domingo, 23 de agosto de 2015

Máquinas Celibatárias, Política & Ideologia Eleitoral

Ubiracy de Souza Braga*

Michel Carrouges isolou, sob o nome de máquinas celibatárias, certo número de máquinas fantásticas”. Gilles Deleuze e Félix Guattari 


 
O celibato do latim “cælibatus” representa o estado daquele que não é casado ou que é célibe é, na sua definição literal, o estado de uma pessoa que se mantém solteira, sem obrigação de manter a virgindade, podendo ter relações sexuais. No entanto, o termo é popularmente usado para descrever uma pessoa que escolhe abster-se de atividades sexuais.  Para a Igreja Católica Apostólica Romana, a castidade antes do casamento é uma forma de conhecer o parceiro. A Igreja aceita que o desejo pelo prazer sexual faz parte da natureza humana, mas que a felicidade e o prazer não são sinônimos. O prazer poderia transformar o parceiro sexual em um meio, em um ato egoísta, enquanto o verdadeiro conhecimento do parceiro (amor) poderia estar sendo camuflado. O celibato é visto de forma diferente por diferentes grupos cristãos. Embora no passado fosse aceite o matrimônio de padres ordenados tendo a inclusão de São Paulo recomendando a fidelidade matrimonial aos bispos.
            Na atualidade, excetuando em casos referentes aos diáconos e a padres ordenados pelas Igrejas orientais católicas e pelos ordinariatos pessoais para anglicanos, todo o clero católico latino é obrigado a observar e cumprir o celibato. Nas Igrejas orientais, o celibato é apenas obrigatório para os bispos, que são escolhidos entre os sacerdotes celibatários. A Igreja Católica de rito latino, sinteticamente, dá as seguintes principais razões de ordem teológica para o celibato dos sacerdotes e religiosos de vida consagrada: a) com o celibato os sacerdotes entregar-se-iam de modo mais excelente a Cristo, unindo-se a Ele com o coração indiviso; b) o celibato facilita ao sacerdote a participação no amor de Cristo pela humanidade uma que vez que Ele não teve outro vínculo nupcial a não ser o que contraiu com a sua Igreja; c) com o celibato os clérigos dedicar-se-iam com maior disponibilidade ao serviço dos outros homens; d) a pessoa e a vida do sacerdote são possessão da Igreja, que faz às vezes de Cristo, seu esposo; e) o celibato dispõe o sacerdote pare receber e exercer com generosidade a paternidade que religiosamente pertence a Jesus Cristo. Igreja católica: mãe das igrejas evangélicas?                            
             A recomendação de celibato clerical na igreja latina possui sua primeira menção pelo Concílio de Elvira (295-302), mas, como este concílio era apenas um concílio provincial espanhol (Elvira era uma cidade romana, junto a Granada), as suas decisões não foram cumpridas por toda a Igreja cristã. O Concílio de Elvira assim legislou: “Bispos, presbíteros, diáconos e outros que ocupem uma posição no ministério devem abster-se totalmente de relações sexuais com suas esposas e da procriação de filhos. Se alguém desobedecer, seja ele privado do estado clerical” (XXXIII cânon). O Primeiro Concílio de Niceia (323) decretou apenas que “todos os membros do clero estão proibidos de morar com qualquer mulher, com exceção da mãe, irmã ou tia” (III cânon). No final do século IV, a Igreja Latina promulgou várias leis a favor do celibato. Foram geralmente bem aceites no Ocidente no pontificado de São Leão Magno (440-461), mas o Concílio de Calcedônia (451) “proibiu o casamento de monges e virgens consagradas” (XVI cânon), impondo o celibato ao clero regular.
            Não queremos perder de vista que a “virgindade religiosa”, denominada também de “virgindade sacra”, “Sagrada Virgindade” ou “Santa Virgindade”, é um conceito importante na tradição cristã, especialmente no que diz respeito à Virgem Maria que ocupa um lugar central no dogma cristão católico e ortodoxo. Votos de castidade e celibato são necessários para entrar na vida monástica ou no sacerdócio. A sagrada virgindade e a perfeita castidade considera a Igreja Católica, quando consagrada ao serviço de Deus, um dos mais “preciosos tesouros” deixados por Cristo à sua Igreja. Afirma ainda a Doutrina da Igreja Católica que a santa virgindade é mais excelente que o matrimônio, isto no Concílio de Trento. Sobre o tema afirma João Paulo II na Exortação Apostólica Familiaris consortio (n°. 16): - Permanecendo no celibato, o homem pode entregar a Deus um coração indiviso, segundo o modelo do seu Filho, Jesus Cristo, que ao Pai entregou o amor exclusivo e total do seu coração. “É então que o homem conquista o supremo cume, o vértice do testemunho cristão: Tornando livre de um modo singular o coração humano (...) a virgindade testemunha que o Reino de Deus e a sua justiça são aquela pérola que devemos preferir a qualquer outro valor”.
Porém, apesar disso, houve vários avanços e recuos na aplicação desta prática eclesiástica, nomeadamente entre o clero secular, chegando até mesmo a haver alguns Papas casados, como por exemplo, o Papa Adriano II (867-872). No século XI, vários Papas, especialmente Leão IX (1049-1054) e Gregório VII (1073-1085), esforçaram-se novamente por aplicar com maior rigor as leis do celibato. Isto ocorreu devido à crescente degradação moral do clero, causada em parte pela confusão instaurada pelo desmembramento do Império Carolíngio. Naquele período, houve padres e bispos que chegaram a demonstrar publicamente que tinham esposas ou concubinas. Segundo fontes históricas, durante o Concílio de Constança (1414-1418), 700 prostitutas atenderam sexualmente os participantes. Por fim, o Primeiro Concílio de Latrão (1123) e o Segundo Concílio de Latrão (1139) condenaram e invalidaram o concubinato e os casamentos de clérigos. Pelo uso da força como “aparelho de estado” secular reforçando assim o celibato clerical, “que já era na altura uma prática frequente e aceite pela maioria como necessária”. O celibato é defendido porque os celibatários era livres e disponíveis. Com o tempo, o clero regular se foi destacando em relação ao clero secular. O celibato clerical voltou ainda a ser defendido em força pelo Quarto Concílio de Latrão (1215) e pelo Concílio de Trento (1545-1563), que impôs definitivamente o celibato obrigatório a todo o clero da Igreja Latina, incluindo o clero secular.
Foi na base do terrorismo de colonização, feito entre nós no Brasil, na Índia e em África, que se impôs a paz cristã, que se sujeitou todo o gentio à lei dos colonos. Tirar o medo aos cristãos, senhorear o gentio pela guerra, amedronta-lo com grandes ameaças, domá-lo e metê-lo no jugo e sujeição, tomar suas terras e roças e reparti-las pelos colonos. Aí está um quadro sumário dos contatos luso-indígenas do primeiro século, que ensopou nosso terá de sangue, como narra Francisco Adolfo de Varnhagen, apesar dos esforços da catequese jesuítica, sempre mais lembrada e louvada porque é a história triunfante e oficial. A colonização portuguesa no Brasil teve como principais características: civilizar, exterminar, explorar, povoar, conquistar e dominar. Sabemos que os termos “civilizar”, “explorar”, “exterminar”, “conquistar” e “dominar” estão ligados às relações de poder de  determinada civilização sobre outra, os portugueses submetendo ao domínio e conquista os indígenas. Já os termos explorar, povoar remete-se à exploração e povoamento do novo território (América).
Perseguições políticas e perseguições religiosas, discriminações raciais, com censura, absolutismo, falta de ensino, de imprensa, somam-se aos excessos dos castigos exemplares dados às maiorias conservadas sempre em estado de “minoridade política e civil”. Abusos das autoridades, lutas entre governadores e magistrados, a corrupção e relaxação das minorias dirigentes – os governos longos, de trinta, de vinte e cinco, de quinze anos não são exceção – dão ipso facto à História geral do Brasil, escrita, como é sabido por um conservador, um sentido revelador. Ou seja, não é surpresa que um homem tão solidamente fortificado na sua ideologia conservadora e na sua política pragmática, como Francisco Adolfo de Varnhagen, que vimos estudando hic et nunc, mas que com sabedoria jamais situou o debate no terreno abstrato e absoluto da Justiça, mas no da convivência e da utilidade, como observou o historiador Capistrano de Abreu, “deixasse ocultas as fraquezas essenciais do colonialismo”.
Tais ameaças fizeram com que a política colonial portuguesa fosse modificada. No ano de 1530, o expedicionário Martim Afonso de Sousa fundou o primeiro centro de exploração colonial no litoral do atual Estado de São Paulo. Essa primeira ocupação deu origem à Vila de São Vicente que, tempos depois, teria a companhia de outros focos de ocupação localizados na região do Planalto de Piratininga. Muitos dos primeiros habitantes eram degredados e desertores que viviam marginalizados no Velho Continente. O sistema de capitanias, bem sucedido nas ilhas da Madeira e de Cabo Verde, foi inicialmente implantado no Brasil com a doação da Ilha de São João, atual ilha de Fernando de Noronha, por Carta Régia de Dom Manuel I (1495 - 1521), datada de 16 de fevereiro de 1504, que doou a Fernando de Noronha, arrendatário do contrato de exploração do pau-brasil, o “Caesalpinia echinata”, constituindo a capitania de São João, sem qualquer efeito na prática, uma vez que não há notícia de sua colonização à época. Os descendentes de Noronha continuaram herdando o título de posse da capitania até ao seu último representante, João Pereira Pestana, em 1692.
Se, de modo geral, prevalece da parte do povo o “espírito de conciliação”, que se manifesta na unidade linguística, na mestiçagem, na tolerância racial e nas acomodações que atenuam os antagonismos socais, seria falso sustentar que seu comportamento foi sempre conformista. Listas sociais sem fim e com grande derramamento de sangue demonstram as divisões inconciliáveis e os comportamentos inconformistas. A Guerra dos Bárbaros (1688-1691) prossegue as campanhas de extermínio indígena do primeiro século. Travadas no estado do Rio Grande do Norte, quando os índios resistem à expropriação de suas terras, e terminadas com terrível morticínio, condenado pelas autoridades eclesiásticas, elas prosseguem e se efetuam em todo o país. Prossegue no século XVIII com a “guerra do gentio Paiaguá” (1732-1736), ordenada por provisão régia, mais tarde repetida contra todos os índios bravos, especialmente os botocudos, em 1808. As guerras ofensivas no Mato Grosso, em Goiás e Minas Gerais exterminaram os grupos indígenas, e não só por isso também, Capistrano de Abreu escreveu ao estudar o povo sertanejo, muito mais importante que os episódios da ocupação da costa, que “os alicerces assentaram sobre sangue, com sangue se foi amansando e ligando o edifício e as pedras se desfazem, separam e arruínam”. 
As lutas políticas sangrentas pela posse da terra, pela expulsão indígena, de latifundiários e destes com os sertanejos fizeram também correr muito sangue. Foi somente em 1699 que se tentou impor ordem àquele campo de batalha cotidiano. O crime no sertão, onde reinou sempre mais respeito pela propriedade que pela vida, afirma José Honório Rodrigues, “as lutas de famílias oligárquicas mancharam de sangue os alicerces sociais e com sangue se foi formando a consciência política”. Não foram menores a violência, a crueza e o sangue das guerras contra quilombos negros, mineiros, baianos, cariocas, pernambucanos; o de Palmares suportou 17 expedições punitivas, na última das quais, em 1694, foi cercado por 3.000 homens, e custaram inumeráveis vítimas e muito sangue; quilombolas do Rio de Janeiro, no século XVII, foram também afogados em sangue. Revoltas populares de colonos contra excessos fiscais, favores e privilégios foram suprimidas cruentamente, como no Rio de Janeiro, em 1660, quando foi enforcado Jerônimo Barbalho e sua cabeça foi exposta no pelourinho; como no Maranhão, em 1684, quando Manoel Bequinho e Jorge Sampaio foram decapitados e Francisco Dias Deiró foi supliciado em efigie.
            Neste aspecto, para lembrarmo-nos de Nietzsche, a mentira sagrada inventou assim um Deus que pune e recompensa, que aprova, em todos os detalhes, o livro de leis do sacerdote que os envia, exatamente, como seus porta-vozes e procuradores do mundo; - um além da vida, no qual somente se pensa efetiva a grande máquina-punitiva, - a esse fim serve a imortalidade da alma; a consciência moral [Gewissen] no homem, ser consciente daquilo que institui bem e mal. – que Deus em pessoa fala aqui, quando ela aconselha a conformidade com a prescrição sacerdotal; a moral como negação de todo processo natural, como redução de todo o acontecer moralmente condicionado, o efeito moral (isto é, a ideia recompensa e punição) como o que perpassa o mundo, como uma força isolada, como creator de toda mudança; - a verdade como algo oferecido, revelado, coincidindo com a doutrina do sacerdote: condição de toda salvação e felicidade, nesta e na outra vida (cf. Nietzsche, 2008: 100).
Observa Michel de Certeau que à inauguração de uma nova prática escriturística, marcada no céu do século XVIII pela insalubridade laboriosa de Robinson Crusoé, pode então comparar a sua generalização assim como é representada pelas máquinas fantásticas cujas figuras vão aparecer, por volta de 1910-1914, nas obras de Alfred Jarry (“O supermacho, 1902; “O Doutor Faustroll, 1911), Raymond Roussel (“ Impressões da África”, 1910; “Locus Solus”, 1914), Marcel Duchamp (“Le Grand Verre: A casada desnudada por seus celibatários, mesmo, 1911-1925), Franz Kafka (“A Colônia Penas, 1914), etc.: mitos que falam do encerramento nas operações de uma escritura que se maquina indefinidamente e não encontra nunca a não ser a si mesma. Só há saídas em ficções, janelas pintadas, espelhos de vidro. Só há brechas e rompimentos escritos. São comédias de desnudamentos e torturas, relatos “autômatos” de desfolhamentos de sentidos, estragos teatrais de rostos decompostos. Essas produções têm um ar fantástico, “não pela indecisão de um real que mostrariam nas fronteiras da linguagem, mas pela relação entre dispositivos produtores de simulacros e a ausência de outra coisa” (cf. Carrouges, 1954; Deleuze e Guattari, 1973; Certeau, 2013: 221; ). O voto   faz com que o eleitor tenha um “lado” à esquerda ou à direita. Mesmo sem partido definido na politica, como no futebol, o eleitor sabe escolher seu candidato na medida e de acordo com sua inclinação ideológica.
Historicamente, a origem do partido político pode remontar à primeira metade do século XIX, na Europa e nos Estados Unidos. É o momento da afirmação do poder da classe burguesa e, de um ponto de vista político, é o momento da difusão das instituições parlamentares ou da batalha [das ideais] política pela sua constituição. Na Inglaterra, o país das mais antigas tradições parlamentares, os partidos aparecem com o Reform Act de 1832, o qual, ampliando o sufrágio, permitiu que as camadas industriais e comerciais do país participassem, juntamente com a aristocracia, na gestão dos negócios públicos. Tratava-se de simples etiquetas atrás das quais estavam os representantes de um grupo homogêneo, não dividido por conflitos de interesses ou por diferenças ideológicas substanciais, que aderiam a um ou a outro grupo, sobretudo por tradições locais ou familiares. Como afirma Max Weber, eles não eram mais do que séquitos de poderosas famílias aristocráticas tanto que “toda a vez que um Lord, por qualquer motivo, mudava de partido, tudo o que dele dependia passava, na mesma hora, para o partido oposto”. Depois do Reform Act começaram a surgir, no país, algumas estruturas organizativas que tinham de ocupar-se da execução prevista pela lei para a eleição do Parlamento e de recolher votos em favor deste ou daquele candidato.
Precisamente por seus objetivos essencialmente eleitorais, a participação dos inscritos na formulação da plataforma política do partido é de natureza formal: mais do que o debate político de base, a atividade crucial do partido é a escolha dos candidatos para as eleições, que devem corresponder a toda uma série de requisitos aptos para aumentar o potencial eleitoral do partido. Por esta razão, ganham ainda importância os notáveis, que, precisamente pelo fato de ocuparem posições-chaves na sociedade civil, podem procurar para o partido grande clientela e fornecer parte dos meios econômicos necessários para o financiamento da atividade eleitoral. Ao mesmo tempo, a conquista das posições de poder político e a gestão dos negócios públicos a nível nacional e local faz aumentar os recursos eleitorais dos partidos que a partir dessas posições podem corresponder às exigências de variados grupos da população e merecer seu apoio. Por que o voto é obrigatório no Brasil? Há argumentos favoráveis e contrários a esse falso dever que voltam à discussão em períodos de campanha. Se o Brasil, sétima potência econômica do mundo, com uma democracia reconhecida por todos, onde existe a separação dos três poderes, continua entre os 24 países que ainda obrigam a votar, significa, no mínimo, uma clara anomalia democrática.
 A última vez que a pesquisa Datafolha, há quatro anos, publicou os índices de brasileiros que prefeririam que o voto fosse facultativo, ficou claro que a grande maioria (64%) achava que “o voto não fosse obrigatório na sociedade brasileira”. E entre esses 64% figuravam, sobretudo os mais instruídos e os jovens. Não seria suficiente esse índice, que certamente hoje seria ainda maior, para que se incluísse na reforma política a liberdade de votar? Como se fosse pouco, outra pesquisa indicou que 30% dos eleitores já tinha esquecido o nome do candidato votado 20 dias depois de ir às urnas. Será esse o fruto da obrigatoriedade do voto? Como escreveu Nicolás Ocarazán: - “O voto obrigatório é uma maneira desesperada de tentar que os apáticos votem. Mas se a política é incapaz de seduzi-los pela via das ideias, para que obrigá-los a participar em um sistema incapaz de ser representativo e participativo?”. A intolerância dos políticos ao voto facultativo, ao contrário da  maioria dos países do mundo, poderia levar a pensar que mais que da defesa de um direito trata-se de interesses inconfessáveis que pouco têm a ver com a defesa dos valores da plena democracia. 
Bibliografia geral consultada.

