quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Clarice Lispector - Dom, Identidades & Afeto Mediado nas Palavras

                                                                                                Ubiracy de Souza Braga
 
                                                     “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso”. Clarice Lispector
 

                Pode-se afirmar que a tradução de qualquer texto literário, um texto que tem como representação a vida social e política produz efeito estético e provoca um efeito catártico no leitor, segundo a definição corrente de literatura. É claro que, não excluindo os tradutores generalistas, os tradutores especializados são frequentemente capazes de oferecer, pela familiaridade com aquele gênero ou aquele autor, um estilo literário capaz de reter e identificar aquele universo particular, gerando alguns efeitos   específicos na leitura do original, no leitor, o que pode representar uma vantagem para a realização desta atividade. Ainda assim, mesmo especializando-se em autores ou gêneros literários, o tradutor literário precisa dominar a técnica da escrita de diálogos, uso de coloquialismos, gírias, estilos narrativos e quase todas as estratégias empregadas pelos autores dos originais, o que não deixa de ser uma forma de especialização “em si”.  Os resultados da operação contam então com restos da adesão. Fazem cálculos até mesmo com o desgaste de toda convicção. Durante séculos, supunha-se que fossem indefinidas as reservas de crença. Aos poucos a crença se poluiu, como ar e a água. Percebe-se ao mesmo tempo não se saber o que ela é. Tantas polêmicas e reflexões na vida cotidiana sobre os conteúdos ideológicos em torno do voto e enquadramentos institucionais para lhe fornecer, não foram acompanhadas de uma elucidação acerca da natureza do ato de crer.

          Metodologicamente a descrição da dialética que assim se estabelece é um dos pontos culminantes do pensamento humano desde a Antiguidade, em todas as épocas e sua conclusão é surpreendente: “o homem integral, livre, satisfeito com o que é, o homem que se aperfeiçoa”. Não é o senhor nem o escravo, mas sim o escravo que consegue suprimir sua sujeição. Isto é Hegel, um homem admirável. A célebre metáfora do senhor e do escravo, tão popularizada na tradição ocidental, foi criada por Hegel (cf. Kojève, 1973) e utilizada por muitos pensadores no século XX, e hoje em tempos sombrios mais do que nunca. Desse modo, qualquer aproximação da metáfora “em si” ou do seu sentido, necessita de uma análise da obra e do contexto filosófico onde a mesma se insere. Diferentemente das muitas lições e cursos que G. W. F. Hegel ministrou e que, posteriormente, foram transformados em aulas, sua escrita aqui é bastante distinta. No âmbito filosófico podemos notar a clara oposição de Hegel ao posicionamento kantiano. A segunda significação é cultural, isto é, a “consciência vive num determinado contexto e época”. Já a terceira significação é histórica, ou seja, “a consciência do indivíduo e da cultura caminha para uma ciência na história”. A partir de tais cruzamentos é que podemos compreender a dialética do “senhor e do escravo” em Hegel. 



                                    
            Quando Hegel morreu em 1831, o corpo violentamente decapitado de Maria Antonieta “jazia numa vala comum em Paris”. Napoleão e a Revolução clássica haviam percorrido seus caminhos. Os ingleses e a revolução de Metternich haviam se encarregado do grande homem. A república norte-americana tomara seu lugar entre as potências imperialistas e seus navios velozes percorriam os sete mares. Goethe serenamente observava uma vida de conflitos fundida em forma clássica e selava seu épico de Fausto, o homem universal que transcende o mundo da sensualidade. A tragédia Fausto é, sem dúvida alguma, um dos textos que emoldura a Goethe repercussão universal. Nela, pode-se dizer, o poeta expressa a experiência da existência. Holbach estava fora de moda, “mas um garoto de treze anos em Trier, Marx, nascido no ano em que Hegel se tornara professor de filosofia da Universidade de Berlim, já começava a descobrir a filosofia que significava Hegel e logo iria ressuscitar Holbach em uma forma mais dinâmica do que todo o romantismo e que varreria o mundo, até a China, com uma paixão do intelecto mais poderosa do que qualquer coisa que Werther tenha conhecido”.
