sexta-feira, 15 de abril de 2016

Simone de Beauvoir - O Amor e a Condição da Mulher



Ubiracy de Souza Braga*

           O sexo não se julga apenas, administra-se”. Michel Foucault

            
         Simone Lucie-Ernestine-Marie Bertrand de Beauvoir, é, simplesmente, mais conhecida como Simone de Beauvoir (Paris, 1908, Paris, 1986), uma escritora talentosa, filósofa existencialista e feminista francesa par excellence. Escreveu romances, monografias sobre filosofia, política, sociedade, ensaios, uma autobiografia: Mémoires d’une jeune fille rangée (1958) e uma biografia: La Cérémonie des adieux suivi de Entretiens avec Jean-Paul Sartre: août - septembre 1974.  Simone de Beauvoir era a mais velha das únicas duas filhas de Georges Bertrand de Beauvoir, um advogado em tempo integral e ator amador, e Françoise Brasseur, uma jovem mulher de Verdun. Nasceu em Paris como Simone (então um nome pomposo que seu pai gostava) - Lucie (por sua avó materna) - Ernestine (por seu avô paterno, Ernest-Narcisse) - Marie (pela Virgem Maria) Bertrand de Beauvoir (ela foi orientada quando criança a dar seu nome como simplesmente “Simone de Beauvoir”). Era uma criança atraente, mas mimada, teimando para obter o que queria, tendo sido o centro das atenções em sua família. A mãe não foi uma grande costureira, e as roupas que costurou eram mal ajustadas. Ao crescer, Simone de Beauvoir não tinha amigos, exceto no âmbito familiar a irmã Hélène, que era dois anos e meio mais nova e de quem ela era próxima.
Em 1909, o avô materno de Beauvoir, Gustave Brasseur, presidente do Banco Meuse, faliu, jogando toda a sua família em desonra e pobreza. Georges não recebeu o dote devido por casar-se com Françoise, e a família teve que se mudar para um apartamento menor. Georges de Beauvoir teve de voltar ao trabalho, embora o trabalho não lhe agradasse. A família lutou durante toda a infância das meninas para manter seu lugar na alta burguesia, e Georges dizia frequentemente: “Vocês, meninas, nunca vão se casar, porque vocês não terão nenhum dote”. Beauvoir sempre esteve consciente de que seu pai esperava ter um filho, ao invés de duas filhas. Ele afirmava, “Simone pensa como um homem!” o que a agradava muito, e desde pouca idade Beauvoir distinguiu-se nos estudos. Georges de Beauvoir passou seu amor pelo teatro e pela literatura para sua filha. Ele ficou convencido de que somente o sucesso acadêmico poderia tirar as filhas da pobreza. Hélène tornou-se uma pintora. Do ponto de vista da formação ela se tornou uma adolescente desajeitada, dedicada aos livros e à aprendizagem, e preferiu ignorar os esportes porque ela não era nada atlética  e cada pessoa, socialmente busca determinada coisa e tem uma motivação diferente para se realizar no mundo. 

 
      