CARROUGES, Michel, Les Machines Célibataires. Paris: Éditions Arcanes, 1954; PORTILLO, Álvaro del, O Sacerdote no Vaticano II. Lisboa: Editor Aster, 1972; DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix, El Antiedipo, Capitalismo y Esquizofrenia. Barcelona: Editorial Grijalbo, 1973; CARROUCHES, Michel, Les Machines Célibataires. Paris: Editeur Arcanes; Chênes, 1976; BOATTO, Alberto, De la guillotine considérée comme une machine célibataire. Marseilhe: Édition Via Valeriano, 1989; SADA, Ricardo e MONROY, Alfonso, Curso de Teologia Moral. Lisboa: Editor Rei dos Livros, 1998; EVANS, Geoffrey, “Class Inequality and the Formation of Political Interests in Eastern Europe”. In: European Journal of Sociology, vol. 38, 1997; Idem, (org.), The End of Class Politics? Class Voting in Comparative Context. Oxford: Oxford University Press, 1999; Idem, “The Continued Significance of Class Voting”. In: Annual Review of Political Science, vol. 3, 2000; MAGDALENA, Enrique Miret, “La Azarosa Historia del Celibato Clerical”. In: Jornal El País, 26 de março de 2002; NIETZSCHE, Friedrich, A Vontade de Poder. Rio de Janeiro: Editor Contraponto, 2008; DOSSE, François, Gilles Deleuze & Félix Guattari: biografia cruzada. Porto Alegre: Artmed Editora, 2010; JARRY, Alfred, O Supermacho. Vila Nova de Gaia: Eudeia Editora Nova Lello, 2011; CERTEAU, Michel, “As Máquinas Celibatárias”. In: A Invenção do Cotidiano. Artes de fazer. 20ª edição. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 2013; AGAMBEN, Giorgio, El Hombre sin Contenido. Barcelona: Ediciones Altera, 1998; Idem, Il Fuoco e il Racconto. Roma: Editorial Nottetempo, 2014; entre outros.   
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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).

sábado, 22 de agosto de 2015

As Três Bancadas: Congressistas do Boi, da Bala & Bíblia no Brasil.