Clarice Lispector foi uma escritora nascida na Ucrânia e naturalizada brasileira, mas declarava, quanto a sua brasilidade, ser pernambucana, sendo considerada uma das escritoras mais importantes do século XX e a maior escritora judia desde Franz Kafka. A escritora dizia não ter aparentemente nenhuma ligação com a Ucrânia e que sua “verdadeira” pátria era o Brasil. Pouca gente se dá conta de que uma das escritoras mais talentosas da literatura brasileira viveu em Maceió. Trata-se de Clarice Lispector, que passou alguns anos de sua infância na capital alagoana. Inicialmente, a família passou um breve período em Maceió, até se mudar para o Recife, onde Clarice cresceu e onde, aos oito anos, perderia a mãe. Aos quatorze anos de idade, transfere-se com o pai e as irmãs para o Rio de Janeiro, onde a família estabilizou-se, e onde o seu pai viria a falecer, em 1940. Sua obra literária tem como escopo cenas cotidianas e enredos psicológicos, sendo considerada uma de suas principais características a epifania de personagens comuns em momentos do cotidiano. Predomina em suas obras o nível de análise psicológico, visto que o narrador segue o fluxo do pensamento e o monólogo interior das personagens. As ações sociais, quando ocorrem, destinam-se a ilustrar características psicológicas das personagens. São comuns enredarem-se histórias sem começo, meio ou fim. Por isso, ela se dizia, do ponto de vista da criação, ser mais que uma escritora, irradiando uma ideia afetiva nas palavras, porque registrava em palavras aquilo que sentia. 
Mais que histórias, seus livros apresentam impressões. Logo, o enredo pode fragmentar-se. O espaço exterior também tem importância secundária, uma vez que a narrativa concentra-se no espaço mental das personagens. Características físicas das personagens ficam em segundo plano. Muitas personagens não apresentam sequer nome. As personagens criadas por Clarice Lispector descobrem-se num mundo absurdo; esta descoberta dá-se normalmente diante de um fato inusitado, pelo menos inusitado para a personagem. Esse fato provoca um desequilíbrio interior que mudará a vida da personagem para sempre. O espaço exterior também tem importância secundária, uma vez que a narrativa concentra-se no espaço mental das personagens. Características físicas das personagens ficam em segundo plano. Muitas personagens não apresentam sequer nome. As personagens criadas por Clarice Lispector descobrem-se num mundo absurdo; esta descoberta dá-se normalmente diante de um fato inusitado, pelo menos inusitado para a personagem. Esse fato provoca um desequilíbrio interior que mudará a vida da personagem para sempre. .Logo, o enredo pode fragmentar-se. O espaço exterior também tem importância secundária, uma vez que a narrativa concentra-se no espaço mental das personagens. Características físicas das personagens ficam em segundo plano. Muitas personagens não apresentam sequer nome. As personagens criadas por Clarice Lispector descobrem-se num mundo absurdo. Mas esta descoberta dá-se normalmente diante de um fato inusitado - pelo menos inusitado para a personagem. Ocorre a “epifania” como a representação do momento em que a personagem sente uma “luz iluminadora” de sua consciência, contraditória, no sentido hegeliano, que a fará despertar para a vida contradições, perplexidades que noutra instância nela não fariam a menor diferença. 

