brancos não eram bem vindos a Tsavo. Foi decidido que o melhor seria mudar a tenda hospitalar de lugar. Ela foi movida para o centro do acampamento onde havia relativa segurança. Mas logo na noite seguinte, um leão atacou a tenda e matou um enfermeiro. O pobre foi arrastado para a selva e a equipe de caçadores que seguiu os rastros encontrou a cabeça do homem e a parte inferior de seu corpo na mata. A tenda foi movida, uma cerca de espinhos maior e reforçada foi erguida ao redor como proteção.
  Em 20 de outubro, enquanto o grupo estava longe, as feras atacaram o acampamento. Os dois leões de uma só vez apareceram como por magia, entre as barracas comunais. O primeiro homem foi morto em silêncio, mas outro despertou a tempo de ver a fera se aproximando e deu o grito de alerta. Houve correria e em meio a confusão um bando de “coolies” escalaram uma árvore onde esperavam escapar dos leões. Mas a árvore não aguentou o peso e partiu derrubando todos que estavam no alto. Os leões não se importaram e atacaram ferozmente matando-os. No fim haviam oito vítimas e os leões sumiram tão rápido quanto haviam surgido, sem deixar aparentemente vestígios. Os guardas foram acusados de ter relaxado na vigilância e quando Patterson chegou se deparou com o caos que havia se formado. Os caçadores que o acompanharam até a selva, entre os quais um respeitado caçador da tribo Massai, desertaram, dizendo que aqueles não eram animais normais: - São devoradores de homens, feras que caçam e matam por prazer, não para se alimentar! Eles tomaram o gosto pela caça e pela carne dos homens e nada mais vai satisfazê-los. O episódio reforçou a aura sobrenatural sobre as feras.

  Por um lado, os homens juravam que algo protegia os leões, uma força maligna, que impedia que os animais fossem atingidos, mesmo por disparos feitos à queima roupa. Por outro, um dos atiradores envolvidos teria se suicidado dias depois saltando do alto da ponte em construção para o rio turbulento. Logo, o supervisor e os homens partiram, sem oferecer uma solução para o caso. Patterson estava sozinho novamente. Os dias seguintes foram de apreensão. Com menos presas, os leões sem dúvida seriam atraídos para o acampamento. Os homens queimavam grandes fogueiras durante a noite para manter os felinos afastados e jamais se afastavam sozinhos. Patterson entregou uma arma para cada grupo de cinco homens e convenceu-os de que deveriam atirar ao primeiro sinal de perigo. Em pelo menos três oportunidades os leões se aproximaram do acampamento, e cirurgicamente em uma delas chegaram a entrar silenciosamente nas tendas vazias. O Coronel chegou a relatar em Diário que estavam próximas para ele ouvi-las rondando do outro lado da boma.
Enfim, Patterson teve outra ideia, mandou construir uma plataforma sobre quatro postes de madeira na entrada do acampamento. Esta plataforma chamada “machan”, era usada por caçadores indianos para matar tigres e servia como uma árvore artificial para esconder o caçador. Para anular o faro dos animais, o coronel ordenou que três cabras fossem mortas e o sangue espalhado junto com as carcaças aos pés do “machan”. E lá ele ficou acompanhado de um ajudante que mantinha três rifles de cano duplo ao alcance das mãos. Na terceira noite de vigília, Patterson ouviu o som de gravetos se quebrando e detectou movimento. Um dos leões estava se aproximando, finalmente atraído pelo cheiro de carne. Antes que pudesse apontar a arma na direção da fera, ela saltou contra um dos postes de madeira e abalou a plataforma. Patterson manteve a compostura e conseguiu fazer mira alvejando o leão com um tiro na área superior de sua cabeça. A fera rosnou e se embrenhou nos arbustos. O coronel continuou ouvindo os rosnados e deu mais cinco tiros. Os rosnados continuaram até parar de vez. Pela manhã ele e o ajudante desceram e no caminho encontraram o devorador de homens morto.
