sábado, 29 de agosto de 2015

Heitor Férrer – Cargo Legislativo & Política à Marteladas.

Ubiracy de Souza Braga*

                                                      “Minha maior simpatia sempre foi pelo PSB”. Heitor Correia Férrer


Falar em valor implica em falar em moral. Mas falar em moral em Nietzsche jamais quer dizer falar em maneiras prescritas para agir, pensar e sentir, pelo contrário. É falar em perspectivas ou “perspectivas avaliadoras”. E Nietzsche toma como ponto de partida a civilização grega antes de Sócrates, ou bendita pré-socrática.  A Grécia pré-socrática foi assolada pelo “demônio de Sócrates”, expressão do próprio Nietzsche que instituiu um modo de pensar e sentir que dominou o mundo: a razão como instância e escopo para determinar a verdade e a mentira. E com a derrocada da multiplicidade das religiões pagãs, a morte dos deuses gregos, surge então o imperador da desgraça: o deus monoteísta. Os sacerdotes passam a dominar e classificar a vida, melhor dizendo, a moral do ressentimento, portanto, dos fracos, aquela que passa a sobrepujar a moral expansiva à vida. Sofremos de uma impotência para admirar uma força que se afirma, morremos de medo da mínima possibilidade de transvaloração dos valores, queremos paz estupidificante, o sono dos justos. O ressentimento é hostilidade para com o mundo e a busca por um entorpecimento contra ele.

O Partido Socialista Brasileiro (PSB) é um partido político brasileiro fundado em 1985 e registrado oficialmente em 1988. Foi criado por um grupo político que reivindicou a legenda e sigla do antigo PSB. O partido utiliza como símbolo uma pomba da paz e suas cores são vermelho, amarelo e branco. Em dezembro de 2021 o PSB possuía 635.837 filiados, sendo São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais os estados com mais membros. O partido político teve membros ocupando importantes postos nos governos dos presidentes Itamar Franco, Luís Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer. Colocou-se como oposição aos governos de Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso e, em determinados momentos, também aos governos de Dilma Rousseff e do Vice-presidente Michel Temer. A maior parte dos deputados federais do partido faz oposição ao governo autoritário de Jair Messias Bolsonaro. Com a redemocratização (1985), foi fundado um novo Partido Socialista Brasileiro, contudo, resgatando o programa e manifesto apresentados em 1947, por João Mangabeira.

Entre os signatários do partido, estavam os juristas Evandro Lins e Silva, Evaristo de Morais Filho e o escritor Rubem Braga.  Para presidir a primeira comissão provisória foi escolhido o linguista Antônio Houaiss, que no ano seguinte deixou a presidência do partido para o senador Jamil Haddad. A secretária-geral ficou com Roberto Amaral (ex-PCBR). O novo PSB nasceu buscando conquistar espaços em um eleitorado de esquerda já integrado a outros partidos (como o PT e o PDT). Em 1986, apesar da intensa mobilização, o PSB elegeu apenas uma deputada para a Constituinte. Mas, dois anos depois, rompido com Brizola, o prefeito do Rio de Janeiro, Saturnino Braga, deixou o PDT para retornar ao PSB, sua antiga agremiação. Em 1988, Arthur Virgílio Neto é eleito prefeito de Manaus pela legenda. Mais tarde, trocaria o PSB pelo PSDB. Em 1989, o PSB coligou-se ao Partido dos Trabalhadores (PT) e ao PCdoB para formar a coligação “Frente Brasil Popular”, que lançou a primeira candidatura de Luís Inácio Lula da Silva à presidência da República. O PSB indicou, então, a vaga para vice, com o senador gaúcho José Paulo Bisol (ex-PMDB e PSDB).

Vivemos no aqui e agora, e Friedrich Nietzsche inverte a forma de avaliar os valores. A pergunta a ser feita não é mais agir pelo “Bem” ou pelo “Mal”, mas “Para além do bem e do mal”. O único critério que não depende de classificação, e que se impõe por si só é a vida que não pode ser julgada. Pois não há outra para que possamos julgá-la, a vida é, tal como ela é: pluralidade. A vida é pluralidade de forças agindo querendo se expandir. Não convém a razão dizer que força é essa. Ela não é essência, é aparência: onde há vida há forças em movimento agindo em busca da expansão. A vontade se mostra como sede de dominar, fazer-se mais forte, constranger outras forças mais fracas e assimilá-las. Quanto pode uma força? No mundo da natureza a onda sonora que se expande, o ímã que atrai, a célula que se divide formando o tecido orgânico, o animal que subjuga o outro são exemplos desta vontade que não encontra um ponto de repouso, mas procura sempre conquistar mais. Cada força, quando dominante, abre novos horizontes, encontra novas passagens, cria novos caminhos. Se o amor pela vida se auto-impõe como incondicional já que não há como julgá-la, colocamos a vida como centro de avaliação e perguntemos: o que eu estou chamando de “bom” e o que eu estou chamando de “mal” são expansivos, são potentes à minha vida em dada situação?
 

Heitor Correia Férrer nasceu em Lavras da Mangabeira em 11 de outubro de 1955. Lavras da Mangabeira é uma alusão à atividade que foi exercida no local, a mineração, e o nome da árvore abundante na região, a mangabeira (“Hancornia speciosa”). Sua denominação original era São Vicente Ferrer de Lavras de Mangabeira, depois São Vicente das Lavras, Lavras e, desde 1911, Lavras da Mangabeira. Com a expansão da Estrada de Ferro de Baturité até a cidade do Crato em 1910, no município de Lavras da Mangabeira foram inauguradas três estações de trem (Arrojado – antigo Paino; Lavras da Mangabeira – antiga Lavras; Iborepi – antigo Riacho Fundo). Esta malha ferroviária representou o impulso para a economia local, principalmente porque a partir da estação de Paino ou Arrojado, o Ceará ficou ligado à Paraíba via o Ramal da Paraíba. Famílias que vieram a Lavras da Mangabeira em busca do ouro estabeleceram-se de modo a constituir essa cidade e consolidar sua própria história. Buscando conservar seu sangue, herança genética e seus sobrenomes, mantiveram uniões entre  famílias e podem ser observados como clãs, que ainda hoje conservam esses padrões e moram ou mantem fortíssimas ligações com a cidade e entre sua família.
Atualmente, encontra-se em seu  mandato legislativo como deputado estadual na Assembleia Legislativa do Ceará. Foi vereador de Fortaleza por quatro (04) mandatos consecutivos. É médico formado pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com pós-graduação em “Doenças Tropicais e Saúde Pública”. Filiado ao Partido Democrático Trabalhista (PDT) desde 1987 elegeu-se vereador de Fortaleza em 1988, tendo sido reeleito por mais três (03) mandatos consecutivos. Nas eleições de 1998, foi candidato a Vice-Governador na chapa encabeçada por José Aírton (PT). Assumiu seu primeiro mandato como deputado estadual em fevereiro de 2003, “tendo sido o parlamentar que mais apresentou projetos sociais naquela legislatura”. Nas eleições de 2010, Férrer foi reeleito para o 3° mandato como deputado estadual, com 53.311 votos. Na eleição municipal de Fortaleza em 2012, foi candidato a prefeito como membro da coligação “Fortaleza Merece Mais” (PDT/PPS). Obteve 262.365 votos (20,97% dos votos), ficando bem posicionados em 3° lugar entre os 10 candidatos. Seu desempenho foi surpreendente nas eleições de 2014. Foi eleito o 4° mais votado com 93.876 votos.
 Buffet milionário, compra de helicópteros sem licitação, foto infringindo lei de trânsito, sorteio de ingressos de show via Facebook. O então governador Cid Gomes atraiu vários holofotes nacionais para a política cearense em apenas um mês. E, sobretudo deu motivos de sobra para as críticas de seu único opositor na Assembleia Legislativa, o deputado Heitor Férrer (PDT). Atento às contas públicas do Estado, foi o parlamentar o maior beneficiado politicamente com as escorregadas do chefe do Governo. -“O governador não pode entender como natural a aquisição de equipamentos sem licitação, porque a lei não permite. Ele não pode encarar como normal gastar num dia só, na inauguração de um equipamento, como o Centro de Eventos, R$ 3,1 milhões com um cantor e R$ 600 mil com buffet. Porque isso é extrapolar a razoabilidade e a sanidade. É um governador que tem méritos, mas que perde o senso republicano em algumas de suas atitudes”, avalia Heitor, ao jornal Tribuna do Ceará. Chamado de “desonesto” e “demagogo” pelo coronel Cid Ferreira Gomes, o deputado Heitor Férrer rebate o que seria politicamente uma série de desonestidades do político e ex-governador. Vejamos: - “Desonestidade é embarcar a sogra num avião pago pelo povo do Ceará”. Apesar da relação tensa, ele garante não há desrespeito de sua parte. - “Se eu me encontrar com o governador – afirma o deputado estadual Heitor Férrer - numa solenidade oficial, cumprimento sem o menor constrangimento, sem o menor sentimento de rancor. É uma relação puramente institucional”.