Ela e sua irmã foram educadas no Institut Adeline Désir, ou Cour Désir, “uma escola católica para meninas, algo que era desprezado pelos intelectuais da época”. As escolas católicas para meninas eram vistas como lugares onde as jovens aprendiam uma das duas alternativas abertas às mulheres: casamento ou um convento. Sua mãe, que Beauvoir considerava uma intrusa espiando cada movimento seu,  frequentou aulas com elas, sentada atrás delas, como se esperava que a maioria das mães fizessem. Lá Beauvoir conheceu sua melhor amiga, Elisabeth Le Coin (ZaZa nas memórias de Beauvoir). Simone amou a escola e se formou em 1924 com “distinção”. Aos 15 anos, Beauvoir já havia decidido que seria uma escritora. Jacques Champigneulle tornou-se seu mentor intelectual e amigo, aquele que sua mãe esperava que fosse cortejá-la e um dia se casar com ela. Geraldine Paro (GéGé) e Estepha Awdykovicz (Stépha) tornaram-se suas amigas. Depois de passar nos exames de bacharelado em matemática e filosofia, estudou matemática no Instituto Católico e literatura e línguas no Instituto Sainte-Marie, e em seguida, filosofia na Universidade de Paris (Sorbonne). Em 1929, quando na Sorbonne, Beauvoir fez uma apresentação sobre Leibniz. Lá, ela conheceu outros jovens, incluindo Maurice Merleau-Ponty, René Maheu e Jean-Paul Sartre que sugeriu aos outros dois que Simone, então com 21 anos, fizesse uma apresentação privada de Leibniz para ajudá-los nas provas. 
Enquanto na Sorbonne, Maheu deu a Beauvoir o apelido que lhe acompanharia ao longo da vida, Castor, dado a ela por causa do forte trabalho ético do animal. Em 1929, na idade de 21, Beauvoir se tornou “a pessoa mais jovem a obter o Agrégation na filosofia, e a nona mulher a obter este grau”. No exame final, ficou em segundo lugar; Sartre, 24 anos, foi o primeiro, mas ele havia sido reprovado em seu primeiro exame. O júri do Agrégation discutiu sobre a possibilidade de dar a Sartre ou Beauvoir primeiro lugar na competição. No final, concederam a Sartre. Sua amizade com Elizabeth Mabille (“Zaza”) foi abruptamente rompida com a morte precoce de Zaza. Simone narrou esse episódio de sua vida, em seu primeiro livro autobiográfico, Memórias de Uma Moça bem-comportada, que é a primeira parte da obra autobiográfica em que critica os valores tipicamente burgueses, onde descreve a sua educação numa família de classe média, sem dinheiro e sem relações sociais, e a sua mudança da vida, graças à literatura, à filosofia e a novas amizades. Move-a um desejo de intervenção filosófica e de que a sua vida seja útil. Sem temor escolher o seu próprio destino e de se tornar alguém. Escolhe a filosofia e com ela uma forma determinada.



          Logo se uniu estreitamente ao filósofo Jean-Paul Sartre e a seu círculo, dos amigos íntimos (a chamada família) criando entre eles uma relação social polêmica e fecunda, que lhes permitiu compatibilizar suas liberdades individuais com sua vida em conjunto. Na verdade, é difícil caracterizá-los como casal, porque viveram longas relações amorosas cada um com outras pessoas; Beauvoir, por exemplo, teve uma forte relação com o escritor norte-americano Nelson Algren logo após a guerra, e na década de 1950 manteve outra relação duradoura com Claude Lanzmann,  cineasta francês conhecido pelo documentário Shoah (1985) e também editor chefe da revista Les Temps Modernes, fundada por Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir, e professor da European Graduate School em Saas-Fee, na Suíça. Em 2009, ele publicou suas memórias sob o título Le lièvre de Patagonie.  No verão, era comum Simone de Claude Beauvoir e Lanzmann viajarem com Sartre e sua amante Michelle Vian, ex-esposa do escritor Boris Vian. Profissionalmente Simone de Beauvoir foi professora de filosofia até 1943 em escolas de diferentes localidades francesas, como os casos de cidades como Ruão e Marselha. Morreu de pneumonia em Paris, aos 78 anos. Encontra-se sepultada no mesmo túmulo de Jean-Paul Sartre no Cemitério de Montparnasse em Paris.
            Vale lembrar que Sartre em 1924 ingressou na École Normale Supérieure na mesma turma de Paul Nizan, Daniel Agache e Raymond Aron. Curiosamente músico e ator talentoso e sempre disposto a participar de brincadeiras e eventos sociais, Sartre torna-se muito popular entre os colegas na universiade. Os alunos da escola se dividem em grupos de afinidades religiosas, ateus  e “carolas”, e claro das facções políticas, socialistas, comunistas, reacionários, pacifistas. Mas Sartre adere aos ateus e aos pacifistas e enquanto Aron e Nizan aderem aos círculos socialistas e comunistas e começa a participar da vida política francesa, o que o leva a manter o individualismo e o desinteresse pela política que conservaria até o fim da Segunda Guerra. No campo filosófico, além de Bergson, passou a ler Nietzsche, Kant, Descartes e Spinoza. Já na escola começa a desenvolver as primeiras ideias de uma “filosofia da liberdade leiga”, tendo como representação a oposição entre os seres e a consciência, do absurdo e da contingência que ele viria a desenvolver posteriormente em suas grandes obras filosóficas. Seu principal interesse filosófico é o indivíduo e a psicologia. A singularidade é o que distingue um homem de outros, é o que o torna na ontogênese humana.