Conforme retratado no filme, houve realmente a construção de uma ferrovia e uma ponte que liga a cidade litorânea de Mombaça, no Quênia, e Campala, em Uganda, região do Rio Tsavo, com o objetivo de escoar o comércio de marfim. A história dos leões também é totalmente verídica, contada pelo protagonista da história em seu livro, o engenheiro chefe John Henry Patterson. Logo que os operários acamparam, começaram a sofrer ataque dos leões, até então normal, pois estavam na África, no meio da savana. Nada normal era a forma como os leões atacavam: coordenadamente, sem chance para suas vítimas, sempre em dupla, o que é um comportamento atípico em leões, e a forma como agiam: quase humana. Os nativos da região os chamavam de shaitaini (“demônios da noite”) e os ingleses traduziram isso para “sombra e escuridão”. Eram dois leões machos, adultos e sem juba (o que é um fato muito raro). Há relatos etnográficos de que em vários ataques arrastaram as vítimas vivas por metros a dentro da savana, outros relatos dão conta de que muitas vezes, começavam a devorar sus vítimas pelos pés, ainda vivas. A crueldade dos ataques, a intensidade como passaram a ocorrer fez com que os operários abandonassem a obra. Em 9 meses, eles mataram 140 pessoas. Acredita-se que a escassez de alimento, devido à uma peste que matou muitos animais predados por leões, eles viram na “fartura de seres humanos trabalhadores da ferrovia a oportunidade de comida fácil”. Após meses de tentativas frustradas, o engenheiro chefe John Henry Patterson, em 09 de dezembro de 1898, capturou e matou o primeiro leão; o outro foi morto em 29 de dezembro. Foram empalhados e estão em exposição no Chicago Field Museum of Natural History. Basta acessar o site do museu para ver as fotos e a história social com a narrativa completa sobre as vítimas dos leões. 
Décadas mais tarde, a caverna que servia de covil para os felinos foi descoberta, repleta de ossos humanos evidenciando que os devoradores haviam feito inúmeras outras vítimas. O número total nunca foi determinado, mas há uma estimativa de mais de 135 mortes está dentro provavelmente da realidade. O comportamento incomum e agressivo que até hoje intriga estudiosos do mundo animal que jamais encontraram caso semelhante. Os trabalhadores retornaram e concluíram a construção da ponte sobre o Rio Tsavo. Em 30 de janeiro de 1899, o Coronel John H. Patterson recebeu uma bacia de prata presenteada pelos trabalhadores em agradecimento por sua bravura e determinação. No dia seguinte a inauguração da ponte uma tempestade como nenhuma outra caiu sobre Nairobi, como se a água servisse para lavar o sangue deixado nos trilhos. Patterson partiu da África no final daquele ano. Mas ele retornou em 1906, e viveu muitos anos como guia de safari. Durante esse tempo ele escreveu o livro: Os Devoradores de Homens de Tsavo, que se tornou um best seller. Em 1924, ele vendeu as peles e crânios dos leões para o Museu de História Natural de Chicago, Illinois. Os dois animais foram reconstituídos e colocados em exposição em 1928.
         Durante o decorrer dos anos, o incidente foi ganhando fama, sendo assunto de livros e documentários. Vários filmes também usaram a temática do caso, incluindo The Ghost and the Darkness (1996), premiado com o Oscar, baseado no livro The Man-eaters of Tsavo, escrito pelo coronel John Patterson, que foi o homem especialista que matou estes leões. Várias explicações foram dadas para justificar o comportamento anormal dos animais. Uma das teorias era que as presas naturais dos leões na região foram mortas em massa devido a uma epidemia de peste bovina, o que forçou os predadores a buscar presas alternativas. Outros pesquisadores dizem que os animais já estavam acostumados ao gosto da carne humana devido aos vários corpos que os mercadores de escravos deixavam nas estradas que cortavam a região de Zanzibar, nome dado ao conjunto de duas ilhas do Arquipélago de Zanzibar, ao largo da costa da Tanzânia, na margem leste-africana, de que formam um Estado semiautônomo daquele país. Estudos relativamente recentes também indicam que os animais tinham problemas nos seus dentes, o que tornava caçar suas presas naturais mais difíceis.