         O Partido Socialista Brasileiro (PSB) é um partido político de esquerda brasileiro que aparentemente segue a ideologia socialista democrática. Foi criado em 1947 a partir da “Esquerda Democrática”, até ser extinto por força do Ato Institucional nº 2, de 1965. Em 1985, com a redemocratização no Brasil, foi recriado. Entre 1947 e 1964, editou o jornal Folha Socialista. Obteve registro definitivo junto ao Tribunal Superior Eleitoral em 1º de julho de 1988 com o código eleitoral 40. Externamente, é membro do Foro de São Paulo, uma organização que reúne partidos políticos e organizações de esquerda, criada em 1990, a partir de um seminário internacional promovido pelo Partido dos Trabalhadores (PT), do Brasil, que convidou outros partidos e organizações da América Latina e do Caribe para promover alternativas às políticas dominantes na região durante a década de 1990, e para promover a integração latino-americana no âmbito econômico, político e cultural. Segundo a organização, atualmente mais de 100 partidos e organizações políticas de diversos países participam dos encontros políticos. Antes de 1947, houve diversas agremiações com o nome de “Partido Socialista Brasileiro” na história do movimento operário e socialista nacional.
        Na primeira década de século XX, foram criados alguns partidos socialistas de caráter regional e em 1932, registrou-se a fundação de um efêmero Partido Socialista no Rio de Janeiro, de formação tenentista e plataforma pró-Getúlio Dornelles Vargas. Em abril de 1947 por ocasião dos debates em torno da 2ª Convenção Nacional da Esquerda Democrática, no Rio de Janeiro, seus integrantes decidiram constituir-se como Partido Socialista Brasileiro - PSB, sob a liderança de João Mangabeira, Hermes Lima e Domingos Vellasco. O PSB foi registrado em 6 de agosto de 1947, contando em sua bancada com os dois deputados federais eleitos pela ED. De formação antigetulistas, o PSB procurou representar uma alternativa às políticas do PTB e do PCB. Aos primeiros, censurava tanto a dedicação à figura do caudilho quanto à excessiva vinculação com as estruturas sindicais corporativistas fascistas herdadas na ditadura do Estado Novo (1937-45). Mesmo contrário ao chamado “culto à personalidade”, ao centralismo e ao busílis de democracia interna dentre comunistas, o PSB aceitava algumas teses marxistas, defendendo a socialização dos meios de produção, apesar de sua influência no movimento operário ser incipiente.
           Em seu programa, o Partido Socialista Brasileiro (PSB) defendeu a “transformação da estrutura da sociedade, incluída a gradual e progressiva socialização dos meios de produção”, que deveria se realizar dentro das regras da luta democrática e liberal. Dessa forma, o partido procurou situar-se a meio caminho entre o socialismo radical de inspiração marxista e a social-democracia. Para o PSB, o regime soviético era definido com um “capitalismo de Estado”. Segundo o Programa de 1947: “A socialização realizar-se-á gradativamente, até a transferência, ao domínio social, de todos os bens passíveis de criar riquezas, mantida a propriedade privada nos limites da possibilidade de sua utilização pessoal, sem prejuízo do interesse coletivo”. Sua crítica ao stalinismo levou o PSB a atrair intelectuais como Rubem Braga, José Lins do Rego, Antônio Cândido, Joel Silveira, José Honório Rodrigues, Fúlvio Abramo, Mário Apolinário dos Santos, João da Costa Pimenta, José de Freitas Nobre, Hélio Pellegrino e Sérgio Buarque de Holanda. Por algum tempo, o PSB também recebeu a adesão da tendência trotskista liderada por Mário Pedrosa, mas esta foi expulsa em 1949, tornando-se a Liga Comunista Internacionalista. Nessa época, o PSB foi influente na União Nacional dos Estudantes (UNE), durante os exercícios dos presidentes Roberto Gusmão (1947/48) e Rogê Ferreira (1949/50).
 
O deputado Heitor Férrer em seus mandatos na Assembleia Legislativa e na Câmara ficou marcado positivamente por denúncias que atingiram parlamentares e membros do Executivo, “virando escândalos inclusive nacionais”. É político disciplinado, tendo a política como vocação e seu mandato se pauta pela curiosidade, na busca de informações. – “Eu gosto de ler diários oficiais, de buscar as análises das cotas do Governo. Eu ando com relatório técnico do Tribunal de Contas, para saber quanto o Governo gastou em cada área. Por exemplo, nós já estamos no meio do ano e o governador não aplicou quase nada em ciência e tecnologia, 0,29% do previsto. Sou muito curioso e tenho uma boa assessoria. Tenho dois advogados, um administrador, assessores de informática e de imprensa, secretária só para cuidar da agenda, outra pessoa que alimenta o site com informações diárias. Um dos advogados faz todo dia a leitura do Diário Oficial, que é um jornal que ninguém lê. Com uma assessoria complexa, o mandato acaba se enriquecendo de informações”.
Na entrevista à Tribuna do Ceará – “Qual é o sentimento de chegar à tribuna e fazer uma denúncia que o senhor sabe que terá grande repercussão?”, Heitor Férrer responde: – “A gente não sabe exatamente o que vai repercutir. A oposição diz que eu tenho ansiedade para aparecer na mídia. Ora, todo homem público tem interesse de aparecer na mídia, porque ele vive de votos. O importante é ser imparcial e impessoal. O que denuncio são casos que chamam a atenção porque causam perplexidade. Por exemplo, quando o governador do Estado resolveu fazer uma reforma no Palácio da Abolição, divulgada no edital de licitação por R$ 39 milhões, eu fui ler o edital, e detectei que as torneiras custariam R$ 2.045. Como é que o Ceará pode bancar uma torneira por R$ 2.045? Fui à tribuna, denunciei, a imprensa ajudou a revelar e o governador se incomodou tanto com os questionamentos que acabou reformulando o edital de licitação. No fim, o valor caiu de R$ 39 milhões para R$ 19 milhões. Portanto, nós conseguimos uma economia de R$ 20 milhões para o bolso dos cearenses”. 
Bibliografia geral consultada.

DUVERGER, Maurice, Os Partidos Políticos. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1954; NIETZSCHE, Friedrich, Così parlò Zarathustra. A cura di Giorgio Colli e Mazzino Montinari. Milano: Adelphi Editore, 1968; MARTON, Scarlett, Nietzsche: Uma Filosofia a Marteladas. 2ª edição. São Paulo: Editora: Brasiliense, 1992; ROSS, Werner, El Águila Angustiada. Buenos Aires: Ediciones Paidós, 1994; LIMA JÚNIOR, Olavo Brasil (Org.), Sistema Partidário Brasileiro: Diversidade e Tendências (1982-1994). Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1997; ARRUDA, José Maria (Org.), A Era Jereissati: Modernidade e Mito. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2002; BOBBIO, Norberto, Ni con Marx ni contra Marx. 1ª edição. Espanha: Fondo de Cultura, 1999; Idem, Il Futuro della Democrazia. 1ª edição. Itália: Einaudi Editore, 2005; LACLAU, Ernesto, La Razón Populista. Buenos Aires: Fondo de Cultura Econômica, 2007; RORTY, Richard, Contingência, Ironia e Solidariedade. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2007; ALENCAR, Gustavo Magno Barbosa, Pelas Tramas da Política: A Constituição do Partido Liberal Moderado na Província do Ceará (1830-1837). Dissertação Mestrado. Programa de Pós-graduação em História. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2014; ANJOS, Herbert Gler Mendes dos, Socialismo e Liberdade: O PSB e a Cultura Socialista-democrática no Brasil (1945-1965). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História. Instituto de Ciências Humanas. Brasília: Universidade de Brasília, 2014; BIZERRO, Joice Mara Cesar, A Trajetória do Partido Socialista Brasileiro (PSB) no Nordeste: Organização e Atuação na Arena Eleitoral (1988- 2012). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Ciência Política. Teresina: Universidade Federal do Piauí, 2014;  Artigo: “Minha maior simpatia sempre foi pelo PSB, diz Heitor Férrer”. Disponível em: http://www.opovo.com.br/2015/08/29/; entre outros.
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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Ludwig Wittgenstein: Uma Aproximação Conceitual.

Leonel Olimpio*

                                      “O conhecimento é uma ilha cercada por um oceano de mistério”. Ludwig Wittgenstein


Ludwig Wittgenstein with his school class in Lower Austria, 1922-24. 

Quando tratamos de analisar a filosofia de Ludwig Wittgenstein será impossível compreende-la se olharmos de maneira dogmática, ou com parâmetros da filosofia anterior, é preciso analisa-lo com a própria filosofia de Wittgenstein. Quando falo de uma filosofia dogmática, refiro a algo que pode ser interpretado de modo muito sistemático, o que Ludwig detestava. Foi esse um dos motivos dele ter se tornado fã de Sigmund Freud. O inventor da Psicanálise escrevia e refletia de uma maneira totalmente contrária ao dogmatismo. E Wittgenstein adorava isso, porém achava que Freud errava na conclusão de seus trabalhos quanto a interpretação sobre os sonhos, já que o alemão tendia a levar os sonhos para um lado sexual. Mas para Wittgenstein os sonhos tem sim um significado, porém não dessa maneira. Porque para ele, Freud tentava separar a interpretação dos sonhos dos sentimentos dos sonhos! E quando isso ocorre, o sonho já teria outro sentido.
A linguagem e o mundo se correlacionam, e neste sentido ela é uma forma de representação (“αντιπροσώπευση”), porém não é possível descrever pela linguagem o mundo como totalidade. Essa seria a essência de alguns dos vários pensamentos desse filósofo. A maneira como sua filosofia é analisada por alguns intérpretes de seu legado, faz com que ele seja classificado como um filósofo neopositivista, o que é injusto. Entendemos como neopositivista a corrente que negava em parte a metafísica, pois eles valorizavam a ciência e achavam que a metafísica não teria nenhuma contribuição. Considerando-a não somente inútil e contraditória como desprovida de significado. Nessa medida isso não cabe para Wittgenstein, que a exaltava e estudava de maneira intensa. Ele ainda chega a dizer: - “Mesmo [com] todas as questões científicas possíveis tendo obtido resposta, nossos problemas de vida não terão sido sequer tocados”.
Wittgenstein de fato influenciou a corrente neopositivista com o seu “Tractatus Logicus-Philosophicus”, no entanto, o maior crítico desse livro foi o próprio austríaco. Que inclusive em seus cadernos de 1914-16 discute o Tractatus, e em uma das cartas da mesma época ele diz que o sentido do Tractatus é uma obra ética. Isso é uma discussão muito longa tratada por todos que analisam e leem a filosofia de Wittgenstein. Uma definição muito boa sobre o Tractatus é que “O Tractatus é uma obra ética, justamente por não falar sobre ética”. Ou seja, na interpretação de Ludwig Wittgenstein não seria possível existir uma ciência que pudesse de fato estudar a ética. Não é que não se pudesse falar de ética, mas quando tentamos estudá-la a perspectiva sempre será da própria pessoa que fala. E neste sentido afirma: - “Eu só posso dizer: eu não ridicularizo essa tendência no homem, eu me descubro diante dela”.
                        