               Em 1931, Simone de Beauvoir é nomeada professora em Marseille, e Sartre é nomeado para o Havre. Este afastamento provoca em Beauvoir tamanha contrariedade que Sartre lhe propõe casamento. Ela se recusa, pois não queria aderir aos moldes das obrigações familiares e sociais, nem alterar a originalidade inestimável de suas relações pessoais. Aos 23 anos, Beauvoir prefere Sartre em liberdade. Lembramos nessas notas que Sartre e Beauvoir nunca formaram um casal monogâmico. Não se casaram e mantinham uma “relação aberta”. Sua correspondência é repleta de confidências sobre suas relações com outros parceiros. Além da relação amorosa, eles tinham uma grande afinidade intelectual. Beauvoir colaborou com a obra filosófica de Sartre, revisava seus livros e também se tornou uma das principais filósofas do movimento existencialista. Sua obra literária que inclui diversos volumes autobiográficos frequentemente relata o processo criativo de ambos.
No verão, os dois partem para a Espanha a convite de Fernando Gerassi, a fim de aproveitarem as férias. De volta a Marseille, Simone começa a chamar a atenção, no Lycée Montgrand, “por sua forma provocadora de lecionar”. No aparente “isolamento” de Marseille, Beauvoir aproveita para provar a si mesma que é capaz de se “despolarizar” intelectualmente de Sartre. Em outubro de 1932, a fim de ficar mais perto de Paris, Simone consegue uma transferência, não por acaso, se seguirmos a trilha aberta na psicanálise por Freud sobre as descobertas do inconsciente, para o Lycée Jeanne d`Arc em Rouen (a uma hora de trem do Havre). Logo se estabelece uma rotina: “todas as quintas-feiras Sartre vai a Rouen, e os dois passam os fins de semana em Paris”.
Do ponto de vista literário e filosófico, as suas obras oferecem uma visão sumamente reveladora de sua vida e de seu tempo. Em seu primeiro romance, A convidada (1943), explorou os dilemas existencialistas da liberdade, da ação e da responsabilidade individual, temas que abordou igualmente em romances posteriores como O sangue dos outros (1944) e Os mandarins (1954), obra pela qual recebeu o Prêmio Goncourt e que é considerada a sua obra-prima. As teses existencialistas, segundo as quais “cada pessoa é responsável por si própria”, introduzem-se também em uma série de quatro obras autobiográficas, além de Memórias de uma moça bem-comportada (1958), destacam-se A força das coisas (1963) e Tudo dito e feito (1972). Entre seus ensaios críticos cabe destacar principalmente: a) O Segundo Sexo (1949), onde se detém sobre uma profunda análise sobre o papel das mulheres na sociedade; b) A velhice (1970), sobre o real de envelhecimento, onde teceu críticas apaixonadas sobre a atitude da sociedade com os anciãos; e last but not least, e  não é um truísmo, A cerimônia do adeus (1981), onde evocou seu companheiro de tantos anos, Jean-Paul Sartre.
Simone conhece Colette Audry, também professora na mesma escola, mas uma romancista  roteirista e crítica. Audry nasceu em Orange, Vaucluse. Ela ganhou o Prix Médicis para o romance autobiográfico Derrière la Baignoiree; logo se tornam amigas. Beauvoir rejeita o quinto romance que havia acabado de escrever, insatisfeita com o resultado final. Troca ideias com Sartre e sugere que ele faça mudanças no livro que está escrevendo (A Náusea). Simone também organiza as “novas teorias” de Sartre, que mais tarde se transformariam em A Transcendência do Ego. Em Rouen, no Havre, em Paris, o trabalho em comum prossegue em conversas, nas cartas e nos famosos cadernos de notas de que ambos têm conhecimento recíproco. No outono de 1933, Sartre consegue uma bolsa de um ano no Institut Français de Berlin, onde estudará Husserl e Heidegger. Em fevereiro de 1934, Beauvoir visita Sartre em Berlim, a fim de certificar-se de que a nova paixão dele (pela esposa de um amigo) não a ameaça. De volta a Rouen, Simone acaba percebendo entre suas alunas Olga Kosakiewicz, “a pequena russa”, por quem rapidamente se afeiçoa, não demorando a ser correspondida. Com o retorno de Sartre à França, Beauvoir, ele e Olga iniciam uma espécie de triângulo amoroso, o Trio. Jacques-Laurent Bost, ex-aluno de Sartre no Havre, uma comuna francesa na região administrativa da Normandia, no departamento Seine-Maritime e acaba se juntando ao grupo de amigos de Simone e Sartre, “la petite famille”, que fazem do Hôtel Le Petit Mouton seu quartel-general.
Simone e Sartre “adotam” Olga, responsabilizando-se por seus estudos, que não tardam a fracassar. O relacionamento do Trio experimenta seu apogeu, e logo em seguida vem o declínio. Olga Kosakiewicz  inicia um envolvimento com Jacques-Laurent. E Beauvoir começa a escrever uma série de contos e novelas que mais tarde comporiam o livro Quando o Espiritual Domina. No verão de 1936, transferida para Paris, Simone começa a lecionar no Lycée Molière, instalando-se no Hôtel Royal Bretagne. Também ocorre que Sartre é transferido para Laon, mas o Trio e la petite famille continuam a existir, fazendo do Dôme seu novo ponto de relacionamento e encontro. Vítima de uma inusitada congestão pulmonar, Beauvoir é hospitalizada. Para uma convalescença apropriada ela se muda para um hotel mais confortável (e caro) na rue Delambre. Em 1937, durante uma viagem pelos Alpes, Simone envolve-se com Bost, que lhe fazia companhia - o que, de certo modo, acaba provocando a dissolução definitivamente do Trio. Incentivada por Sartre a colocar empenho de si mesma no processo criativo e em seus livros, Simone de Beauvoir começa a escrever A Convidada(1943). Considerada uma de suas melhores obras mais argutas sobre o desejo, tem como escopo o triângulo amoroso entre Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre com uma jovem que fascinava ambos. Ipso facto serve para questionar o modelo burguês de casal e de família, assim como explorar os dilemas existencialistas da liberdade, da ação e da responsabilidade individual pelo prazer.

Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir quando visitaram a Reitoria da UFC. Na foto, o casal é recebido pelo Reitor Martins Filho e pelos escritores Milton Dias e Fran Martins (os dois à direita), em setembro de 1960.

          Início orgástico de um novo trio: Beauvoir, Sartre & Bianca. Entretanto, em virtude da guerra, o relacionamento é bruscamente interrompido. Em 3 de setembro a Segunda Guerra Mundial é declarada. Sartre é convocado para o exército, Bost também. Numa Paris subitamente vazia, Simone começa a escrever um diário específico sobre este período, do qual uma parte será incorporada, bem mais tarde, em A Força das Coisas. Dispensada de suas funções no Lycée Molière desde a declaração de guerra, Beauvoir consegue, em outubro, um lugar como professora no Lycée Camille-Sée e também no Lycée Henri-IV. Nestas instituições suas aulas eram frequentemente interrompidas pelos alertas de bombardeio. Muda-se para o Hôtel du Danemark, na rue Vavin. Apesar (ɐpə'zardə) de não ser casada com Sartre, Simone obtém um salvo-conduto que lhe permite visitá-lo em Brumath, comuna francesa na região administrativa de Grande Leste, no departamento Baixo Reno. Era conhecida como Brocômago durante o período romano.   No tempo em que passam juntos, leem o que haviam escrito, utilizando uma técnica de interpretação curiosa: “cada um na ausência do outro”. Para sermos breves, “feminismo francês” é um ramo sociológico do feminismo que teria origem a partir de um grupo de estudiosos franceses, da década de 1970 à de 1990.
            O feminismo francês comparado ao anglófilo, se destaca por uma abordagem mais filosófica e literária, e seus escritos tendem a ser efusivos e metafóricas, menos preocupados com a doutrina política, e geralmente mais focados nas teorias “do corpo”. O termo inclui autores que não são necessariamente franceses, mas que trabalharam substancialmente na França ou na tradição francesa, tais como Julia Kristeva e Bracha Ettinger. Como vimos, a escritora e filósofa francesa Simone de Beauvoir escreveu romances, monografias sobre filosofia, política e questões sociais, ensaios, biografias e uma autobiografia, e é conhecida atualmente por seus romances metafísicos, incluindo Ela Veio Para Ficar e Os Mandarins, e por sua obra-prima O Segundo Sexo, de 1949, uma análise detalhada da opressão sofrida pela mulher e um tratado com as fundações do feminismo contemporâneo. O livro estabelece um existencialismo feminista, que determina uma revolução moral. Como existencialista, aceitou o preceito de Sartre de que “a existência precede a essência” e, portanto, “não se nasce uma mulher, torna-se uma”. Sua análise se concentra na construção social da Mulher como “o Outro”, que ela identifica como sendo fundamental à opressão da mulher.
  Um de seus argumentos principais é o de que as mulheres teriam sido consideradas, ao longo da história, como anormais e transviadas, e sustenta ainda que até mesmo Mary Wollstonecraft é geralmente considerada a fundadora do feminismo. Seu pensamento marca a primeira elaboração sistemática de um entendimento das raízes da opressão sofrida pelas mulheres, pois ao nível afetivo ela considerava os homens como o ideal ao qual as mulheres deviam aspirar; para o feminismo seguir adiante, segundo ela, esta atitude deveria ser abandonada. Na década de 1970 as feministas francesas abordaram o feminismo com o conceito categórico “écriture féminine”. Segundo  Hélène Cixous  ensaísta, dramaturga, poetisa e crítica literária francesa com diversos títulos honorários de universidades canadenses, irlandesas, britânicas e norte-americanas a escrita e a forma de pensar a filosofia seriam “falocêntricas”, e como Luce Irigaray, filósofa e feminista belga é uma pensadora interdisciplinar cujos trabalhos se dividem entre filosofia, psicanálise e linguística.  Enfatizou a “escrita do corpo” como um exercício prático subversivo. Enfim, além disso, a filósofa e psicanalista feminista Julia Kristeva influenciou a teoria feminista, em especial a crítica literária feminista, e, a partir da década de 1980, a artista e psicanalista Bracha Ettinger influenciou a crítica literária, história da arte e a teoria cinemática. Como anteviu ainda Elizabeth Wright: - “nenhuma destas feministas francesas se alinha com o movimento feminista tal como ele aparecia no mundo anglófilo”.