Giuliane de Alencar & Ubiracy de Souza Braga

A burrice não tem fronteiras ideológicas”. Roberto Campos

Roberto de Oliveira Campos nasceu em Cuiabá, em 17 de abril de 1917 e faleceu no Rio de Janeiro, em 9 de outubro de 2001. Foi um economista, professor, escritor, diplomata e político brasileiro. Nascido em Mato Grosso, oriundo de uma família de origem humilde, formou-se em Filosofia e Teologia em um seminário católico, seguindo a carreira diplomática após ser aprovado no concurso do Itamaraty. Foi nomeado cônsul de terceira classe em Washington, e, nesta cidade, se formou em Economia pela Universidade George Washington. Pouco tempo foi promovido a cônsul de segunda classe, e designado segundo secretário de Washington. Fez parte da delegação brasileira da Conferência de Bretton Woods, que criou o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. Fez parte da representação do Brasil nas Nações Unidas em Nova Iorque, onde fez a sua Pós-Graduação em Economia pela Universidade de Colúmbia. No período em que permaneceu nos Estados Unidos da América, foi membro da delegação brasileira em diversas reuniões e conferências internacionais.

Mais tarde, tornou-se parte da assessoria econômica do presidente Getúlio Vargas (1882-1954), sendo um dos idealizadores da Petrobras, autarquia que havia sido inicialmente pensada como empresa mista sob controle majoritário do Estado ao invés de um monopólio estatal. No Governo Juscelino Kubitschek (1902-1976), foi um dos Presidentes do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e teve uma participação importante no Plano de Metas. Após o Golpe de Estado de 1º de abril de 1964, foi ministro do Planejamento durante o governo de Humberto de Alencar Castelo Branco, quando promoveu muitas reformas econômicas. Foi um dos idealizadores do BNDES, Banco Central do Brasil, Estatuto da Terra e do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Em 1982, foi eleito senador pelo seu estado natal, Mato Grosso. Em 1990, ao invés de disputar a reeleição como senador, preferiu se candidatar a deputado federal pelo Rio de Janeiro, tendo sido eleito naquele ano e reeleito em 1994. Em 1998, Roberto Campos disputou as eleições por uma cadeira no Senado Federal, também pelo Rio de Janeiro, mas Saturnino Braga ficou à frente na disputa por uma diferença de 5% dos votos. Em 23 de setembro de 1999, foi eleito imortal pela Academia Brasileira de Letras (ABL). Faleceu de um infarto agudo do miocárdio no dia 9 de outubro de 2001, no Rio de Janeiro.

        De acordo com a crítica o termo “BBB” foi usado por Kokay pela primeira vez em uma reunião da bancada do Partido dos Trabalhadores (PT) na Câmara no início do ano, e arrancou risadas dos colegas. A expressão não tardou a se difundir entre parlamentares de partidos políticos de esquerda, que também identificam nessa articulação uma ameaça aos direitos humanos e das minorias. - “Desde a discussão do Código Florestal, em 2012, os ruralistas buscam essa aproximação com os evangélicos. Logo depois, eles estavam unidos em torno da PEC 215, que retira do Executivo a prerrogativa de demarcar Terras Indígenas, transferindo-a para o Congresso. Mais recentemente agregaram a Bancada da Bala”, afirma o deputado Ivan Valente, do PSOL. - “Com Eduardo Cunha na presidência da Câmara, essa aliança consolidou-se. Até porque esses grupos ajudaram a elegê-lo”. - É um retrocesso para a árdua história de conquista dos nossos direitos, afirma o índio Lindomar Terena. Para ele, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que altera o procedimento de demarcação de terras, deixará as populações indígenas ainda mais vulneráveis. - “O agronegócio tem avançado para cima do nosso território. Não existe vontade política para demarcar as terras, então quem vai sempre tombar nessa luta são os índios”, lamenta Lindomar Terena, que é um dos coordenadores do movimento social Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).

  Aprovada por uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados, a PEC 215 tira do Executivo e passa para o Congresso a decisão final sobre a demarcação de terras indígenas, a titulação de territórios quilombolas e a criação de unidades de conservação ambiental. O texto ainda proíbe a ampliação de terras indígenas já demarcadas e prevê indenização aos proprietários. - “A bancada ruralista, que representa grandes corporações nacionais e multinacionais do agronegócio, quer impedir e inviabilizar todo e qualquer novo reconhecimento de território indígena no país. Se for aprovada em definitivo, a lei representará um risco de genocídio dos povos originários do Brasil nos próximos anos”, afirma Cleber Buzatto, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Em seu parecer, o deputado federal Osmar Serraglio (PMDB-PR), relator da PEC, argumenta que é necessário dar mais poder de decisão aos estados e “instaurar um maior equilíbrio” sobre as atribuições da União. O parlamentar diz que a demarcação tem “impacto significativo” e compara o reconhecimento de terras indígenas por órgãos técnicos do governo a uma intervenção federal”.
         Somados as bancadas dos chamados BBB dispõem de 40% dos votos da Câmara, mas são capazes de formar maioria com tranquilidade, diz André Luís dos Santos, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP). - “Eles não têm dificuldade para angariar apoio de outros blocos, até por ocuparem postos-chave na estrutura de poder da Casa”. Na política do Brasil, a chamada “bancada da bala” é o nome pelo qual é conhecida a frente parlamentar composta por políticos ligados à indústria de armas, ex-policiais e militares de modo geral. No nível federal, a bancada se movimentou para alterar o “Estatuto do Desarmamento” através da propositura de 41 projetos, dentre os quais constava o do parlamentar Rogério Mendonça (PMDB-SC), que propôs a revogação total do Estatuto. Contudo, não é apenas no Congresso Nacional que o grupo se faz presente. Na Câmara Municipal de São Paulo, assumiram no ano de 2013 os vereadores Álvaro Camilo (PSD), ex-comandante-geral da PM, Paulo Telhada (PSDB), ex-comandante da ROTA, e Conte Lopes (PTB), capitão aposentado que atuou na Rota e foi deputado estadual. Na Câmara, a bancada pressiona para criar Comissão de Segurança, desmembrando assim a Comissão de Direitos Humanos. O deputado Federal Major Olímpio (PDT-SP) também representa a Segurança Pública (“Bancada da Bala”) na Câmara dos deputados. Ex-deputado estadual por dois mandatos, encabeça o movimento pela redução da maioridade penal, pelo aumento de pena nos crimes cometidos por agentes da lei e pelo fim da saída temporária de presos condenados.
 

O conceito de “guerra de posição” faz parte da teoria da hegemonia política e responde à exigência de definição das características históricas novas da luta política no mundo depois da 1ª Grande Guerra e da Revolução de Outubro de 1917.- “A passagem da guerra manobrada à guerra de posição”, afirma Gramsci, surge “como a questão de teoria política mais importante colocada pelo período do pós-guerra e a mais difícil de ser resolvida corretamente”. A “revolução em dois tempos”, ele havia afirmado no final dos anos vinte num célebre artigo do jornal italiano “Ordine Nuovo” com o artigo: “Due Rivolucioni”, isto é, a conquista do Estado numa batalha campal definitiva e o empenho da maquina estatal para transformar coercitivamente a sociedade, não pode se constituir no arquétipo da revolução proletária. A Revolução de Outubro de 1917, portanto, era considerada a última revolução do século XIX. A passagem na qual o conceito de “guerra de posição sob o terreno político” é formulado da maneira mais expressiva faz referência – da mesma forma quando o teórico político e socialista Antônio Gramsci enuncia a concepção de hegemonia – à disputa que havia contraposto Lênin com a tática da “frente única” a Leon Trotsky com a teoria da “revolução permanente” a respeito dos modos de se desenvolver a luta revolucionária depois do “grande ato metafísico” de Outubro.

Nessa frente, a ala de congressistas mais numerosa é a ruralista, formada por 109 deputados e 17 senadores da República, segundo a “Radiografia do Novo Congresso”, atualizada a cada nova legislatura pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP). Após Kátia Abreu assumir o Ministério da Agricultura, o aparente oposicionista Ronaldo Caiado, do DEM, emergiu como uma das principais referências da chamada Bancada do Boi no Senado. Campeão de votos no Rio Grande do Sul, Luís Carlos Heinze, do Partido Progressista (PP), mantém a liderança do grupo na Câmara. A Bancada da Bíblia (cf. Braga, 2014), por sua vez, aumentou quantitativamente de 73 para 75 o número de deputados eleitos, além de preservar três senadores, registra estatisticamente o (DIAP). O pastor Marco Feliciano, do PSC, quase dobrou a quantidade de votos obtidos de 2010 para 2014, e segue como uma referência política. Mas é o peemedebista Eduardo Cunha, fiel da Igreja Sara Nossa Terra, fundada em 1992 pelo bispo Robson Rodovalho e sua mulher, Lúcia Rodovalho, a Sara Nossa Terra tem sede em Brasília e segue a doutrina da chamada Teoria da Prosperidade, vertente religiosa que defende, em linhas gerais, que os fiéis podem aumentar a sua riqueza material de forma proporcional às doações que fazem à igreja, quem ocupa o palco, por definir o que entra na pauta da Câmara. A bancada ruralista é atuante na hora de contrapor-se a Projetos de Lei sociais com o objetivo de promover a Reforma Agrária. Foi para barrar as normas constitucionais, na Assembleia. Presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Luís Carlos Heinze, sugere a ação armada dos agricultores contra índios e ofende minorias. Foto da Agência Câmara. 