A metafísica para Wittgenstein nunca foi algo que devesse ser negado ou que seria desprovido de significado. Wittgenstein se opôs a isso, de sua maneira. Como ele mesmo diz: - “Minha filosofia é como ajudar uma mosca a voar fora do pote”. Ele mesmo chega a admitir que o seu “Tractatus” beirou o absurdo, foi feito contra uma filosofia dogmática e quase se torna uma. A importância do amadurecimento intelectual de Wittgenstein em sua filosofia é grande e sempre deve ser ressaltada. Ele foi o maior crítico dele mesmo. Seu livro póstumo “Investigações Filosóficas” representa um aspecto de seu amadurecimento. É nesse livro que ele quebra com a questão meramente da linguagem única. Demonstra os “Jogos de Linguagem”, termo que demonstra como Ludwig passa a entender a linguagem, como um jogo, em que você deve saber usar as regras bem, como a própria linguagem.
Os filósofos neopositivistas, como já inferimos, são tidos por quase ridicularizarem a metafísica, o que Wittgenstein não concordava nem um pouco. O próprio diz: - “Muitas das maiores obras que já lí, eram obras, textos metafísicos”. Sua admiração cognitiva fez com que ele se tornasse um crítico dela e assim pudesse analisá-la. O filósofo austríaco para nos referirmos ao ambiente de sua familiaridade intelectual, encontrava questões abordadas na metafísica com uma concepção bem desnorteada. Com a proposição de sua filosofia da linguagem ele encontrou várias formulações metodológicas elaboradas de maneiras errôneas. Ele começa então através da compreensão de sua “linguagem” a critica-la.
Wittgenstein, por exemplo, não quer saber: “O que é liberdade?”, mas primeiro de tudo ele acha que ao formularmos essa pergunta precipitada, primeiro deveríamos nos perguntar: “Como a liberdade é associada a realidade?”, e, “Que realidade?”. Ou ainda: “A realidade de quem?”. É a questão que ele próprio cita, no exemplo do jogo de Xadrez, que poderíamos nos lembrar da clássica cena do filme: “O Sétimo Selo” do grande cineasta e gênio sueco Ingmar Bergman, aonde o jogador de xadrez enfrenta a morte. Nós humanos quando nos deparamos com a morte, enfrentaremos de maneiras totalmente diferentes. Cada um com seus atos, seus sentimentos, suas frustrações, é a morte, porém, cada um enfrenta a morte de uma maneira diferente. Você poderá jogar contra qualquer pessoa, computador não é o mesmo jogo, mas tem as mesmas regras, porém as experiências são diferentes, a maneira como cada um jogar o jogo é diferente.
Então se fossemos, por exemplo, refletir em análise comparativa o filósofo Sócrates com Wittgenstein, os dois em relação ao homem, teriam sérias discordâncias. Pois para Sócrates, o homem deve buscar a verdade una, e para o austríaco ele indaga o que é a verdade, e ainda diria que se existir a verdade, o que de fato seria ela? A minha dor de dente, não é igual a sua, ou a de qualquer outro alguém, mas damos o mesmo nome a essas dores, então qual seria de fato verdadeira? Para o austríaco se, por exemplo, duas pessoas estivessem conversando e um falasse: - “Você gosta de futebol?”, e outro perguntasse: - “Que tipo de futebol?”. Ludwig diria que representa um problema de linguagem. Pois futebol para os dois seriam jogos diferentes, embora com a utilização da mesma palavra.
É bem conhecido e narrado por muitas pessoas um “causo” que teria acontecido entre Wittgenstein e Bertrand Russel, seu mestre. Russel teria dito: - “Nesse quarto não há um hipopótamo”. Ludwig diz que é impossível saber, uma pergunta que não tem como responder, pois não é uma simples pergunta, mas uma pergunta metafísica. Russel fica indignado, chegou a olhar embaixo das mesas que estavam para provar que o animal não estaria ali. Wittgenstein relutava em dizer que, do ponto de vista das propriedades da filosofia da linguagem, não tem como saber a resposta para essa pergunta.

Imagem. The Music salon in the Palais Wittgenstein, onde aborda a questão dos solipsistas em seus escritos. Ele refere-se principalmente a questão das experiências reais ou não reais. A sua metafísica aborda muito a questão da própria realidade, até de um ponto hermenêutico de Gadamer, que seria uma aproximação do que de fato seria “a verdade”. A hermenêutica filosófica de Hans-Georg Gadamer nega que exista apenas uma interpretação metodológica para se alcançar a verdade. Mas afirma que há uma predisposição à sua existência. Porém Wittgenstein chega por uma base lógica a refutar a ideia dos solipsistas, que eram céticos radicais. Ele contesta o que os solipsistas dizem: - “Apenas minhas experiências são reais” e “As experiências de todos são reais”. Há uma notória “quebra” lógica nessas afirmações. Assim, concorda que as experiências de cada um são diferentes das dos outros, porém essas afirmações são negativas entre si. E então, de fato há ou não experiências reais? E o que são elas?
Para Ludwig, os filósofos deveriam ser como Friedrich Nietzsche, quase que poetas, transbordando potência e “ajudando a mosca a voar para fora do frasco”. Ludwig fazia isso a sua maneira, porém foi muito mal compreendido, até pelo seu mentor, Bertrand Russel, que achava que Wittgenstein havia enlouquecido. Um homem apaixonado, irascível, meticuloso e acima de tudo, um gênio, que se dedicou de maneira intensa a sua filosofia, não tentou se adequar ao mundo, mas fez com que o mundo no âmbito discursivo da linguagem tivesse que se adequar a ele.
Bibliografia geral consultada.
WITTGENSTEIN, Ludwig, Tractatus Logico-Philosophicus. Londres: Routledge & Kegan Paul Ltd., 1922; Idem, Investigações Filosóficas. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1989; Idem, The Blue Book; Wittgenstein, Ludwig, Lectures on Philosophy (Cambridge 1932, 1933). Monk, Ray, Ludwig Wittgenstein-The Duty of Genius. Londres: Vintage Books, 1991; HARTNACK, Justus, Wittgenstein y La Filosofia Contemporanea. Barcelona: Editorial Ariel, 1977; MORENO, Arley R., Wittgenstein-Ensaio Introdutório. Rio de Janeiro: Livraria Taurus Editora, 1985/1986; BAKER, Gordon, Wittgenstein, Frege and the Vienna Circle. Oxford: Basil Blackwell, 1988; BUCHHOLZ, Kai, Compreender Wittgenstein. 2ª edição. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 2009; BALIEIRO, Marcos Ribeiro, Essa Mistura Terrena Grosseira: Filosofia e Vida Comum em David Hume. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Filosofia. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2009; GIMBO, Fernando Sepe, Foucault, o Ethos e o Pathos de um Pensamento. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, 2015; SIAPKAS, Johannes, “Ontología del Otro: Reflexiones sobre la Filosofía de Michel de Certeau”. In: La Torre del Virrey. Revista de Estudios Culturales, nº 17, pp. 48-59, 2015/1; entre outros. 
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* Aluno do curso de graduação em Filosofia. Centro de Humanidades. Fortaleza:  Universidade Estadual do Ceará (UECE).

domingo, 23 de agosto de 2015

Máquinas Celibatárias, Política & Ideologia Eleitoral

Ubiracy de Souza Braga*

Michel Carrouges isolou, sob o nome de máquinas celibatárias, certo número de máquinas fantásticas”. Gilles Deleuze e Félix Guattari 