O clima de comunicação, próprio para ganhar confiança vem do modo como ela “dialoga” com criança através da obra. Como no mesmo livro “A Mulher que Matou os Peixes”, logo no início antes de contar a história vem a frase: “Antes de começar, quero que vocês saibam que meu nome é Clarice. E vocês, como se chamam? Digam baixinho o nome de vocês e meu coração vai ouvir”. E esse recurso estilístico se repete várias vezes. As digressões ou os supostos diálogos da narradora com o leitor predominam em relação às ações da própria narrativa. Clarice Lispector parecia estar ciente de como penetrar no universo infantil de modo seguro e que não fizesse em momento algum com que o pequeno leitor se sentisse “sozinho” ao ler a história – na verdade, a impressão de que a narradora é uma companhia está muito presente, tal a intimidade oferecida pelo contexto. Como em uma das passagens de “O Mistério do Coelho Pensante”, a confiança a ser conquistada é uma prioridade quando permite estabelecer uma analogia. É autora original não só quanto à ficção imaginada, mas também uma pioneira em outras áreas: ingressando no jornalismo ainda na década de 1940, era a única mulher da redação em que trabalhava, e uma das poucas, a exercer uma profissão. Nos anos 1950, enfrenta novo desafio. Convidada a escrever “colunas femininas”, precisa falar sobre moda, beleza e comportamento, mas deseja “driblar” o que está por trás destas relações sociais, uma poderosa ideologia que reduzia a mulher e seu desempenho através de um papel menor na sociedade.
Ao lado dessa preocupação, vive o temor de que o ofício comprometa sua atividade intelectual como ficcionista. Por isso, utiliza pseudônimos e concorda, anos mais tarde, em ser a ghost writer da famosa manequim Ilka Hack Soares, uma das mulheres mais belas do Brasil dos anos 1950 e 1960, fez sua estreia no cinema em 1949 no filme: Iracema, uma adaptação do romance homônimo de José de Alencar. Passou ainda pelos estúdios das pioneiras e reveladoras Vera Cruz e Atlântida. Na TV apresentou programas de consumo jornalístico e/ou de variedades. Foi também modelo de capa de revistas de classe média; desfilou em passarelas profissionalmente. Acompanhou o ator Rock Hudson em visita ao Brasil em 1958. Em 1971 atuou no teatro e televisão, destacando-se em telenovelas pragmáticas da Rede Globo como “Bandeira 2” (1971), “Anjo Mau” (1976), “Locomotivas” (1977), “Champagne” (1983), “Corpo a Corpo” (1984) e “Mandala” (1987). Apresentou a representação do chamado “Jornal de Verdade”, era um telejornal da Rede Globo e surgiu como substituto do Jornal de Vanguarda, do qual conservou, além de alguns integrantes da equipe, as principais características: o tom informal e coloquial no discurso de seus apresentadores, a presença de vários locutores, o comentário de jornalistas especializados, que interpretavam os fatos mais importantes do dia; e o humor e a irreverência dos bonecos em movimento de Borjalo.
Para escrever as colunas femininas, uma atividade independente do percurso literário, Clarice utilizava-se de vários pseudônimos. O livro Só Para Mulheres  reúne 290 textos e pequenos trechos. Os temas vão do melhor corte de cabelo e do vestido do momento à felicidade conjugal, passando por uma série de receitas de almanaque. Respeitando as limitações comerciais - no Correio, a coluna era patrocinada pelos cosméticos Pond`s - e as referentes ao veículo de comunicação e à média do público-alvo, Clarice soube imprimir a tudo sua marca literária. A inventividade com os adjetivos, as construções com duplos sentidos e o uso de metáforas do poder nada óbvias, recursos presentes em seus contos e romances, também aparecem. Sob o aparente papo inocente das chamadas dona-de-casa, escondem-se reflexões sobre a essência do feminino e sua relação estratégica com os homens.
        Clarice também critica os excessos consumistas. Parte dos textos que escreveu à época, sob os pseudônimos de Tereza Quadros e Helen Palmer e como ghost writer de Ilka Soares, estão em  Só para Mulheres, coletânea organizada por Aparecida Nunes, doutora em literatura brasileira e estudiosa da obra da autora de romances como A Hora da Estrela e A Paixão Segundo G.H. Referência a este aspecto foi realizada em reportagem publicada no jornal O Globo, a respeito da compilação das colunas de assuntos femininos a ser lançada com o título Correio Feminino. A matéria apresenta uma faceta pouco conhecida mas também muito característica de Clarice Lispector: a da mulher vaidosa, e que como jornalista podia dar dicas para outras mulheres também preocupadas com a moda, a beleza e comportamento. Para falar desses temas, Clarice assinou como Tereza Quadros, depois como Helen Palmer, e também a ghost writer da atriz Ilka Soares. Outra atividade que Clarice exerceu foi a produção de livros infantis. O primeiro deles, “O Mistério do Coelho Pensante”, data de 1968 e foi baseado numa história real da família. Depois vieram “A Mulher que Matou os Peixes”, “A Vida Íntima de Laura”, “Quase de Verdade” e “Como Nasceram as Estrelas”.