Em 2005, na Comissão Parlamentar de Inquérito da Terra, conseguiu derrotar o Relatório final apresentado pelo relator da CPI e aprovar outro de acordo com os seus interesses. A bancada ruralista, por pressões junto ao Poder Executivo, vêm conseguindo sucessivas concessões para o pagamento das dívidas rurais, com alongamento de prazos, redução ou dispensa de juros e linhas de crédito favorecidas nos bancos oficiais. Também tem tido êxito na defesa dos alimentos transgênicos, contra os quais se colocam inúmeras entidades de proteção ao meio ambiente. Dentre as atividades da bancada, segundo seus críticos, destacar-se-ia sua atuação para impedir o efetivo combate ao trabalho escravo nas fazendas, e sua feroz oposição a quaisquer medidas de preservação da ecologia e do meio ambiente, bem como o patrocínio de um projeto de lei em tramitação no Congresso nacional, já aprovado no Senado, que aumenta em 150% o limite legal para desmatamentos nas fazendas da Amazônia e dá anistia aos fazendeiros que já desmataram, ilegalmente, suas propriedades nos últimos sete anos. Uma tese de doutorado defendida na Universidade de São Paulo (USP) pelo cientista político Leonardo Sakamoto estabeleceria uma relação política entre a morosidade na apreciação dos projetos antiescravagistas e as doações de campanha eleitoral. Segundo ele, empresas agropecuárias acusadas de utilizar trabalho escravo, seus donos e parentes fizeram doações nas eleições de 2002 e 2004 que ajudaram a eleger dois governadores, cinco deputados federais, três deputados estaduais, três prefeitos e um vereador.

Vale lembrar que Leonardo Sakamoto é um jornalista brasileiro com sólida formação acadêmica. Além da graduação em jornalismo, possui mestrado (2003) e doutorado em Ciência Política (2007) pela Universidade de São Paulo (USP). Cobriu conflitos armados e o desrespeito aos direitos humanos em Timor Leste (1998), Angola (1999) e no Paquistão (2007) e retratou problemas sociais em reportagens realizadas por todo o país. Diretor da ONG Repórter Brasil, foi seu representante na Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. Atuou como conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão, em Genebra (2014-2020), e como comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão para o Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos (2018-2019). Foi Visiting Scholar do Departamento de Ciência Política da New School for Social Research, em Nova Iorque (2015-2016). Sakamoto foi professor de Jornalismo na Universidade de São Paulo (2000-2002) e é professor de Jornalismo na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). É comentarista do Jornal da Cultura, da TV Cultura e colunista da New Internationalist, no Reino Unido. Escreve diariamente sobre política e direitos humanos em sua coluna no portal UOL. 

Em 2017, Leonardo Sakamoto recebeu o prêmio Hero Acting to End Modern Slavery Award, do Departamento de Estado dos Estados Unidos da América, por sua luta contra a escravidão contemporânea. Em 2016, foi indicado ao prêmio Repórteres sem Fronteiras pela Liberdade de Imprensa, por conta de sua cobertura diária das violações aos direitos humanos e das ameaças e agressões que sofreu em decorrência de seu trabalho. Por conta de sua atuação como jornalista na área de direitos humanos e de ativista no combate ao trabalho escravo contemporâneo, Leonardo Sakamoto tem sido vítima de ameaças de morte e agressões. Por conta disso, o Ministério Público Federal demandou apuração dessas tentativas de intimidação de seu trabalho em 2016. Dois anos depois, ele sofreu nova onda de ataques virtuais por conta do surgimento de fake news, via redes sociais, dando conta de que ele seria dono de agências de checagem de notícias e que estaria com uma parceria com empresas de redes sociais visando a censurar pessoas e grupos. Em função disso, o jornalista foi novamente ameaçado de morte. O Ministério Público Federal demandou nova apuração sobre o caso.

A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a bancada ruralista vem crescendo desde  2015. Ele analisou ainda a participação de três deputados federais, um estadual e três prefeitos entre proprietários e/ou parentes de ruralistas donos de fazendas autuadas por suposta utilização de força de trabalho que tem como componente o escravo. A bancada ruralista, uma das mais eficientes do Congresso, cresceu nas eleições de 2010 e terá sua capacidade de atuação ampliada nas discussões, articulações e negociações de políticas públicas do setor no âmbito do Poder Legislativo.  Levantamento realizado pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP) demonstra a reeleição ou eleição de 158 parlamentares que priorizaram em 2011, a agenda do setor rural. Dos 158 parlamentares ruralistas, 91 são deputados reeleitos e 49 deputados novos. Há ainda 18 senadores, sendo dez atuais com mandato até completar o ano de 2015, seis novos e dois reeleitos que cumprirão mandato até 2019. Na atual legislatura, o  DIAP identifica 120 parlamentares na defesa de interesses liberais conservadores da agenda ruralista, com aumento de apenas três a mais que a quantidade da legislatura passada, mas que contava com 117 representares do setor empresarial rural.
O Departamento classifica como integrante da bancada ruralista aquele parlamentar que, mesmo não sendo proprietário rural ou da área econômica de agronegócios, assume sem constrangimento a defesa dos pleitos da bancada, não apenas em plenários e nas comissões, mas em entrevistas à imprensa e nas manifestações de plenário. Enquadra-se nessa classificação o deputado reeleito Ônix Lorenzoni (DEM-RS), que mesmo não sendo dono de propriedade rural, atua e defende o setor rural na Comissão de Agricultura, principal colegiado da Câmara para onde convergem as demandas do setor rural. Além de Ônix, outros 21 deputados reeleitos integram atualmente a comissão permanente. De composição pluripartidária, a bancada tem sido um exemplo de grupo de interesse e de pressão bem sucedido. O perdão de dívida é pauta constante dos ruralistas. Sempre que existe uma matéria relevante para votar, a bancada exige o perdão ou renegociação de dívidas sob a pena de votar contra o governo. A bancada ruralista na Câmara dos Deputados ganhou novos adeptos como o arrozeiro Paulo Cezar Quartiero (DEM-RR), porta-voz e defensor dos agricultores na demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol. Outro nome comemorado entre os ruralistas é o deputado federal Irajá Abreu (DEM-TO), filho da presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e senadora ruralista reeleita, Kátia Abreu (DEM-TO). Entre os líderes ruralistas reeleitos o deputado Homero Pereira (PR/MT), que liderou em 2005 o “tratoraço” e o bem organizado movimento político “locaute ruralista” quando fechou arbitrariamente rodovias à revelia dos poderes públicos pelo país afora em maio de 2006.
Em vídeo gravado durante uma audiência em Vicente Dutra (RS), parlamentares como os deputados Luís Carlos Heinze (PP-RS) e Alceu Moreira (PMDB-RS) não só incitam a violência com o uso de armas de fogo contra lideranças indígenas que tentam retomar suas terras invadidas historicamente por fazendeiros, grileiros e madeireiros. Além disso, insultam nas relações de gênero gays e lésbicas, e reforçam o discurso inverossímil acerca da demarcação de terras indígenas para os produtores rurais. Nas imagens, os parlamentares racistas se referem aos índios, quilombolas e homossexuais como “tudo o que não presta”, e estimulam agricultores a usarem de segurança armada para expulsar indígenas do que consideram serem suas terras.  - “Nós, os parlamentares, não vamos incitar a guerra, mas lhes digo: se fartem de guerreiros e não deixem um vigarista desses dar um passo na sua propriedade. Nenhum! Nenhum! Usem todo o tipo de rede. Todo mundo tem telefone. Liguem um para o outro imediatamente. Reúnam verdadeiras multidões e expulsem do jeito que for necessário”, disse o deputado Alceu Moreira, utilizando metáforas de guerra vinculadas ao militares golpistas de 1964. - “A própria baderna, a desordem, a guerra é melhor do que a injustiça”.
Na tentativa de colocar o público contra o próprio governo, de cuja base eleitoral o seu partido (PMDB) faz parte, ele afirma que o “movimento pela demarcação de terras indígenas” seria uma “vigarice orquestrada” pelo ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho. Moreira diz também que tal movimento seria patrocinado pelo Ministério Público Federal, o qual, segundo ele, defenderia a “injustiça”. Ao contrário do que sugere, porém, a demarcação de terras indígenas é direito previsto na Constituição Federal, e o governo Dilma é notadamente o que menos demarcou terras desde a Ditadura Militar. O parlamentar é presidente da Federação Estadual de Agricultura de Mato Grosso. A bancada ruralista é majoritariamente masculina, pois apenas cinco mulheres frequentam esse seleto grupo conservador. São elas as novas deputadas federais Jaqueline Roriz (PMN-DF), filha do ex-senador e ex-governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz, e Iracema Portela (PP-PI), esposa do deputado federal e senador eleito Ciro Nogueira (PP). Completam o grupo as senadoras reeleitas Kátia Abreu (DEM-TO) e Lúcia Vânia (PSDB-GO). No Senado, a força política e estratégica do agronegócio será ainda maior na próxima legislatura com a chegada dos ex-governadores Blairo Maggi (PR-MT), Ivo Cassol (PP-RO), Luiz Henrique (PMDB-SC), Marcelo Miranda (PMDB-TO) e o grupo do deputado federal Benedito de Lira (PP), que obteve apoio quando foi eleito para seu primeiro mandato de senador pelos próceres da chamada república [do estado] de Alagoas.