 
O celibato do latim “cælibatus” representa o estado daquele que não é casado ou que é célibe é, na sua definição literal, o estado de uma pessoa que se mantém solteira, sem obrigação de manter a virgindade, podendo ter relações sexuais. No entanto, o termo é popularmente usado para descrever uma pessoa que escolhe abster-se de atividades sexuais.  Para a Igreja Católica Apostólica Romana, a castidade antes do casamento é uma forma de conhecer o parceiro. A Igreja aceita que o desejo pelo prazer sexual faz parte da natureza humana, mas que a felicidade e o prazer não são sinônimos. O prazer poderia transformar o parceiro sexual em um meio, em um ato egoísta, enquanto o verdadeiro conhecimento do parceiro (amor) poderia estar sendo camuflado. O celibato é visto de forma diferente por diferentes grupos cristãos. Embora no passado fosse aceite o matrimônio de padres ordenados tendo a inclusão de São Paulo recomendando a fidelidade matrimonial aos bispos.
            Na atualidade, excetuando em casos referentes aos diáconos e a padres ordenados pelas Igrejas orientais católicas e pelos ordinariatos pessoais para anglicanos, todo o clero católico latino é obrigado a observar e cumprir o celibato. Nas Igrejas orientais, o celibato é apenas obrigatório para os bispos, que são escolhidos entre os sacerdotes celibatários. A Igreja Católica de rito latino, sinteticamente, dá as seguintes principais razões de ordem teológica para o celibato dos sacerdotes e religiosos de vida consagrada: a) com o celibato os sacerdotes entregar-se-iam de modo mais excelente a Cristo, unindo-se a Ele com o coração indiviso; b) o celibato facilita ao sacerdote a participação no amor de Cristo pela humanidade uma que vez que Ele não teve outro vínculo nupcial a não ser o que contraiu com a sua Igreja; c) com o celibato os clérigos dedicar-se-iam com maior disponibilidade ao serviço dos outros homens; d) a pessoa e a vida do sacerdote são possessão da Igreja, que faz às vezes de Cristo, seu esposo; e) o celibato dispõe o sacerdote pare receber e exercer com generosidade a paternidade que religiosamente pertence a Jesus Cristo. Igreja católica: mãe das igrejas evangélicas?                            
             A recomendação de celibato clerical na igreja latina possui sua primeira menção pelo Concílio de Elvira (295-302), mas, como este concílio era apenas um concílio provincial espanhol (Elvira era uma cidade romana, junto a Granada), as suas decisões não foram cumpridas por toda a Igreja cristã. O Concílio de Elvira assim legislou: “Bispos, presbíteros, diáconos e outros que ocupem uma posição no ministério devem abster-se totalmente de relações sexuais com suas esposas e da procriação de filhos. Se alguém desobedecer, seja ele privado do estado clerical” (XXXIII cânon). O Primeiro Concílio de Niceia (323) decretou apenas que “todos os membros do clero estão proibidos de morar com qualquer mulher, com exceção da mãe, irmã ou tia” (III cânon). No final do século IV, a Igreja Latina promulgou várias leis a favor do celibato. Foram geralmente bem aceites no Ocidente no pontificado de São Leão Magno (440-461), mas o Concílio de Calcedônia (451) “proibiu o casamento de monges e virgens consagradas” (XVI cânon), impondo o celibato ao clero regular.
            Não queremos perder de vista que a “virgindade religiosa”, denominada também de “virgindade sacra”, “Sagrada Virgindade” ou “Santa Virgindade”, é um conceito importante na tradição cristã, especialmente no que diz respeito à Virgem Maria que ocupa um lugar central no dogma cristão católico e ortodoxo. Votos de castidade e celibato são necessários para entrar na vida monástica ou no sacerdócio. A sagrada virgindade e a perfeita castidade considera a Igreja Católica, quando consagrada ao serviço de Deus, um dos mais “preciosos tesouros” deixados por Cristo à sua Igreja. Afirma ainda a Doutrina da Igreja Católica que a santa virgindade é mais excelente que o matrimônio, isto no Concílio de Trento. Sobre o tema afirma João Paulo II na Exortação Apostólica Familiaris consortio (n°. 16): - Permanecendo no celibato, o homem pode entregar a Deus um coração indiviso, segundo o modelo do seu Filho, Jesus Cristo, que ao Pai entregou o amor exclusivo e total do seu coração. “É então que o homem conquista o supremo cume, o vértice do testemunho cristão: Tornando livre de um modo singular o coração humano (...) a virgindade testemunha que o Reino de Deus e a sua justiça são aquela pérola que devemos preferir a qualquer outro valor”.
Porém, apesar disso, houve vários avanços e recuos na aplicação desta prática eclesiástica, nomeadamente entre o clero secular, chegando até mesmo a haver alguns Papas casados, como por exemplo, o Papa Adriano II (867-872). No século XI, vários Papas, especialmente Leão IX (1049-1054) e Gregório VII (1073-1085), esforçaram-se novamente por aplicar com maior rigor as leis do celibato. Isto ocorreu devido à crescente degradação moral do clero, causada em parte pela confusão instaurada pelo desmembramento do Império Carolíngio. Naquele período, houve padres e bispos que chegaram a demonstrar publicamente que tinham esposas ou concubinas. Segundo fontes históricas, durante o Concílio de Constança (1414-1418), 700 prostitutas atenderam sexualmente os participantes. Por fim, o Primeiro Concílio de Latrão (1123) e o Segundo Concílio de Latrão (1139) condenaram e invalidaram o concubinato e os casamentos de clérigos. Pelo uso da força como “aparelho de estado” secular reforçando assim o celibato clerical, “que já era na altura uma prática frequente e aceite pela maioria como necessária”. O celibato é defendido porque os celibatários era livres e disponíveis. Com o tempo, o clero regular se foi destacando em relação ao clero secular. O celibato clerical voltou ainda a ser defendido em força pelo Quarto Concílio de Latrão (1215) e pelo Concílio de Trento (1545-1563), que impôs definitivamente o celibato obrigatório a todo o clero da Igreja Latina, incluindo o clero secular.
Foi na base do terrorismo de colonização, feito entre nós no Brasil, na Índia e em África, que se impôs a paz cristã, que se sujeitou todo o gentio à lei dos colonos. Tirar o medo aos cristãos, senhorear o gentio pela guerra, amedronta-lo com grandes ameaças, domá-lo e metê-lo no jugo e sujeição, tomar suas terras e roças e reparti-las pelos colonos. Aí está um quadro sumário dos contatos luso-indígenas do primeiro século, que ensopou nosso terá de sangue, como narra Francisco Adolfo de Varnhagen, apesar dos esforços da catequese jesuítica, sempre mais lembrada e louvada porque é a história triunfante e oficial. A colonização portuguesa no Brasil teve como principais características: civilizar, exterminar, explorar, povoar, conquistar e dominar. Sabemos que os termos “civilizar”, “explorar”, “exterminar”, “conquistar” e “dominar” estão ligados às relações de poder de  determinada civilização sobre outra, os portugueses submetendo ao domínio e conquista os indígenas. Já os termos explorar, povoar remete-se à exploração e povoamento do novo território (América).
Perseguições políticas e perseguições religiosas, discriminações raciais, com censura, absolutismo, falta de ensino, de imprensa, somam-se aos excessos dos castigos exemplares dados às maiorias conservadas sempre em estado de “minoridade política e civil”. Abusos das autoridades, lutas entre governadores e magistrados, a corrupção e relaxação das minorias dirigentes – os governos longos, de trinta, de vinte e cinco, de quinze anos não são exceção – dão ipso facto à História geral do Brasil, escrita, como é sabido por um conservador, um sentido revelador. Ou seja, não é surpresa que um homem tão solidamente fortificado na sua ideologia conservadora e na sua política pragmática, como Francisco Adolfo de Varnhagen, que vimos estudando hic et nunc, mas que com sabedoria jamais situou o debate no terreno abstrato e absoluto da Justiça, mas no da convivência e da utilidade, como observou o historiador Capistrano de Abreu, “deixasse ocultas as fraquezas essenciais do colonialismo”.
Tais ameaças fizeram com que a política colonial portuguesa fosse modificada. No ano de 1530, o expedicionário Martim Afonso de Sousa fundou o primeiro centro de exploração colonial no litoral do atual Estado de São Paulo. Essa primeira ocupação deu origem à Vila de São Vicente que, tempos depois, teria a companhia de outros focos de ocupação localizados na região do Planalto de Piratininga. Muitos dos primeiros habitantes eram degredados e desertores que viviam marginalizados no Velho Continente. O sistema de capitanias, bem sucedido nas ilhas da Madeira e de Cabo Verde, foi inicialmente implantado no Brasil com a doação da Ilha de São João, atual ilha de Fernando de Noronha, por Carta Régia de Dom Manuel I (1495 - 1521), datada de 16 de fevereiro de 1504, que doou a Fernando de Noronha, arrendatário do contrato de exploração do pau-brasil, o “Caesalpinia echinata”, constituindo a capitania de São João, sem qualquer efeito na prática, uma vez que não há notícia de sua colonização à época. Os descendentes de Noronha continuaram herdando o título de posse da capitania até ao seu último representante, João Pereira Pestana, em 1692.
Se, de modo geral, prevalece da parte do povo o “espírito de conciliação”, que se manifesta na unidade linguística, na mestiçagem, na tolerância racial e nas acomodações que atenuam os antagonismos socais, seria falso sustentar que seu comportamento foi sempre conformista. Listas sociais sem fim e com grande derramamento de sangue demonstram as divisões inconciliáveis e os comportamentos inconformistas. A Guerra dos Bárbaros (1688-1691) prossegue as campanhas de extermínio indígena do primeiro século. Travadas no estado do Rio Grande do Norte, quando os índios resistem à expropriação de suas terras, e terminadas com terrível morticínio, condenado pelas autoridades eclesiásticas, elas prosseguem e se efetuam em todo o país. Prossegue no século XVIII com a “guerra do gentio Paiaguá” (1732-1736), ordenada por provisão régia, mais tarde repetida contra todos os índios bravos, especialmente os botocudos, em 1808. As guerras ofensivas no Mato Grosso, em Goiás e Minas Gerais exterminaram os grupos indígenas, e não só por isso também, Capistrano de Abreu escreveu ao estudar o povo sertanejo, muito mais importante que os episódios da ocupação da costa, que “os alicerces assentaram sobre sangue, com sangue se foi amansando e ligando o edifício e as pedras se desfazem, separam e arruínam”. 
As lutas políticas sangrentas pela posse da terra, pela expulsão indígena, de latifundiários e destes com os sertanejos fizeram também correr muito sangue. Foi somente em 1699 que se tentou impor ordem àquele campo de batalha cotidiano. O crime no sertão, onde reinou sempre mais respeito pela propriedade que pela vida, afirma José Honório Rodrigues, “as lutas de famílias oligárquicas mancharam de sangue os alicerces sociais e com sangue se foi formando a consciência política”. Não foram menores a violência, a crueza e o sangue das guerras contra quilombos negros, mineiros, baianos, cariocas, pernambucanos; o de Palmares suportou 17 expedições punitivas, na última das quais, em 1694, foi cercado por 3.000 homens, e custaram inumeráveis vítimas e muito sangue; quilombolas do Rio de Janeiro, no século XVII, foram também afogados em sangue. Revoltas populares de colonos contra excessos fiscais, favores e privilégios foram suprimidas cruentamente, como no Rio de Janeiro, em 1660, quando foi enforcado Jerônimo Barbalho e sua cabeça foi exposta no pelourinho; como no Maranhão, em 1684, quando Manoel Bequinho e Jorge Sampaio foram decapitados e Francisco Dias Deiró foi supliciado em efigie.
            Neste aspecto, para lembrarmo-nos de Nietzsche, a mentira sagrada inventou assim um Deus que pune e recompensa, que aprova, em todos os detalhes, o livro de leis do sacerdote que os envia, exatamente, como seus porta-vozes e procuradores do mundo; - um além da vida, no qual somente se pensa efetiva a grande máquina-punitiva, - a esse fim serve a imortalidade da alma; a consciência moral [Gewissen] no homem, ser consciente daquilo que institui bem e mal. – que Deus em pessoa fala aqui, quando ela aconselha a conformidade com a prescrição sacerdotal; a moral como negação de todo processo natural, como redução de todo o acontecer moralmente condicionado, o efeito moral (isto é, a ideia recompensa e punição) como o que perpassa o mundo, como uma força isolada, como creator de toda mudança; - a verdade como algo oferecido, revelado, coincidindo com a doutrina do sacerdote: condição de toda salvação e felicidade, nesta e na outra vida (cf. Nietzsche, 2008: 100).
Observa Michel de Certeau que à inauguração de uma nova prática escriturística, marcada no céu do século XVIII pela insalubridade laboriosa de Robinson Crusoé, pode então comparar a sua generalização assim como é representada pelas máquinas fantásticas cujas figuras vão aparecer, por volta de 1910-1914, nas obras de Alfred Jarry (“O supermacho, 1902; “O Doutor Faustroll, 1911), Raymond Roussel (“ Impressões da África”, 1910; “Locus Solus”, 1914), Marcel Duchamp (“Le Grand Verre: A casada desnudada por seus celibatários, mesmo, 1911-1925), Franz Kafka (“A Colônia Penas, 1914), etc.: mitos que falam do encerramento nas operações de uma escritura que se maquina indefinidamente e não encontra nunca a não ser a si mesma. Só há saídas em ficções, janelas pintadas, espelhos de vidro. Só há brechas e rompimentos escritos. São comédias de desnudamentos e torturas, relatos “autômatos” de desfolhamentos de sentidos, estragos teatrais de rostos decompostos. Essas produções têm um ar fantástico, “não pela indecisão de um real que mostrariam nas fronteiras da linguagem, mas pela relação entre dispositivos produtores de simulacros e a ausência de outra coisa” (cf. Carrouges, 1954; Deleuze e Guattari, 1973; Certeau, 2013: 221; ). O voto   faz com que o eleitor tenha um “lado” à esquerda ou à direita. Mesmo sem partido definido na politica, como no futebol, o eleitor sabe escolher seu candidato na medida e de acordo com sua inclinação ideológica.
Historicamente, a origem do partido político pode remontar à primeira metade do século XIX, na Europa e nos Estados Unidos. É o momento da afirmação do poder da classe burguesa e, de um ponto de vista político, é o momento da difusão das instituições parlamentares ou da batalha [das ideais] política pela sua constituição. Na Inglaterra, o país das mais antigas tradições parlamentares, os partidos aparecem com o Reform Act de 1832, o qual, ampliando o sufrágio, permitiu que as camadas industriais e comerciais do país participassem, juntamente com a aristocracia, na gestão dos negócios públicos. Tratava-se de simples etiquetas atrás das quais estavam os representantes de um grupo homogêneo, não dividido por conflitos de interesses ou por diferenças ideológicas substanciais, que aderiam a um ou a outro grupo, sobretudo por tradições locais ou familiares. Como afirma Max Weber, eles não eram mais do que séquitos de poderosas famílias aristocráticas tanto que “toda a vez que um Lord, por qualquer motivo, mudava de partido, tudo o que dele dependia passava, na mesma hora, para o partido oposto”. Depois do Reform Act começaram a surgir, no país, algumas estruturas organizativas que tinham de ocupar-se da execução prevista pela lei para a eleição do Parlamento e de recolher votos em favor deste ou daquele candidato.
Precisamente por seus objetivos essencialmente eleitorais, a participação dos inscritos na formulação da plataforma política do partido é de natureza formal: mais do que o debate político de base, a atividade crucial do partido é a escolha dos candidatos para as eleições, que devem corresponder a toda uma série de requisitos aptos para aumentar o potencial eleitoral do partido. Por esta razão, ganham ainda importância os notáveis, que, precisamente pelo fato de ocuparem posições-chaves na sociedade civil, podem procurar para o partido grande clientela e fornecer parte dos meios econômicos necessários para o financiamento da atividade eleitoral. Ao mesmo tempo, a conquista das posições de poder político e a gestão dos negócios públicos a nível nacional e local faz aumentar os recursos eleitorais dos partidos que a partir dessas posições podem corresponder às exigências de variados grupos da população e merecer seu apoio. Por que o voto é obrigatório no Brasil? Há argumentos favoráveis e contrários a esse falso dever que voltam à discussão em períodos de campanha. Se o Brasil, sétima potência econômica do mundo, com uma democracia reconhecida por todos, onde existe a separação dos três poderes, continua entre os 24 países que ainda obrigam a votar, significa, no mínimo, uma clara anomalia democrática.
 A última vez que a pesquisa Datafolha, há quatro anos, publicou os índices de brasileiros que prefeririam que o voto fosse facultativo, ficou claro que a grande maioria (64%) achava que “o voto não fosse obrigatório na sociedade brasileira”. E entre esses 64% figuravam, sobretudo os mais instruídos e os jovens. Não seria suficiente esse índice, que certamente hoje seria ainda maior, para que se incluísse na reforma política a liberdade de votar? Como se fosse pouco, outra pesquisa indicou que 30% dos eleitores já tinha esquecido o nome do candidato votado 20 dias depois de ir às urnas. Será esse o fruto da obrigatoriedade do voto? Como escreveu Nicolás Ocarazán: - “O voto obrigatório é uma maneira desesperada de tentar que os apáticos votem. Mas se a política é incapaz de seduzi-los pela via das ideias, para que obrigá-los a participar em um sistema incapaz de ser representativo e participativo?”. A intolerância dos políticos ao voto facultativo, ao contrário da  maioria dos países do mundo, poderia levar a pensar que mais que da defesa de um direito trata-se de interesses inconfessáveis que pouco têm a ver com a defesa dos valores da plena democracia. 
Bibliografia geral consultada.