          Quando surgiu, em 1949, “O Segundo Sexo” causou tanta admiração, quanto estranheza. Originava-se uma obra vasta, tecnicamente dividida em dois volumes, bem documentada e alicerçada na lógica e no conhecimento e aparentemente muito pouca feminina. Às mulheres então estavam reservadas no âmbito da divisão social do trabalho aos fecundos gêneros literários como o romance ou a novela para perceber sua importância na formação do sujeito e da sociedade. Tendo como missão, sem ser messiânica, pôs a nu a condição feminina, explorou áreas ligadas à situação da mulher no mundo, englobando história, filosofia, economia, biologia, etc., bem como alguns “case studies” e algumas experiências particulares. Simone queria demonstrar para o mundo social e afetivos que a própria noção de feminilidade era uma ficção inventada pelos homens na qual as mulheres consentiam, fosse por estarem pouco treinadas nos rigores do pensamento lógico ou porque calculavam ganhar algo com a sua passividade, perante as fantasias masculinas que tem como representação a legitimação e ocultação da exclusão que sua expressão determina.
          Enfim, comparando ainda Simone de Beauvoir, se me permitem a digressão, está longe de ser (e deveria?) uma Maria Quiteria de Jesus (1792-1853), militar brasileira, heroína da Guerra de Independência e menos ainda, a revolucionária Anita Garibaldi, Ana Maria de Jesus (1821-1849), a companheira do revolucionário Giuseppe Garibaldi, sendo conhecida como a “heroína de dois mundos”? Ou mesmo uma Olga Benario Prestes, companheira do líder comunista Luiz Carlos Prestes, de façanha ímpar no contato com o gentio mais diverso um movimento político-militar de origem tenentista, que entre 1925-27 se deslocou pelo interior do país pregando reformas políticas e e combatendo o governo do então presidente Arthur Bernardes e, posteriormente, de Washington Luís?Ou, pelo talento político de Hilary Rodham como estadista, conquanto se fosse contrarrevolucionária, certamente poderia ser igualada a Marie Curie, em verdade Maria Sklodowiska, pioneira no estudo da radioatividade  que obteve o prêmio Nobel, ou, como Margaretha Geertruda Zelle quando servindo-se de sua capacidade de sedução para trabalhar como “espiã dos franceses para o governo alemão”.
Um tribunal francês ordenou que fosse fuzilada, por “alta traição”, ou ainda como no caso da escritora Virginia Woolf, pela moradia londrina de Bloomsbury onde passaram autores como J. M. Keynes e C. M. Foster, que se suicidou afogado por medo de distúrbios mentais - Michel Foucault chegara tarde para acudi-la com sua genealogia sobre o saber-poder. Ou ainda, como aquela mulher que deve constar de nosso inconsciente, para fazermos referência à Freud, a brasileira, cantora e atriz que “fez fama em seu país”, chamada Maria do Carmo Miranda da Cunha, luso-brasileira  e precursora do tropicalismo, talvez, mal comparando nos dias de hoje a uma Britney; a missionária Gonxha Agnes, reconhecida como Tereza de Calcutá; a cantora Edith Piaf, que “fora criada pela avó que dirigia uma casa de prostitutas”; a política Evita Perón, casada com o líder populista argentino Perón, pois como mulher lutou pelos direitos civis dos trabalhadores e da mulher, tal qual La Negra, Mercedes Sosa neste país, entoando “gracias a la vida que me ha dado tanto”; ou mormente a atriz norte-americana Grace Kelly, cuja sina foi ter abandonado a sua carreira de cinema como estrela para casar-se em 1956, com o príncipe Rainer de Mônaco, quando posteriormente morre num acidente de trânsito quando viajava com a sua filha Estephanie de Mônaco, como na homenagem entoada na voz do cantor Paulo Ricardo na incisiva toada de “Olhar 43”.