Um antigo flerte entre as duas bancadas mais representativas do Congresso está  virando casamento. Evangélicos e ruralistas estão concretizando uma frente conjunta para votar dois dos projetos mais sensíveis aos interesses do governo – e também dos setores que representam: a Lei Geral da Copa do Mundo de Futebol e o novo Código Florestal. Juntas, as duas bancadas podem reunir 170 votos, o que representa 33% do parlamento. É quase o dobro da bancada do Partido dos Trabalhadores (85 deputados), a maior da Casa. A fidelidade à bancada, quando o assunto é pauta, é maior até mesmo do que ao partido. O que pode significar um esfacelamento ainda maior da base do governo. Já os ruralistas se opõem a itens do novo Código Florestal aprovado no Senado e ambicionam retornar para a primeira versão aprovada na Câmara na primeira derrota da presidenta Dilma Rousseff na Casa, em 2011. Para o governo, no entanto, o projeto sancionado pelos senadores é o texto mais próximo de um consenso entre ruralistas e ambientalistas. A Conferência sobre o Meio Ambiente Rio+20,  aumentou a pressão para aprovar um código dos defensores da natureza. - “O governo terá de se preocupar”, afirma o deputado João Campos (PSDB-GO), expoente do grupo evangélico que articula com Moreira Mendes (PSD-RO), representante do agronegócio na política.
 Kátia Abreu, foi ministra da Agricultura no governo Dilma Rousseff (PT) enquanto senadora pelo PMDB do Tocantins e presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Ela foi a primeira mulher a assumir a presidência da entidade. E ainda a primeira mulher a ser escolhida para presidir a bancada ruralista no Congresso Nacional. Em 1998, foi eleita pelo antigo PFL do Tocantins primeira suplente na Câmara dos Deputados. Assumiu a cadeira por dois anos, tendo comandado a bancada ruralista na Casa. Kátia Abreu cumpriu mandato como deputada federal entre 2000 e 2006 e foi eleita senadora pela primeira vez em 2006. Em 2010, recebeu o prêmio-ironia “motosserra de ouro” concedido pela reconhecida organização ambientalista Greenpeace “por sua defesa ferrenha de mudanças no Código Florestal, em prol de mais desmatamentos no Brasil”. A senadora recebeu do Greenpeace na manhã desta quarta-feira, em Cancún, o prêmio “Motosserra de Ouro”. Segundo o site oficial da Organização Não-Governamental (ONG), o “prêmio” é um símbolo “de sua luta incansável pelo esfacelamento da lei que protege as florestas do país”, referindo-se à proposta do novo Código Florestal do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), que, se aprovada, vai abrir novas concessões a desmatadores. A bancada ruralista do Congresso, da qual a senadora faz parte, tem procurado apressar a votação da nova proposta na Câmara dos Deputados. Na questão da demarcação de terras indígenas a senadora se pronuncia a favor dos produtores rurais. Os rumores de sua indicação provocaram críticas dentro do PT e entre críticos ambientalistas. Deixou o DEM (ex-Partido da Frente Liberal) em 2011 para ingressar no PSD, partido do ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab. Trocou de partido em 2013 filiou-se ao PMDB, quando disputou a reeleição ao Senado em 2014.
              É uma empresária, pecuarista e política filiada ao Partido Democrático Trabalhista (PDT). Foi a ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento durante o segundo governo de Dilma Rousseff. Em 1998, Kátia Abreu disputou pela primeira vez uma cadeira na Câmara dos Deputados, ficando como primeira suplente. Assumiu a vaga em duas oportunidades entre abril de 2000 e abril de 2002. Foi escolhida para presidir a Bancada Ruralista no Congresso Nacional, sendo a primeira mulher no país a comandá-la, que na época contava com 180 integrantes. Em 2002, foi efetivamente eleita para a Câmara dos Deputados com 76.170 votos, a mais votada no Estado do Tocantins. Em 2006, concorreu e venceu a eleição a uma vaga ao Senado Federal, derrotando Siqueira Campos, que tentava a reeleição. Em 2007, criticou a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), criticando ainda o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ex-líder sindical e fundador do Partido dos Trabalhadores (PT). Em 2009, figurou entre as cem personalidades mais influentes do Brasil, numa lista publicada pela edição especial da Revista Época. Dentre as 100 personalidades destacam-se 30 políticas, dentre os quais somam 5 senadores. Em 2010, em entrevista a revista Veja a senadora, fez críticas as políticas para o agronegócio dos ministérios do trabalho, desenvolvimento agrário e meio ambiente do governo democrático de Luiz Inácio Lula da Silva do Partido dos Trabalhadores (PT).
               Em 2011, torna-se aliada ao governo Dilma Rousseff. Em 2016 permaneceu mais fiel à Dilma Rousseff que ao partido onde se situa: - “Outros, como Katia Abreu, são considerados mais fiéis à presidente que ao partido, a ponto de considerarem uma troca de legenda para permanecer ao seu lado”  e "A ministra Kátia Abreu é uma política sem teto. O PMDB, partido que a abriga, o faz obrigado pelas contingências, da mesma forma como ela está presa ao governo Dilma”. Em abril de 2016, o presidente em exercício do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), o senador Romero Jucá, confirmou em nota que faz questão de solicitar a Comissão de Ética o processamento com a maior rapidez possível para a satisfação da base partidária e dos representados. Com isso a Senadora Kátia Abreu, pode ser expulsa do partido, por recusar a entregar seu cargo. Em agosto de 2016, começou a possibilidade dela ser expulsa do PMDB, inclusive como “paralelo do caso dela com o de Roberto Requião, outro senador do PMDB que votou contra o impedimento da ex-presidente”; e supostamente, “processo deve começar em breve”. Em dezembro de 2016, votou contra a PEC do Teto dos Gastos Públicos. Em julho de 2017 contra a reforma trabalhista. Em 13 de setembro de 2017, o PMDB por recomendação da Comissão de Ética afastou Kátia Abreu por 60 dias motivado por ter votado, contra o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff do Partido dos Trabalhadores (PT). 

Eleita duas vezes presidente da República, em 2010 e em 2014, Dilma Rousseff foi a 1ª mulher a governar o Brasil. A presidência do Brasil foi o primeiro cargo público obtido em disputa eleitoral por Dilma Rousseff. Antes disso, ela ocupou secretarias no governo municipal de Porto Alegre, no governo do Rio Grande do Sul, no Ministério de Minas e Energia e na Casa Civil da Presidência da República no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Natural de Belo Horizonte (MG), Dilma Vana Rousseff nasceu em 14 de dezembro de 1947. É filha de pai búlgaro e mãe brasileira. Ela iniciou sua militância política em 1964, com a derrubada do governo João Goulart. Ingressou na luta estudantil, militando posteriormente na Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares). Foi presa, torturada e teve os direitos políticos cassados. Quando o país foi redemocratizado, denunciou as torturas em processos judiciais, sendo indenizada pela Secretaria de Direitos Humanos do Rio de Janeiro, junto com outros perseguidos políticos. Com o fim do bipartidarismo, em 1979, Dilma Rousseff participou dos esforços do líder trabalhista Leonel Brizola para a recriação do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que havia sido extinto pelos militares com o golpe de Estado. Perdida a sigla para o grupo de Ivete Vargas, ela ajudou Leonel Brizola a criar o Partido Democrático Trabalhista (PDT). Em 1985, quando Alceu Collares elegeu-se prefeito de Porto Alegre pelo PDT, assumiu a Secretaria Municipal da Fazenda.

Em 1993, na gestão de Collares no governo do Rio Grande do Sul, ela assumiu a Secretaria de Minas, Energia e Comunicação, onde ficou dois anos. Em 1998, com a vitória de Olívio Dutra para o governo gaúcho, Dilma retornou ao comando da mesma pasta. Dilma Rousseff integrou a equipe que elaborou a proposta de governo de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002. Eleito presidente, Lula a nomeou ministra de Minas e Energia, ocasião em que ela também assumiu a presidência do Conselho de Administração da Petrobras. Em 2005, com a queda de José Dirceu, Dilma passou a chefiar a Casa Civil, cargo posteriormente entregue à secretária-executiva da pasta, Erenice Guerra. Em 2010, Dilma Rousseff elegeu-se pelo Partido dos Trabalhadores à Presidência, sendo a primeira mulher a assumir o Palácio do Planalto, em 1º de janeiro de 2011, ocupando o posto de 36º presidente da República.

Em 2013, enfrentou onda de protestos realizados em quase todo o país, marcados por críticas direcionadas aos políticos em geral e aos integrantes dos três poderes. Como resposta, Dilma anunciou projetos destinados a atender os pleitos da população, assim como uma reforma política não concretizada. As manifestações de rua duraram até a realização da Copa do Mundo de Futebol, quando a presidente foi vaiada ao chegar para a abertura dos jogos. Em 2014, ela ganhou sua segunda eleição presidencial. Foi eleita com 55,7 milhões de votos, em momento marcado por declínio do produto interno bruto (PIB), crescimento da inflação e início das investigações que culminaram na operação Lava Jato, envolvendo a Petrobras, políticos e empreiteiras. Dilma Rousseff assumiu seu segundo mandato em 1º de janeiro de 2015, enfraquecida por uma crise econômica e pelas denúncias que atingiam os partidos que a apoiaram. A partir de fevereiro, seus índices de popularidade entraram novamente em declínio e, por todo o país, começaram as manifestações conhecidas como “panelaço”, resultando em rejeição maciça a seu governo e na apresentação de vários pedidos de impeachment.

Dilma Vana Rousseff, eleita presidente da República Federativa do Brasil desde janeiro de 2011, sendo reeleita nas eleições de 2014, foi destituída do posto em 31 de agosto de 2016 por meio de um processo de impeachment. No decorrer do ano de 2015, cinquenta pedidos de impeachment foram protocolados na Câmara dos Deputados contra Dilma Rousseff do Partido dos Trabalhadores (PT). A maior parte desses pedidos foi arquivada “por falta de material probatório e argumentos”. Um deles foi acolhido pelo presidente da Câmara, o deputado Eduardo Cunha, em 2 de setembro de 2016. Esse pedido foi elaborado e protocolado em outubro pelos juristas Janaína Conceição Paschoal, Miguel Reale Jr. e Hélio Bicudo. O pedido estava ainda subscrito por três líderes de movimentos sociais que ajudaram a articular as grandes manifestações de ruas do ano de 2015: Kim Patroca Kataguiri, do Movimento Brasil Livre, Rogério Chequer, do Vem Pra Rua e Carla Zambelli Salgado, do Movimento Contra a Corrupção.