CARROUGES, Michel, Les Machines Célibataires. Paris: Éditions Arcanes, 1954; PORTILLO, Álvaro del, O Sacerdote no Vaticano II. Lisboa: Editor Aster, 1972; DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix, El Antiedipo, Capitalismo y Esquizofrenia. Barcelona: Editorial Grijalbo, 1973; CARROUCHES, Michel, Les Machines Célibataires. Paris: Editeur Arcanes; Chênes, 1976; BOATTO, Alberto, De la guillotine considérée comme une machine célibataire. Marseilhe: Édition Via Valeriano, 1989; SADA, Ricardo e MONROY, Alfonso, Curso de Teologia Moral. Lisboa: Editor Rei dos Livros, 1998; EVANS, Geoffrey, “Class Inequality and the Formation of Political Interests in Eastern Europe”. In: European Journal of Sociology, vol. 38, 1997; Idem, (org.), The End of Class Politics? Class Voting in Comparative Context. Oxford: Oxford University Press, 1999; Idem, “The Continued Significance of Class Voting”. In: Annual Review of Political Science, vol. 3, 2000; MAGDALENA, Enrique Miret, “La Azarosa Historia del Celibato Clerical”. In: Jornal El País, 26 de março de 2002; NIETZSCHE, Friedrich, A Vontade de Poder. Rio de Janeiro: Editor Contraponto, 2008; DOSSE, François, Gilles Deleuze & Félix Guattari: biografia cruzada. Porto Alegre: Artmed Editora, 2010; JARRY, Alfred, O Supermacho. Vila Nova de Gaia: Eudeia Editora Nova Lello, 2011; CERTEAU, Michel, “As Máquinas Celibatárias”. In: A Invenção do Cotidiano. Artes de fazer. 20ª edição. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 2013; AGAMBEN, Giorgio, El Hombre sin Contenido. Barcelona: Ediciones Altera, 1998; Idem, Il Fuoco e il Racconto. Roma: Editorial Nottetempo, 2014; entre outros.   
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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).

sábado, 22 de agosto de 2015

As Três Bancadas: Congressistas do Boi, da Bala & Bíblia no Brasil.

Giuliane de Alencar & Ubiracy de Souza Braga

A burrice não tem fronteiras ideológicas”. Roberto Campos

Roberto de Oliveira Campos nasceu em Cuiabá, em 17 de abril de 1917 e faleceu no Rio de Janeiro, em 9 de outubro de 2001. Foi um economista, professor, escritor, diplomata e político brasileiro. Nascido em Mato Grosso, oriundo de uma família de origem humilde, formou-se em Filosofia e Teologia em um seminário católico, seguindo a carreira diplomática após ser aprovado no concurso do Itamaraty. Foi nomeado cônsul de terceira classe em Washington, e, nesta cidade, se formou em Economia pela Universidade George Washington. Pouco tempo foi promovido a cônsul de segunda classe, e designado segundo secretário de Washington. Fez parte da delegação brasileira da Conferência de Bretton Woods, que criou o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. Fez parte da representação do Brasil nas Nações Unidas em Nova Iorque, onde fez a sua Pós-Graduação em Economia pela Universidade de Colúmbia. No período em que permaneceu nos Estados Unidos da América, foi membro da delegação brasileira em diversas reuniões e conferências internacionais.

Mais tarde, tornou-se parte da assessoria econômica do presidente Getúlio Vargas (1882-1954), sendo um dos idealizadores da Petrobras, autarquia que havia sido inicialmente pensada como empresa mista sob controle majoritário do Estado ao invés de um monopólio estatal. No Governo Juscelino Kubitschek (1902-1976), foi um dos Presidentes do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e teve uma participação importante no Plano de Metas. Após o Golpe de Estado de 1º de abril de 1964, foi ministro do Planejamento durante o governo de Humberto de Alencar Castelo Branco, quando promoveu muitas reformas econômicas. Foi um dos idealizadores do BNDES, Banco Central do Brasil, Estatuto da Terra e do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Em 1982, foi eleito senador pelo seu estado natal, Mato Grosso. Em 1990, ao invés de disputar a reeleição como senador, preferiu se candidatar a deputado federal pelo Rio de Janeiro, tendo sido eleito naquele ano e reeleito em 1994. Em 1998, Roberto Campos disputou as eleições por uma cadeira no Senado Federal, também pelo Rio de Janeiro, mas Saturnino Braga ficou à frente na disputa por uma diferença de 5% dos votos. Em 23 de setembro de 1999, foi eleito imortal pela Academia Brasileira de Letras (ABL). Faleceu de um infarto agudo do miocárdio no dia 9 de outubro de 2001, no Rio de Janeiro.

        De acordo com a crítica o termo “BBB” foi usado por Kokay pela primeira vez em uma reunião da bancada do Partido dos Trabalhadores (PT) na Câmara no início do ano, e arrancou risadas dos colegas. A expressão não tardou a se difundir entre parlamentares de partidos políticos de esquerda, que também identificam nessa articulação uma ameaça aos direitos humanos e das minorias. - “Desde a discussão do Código Florestal, em 2012, os ruralistas buscam essa aproximação com os evangélicos. Logo depois, eles estavam unidos em torno da PEC 215, que retira do Executivo a prerrogativa de demarcar Terras Indígenas, transferindo-a para o Congresso. Mais recentemente agregaram a Bancada da Bala”, afirma o deputado Ivan Valente, do PSOL. - “Com Eduardo Cunha na presidência da Câmara, essa aliança consolidou-se. Até porque esses grupos ajudaram a elegê-lo”. - É um retrocesso para a árdua história de conquista dos nossos direitos, afirma o índio Lindomar Terena. Para ele, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que altera o procedimento de demarcação de terras, deixará as populações indígenas ainda mais vulneráveis. - “O agronegócio tem avançado para cima do nosso território. Não existe vontade política para demarcar as terras, então quem vai sempre tombar nessa luta são os índios”, lamenta Lindomar Terena, que é um dos coordenadores do movimento social Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).