Melhor dizendo, para insistirmos nesta direção, para louvar a Deusa, como se referem os gregos “se conhece pelo andar”, Leila Diniz (1945-1972), conhecida como “a mulher de Ipanema”, defensora do “amor livre e do prazer sexual”, tal como fora Simone de Beauvoir, é sempre lembrada como símbolo da revolução sexual feminina, que rompeu os conceitos e tabus em moda, esclarecidos in partibus infidelium pelos estudos do antropólogo francês Claude Lévi-Straus, “que não gostou da baía de Guanabara, pois achou que ela tinha uma boca banguela”. Mas neste caso, por meios das ideias e atitudes de uma mulher; como também ocorrera, no plano obscuro da política para a mulher islâmica, Benazir Bhutto, líder do partido popular do Paquistão (1953-2007), primeira mulher que ocupou o cargo de premiê de um país muçulmano, ipso facto fora assassinada em plena campanha política. Mas a perda também se dá como ocorrera com a Realeza inglesa quando a jovem e bela Diana de Gales, reconhecida socialmente como a “Princesa do povo” (1961-1997), morre ao lado do namorado em um controvertido puzzle, ainda inexplorado acidente de trânsito “à la James Bond”, quando fugia supostamente da perseguição vampiresca dos chamados “paparazzi”, uma nova farsa da “notícia avant première”, enquanto indiscretos fotógrafos de celebridades. 

Bibliografia geral consultada.

BORNHEIM, Gerd, Sartre. Coleção Debates. São Paulo: Editora Perspectiva, 1971; SARTRE, Jean-Paul, Critique de la Raison Dialectique. Paris: Éditions Gallimard, 1960; SOBOL, Donald, The Amazons of Greek Mythology. Nova Yorque, 1972; BEAUVOIR, Simone de, O Segundo Sexo. 1. Fatos e Mitos. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1991; Idem, O Segundo Sexo. 2. A Experiência Vivida. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1980; SCHORSKE, Carl, Viena fin-de-siècle - Política e cultura. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1988; ASCHER, Carol, Simone de Beauvoir: Uma Vida de Liberdade. Rio de Janeiro: Editor Francisco Alves, 1991; MEZAN, Renato, A Sombra de Dom Juan. São Paulo: Editora Brasiliense, 1993; SIMMEL, Georg, “O Papel do Dinheiro nas Relações entre os Sexos - Fragmento de uma Filosofia do Dinheiro”. Disponível em: Filosofia do Amor. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1993; SCHUMAHER, Schuma  e VITAL BRAZIL, Érico (Organizadores),  Dicionário Mulheres do Brasil – De 1500 até a Atualidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000, “Feminismo pós-1975”, pp. 229 e ss.; ROMANO, Luís Antônio Contatori, A Passagem de Sartre e Simone de Beauvoir pelo Brasil em 1960. Tese de Doutorado. Instituto de Estudos da Linguagem. Universidade Estadual de Campinas, 2000; BECKER, Howard, Falando da Sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 2009; GUIMARÃES, Maíra, O Universo Feminino à Luz de Simone de Beauvoir: Vida, Ficção e Teoria. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Letras. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais , 2015; entre outros.  
 
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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto a Escola de Comunicações e Artes (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (UECE).

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