Após o acolhimento do pedido, este seguiu para apreciação na Câmara dos Deputados, à qual coube decidir se o pedido teria prosseguimento (admissibilidade) ou não. No dia 17 de abril de 2016, ocorreu, no plenário da Câmara, a votação que decidiu pelo prosseguimento. 367 deputados votaram pela admissibilidade, e o pedido foi encaminhado para o Senado Federal. No dia 12 de maio, houve uma seção plenária dos senadores para decidir pela abertura do processo de impeachment. 55, de 81 senadores, votaram pela abertura. Dilma Rousseff, a partir de então, teve que se afastar do cargo de presidente até que o processo fosse concluído. O vice-presidente Michel Temer assumiu interinamente. O crime imputado contra a presidente da República está previsto no artigo 85 da Constituição Federal. Trata-se do crime de responsabilidade. Outra lei que enquadra esse tipo de crime e que foi trabalhada pelos denunciantes do pedido é a Lei 1.079, de 1950. Segundo a denúncia, Dilma Rousseff do Partido dos Trabalhadores, teria “ordenado a edição de créditos suplementares sem a autorização do Senado, bem como realizado operação de crédito com instituição financeira controlada pela União”.

Os denunciantes, por óbvio motivo, prefeririam que a Presidente da República tivesse condições de levar seu mandato a termo. No entanto, a situação se revela tão drástica e o comportamento da Chefe da nação se revela tão inadmissível, que alternativa não resta além de pedir a esta Câmara dos Deputados que autorize seja ela processada pelos crimes de responsabilidade previstos no artigo 85, incisos V, VI, e VII, da Constituição Federal; nos artigos 4º, incisos V e VI; 9º, números 3 e 7; 10 números 6, 7, 8 e 9; 11º, número 3, da Lei 1.079/1950. A defesa de Dilma Rousseff, durante o processo, foi feita pelo brilhante advogado José Eduardo Cardozo. Os pontos apresentados foram justificados por uma bancada de senadores da base aliada da presidente e pertencentes aos Partido dos Trabalhadores, Partido Comunista do Brasil e Partido do Movimento Democrático Brasileiro e REDE. A defesa procurou argumentar que não houve crime nas operações de crédito editadas pela presidente e que tais operações foram apenas “autorizações de gastos sem impacto na realização da despesa”.

Além disso, a defesa procurou ainda sustentar a narrativa de que todo o processo, desde a acolhida na Câmara até os momentos finais, era um “golpe branco”, ou golpe parlamentar (quando não é utilizada violência) contra a presidente Dilma, articulado entre atores políticos, como o próprio vice-presidente da República e o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha. O relator do processo, senador Antônio Anastasia, corroborou os argumentos da denúncia e repudiou a sugestão da defesa de que toda a peça processual era um “golpe”. Nas palavras de Anastasia: - A abertura de créditos suplementares por decreto é uma exceção à regra geral de fixação das dotações orçamentárias em lei. Nesse sentido, a Constituição veda expressamente a abertura de crédito suplementar sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes (art. 167, V). A edição dos decretos, objeto deste processo, como demonstrado, violou flagrantemente esse dispositivo constitucional, revelando conduta irresponsável da denunciada com relação aos deveres de diligência que lhe são atribuídos com vistas à tutela do equilíbrio das contas públicas.

Findados os trâmites da Comissão Especial de Impeachment, que deu a ambiência para a discussão do pedido, o processo então seguiu para a sua fase final, que começou no dia 29 de agosto, quando a presidente Dilma Rousseff foi ao Senado fazer sua defesa e ser questionada pelos senadores. Após isso, os advogados de defesa e de acusação fizeram seus discursos finais. Depois, dois senadores partidários de Dilma Rousseff e dois contrários também fizeram suas considerações finais. No dia 31 de agosto, foi posto em votação o texto da sentença que deveria ou não ser aprovado pelos senadores. Porém, antes que a votação começasse, o primeiro-secretário do Senado, senador Vicentinho Alves, leu um requerimento elaborado pelo Partido dos Trabalhadores (PT) que solicitava o “fatiamento”, isto é, o destaque do texto da sentença. A sentença, segundo a Constituição, previa que Dilma deveria perder o mandato de presidente e ficar inabilitada para o exercício de funções públicas por oito anos. O requerimento pedia uma votação separada para cada um desses tópicos. O requerimento foi aceito pelo presidente da seção, que era também o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski. Nesse sentido, a votação sobre a perda do mandato foi desfavorável à Dilma Rousseff, visto que 61 senadores votaram a favor da perda. Já a segunda votação favoreceu-a: 42 senadores optaram por não deixar Dilma inabilitada para o exercício de funções públicas, contra 36 que se opuseram.

Bibliografia geral consultada.

KAUTSKY, Karl, A Questão Agrária. 3ª edição. São Paulo: Editora Proposta Editorial, 1980; MARIANO, Ricardo; PIERUCCI, Antônio Flávio, O Envolvimento dos Pentecostais na Eleição de Collor. In: Novos Estudos CEBRAP, n° 34, pp. 92-106, 1992; IANNI, Octávio, Escravidão e Racismo. 2ª edição. São Paulo: Editora Hucitec, 1988; Idem, “Terra e Liberdade: A Luta dos Posseiros na Amazônia Legal”. In: Boletim Reforma Agrária. ABRA. Ano IX n° 1, [s.d.]; Idem, A Chegada do Estranho. São Paulo: Editora Hucitec, 1993; Idem, Fronteira. A Degradação do Outro nos Confins do Humano. São Paulo: Editora Hucitec/Coedição da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1997; Idem, “Marx e a Nova Encíclica do Papa”. In: Jornal Estado de São Paulo: 22.01.2008; CARVALHO, José Murilo, Cidadania no Brasil. O Longo Caminho. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2001; MARTINS, José de Souza, “A Reforma Agrária no Segundo Mandato de Fernando Henrique Cardoso”. In: Tempo Social. Revista de Sociologia da USP. São Paulo (SP), vol. 15, nº 2, pp. 141-175, 2003; ABRAMO, Perseu, Padrões de Manipulação na Grande Imprensa. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003; FRESTON, Paul, Evangelicals and Politics in Asia, Africa and Latin America. New York: Cambridge University Press, 2004; STÉDILE, João Pedro (Organizador); Douglas Estevam (assistente de pesquisa), A Questão Agrária no Brasil: O Debate Tradicional. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2005; SAKAMOTO, Leonardo Moretti, Trabalho Escravo no Brasil do Século XXI. 1ª edição. Brasília: Editor Organização Internacional do Trabalho, 2006; Idem, Os Acionistas da Casa-Grande: A Reinvenção Capitalista do Trabalho Escravo no Brasil Contemporâneo. Tese de Doutorado. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo, 2007; NICOLAZZI, Fernando, Um Estilo de História: A Viagem, a Memória, o Ensaio. Sobre Casa Grande & Senzala e a Representação do Passado. Tese de Doutorado.  Programa de Pós-Graduação em História. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2008; CORADINI, Odaci Luiz, “Frentes Parlamentares, Representação de Interesses e Alinhamentos Políticos’’. In: Revista de Sociologia e Política, 18, 36: 241-256, 2010; SILVA, Carla Luciana, “A Grande Imprensa e a Crise Política: O Caso de Veja”. In: www.unioeste.brTREVISAN, Janine, “A Frente Parlamentar Evangélica: Força política no estado laico brasileiro”. In: Numen, 16 (1) 2013; BRAGA, Ubiracy de Souza, “Bíblia: Exclusividade na Educação Pública?”. In: https://www20.opovo.com.br/2014/07/08/; MACHARETE, Filipe Ribeiro, Os Evangélicos da IADJN e PIB-SG e a Política. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História Social do Território. São Gonçalo: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2015; entre outros.

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Drogas & Justiça – Produção, Consumo e Lei nas Américas e Brasil.

Giuliane de Alencar & Ubiracy de Souza Braga

                                                                      “Tudo o que se pensa ou é afeto ou aversão”. Robert Musil

                                            

Conceptualmente droga representa historicamente “toda e qualquer substância, natural ou sintética que, introduzida no organismo modifica suas funções”. As drogas naturais são obtidas e extraídas tecnicamente através de determinadas plantas, de animais e de alguns minerais. Exemplo: a cafeína (do café), a nicotina (presente no tabaco), o ópio (na papoula) e o THC - tetrahidrocanabiol (da cannabis). As drogas sintéticas são fabricadas em laboratório, exigindo para isso técnicas especiais. O termo “droga” presta-se a várias interpretações e conteúdos de sentido, mas para o senso comum é uma substância proibida, de uso ilegal e nocivo ao indivíduo, modificando-lhe as funções, as sensações, o humor e o comportamento. As drogas estão classificadas em três categorias: a) as estimulantes, b) os depressores e, c) os “perturbadores das atividades mentais”. O termo “droga” envolve os analgésicos, estimulantes, alucinógenos, tranquilizantes e barbitúricos, além do álcool e substâncias voláteis.
As psicotrópicas são as drogas que tem tropismo e afetam o sistema nervoso central, modificando as atividades psíquicas e o comportamento. Essas drogas podem ser absorvidas de várias formas: por injeção, por inalação, via oral, injeção intravenosa ou aplicada via retal (supositório). O crack é uma droga, geralmente fumada, “feita a partir da mistura de pasta de cocaína com bicarbonato de sódio”. É uma forma “impura de cocaína” e não um subproduto. O nome deriva do verbo “to crack”, que, em inglês, significa “quebrar”, devido aos pequenos estalidos produzidos pelos cristais (“as pedras”) ao serem queimados, como “se quebrassem”. E “Cracolândia”, por derivação do crack, “é uma denominação popular” para uma região no centro da cidade de São Paulo, nas imediações avenidas Duque de Caxias, Ipiranga, Rio Branco, Cásper Líbero e à Rua Mauá, onde “historicamente se desenvolveu intenso tráfico de drogas e meretrício” na década de 1960, com o chamado “cinema marginal”, houve um crescente desenvolvimento da atividade cinematográfica nesta região da cidade.  