  Aprovada por uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados, a PEC 215 tira do Executivo e passa para o Congresso a decisão final sobre a demarcação de terras indígenas, a titulação de territórios quilombolas e a criação de unidades de conservação ambiental. O texto ainda proíbe a ampliação de terras indígenas já demarcadas e prevê indenização aos proprietários. - “A bancada ruralista, que representa grandes corporações nacionais e multinacionais do agronegócio, quer impedir e inviabilizar todo e qualquer novo reconhecimento de território indígena no país. Se for aprovada em definitivo, a lei representará um risco de genocídio dos povos originários do Brasil nos próximos anos”, afirma Cleber Buzatto, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Em seu parecer, o deputado federal Osmar Serraglio (PMDB-PR), relator da PEC, argumenta que é necessário dar mais poder de decisão aos estados e “instaurar um maior equilíbrio” sobre as atribuições da União. O parlamentar diz que a demarcação tem “impacto significativo” e compara o reconhecimento de terras indígenas por órgãos técnicos do governo a uma intervenção federal”.
         Somados as bancadas dos chamados BBB dispõem de 40% dos votos da Câmara, mas são capazes de formar maioria com tranquilidade, diz André Luís dos Santos, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP). - “Eles não têm dificuldade para angariar apoio de outros blocos, até por ocuparem postos-chave na estrutura de poder da Casa”. Na política do Brasil, a chamada “bancada da bala” é o nome pelo qual é conhecida a frente parlamentar composta por políticos ligados à indústria de armas, ex-policiais e militares de modo geral. No nível federal, a bancada se movimentou para alterar o “Estatuto do Desarmamento” através da propositura de 41 projetos, dentre os quais constava o do parlamentar Rogério Mendonça (PMDB-SC), que propôs a revogação total do Estatuto. Contudo, não é apenas no Congresso Nacional que o grupo se faz presente. Na Câmara Municipal de São Paulo, assumiram no ano de 2013 os vereadores Álvaro Camilo (PSD), ex-comandante-geral da PM, Paulo Telhada (PSDB), ex-comandante da ROTA, e Conte Lopes (PTB), capitão aposentado que atuou na Rota e foi deputado estadual. Na Câmara, a bancada pressiona para criar Comissão de Segurança, desmembrando assim a Comissão de Direitos Humanos. O deputado Federal Major Olímpio (PDT-SP) também representa a Segurança Pública (“Bancada da Bala”) na Câmara dos deputados. Ex-deputado estadual por dois mandatos, encabeça o movimento pela redução da maioridade penal, pelo aumento de pena nos crimes cometidos por agentes da lei e pelo fim da saída temporária de presos condenados.
 

O conceito de “guerra de posição” faz parte da teoria da hegemonia política e responde à exigência de definição das características históricas novas da luta política no mundo depois da 1ª Grande Guerra e da Revolução de Outubro de 1917.- “A passagem da guerra manobrada à guerra de posição”, afirma Gramsci, surge “como a questão de teoria política mais importante colocada pelo período do pós-guerra e a mais difícil de ser resolvida corretamente”. A “revolução em dois tempos”, ele havia afirmado no final dos anos vinte num célebre artigo do jornal italiano “Ordine Nuovo” com o artigo: “Due Rivolucioni”, isto é, a conquista do Estado numa batalha campal definitiva e o empenho da maquina estatal para transformar coercitivamente a sociedade, não pode se constituir no arquétipo da revolução proletária. A Revolução de Outubro de 1917, portanto, era considerada a última revolução do século XIX. A passagem na qual o conceito de “guerra de posição sob o terreno político” é formulado da maneira mais expressiva faz referência – da mesma forma quando o teórico político e socialista Antônio Gramsci enuncia a concepção de hegemonia – à disputa que havia contraposto Lênin com a tática da “frente única” a Leon Trotsky com a teoria da “revolução permanente” a respeito dos modos de se desenvolver a luta revolucionária depois do “grande ato metafísico” de Outubro.

Nessa frente, a ala de congressistas mais numerosa é a ruralista, formada por 109 deputados e 17 senadores da República, segundo a “Radiografia do Novo Congresso”, atualizada a cada nova legislatura pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP). Após Kátia Abreu assumir o Ministério da Agricultura, o aparente oposicionista Ronaldo Caiado, do DEM, emergiu como uma das principais referências da chamada Bancada do Boi no Senado. Campeão de votos no Rio Grande do Sul, Luís Carlos Heinze, do Partido Progressista (PP), mantém a liderança do grupo na Câmara. A Bancada da Bíblia (cf. Braga, 2014), por sua vez, aumentou quantitativamente de 73 para 75 o número de deputados eleitos, além de preservar três senadores, registra estatisticamente o (DIAP). O pastor Marco Feliciano, do PSC, quase dobrou a quantidade de votos obtidos de 2010 para 2014, e segue como uma referência política. Mas é o peemedebista Eduardo Cunha, fiel da Igreja Sara Nossa Terra, fundada em 1992 pelo bispo Robson Rodovalho e sua mulher, Lúcia Rodovalho, a Sara Nossa Terra tem sede em Brasília e segue a doutrina da chamada Teoria da Prosperidade, vertente religiosa que defende, em linhas gerais, que os fiéis podem aumentar a sua riqueza material de forma proporcional às doações que fazem à igreja, quem ocupa o palco, por definir o que entra na pauta da Câmara. A bancada ruralista é atuante na hora de contrapor-se a Projetos de Lei sociais com o objetivo de promover a Reforma Agrária. Foi para barrar as normas constitucionais, na Assembleia. Presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Luís Carlos Heinze, sugere a ação armada dos agricultores contra índios e ofende minorias. Foto da Agência Câmara. 

Em 2005, na Comissão Parlamentar de Inquérito da Terra, conseguiu derrotar o Relatório final apresentado pelo relator da CPI e aprovar outro de acordo com os seus interesses. A bancada ruralista, por pressões junto ao Poder Executivo, vêm conseguindo sucessivas concessões para o pagamento das dívidas rurais, com alongamento de prazos, redução ou dispensa de juros e linhas de crédito favorecidas nos bancos oficiais. Também tem tido êxito na defesa dos alimentos transgênicos, contra os quais se colocam inúmeras entidades de proteção ao meio ambiente. Dentre as atividades da bancada, segundo seus críticos, destacar-se-ia sua atuação para impedir o efetivo combate ao trabalho escravo nas fazendas, e sua feroz oposição a quaisquer medidas de preservação da ecologia e do meio ambiente, bem como o patrocínio de um projeto de lei em tramitação no Congresso nacional, já aprovado no Senado, que aumenta em 150% o limite legal para desmatamentos nas fazendas da Amazônia e dá anistia aos fazendeiros que já desmataram, ilegalmente, suas propriedades nos últimos sete anos. Uma tese de doutorado defendida na Universidade de São Paulo (USP) pelo cientista político Leonardo Sakamoto estabeleceria uma relação política entre a morosidade na apreciação dos projetos antiescravagistas e as doações de campanha eleitoral. Segundo ele, empresas agropecuárias acusadas de utilizar trabalho escravo, seus donos e parentes fizeram doações nas eleições de 2002 e 2004 que ajudaram a eleger dois governadores, cinco deputados federais, três deputados estaduais, três prefeitos e um vereador.

Vale lembrar que Leonardo Sakamoto é um jornalista brasileiro com sólida formação acadêmica. Além da graduação em jornalismo, possui mestrado (2003) e doutorado em Ciência Política (2007) pela Universidade de São Paulo (USP). Cobriu conflitos armados e o desrespeito aos direitos humanos em Timor Leste (1998), Angola (1999) e no Paquistão (2007) e retratou problemas sociais em reportagens realizadas por todo o país. Diretor da ONG Repórter Brasil, foi seu representante na Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. Atuou como conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão, em Genebra (2014-2020), e como comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão para o Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos (2018-2019). Foi Visiting Scholar do Departamento de Ciência Política da New School for Social Research, em Nova Iorque (2015-2016). Sakamoto foi professor de Jornalismo na Universidade de São Paulo (2000-2002) e é professor de Jornalismo na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). É comentarista do Jornal da Cultura, da TV Cultura e colunista da New Internationalist, no Reino Unido. Escreve diariamente sobre política e direitos humanos em sua coluna no portal UOL. 

Em 2017, Leonardo Sakamoto recebeu o prêmio Hero Acting to End Modern Slavery Award, do Departamento de Estado dos Estados Unidos da América, por sua luta contra a escravidão contemporânea. Em 2016, foi indicado ao prêmio Repórteres sem Fronteiras pela Liberdade de Imprensa, por conta de sua cobertura diária das violações aos direitos humanos e das ameaças e agressões que sofreu em decorrência de seu trabalho. Por conta de sua atuação como jornalista na área de direitos humanos e de ativista no combate ao trabalho escravo contemporâneo, Leonardo Sakamoto tem sido vítima de ameaças de morte e agressões. Por conta disso, o Ministério Público Federal demandou apuração dessas tentativas de intimidação de seu trabalho em 2016. Dois anos depois, ele sofreu nova onda de ataques virtuais por conta do surgimento de fake news, via redes sociais, dando conta de que ele seria dono de agências de checagem de notícias e que estaria com uma parceria com empresas de redes sociais visando a censurar pessoas e grupos. Em função disso, o jornalista foi novamente ameaçado de morte. O Ministério Público Federal demandou nova apuração sobre o caso.