Registrada como Chaya Pinkhasovna Lispector, Clarice Lispector nasceu em 10 de dezembro de 1920 na aldeia de Chechelnyk, região da Podólia, então parte da República Popular da Ucrânia e hoje parte da moderna Ucrânia. Filha dos judeus russos Pinkhas Lispector e Mania Lispector (nascida Krimgold), seu nascimento se deu em meio aos “preparativos” da família para a fuga, em razão do antissemitismo resultante da guerra civil russa (1918-1920). Pinkhas Lispector era um comerciante, filho do religioso Shmuel Lispector e da burguesa Heived. Pinkhas e Mania se casaram no ano novo de 1889, por determinação dos pais. Do casamento nasceriam três filhas: Leah, em 1911; Tania, em 1915; e Chaya (ou Haia), em 1920. A proibição da emigração fez com que os Lispector buscassem meios aparentemente ilegais em uma tentativa, que falhou e que fez com que eles se mudassem para uma aldeia mais próxima das fronteiras, Chechelnyk. Estudou Direito na Universidade do Brasil, posteriormente UFRJ, apesar de demonstrar interesse pelo meio literário, no qual ingressou precocemente como tradutora, logo se consagrando como escritora, jornalista, contista e ensaísta, tornando-se uma das intelectuais mais influentes da literatura brasileira (e do modernismo), sendo inclusive considerada uma das principais influências da nova geração de escritores brasileiros. É incluída pela crítica analítica especializada entre os principais pensadores brasileiros do século XX. 
A presença judaica assumida como tal tem início apenas no século XIX, após a Constituição de 1824 ter instituído formalmente a liberdade religiosa no país. Como fenômeno de massa, no entanto, a imigração judaica começou depois do desenvolvimento da navegação a vapor e do estabelecimento de linhas comerciais entre a Europa e o Brasil, o que aconteceria só na segunda metade do século XIX. No inverno de 1921, conseguiram deixar a Ucrânia após alcançarem o rio Dniestre, através do qual foram levados à cidade de Soroco, então pertencente à Romênia e atualmente à República da Moldávia. Lá viveram em um albergue, e Mania foi internada em um hospital de caridade. Planejaram a fuga da Europa, com o intento de emigrar para o Brasil ou para os Estados Unidos, opção esta que acabou por ser inviável devido à aprovação do “Emergency Quota Act”, que dificultava a emigração do Leste Europeu. A fuga foi cogitada primeiramente por Mania Lispector e sua família, que já havia emigrado em sua maior parte para a América do Sul a fim trabalhar em organizações judaicas. No entanto, Pinkhas concordou com a emigração somente em razão do avanço dos pogroms, no fim da década de 1910. Por volta de 1918, a pobreza fez com que a família se mudasse para a cidade de Haisyn, também na Podólia, no atual Oblast de Vinnitsa, onde ocorreram alguns “pogroms”, historicamente, termo que se refere aos violentos ataques físicos da população em geral contra os judeus, tanto no império russo como em outros países. A palavra russa significa “causar estragos, destruir violentamente”. Num deles, por volta de 1919, Mania “foi estuprada por um grupo de soldados, que lhe teriam transmitido sífilis”.