  
 As “pedras” começaram a serem usadas no ano de 1990 na periferia de São Paulo e, segundo se diz, hic et nunc de início as próprias quadrilhas de traficantes do Rio de Janeiro não permitiam a sua entrada, pois os bandidos temiam que o crack destruísse rapidamente sua fonte de renda: os consumidores. Entretanto, em menos de dois anos a droga alastrou-se por todo o Brasil. Recentes reportagens demonstram que o entorpecente “tornou-se o mais comercializado nas favelas cariocas multiplicando os lucros dos traficantes”. Atualmente, pode-se dizer que há uma verdadeira “epidemia” de consumo do crack, atingindo cidades grandes, médias e pequenas. Efetivamente é o que demonstra os dados de pesquisa da Confederação Nacional de Municípios, amplamente divulgada, segundo a qual “o crack é consumido em 98% das cidades brasileiras”.            
 Alguns consumidores, em especial do sexo feminino, na prostituição de baixo nível, visando somar recursos para manter o próprio vício, utilizam-se da introdução de pequenas porções de crack em cigarros de maconha, no que é chamado de “desirée”, “mesclado”, “craconha” ou “criptonita”, na gíria do meio consumidor e traficante de crack. Esta prática também é utilizada por traficantes, que adicionam uma pequena quantidade de crack à maconha e vendem aos usuários, sem que estes saibam. É uma tática cruel para obter novos viciados. Enfim, embora gere menos renda para o traficante por peso de cocaína produzida, o crack, sendo mais viciante, garante um mercado cativo de consumo. A pressão sobre o tráfico de cocaína (de menor volume e maior valor agregado) para os países ricos tem deslocado o tráfico para o mercado de crack, passível de ser facilmente colocado para populações de baixa renda. 
Em sentença nomeada como “Arriola”, a Corte Suprema Argentina declarou a inconstitucionalidade de lei do artigo 14 da Lei 23.737, que pune com prisão ou penas alternativas a posse drogas para uso pessoal. Ao expor os motivos, o ministro Eugenio Zaffaroni destacou que “o processamento dos usuários se torna um obstáculo para a recuperação das poucas pessoas que são dependentes, pois não faz mais que estigmatizar e reforçar sua identificação através do uso de substâncias tóxicas”. Além da referida decisão, outros acontecimentos surgiram para promover a reforma da política de drogas na Argentina, com destaque para as lacunas da atual legislação e reposta aos desafios mais importantes dessa problemática social: superpopulação carcerária, o aumento do tráfico de drogas etc. – a violência, o crime organizado, entre outros.
A Corte Suprema da Justiça da Colômbia, assim como a da Argentina, reafirmou que o porte de quantidade de qualquer droga para uso pessoal não pode ser penalizado. Esta decisão cobre inclusive as quantidades para abastecimento, ou seja, ainda que o usuário seja encontrado na posse uma dose maior do que o prescrito pela lei como “baixa dose”, se a droga é destinada a vários dias de provisão para uso pessoa e não à distribuição, o indivíduo não pode ser punido. Destaca-se o trecho da decisão que afirma que “não é incumbido ao direito penal esse tipo de caso, pois trata de um comportamento que corresponde ao âmbito exclusivo de sua liberdade, efeito sobre o qual se deve realmente aplicar o princípio da intervenção mínima”. Na Corte Suprema colombiana, o consumo drogas é um “comportamento autodestrutivo”, de liberdade individual e, portanto, não é passível de punição.

Proposta pelo governo de Rafael Correa e aprovada pela Assembleia Constituinte do Equador, a “anistia a pequenos traficantes”, em espanhol, chamados de “mulas”, no final de 2008 permitiu a libertação de 1.500 presos por “microtráfico” de drogas no Equador. Os argumentos do governo foram à desproporcionalidade das penas em relação aos crimes cometidos e a necessidade de aliviar o peso sobre o sistema prisional, sobrecarregado, em parte, pelo grande número de condenações por venda de pequenas quantidades de entorpecentes. O Equador tem uma das leis sobre drogas mais repressivas da América e pune com penas similares os delitos por venda de qualquer quantidade de drogas e por crimes violentos. Isto gerou a superlotação de prisões entre 1993 e 2007: a população prisional aumentou de 9.000 para 14.000 presos em 14 anos.
Longe de ser uma liberação geral e negligente, o perdão, proposto pelo governo equatoriano em 2008, estabeleceu diversas condições sociais para receber o benefício: a medida só pôde ser aplicada a quem não tinha condenações anteriores por crimes relacionados ao tráfico de drogas e, no momento da detenção, estava com até dois quilos de qualquer substância entorpecente. Além disso, somente se concedeu clemência a quem havia cumprido um décimo da sentença ou, no mínimo, um ano de prisão. Como o perdão foi destinado a um grupo específico de vítimas de uma pena desproporcional, na prática estabeleceu-se um precedente na diferenciação dos variados crimes de narcotráfico, dependendo não só das quantidades envolvidas, mas também das circunstâncias que envolvem a pessoa que se vê sem nenhuma escolha além de vender drogas. Este precedente em consideração nas novas propostas legislativas no Congresso equatoriano pretende harmonizar a legislação sobre drogas com a nova constituição.
A atuação policial nos Estados Unidos da América com relação aos crimes vinculados às drogas tem sido, nas últimas décadas, notadamente baseada em práticas punitivas. Talvez o exemplo mais emblemático dessa abordagem tenha ocorrido com o desenvolvimento do chamado “Programa de Tolerância Zero” aplicado pela polícia de Nova Iorque durante os anos 1990 que apostava na repressão total, mesmo não obtendo resultados favoráveis na luta contra o narcotráfico. Algumas práticas policiais, principalmente com o objetivo de coibir a violência juvenil relacionada ao tráfico de drogas, destacaram-se durante esse período como alternativas às medidas repressivas, sendo lembradas, hoje, depois de sucessivos erros, como inovação social na área policial a ser replicada.                       
O projeto “Boston Gun”, também conhecido como “Operação Cessar-Fogo”, é frequentemente citado como uma ótima prática dessa nova abordagem. Iniciada em 1995, essa estratégia tinha dois objetivos principais: a) reprimir o mercado de armas que abastecia os grupos de venda de drogas da cidade de Boston; b) diminuir também a violência juvenil associada a esses dois negócios, sobretudo entre as próprias gangues. Foi sobre essa segunda questão que a “Operação Cessar-Fogo” mais inovou – após investigar e reunir informações sobre as gangues criminosas que estavam em disputa pelo mercado de drogas, a polícia de Boston lhes deu um ultimato: se fosse registrada uma morte relacionada a ataques de grupos traficantes, a polícia prenderia todos os criminosos contra os quais elas já tinham provas. A estratégia funcionou e, em pouco tempo, aparentemente conseguiu-se diminuir a taxa de homicídios juvenis da cidade.

Em abril de 2009, o Congresso mexicano aprovou a chamada “Ley de Narcomenudeo”, ou “Lei do Narcovarejo”, que descriminalizou a posse de pequenas quantidades de drogas, traduzindo-se, portanto, na descriminalização de seu uso. As quantidades definidas por lei como limite para não ser criminalizada como posse de entorpecentes são dois gramas de ópio, 50 miligramas de heroína ou diacetilmorfina, cinco gramas de Cannabis sativa indica ou maconha, 500 miligramas de cocaína, 0,015 miligramas de LSD (dietilamida) e 40 gramas de metanfetaminas. A lei também estabeleceu que, quando a quantidade de droga apreendida é inferior ao resultado da multiplicação de cada um dos montantes acima por mil e as autoridades públicas de segurança e judiciárias determinarem não haver ligações com o crime organizado e com o tráfico de drogas em grande escala, o caso é considerado de “narcomenudeo”.
Essa diferenciação de “pequeno” tráfico é o conhecido “narcovarejo” e contempla penas entre quatro e oito anos de prisão menos do que as para o tráfico de drogas em grande escala. Desse modo, é considerado “vendedor de varejo” ou “narcovarejista” quem é encontrado em flagrante delito com quantidades de maconha entre cinco gramas e meio quilo. Outras inovações são a eliminação da reabilitação obrigatória para consumidores que não são dependentes de drogas, e o estabelecimento de tratamento obrigatório somente a partir da terceira advertência ao usuário. Ainda, a lei permite usos cerimoniais de algumas substâncias tradicionais. De acordo com o Coletivo para uma Política Integral para as Drogas, CUPIHD, a lei do “narcovarejo” representa alguns avanços, mas também riscos importantes para o país em matéria de Direitos Humanos e política de drogas. O CUPIHD destaca a despenalização do consumo de drogas ilegais e o estabelecimento de dois universos jurídicos distintos: um para os consumidores e outro para os traficantes. Ainda, se observa um avanço positivo no fato da lei estabelecer a atuação das autoridades em políticas de redução de riscos e danos e permitir os usos cerimonial e cultural de algumas substâncias.
A política de drogas na Espanha é marcada pela distinção entre usuários de drogas, para quem existe o sistema de tratamento, e o traficante/criminoso, para quem o rigor da lei penal é dirigido. O uso de entorpecentes a sós e em locais privados não infringe a legislação nacional. Já em locais públicos, o porte, mesmo que para consumo pessoal, expõe o usuário a sanções penais ou encaminhamento aos serviços de saúde. No caso da atenção ao usuário, existe um sistema descentralizado de serviços que inclui a estratégia de redução de danos em regiões e cidades autônomas – que possuem independência de organização. Neste sentido, os serviços de atenção ao usuário podem tanto ser oferecidos pelo setor público, quanto por ONGs ou por organizações privadas, muito embora a maior parte do orçamento destes serviços venha dos governos nacional ou locais/comunitários. Paralelamente a isso, a abordagem penal para combater organizações criminosas que se capitalizam através do tráfico de substâncias ilícitas segue o cânone internacional. A Espanha, devido a sua proximidade com a África e a América do Sul se comparada com o resto da Europa, é rota do tráfico para escoamento no continente. A cocaína produzida nas Américas do Sul e América Central e do Norte e entra na Espanha por via marítima,  fazendo escala em países do noroeste africano, ou diretamente de portos do Brasil, Venezuela e Colômbia. Uruguaios participam de uma marcha pela legalização da maconha em frente ao prédio do Congresso, em dezembro de 2013. Segue para o mercado consumidor no resto da Europa. 