A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a bancada ruralista vem crescendo desde  2015. Ele analisou ainda a participação de três deputados federais, um estadual e três prefeitos entre proprietários e/ou parentes de ruralistas donos de fazendas autuadas por suposta utilização de força de trabalho que tem como componente o escravo. A bancada ruralista, uma das mais eficientes do Congresso, cresceu nas eleições de 2010 e terá sua capacidade de atuação ampliada nas discussões, articulações e negociações de políticas públicas do setor no âmbito do Poder Legislativo.  Levantamento realizado pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP) demonstra a reeleição ou eleição de 158 parlamentares que priorizaram em 2011, a agenda do setor rural. Dos 158 parlamentares ruralistas, 91 são deputados reeleitos e 49 deputados novos. Há ainda 18 senadores, sendo dez atuais com mandato até completar o ano de 2015, seis novos e dois reeleitos que cumprirão mandato até 2019. Na atual legislatura, o  DIAP identifica 120 parlamentares na defesa de interesses liberais conservadores da agenda ruralista, com aumento de apenas três a mais que a quantidade da legislatura passada, mas que contava com 117 representares do setor empresarial rural.
O Departamento classifica como integrante da bancada ruralista aquele parlamentar que, mesmo não sendo proprietário rural ou da área econômica de agronegócios, assume sem constrangimento a defesa dos pleitos da bancada, não apenas em plenários e nas comissões, mas em entrevistas à imprensa e nas manifestações de plenário. Enquadra-se nessa classificação o deputado reeleito Ônix Lorenzoni (DEM-RS), que mesmo não sendo dono de propriedade rural, atua e defende o setor rural na Comissão de Agricultura, principal colegiado da Câmara para onde convergem as demandas do setor rural. Além de Ônix, outros 21 deputados reeleitos integram atualmente a comissão permanente. De composição pluripartidária, a bancada tem sido um exemplo de grupo de interesse e de pressão bem sucedido. O perdão de dívida é pauta constante dos ruralistas. Sempre que existe uma matéria relevante para votar, a bancada exige o perdão ou renegociação de dívidas sob a pena de votar contra o governo. A bancada ruralista na Câmara dos Deputados ganhou novos adeptos como o arrozeiro Paulo Cezar Quartiero (DEM-RR), porta-voz e defensor dos agricultores na demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol. Outro nome comemorado entre os ruralistas é o deputado federal Irajá Abreu (DEM-TO), filho da presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e senadora ruralista reeleita, Kátia Abreu (DEM-TO). Entre os líderes ruralistas reeleitos o deputado Homero Pereira (PR/MT), que liderou em 2005 o “tratoraço” e o bem organizado movimento político “locaute ruralista” quando fechou arbitrariamente rodovias à revelia dos poderes públicos pelo país afora em maio de 2006.
Em vídeo gravado durante uma audiência em Vicente Dutra (RS), parlamentares como os deputados Luís Carlos Heinze (PP-RS) e Alceu Moreira (PMDB-RS) não só incitam a violência com o uso de armas de fogo contra lideranças indígenas que tentam retomar suas terras invadidas historicamente por fazendeiros, grileiros e madeireiros. Além disso, insultam nas relações de gênero gays e lésbicas, e reforçam o discurso inverossímil acerca da demarcação de terras indígenas para os produtores rurais. Nas imagens, os parlamentares racistas se referem aos índios, quilombolas e homossexuais como “tudo o que não presta”, e estimulam agricultores a usarem de segurança armada para expulsar indígenas do que consideram serem suas terras.  - “Nós, os parlamentares, não vamos incitar a guerra, mas lhes digo: se fartem de guerreiros e não deixem um vigarista desses dar um passo na sua propriedade. Nenhum! Nenhum! Usem todo o tipo de rede. Todo mundo tem telefone. Liguem um para o outro imediatamente. Reúnam verdadeiras multidões e expulsem do jeito que for necessário”, disse o deputado Alceu Moreira, utilizando metáforas de guerra vinculadas ao militares golpistas de 1964. - “A própria baderna, a desordem, a guerra é melhor do que a injustiça”.
Na tentativa de colocar o público contra o próprio governo, de cuja base eleitoral o seu partido (PMDB) faz parte, ele afirma que o “movimento pela demarcação de terras indígenas” seria uma “vigarice orquestrada” pelo ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho. Moreira diz também que tal movimento seria patrocinado pelo Ministério Público Federal, o qual, segundo ele, defenderia a “injustiça”. Ao contrário do que sugere, porém, a demarcação de terras indígenas é direito previsto na Constituição Federal, e o governo Dilma é notadamente o que menos demarcou terras desde a Ditadura Militar. O parlamentar é presidente da Federação Estadual de Agricultura de Mato Grosso. A bancada ruralista é majoritariamente masculina, pois apenas cinco mulheres frequentam esse seleto grupo conservador. São elas as novas deputadas federais Jaqueline Roriz (PMN-DF), filha do ex-senador e ex-governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz, e Iracema Portela (PP-PI), esposa do deputado federal e senador eleito Ciro Nogueira (PP). Completam o grupo as senadoras reeleitas Kátia Abreu (DEM-TO) e Lúcia Vânia (PSDB-GO). No Senado, a força política e estratégica do agronegócio será ainda maior na próxima legislatura com a chegada dos ex-governadores Blairo Maggi (PR-MT), Ivo Cassol (PP-RO), Luiz Henrique (PMDB-SC), Marcelo Miranda (PMDB-TO) e o grupo do deputado federal Benedito de Lira (PP), que obteve apoio quando foi eleito para seu primeiro mandato de senador pelos próceres da chamada república [do estado] de Alagoas.

Um antigo flerte entre as duas bancadas mais representativas do Congresso está  virando casamento. Evangélicos e ruralistas estão concretizando uma frente conjunta para votar dois dos projetos mais sensíveis aos interesses do governo – e também dos setores que representam: a Lei Geral da Copa do Mundo de Futebol e o novo Código Florestal. Juntas, as duas bancadas podem reunir 170 votos, o que representa 33% do parlamento. É quase o dobro da bancada do Partido dos Trabalhadores (85 deputados), a maior da Casa. A fidelidade à bancada, quando o assunto é pauta, é maior até mesmo do que ao partido. O que pode significar um esfacelamento ainda maior da base do governo. Já os ruralistas se opõem a itens do novo Código Florestal aprovado no Senado e ambicionam retornar para a primeira versão aprovada na Câmara na primeira derrota da presidenta Dilma Rousseff na Casa, em 2011. Para o governo, no entanto, o projeto sancionado pelos senadores é o texto mais próximo de um consenso entre ruralistas e ambientalistas. A Conferência sobre o Meio Ambiente Rio+20,  aumentou a pressão para aprovar um código dos defensores da natureza. - “O governo terá de se preocupar”, afirma o deputado João Campos (PSDB-GO), expoente do grupo evangélico que articula com Moreira Mendes (PSD-RO), representante do agronegócio na política.
 Kátia Abreu, foi ministra da Agricultura no governo Dilma Rousseff (PT) enquanto senadora pelo PMDB do Tocantins e presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Ela foi a primeira mulher a assumir a presidência da entidade. E ainda a primeira mulher a ser escolhida para presidir a bancada ruralista no Congresso Nacional. Em 1998, foi eleita pelo antigo PFL do Tocantins primeira suplente na Câmara dos Deputados. Assumiu a cadeira por dois anos, tendo comandado a bancada ruralista na Casa. Kátia Abreu cumpriu mandato como deputada federal entre 2000 e 2006 e foi eleita senadora pela primeira vez em 2006. Em 2010, recebeu o prêmio-ironia “motosserra de ouro” concedido pela reconhecida organização ambientalista Greenpeace “por sua defesa ferrenha de mudanças no Código Florestal, em prol de mais desmatamentos no Brasil”. A senadora recebeu do Greenpeace na manhã desta quarta-feira, em Cancún, o prêmio “Motosserra de Ouro”. Segundo o site oficial da Organização Não-Governamental (ONG), o “prêmio” é um símbolo “de sua luta incansável pelo esfacelamento da lei que protege as florestas do país”, referindo-se à proposta do novo Código Florestal do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), que, se aprovada, vai abrir novas concessões a desmatadores. A bancada ruralista do Congresso, da qual a senadora faz parte, tem procurado apressar a votação da nova proposta na Câmara dos Deputados. Na questão da demarcação de terras indígenas a senadora se pronuncia a favor dos produtores rurais. Os rumores de sua indicação provocaram críticas dentro do PT e entre críticos ambientalistas. Deixou o DEM (ex-Partido da Frente Liberal) em 2011 para ingressar no PSD, partido do ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab. Trocou de partido em 2013 filiou-se ao PMDB, quando disputou a reeleição ao Senado em 2014.
              É uma empresária, pecuarista e política filiada ao Partido Democrático Trabalhista (PDT). Foi a ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento durante o segundo governo de Dilma Rousseff. Em 1998, Kátia Abreu disputou pela primeira vez uma cadeira na Câmara dos Deputados, ficando como primeira suplente. Assumiu a vaga em duas oportunidades entre abril de 2000 e abril de 2002. Foi escolhida para presidir a Bancada Ruralista no Congresso Nacional, sendo a primeira mulher no país a comandá-la, que na época contava com 180 integrantes. Em 2002, foi efetivamente eleita para a Câmara dos Deputados com 76.170 votos, a mais votada no Estado do Tocantins. Em 2006, concorreu e venceu a eleição a uma vaga ao Senado Federal, derrotando Siqueira Campos, que tentava a reeleição. Em 2007, criticou a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), criticando ainda o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ex-líder sindical e fundador do Partido dos Trabalhadores (PT). Em 2009, figurou entre as cem personalidades mais influentes do Brasil, numa lista publicada pela edição especial da Revista Época. Dentre as 100 personalidades destacam-se 30 políticas, dentre os quais somam 5 senadores. Em 2010, em entrevista a revista Veja a senadora, fez críticas as políticas para o agronegócio dos ministérios do trabalho, desenvolvimento agrário e meio ambiente do governo democrático de Luiz Inácio Lula da Silva do Partido dos Trabalhadores (PT).
               Em 2011, torna-se aliada ao governo Dilma Rousseff. Em 2016 permaneceu mais fiel à Dilma Rousseff que ao partido onde se situa: - “Outros, como Katia Abreu, são considerados mais fiéis à presidente que ao partido, a ponto de considerarem uma troca de legenda para permanecer ao seu lado”  e "A ministra Kátia Abreu é uma política sem teto. O PMDB, partido que a abriga, o faz obrigado pelas contingências, da mesma forma como ela está presa ao governo Dilma”. Em abril de 2016, o presidente em exercício do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), o senador Romero Jucá, confirmou em nota que faz questão de solicitar a Comissão de Ética o processamento com a maior rapidez possível para a satisfação da base partidária e dos representados. Com isso a Senadora Kátia Abreu, pode ser expulsa do partido, por recusar a entregar seu cargo. Em agosto de 2016, começou a possibilidade dela ser expulsa do PMDB, inclusive como “paralelo do caso dela com o de Roberto Requião, outro senador do PMDB que votou contra o impedimento da ex-presidente”; e supostamente, “processo deve começar em breve”. Em dezembro de 2016, votou contra a PEC do Teto dos Gastos Públicos. Em julho de 2017 contra a reforma trabalhista. Em 13 de setembro de 2017, o PMDB por recomendação da Comissão de Ética afastou Kátia Abreu por 60 dias motivado por ter votado, contra o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff do Partido dos Trabalhadores (PT). 