          Também se acredita que a carne humana poderia ser “um complemento à dieta dos animais” e como os trabalhadores eram presas fáceis, eles acabaram se tornando seu alvo principal. O leão tem sido um ícone para a humanidade por milhares de anos, aparecendo em culturas de toda a Europa, Ásia e África. Apesar de incidentes de ataques a seres humanos, os leões têm tido uma representação positiva na cultura, representando tanto força como pela astúcia e nobreza. Leão foi usado como apelido por vários governantes guerreiros medievais com uma reputação de bravura, como o rei inglês Ricardo Coração de Leão, Henry, o Leão (em alemão: Heinrich der Löwe), duque da Saxônia e Robert III de Flandres apelidado de o leão da Flandres, um grande ícone nacional flamengo até o presente. Leões são frequentemente descritos em brasões, como um dispositivo em escudos ou como partidários. Leões continuam a figurar na literatura moderna e contemporânea, sendo símbolo heráldico de muitas famílias da nobreza da série de livros das Crônicas de Gelo e Fogo, como os Lannisters e os Reynes.
           Na literatura também se destacam leões personagens de caracteres variando do messiânico Aslan, um leão que apresenta muitos dos ideais associados à espécie, como liderança e coragem, em O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa e livros seguintes da série As Crônicas de Nárnia escrita por C. S. Lewis, ao Leão Covarde, antítese a esses mesmos ideais, em O Mágico de Oz. O advento de imagens em movimento viu a contínua presença do simbólico leão, um dos leões mais icônico e amplamente reconhecido é Leo o Leão, que tem sido o mascote para os estúdios da empresa Metro-Goldwyn-Mayer (MGM) desde a década de 1920. Na década de 1960, surgiu a mais famosa leoa, o animal queniano Elsa, no filme Born Free, baseado no best-seller internacional homônimo. É um filme britânico de 1966 estrelado por Virginia McKenna e Bill Travers como Joy e George Adamson, um casal que adota Elsa, um filhote de leão. Quando adulta percebem que Elsa deve viver em liberdade e a preparam para viver na natureza, soltando-a em uma reserva no Quénia. O papel do leão como rei dos animais tem sido utilizado em desenhos animados, da década de 1950 com o mangá que deu origem à primeira série japonesa de animação colorida na TV, Kimba, o Leão Branco, leão Leonardo da King, ambos da década de 1960, até o filme de animação, de 1994, da Walt Disney o Rei Leão, que também contou com a canção popular The Lion Sleeps Tonight  em sua trilha musical sonora.
Bibliografia geral consultada.
GENOVESE, Eugene, A Economia Política da Escravidão. Rio de Janeiro: Palas, 1976; KEMP, Tom, La Revolucion Industrial en la Europa del Siglo XIX. Barcelona: Libros de Confrontacion, 1976; WILLIAMS, Eric, Capitalismo e Escravidão. Rio de Janeiro: Editora Palas, 1978; CORNEVIN, Marianne, Apartheid, Poder e Falsificação Histórica. Lisboa: Edições 70, 1979; KI-ZERBO, Joseph (Org.), História Geral da África. São Paulo: Editora Ática; Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura, 1982; ELIADE, Mircea, O Sagrado e o Profano. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1992; HALBWACHS, Maurice, A Memória Coletiva. São Paulo: Editor Centauro, 2006; COSTA, Edilson da, A Impossibilidade de uma Ética Ambiental: O Antropocentrismo Moral como Obstáculo ao Desenvolvimento de um Vínculo Ético entre o ser Humano e Natureza. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2007; BOGART, Dan, “A Global Perspective on Railway Inefficiency and the Rise of State Ownership, 1880–1912”. In: Explorations in Economic History, 47(2), 2010; 158–178; CUNHA, Luciano Carlos, O Consequencialismo e a Deontologia na Ética Animal: Uma Análise Crítica Comparativa das Perspectivas de Peter Singer, Steve Sapontzis, Tom Regan e Gary Francioni. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-graduação em Filosofia.  Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2010; SCHWALB, Diego Zanoto; GARCIA, Jeferson, BECK, José Orestes, QUINSANI, Rafael Hansen, “África Meridional Inglesa: Das Estruturas Coloniais ao Desenvolvimento Econômico, Político e Social no Século XX”. In: Revista Historiador. Ano 3 (3): 41-63, dezembro de 2010; GENTILI, Anna Maria, El León y el Cazador. Historia del África Subsahariana. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales,  2012; Artigo: “Análises genéticas revelam origens dos leões modernos”. In: http://g1.globo.com/natureza/noticia/2014/04/06; MÜTZENBERG, Bruno Vinicius, O Emergente Preservacionismo Transimperial durante o Colonialismo na África: a Conferência Internacional para a Proteção da Vida Selvagem (Londres, 1900). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História. Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2015; entre outros.  
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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).             

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