Na questão técnico-metodológico o serviço de tratamento para dependentes em drogas em conflito com a lei, o governo britânico programou em 1999 um programa que oferece aos usuários problemáticos de drogas, que tenham cometidos delitos, tratamento à dependência, o que reduz a taxa de reincidência destes indivíduos. Tendo em vista a concomitância entre reincidência no crime e dependência química, a política presente no Reino Unido de oferecer tratamento para os usuários de drogas, antes e durante o julgamento e após sua saída do sistema prisional, se apresenta como uma prática promissora. Além de seu alinhamento com a proposta de prover um tratamento com base nos direitos civis para “humanizar” os usuários de drogas, esta política tem reduzido a ocorrência de crimes.
De fato, a implantação desta abordagem na União Europeia tem sido sugerida. Um dos resultados do aumento do consumo de drogas observado na Europa nos últimos anos é o aumento da quantidade de delitos relacionados a este uso. Como consequência desta situação, os gastos com procedimentos jurídicos, o aumento da população carcerária e o desvio da atenção das autoridades policiais para delitos de pequeno potencial ofensivo têm ocorrido. O tratamento terapêutico tem diminuído a população carcerária ao desviar do sistema prisional o indivíduo que, de delinquente, passa a ser paciente dos serviços de saúde. Há, claro, casos em que o crime cometido não pode ser “perdoado” e um período em instituição penal é necessário, mas, havendo concordância por parte do indivíduo, parte da pena pode ser cumprida em liberdade desde que frequente a instituição para tratamento.
Em sintonia com o modelo internacional de combate às drogas, o Brasil desenvolve ações políticas de combate e punição para reprimir o tráfico, desde o início do século XVII, mas pelo que entendemos não deve seguir o modelo aplicado pelos Estados Unidos da América. A visão de que as drogas seriam tanto um problema de saúde quanto de segurança pública, desenvolvida pelos tratados internacionais da primeira metade do século passado, foi paulatinamente traduzido para a legislação nacional. Até que, em 1940, o Código Penal nacional confirmou a opção do Brasil de não criminalizar o consumo. Essa tendência, porém, vem desde os tempos de colônia. As Ordenações Filipinas, de 1603, já previam penas de confisco de bens e degredo para a África para os que portassem, usassem ou vendessem substâncias tóxicas. O país continuou essa perspectiva com a adesão à Conferência Internacional do Ópio, de 1912.
Segundo Roberta Duboc Pedrinha, especialista em Direito Penal e Sociologia Criminal, estabeleceu-se uma “concepção sanitária do controle das drogas”, pela qual a dependência é considerada doença e, ao contrário dos traficantes, os usuários não eram criminalizados, mas estavam submetidos a rigoroso tratamento, com internação obrigatória. O golpe político-militar de 1° de abril de 1964 e a Lei de Segurança Nacional deslocaram o foco do modelo sanitário para o modelo bélico de política criminal, que equiparava os traficantes aos inimigos internos do regime. Para a advogada, não por acaso, a juventude associou o consumo de drogas à luta pela liberdade. - “Nesse contexto, da Europa às Américas, a partir da década de 60, a droga passou a ter uma conotação libertária, associada às manifestações políticas democráticas, aos movimentos contestatórios, à contracultura, especialmente as drogas psicodélicas, como maconha e LSD”. Em 1973, o Brasil aderiu ao Acordo Sul-Americano sobre “Estupefacientes e Psicotrópicos” e, com base nele, baixou a Lei 6.368/1976, que separou as figuras penais do traficante e do usuário. Além disso, a lei fixou a necessidade prática, comprobatória do laudo toxicológico para comprovar o uso.
Finalmente, a Constituição de 1988 determinou que o tráfico de drogas é crime inafiançável e sem anistia. Em seguida, a Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/90) proibiu o indulto e a liberdade provisória e dobrou os prazos processuais, com o objetivo de aumentar a duração da prisão provisória. Já a Lei de Drogas (Lei 11.343/06) eliminou a pena de prisão para o usuário e o dependente, ou seja, para aquele que tem droga ou a planta para consumo pessoal. A legislação também passou a distinguir o traficante profissional do eventual, que trafica pela necessidade de obter a droga para consumo próprio e que passou a ter direito a uma sensível redução de pena. Contudo, a criação da Força Nacional de Segurança e as operações nas favelas do Rio de Janeiro, iniciadas em 2007 e apoiadas pelas Forças Armadas, seguidas da implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), reforçaram a repressão e levaram a presença do Estado a regiões antes entregues ao tráfico, não apenas atendendo às críticas internacionais, como também como preparação para a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. As discussões em torno das leis que tratam do tráfico e dependência de drogas continuam a ser feitas no Congresso, envolvendo ainda aspectos como o aumento de impostos e o controle do consumo e serviços de álcool e do cigarro. Enfim, é preciso pensar na reconhecida lei de mercado.

Onde quanto menor a oferta de um produto, maior é o preço. Pois é exatamente isso que ocorre com o narcotráfico de entorpecentes. Quanto maior a repressão, menor a oferta e maior o lucro. Agora lembremos negativamente, ainda, que além dos lucros estratosféricos, essa atividade não é sujeita a tributação e ao recolhimento de obrigações trabalhistas. É tão certo como o calor do fogo que o tráfico torna-se um mercado cada vez mais lucrativo. Em razão disso, acaba por atrair, cada vez mais, pessoas mais preparadas, mais inteligentes, mais endinheiradas, mais violentas e assim por diante. Fica claro ainda que a política de combate ao narcotráfico, adotado pelo Brasil, não é a tendência mundial. Os países citados se deram conta de que repressão não pôs fim ou sequer reduziu o comércio e o consumo das substâncias ilícitas. Têm sido observados aspectos idênticos no Brasil: aumento do comércio/consumo, superpopulação carcerária e explosão da criminalidade.
Presidindo a Comissão Global sobre Políticas de Drogas, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso busca uma nova abordagem para o combate às drogas, que tenha como foco o usuário e não o traficante. FHC lidera o painel, formado por figuras do cenário internacional, como o ex-secretário-Geral da ONU, Kofi Annan o ex-presidente de Portugal, Jorge Sampaio e os escritores Mario Vargas Llosa  e Paulo Coelho. Em entrevista à Rádio ONU, de São Paulo, FHC destacou que espera levar o tema a uma sessão especial da Assembleia Geral da ONU, agendada para 2016. –“Colocar na cadeia o usuário simplesmente aumenta a potencialidade de ele ficar na mão dos traficantes. Então nós temos que dar uma virada nesse modo de encarar as coisas. Estou muito esperançoso que nessa nova Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas seja possível abrir espaço para experiências alternativas, que já estão ocorrendo no Uruguai, em Portugal e nos próprios Estados Unidos”.
O que há de relevante na discussão política é que na Comissão Global sobre Políticas de Drogas, Fernando Henrique Cardoso quer “mostrar que existem outros mecanismos para a redução do consumo” de narcóticos. – “Nos preocupamos com o caminho que estava dado a questão, que era uma ênfase maior na repressão e menor na redução do consumo, na prevenção, nos tratamentos de saúde, questões dessa natureza. E tanto é assim, que na Organização dos Estados Americanos, o presidente da Colômbia propôs – e todos os presidentes da nossa região concordaram – de fazer uma revisão dessa matéria e ver cenários alternativos”. Fernando Henrique Cardoso lembra que uma das iniciativas da comissão foi a produção do documentário: “Quebrando o Tabu”, baseado no problema das drogas no Brasil e no mundo. Bibliografia geral consultada.
ARBEX JR., José, Narcotráfico: Um Jogo de Poder nas Américas. São Paulo: Editora Moderna, 1993; BUSTOS RAMÍREZ, Juan, Coca – Cocaína – entre el derecho y la guerra. 2ª ed. Santa Fé de Bogotá: Editorial Temis, 1996; ARNAUD, André-Jean, O Direito entre a Modernidade e a Globalização: Lições de Filosofia do Direito e do Estado. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 1999; BASSIOUNI, Mahmoud Cherif, La Cooperazione Internazionale per la Prevenzione e la Repressione della Criminalitá Organizzata e del Terrorismo. Milano: Dott. A. Giufré Editore, 2005; NAPOLI, Ricardo Bins di; GALLINA, Albertinho Luiz (Orgs.), Norberto Bobbio: Direito, Ética e Política. Ijuí: EdUnijuí, 2005; MISSE, Michel, “Le Movimento. Les Rapports Complexes entre Trafic, Police et Favelas à Rio de Janeiro”. In: Déviance et Société, Vol. 32, 2008; ROSA, Alexandre Machado, “Mil vezes favela”. In: Boletim Le Monde Diplomatique, 29.06.2008; ELIADE, Mircea, História das Crenças e das Ideias Religiosas. Volume I. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 2010; PONTÓN, Ana Paula Hernández, La Legislación de Drogas en México y su Impacto en la situación Carcelaria y los Derechos Humanos y Democracia. México: Facultad Latinoamericana de Ciencias Socialers, 2010; Idem, Lesgislación de Drogas y Población Carcelaria en México. Metaal, Pien y Youngers, Coletta, Sistemas sobrecargados. Leyes de Drogas y Cárceles en América Latina. Washington DC-Ámsterdam: Transnational Institute-Washington Office on Latin America. 2011; FLEETWOOD, Jennifer, Drug Mules: Women in the International Cocaine Trade. London: Palgrave Macmillan, junio de 2014; LAFIN, Gabrielle Carvalho, Abraçando a Escola do Mundo ao Avesso: Aproximações entre a Literatura de Eduardo Galeano e a Aula de Espanhol como Língua Estrangeira no Brasil. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Letras. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2015, entre outros.