Eleita duas vezes presidente da República, em 2010 e em 2014, Dilma Rousseff foi a 1ª mulher a governar o Brasil. A presidência do Brasil foi o primeiro cargo público obtido em disputa eleitoral por Dilma Rousseff. Antes disso, ela ocupou secretarias no governo municipal de Porto Alegre, no governo do Rio Grande do Sul, no Ministério de Minas e Energia e na Casa Civil da Presidência da República no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Natural de Belo Horizonte (MG), Dilma Vana Rousseff nasceu em 14 de dezembro de 1947. É filha de pai búlgaro e mãe brasileira. Ela iniciou sua militância política em 1964, com a derrubada do governo João Goulart. Ingressou na luta estudantil, militando posteriormente na Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares). Foi presa, torturada e teve os direitos políticos cassados. Quando o país foi redemocratizado, denunciou as torturas em processos judiciais, sendo indenizada pela Secretaria de Direitos Humanos do Rio de Janeiro, junto com outros perseguidos políticos. Com o fim do bipartidarismo, em 1979, Dilma Rousseff participou dos esforços do líder trabalhista Leonel Brizola para a recriação do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que havia sido extinto pelos militares com o golpe de Estado. Perdida a sigla para o grupo de Ivete Vargas, ela ajudou Leonel Brizola a criar o Partido Democrático Trabalhista (PDT). Em 1985, quando Alceu Collares elegeu-se prefeito de Porto Alegre pelo PDT, assumiu a Secretaria Municipal da Fazenda.

Em 1993, na gestão de Collares no governo do Rio Grande do Sul, ela assumiu a Secretaria de Minas, Energia e Comunicação, onde ficou dois anos. Em 1998, com a vitória de Olívio Dutra para o governo gaúcho, Dilma retornou ao comando da mesma pasta. Dilma Rousseff integrou a equipe que elaborou a proposta de governo de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002. Eleito presidente, Lula a nomeou ministra de Minas e Energia, ocasião em que ela também assumiu a presidência do Conselho de Administração da Petrobras. Em 2005, com a queda de José Dirceu, Dilma passou a chefiar a Casa Civil, cargo posteriormente entregue à secretária-executiva da pasta, Erenice Guerra. Em 2010, Dilma Rousseff elegeu-se pelo Partido dos Trabalhadores à Presidência, sendo a primeira mulher a assumir o Palácio do Planalto, em 1º de janeiro de 2011, ocupando o posto de 36º presidente da República.

Em 2013, enfrentou onda de protestos realizados em quase todo o país, marcados por críticas direcionadas aos políticos em geral e aos integrantes dos três poderes. Como resposta, Dilma anunciou projetos destinados a atender os pleitos da população, assim como uma reforma política não concretizada. As manifestações de rua duraram até a realização da Copa do Mundo de Futebol, quando a presidente foi vaiada ao chegar para a abertura dos jogos. Em 2014, ela ganhou sua segunda eleição presidencial. Foi eleita com 55,7 milhões de votos, em momento marcado por declínio do produto interno bruto (PIB), crescimento da inflação e início das investigações que culminaram na operação Lava Jato, envolvendo a Petrobras, políticos e empreiteiras. Dilma Rousseff assumiu seu segundo mandato em 1º de janeiro de 2015, enfraquecida por uma crise econômica e pelas denúncias que atingiam os partidos que a apoiaram. A partir de fevereiro, seus índices de popularidade entraram novamente em declínio e, por todo o país, começaram as manifestações conhecidas como “panelaço”, resultando em rejeição maciça a seu governo e na apresentação de vários pedidos de impeachment.

Dilma Vana Rousseff, eleita presidente da República Federativa do Brasil desde janeiro de 2011, sendo reeleita nas eleições de 2014, foi destituída do posto em 31 de agosto de 2016 por meio de um processo de impeachment. No decorrer do ano de 2015, cinquenta pedidos de impeachment foram protocolados na Câmara dos Deputados contra Dilma Rousseff do Partido dos Trabalhadores (PT). A maior parte desses pedidos foi arquivada “por falta de material probatório e argumentos”. Um deles foi acolhido pelo presidente da Câmara, o deputado Eduardo Cunha, em 2 de setembro de 2016. Esse pedido foi elaborado e protocolado em outubro pelos juristas Janaína Conceição Paschoal, Miguel Reale Jr. e Hélio Bicudo. O pedido estava ainda subscrito por três líderes de movimentos sociais que ajudaram a articular as grandes manifestações de ruas do ano de 2015: Kim Patroca Kataguiri, do Movimento Brasil Livre, Rogério Chequer, do Vem Pra Rua e Carla Zambelli Salgado, do Movimento Contra a Corrupção.

Após o acolhimento do pedido, este seguiu para apreciação na Câmara dos Deputados, à qual coube decidir se o pedido teria prosseguimento (admissibilidade) ou não. No dia 17 de abril de 2016, ocorreu, no plenário da Câmara, a votação que decidiu pelo prosseguimento. 367 deputados votaram pela admissibilidade, e o pedido foi encaminhado para o Senado Federal. No dia 12 de maio, houve uma seção plenária dos senadores para decidir pela abertura do processo de impeachment. 55, de 81 senadores, votaram pela abertura. Dilma Rousseff, a partir de então, teve que se afastar do cargo de presidente até que o processo fosse concluído. O vice-presidente Michel Temer assumiu interinamente. O crime imputado contra a presidente da República está previsto no artigo 85 da Constituição Federal. Trata-se do crime de responsabilidade. Outra lei que enquadra esse tipo de crime e que foi trabalhada pelos denunciantes do pedido é a Lei 1.079, de 1950. Segundo a denúncia, Dilma Rousseff do Partido dos Trabalhadores, teria “ordenado a edição de créditos suplementares sem a autorização do Senado, bem como realizado operação de crédito com instituição financeira controlada pela União”.

Os denunciantes, por óbvio motivo, prefeririam que a Presidente da República tivesse condições de levar seu mandato a termo. No entanto, a situação se revela tão drástica e o comportamento da Chefe da nação se revela tão inadmissível, que alternativa não resta além de pedir a esta Câmara dos Deputados que autorize seja ela processada pelos crimes de responsabilidade previstos no artigo 85, incisos V, VI, e VII, da Constituição Federal; nos artigos 4º, incisos V e VI; 9º, números 3 e 7; 10 números 6, 7, 8 e 9; 11º, número 3, da Lei 1.079/1950. A defesa de Dilma Rousseff, durante o processo, foi feita pelo brilhante advogado José Eduardo Cardozo. Os pontos apresentados foram justificados por uma bancada de senadores da base aliada da presidente e pertencentes aos Partido dos Trabalhadores, Partido Comunista do Brasil e Partido do Movimento Democrático Brasileiro e REDE. A defesa procurou argumentar que não houve crime nas operações de crédito editadas pela presidente e que tais operações foram apenas “autorizações de gastos sem impacto na realização da despesa”.

Além disso, a defesa procurou ainda sustentar a narrativa de que todo o processo, desde a acolhida na Câmara até os momentos finais, era um “golpe branco”, ou golpe parlamentar (quando não é utilizada violência) contra a presidente Dilma, articulado entre atores políticos, como o próprio vice-presidente da República e o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha. O relator do processo, senador Antônio Anastasia, corroborou os argumentos da denúncia e repudiou a sugestão da defesa de que toda a peça processual era um “golpe”. Nas palavras de Anastasia: - A abertura de créditos suplementares por decreto é uma exceção à regra geral de fixação das dotações orçamentárias em lei. Nesse sentido, a Constituição veda expressamente a abertura de crédito suplementar sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes (art. 167, V). A edição dos decretos, objeto deste processo, como demonstrado, violou flagrantemente esse dispositivo constitucional, revelando conduta irresponsável da denunciada com relação aos deveres de diligência que lhe são atribuídos com vistas à tutela do equilíbrio das contas públicas.

Findados os trâmites da Comissão Especial de Impeachment, que deu a ambiência para a discussão do pedido, o processo então seguiu para a sua fase final, que começou no dia 29 de agosto, quando a presidente Dilma Rousseff foi ao Senado fazer sua defesa e ser questionada pelos senadores. Após isso, os advogados de defesa e de acusação fizeram seus discursos finais. Depois, dois senadores partidários de Dilma Rousseff e dois contrários também fizeram suas considerações finais. No dia 31 de agosto, foi posto em votação o texto da sentença que deveria ou não ser aprovado pelos senadores. Porém, antes que a votação começasse, o primeiro-secretário do Senado, senador Vicentinho Alves, leu um requerimento elaborado pelo Partido dos Trabalhadores (PT) que solicitava o “fatiamento”, isto é, o destaque do texto da sentença. A sentença, segundo a Constituição, previa que Dilma deveria perder o mandato de presidente e ficar inabilitada para o exercício de funções públicas por oito anos. O requerimento pedia uma votação separada para cada um desses tópicos. O requerimento foi aceito pelo presidente da seção, que era também o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski. Nesse sentido, a votação sobre a perda do mandato foi desfavorável à Dilma Rousseff, visto que 61 senadores votaram a favor da perda. Já a segunda votação favoreceu-a: 42 senadores optaram por não deixar Dilma inabilitada para o exercício de funções públicas, contra 36 que se opuseram.

Bibliografia geral consultada.

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