  Mas o movimento social ganharia volume significativo apenas na segunda metade da década de 1920, quando Estados Unidos da América e Argentina introduziram restrições à entrada de determinados grupos. O Brasil, que desde fins do século XIX se  estabelecera como um importante destino da migração internacional, tornou-se uma alternativa natural. Sucessivamente, judeus provenientes do Império Russo, dos Bálcãs e da Europa Central passaram a chegar em números crescentes: calcula-se que, entre 1920 e o início da 2ª guerra mundial, mais de 50 mil judeus tenham aqui aportado. Desde as últimas décadas do século XIX, o Brasil havia recebido alguns milhões de imigrantes europeus, vindos principalmente da Itália, Alemanha, Portugal, Espanha e Polônia. Em Maceió, a família continuou a viver em condições precárias e enfrentou alguns conflitos decorrentes das dificuldades econômicas e culturais. Para sustentar a família, Pedro tornou-se um pequeno mascate, comprando roupas velhas e usadas em áreas carentes para revendê-las aos comerciantes da cidade, e também deu algumas aulas particulares de língua hebraica para os filhos de alguns vizinhos e vendia cortes de linho. A situação melhorou somente quando Pedro, ao lado de José, passou a fabricar sabão, como fez na Ucrânia. Em 1925, após três anos morando em Maceió, no estado de Alagoas, mudou-se, pouco depois de seu pai, para Recife, no estado de Pernambuco, com sua mãe e irmãs, possivelmente em consequências dos conflitos familiares e do desejo de Pedro de melhorar as condições sociais da família mudando-se para um centro econômico mais desenvolvido culturalmente que apresentava também uma população judaica mais coesa. Viveram no bairro Boa Vista.

Em 1928, aos sete anos, aprendeu a ler e a escrever. Em 1930, pouco depois, escreveu, inspirada por uma peça que havia visto, sua primeira peça teatral, “Pobre menina rica”, de três atos e cujas páginas foram perdidas. Em 1931, enviou contos para a página infantil do Diário de Pernambuco, mas o jornal não publicou seus textos porque “os outros diziam assim: - ‘Era uma vez, e isso e aquilo...’. E os meus eram sensações (cf. Manzo, 2001). Eram contos sem fadas, sem piratas. Então ninguém queria publicar”. Após completar o jardim de infância, ingressou no ensino primário, na Escola João Barbalho, mostrando bastante interesse por matemática e passando a dar aulas dessa disciplina aos filhos dos vizinhos.  Nesse período mudaram-se para a rua Imperatriz Teresa Cristina. Em 1930, na terceira série, ingressou no Colégio Hebreu-Iídiche-Brasileiro, onde aprendeu hebraico e iídiche. O estado de Mania agravou-se, e Clarice escreveu, para tentar agradá-la, contos e peças, mas em 21 de setembro de 1930, aos quarenta e dois anos, Mania Lispector morreu e foi sepultada no Cemitério Israelita do Barro. Em homenagem à mãe, Clarice Lispector compôs sua primeira peça para piano.
Em 15 de dezembro, seu pai deu início ao processo de nacionalização, solicitando um documento inicial. Em 17 de junho de 1931, encaminhou um pedido de naturalização. Em 1932, Clarice, aos doze anos, foi aprovada, ao lado da irmã Tania e da prima Bertha, no Ginásio Pernambucano. Em 1933, decidiu tornar-se escritora quando “tomei posse da vontade de escrever ... vi-me de repente num vácuo. E nesse vácuo não havia quem pudesse me ajudar”. Na sua última entrevista em vida, ela disse que nessa sua formação literária “misturei tudo. Eu lia romance para mocinhas, livro cor-de-rosa, misturado com Fiódor Dostoievski. Eu escolhia os livros pelos títulos e não pelos autores. Misturei tudo. Fui ler, aos treze anos, Hermann Hesse, O Lobo da Estepe, e foi um choque. Aí comecei a escrever um conto que não acabava nunca mais. Terminei rasgando e jogando fora”. A família mudou-se para uma casa própria na avenida Conde da Boa Vista, em Recife,  um importante logradouro. Inicia-se na Ponte Duarte Coelho e termina na Rua Dom Bosco, e depois passa a se chamar Av. Carlos de Lima Cavalcanti. Corta os bairros da Boa Vista e da Soledade.
Em 7 de janeiro de 1935, com 14 anos, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro na residência de um casal judaico no bairro do Flamengo e depois moram em uma casa antiga perto do Campo de São Cristóvão. Estabilizam-se na cidade logo em seguida, ocupando parte da casa 341 da rua Mariz e Barros, no bairro da Tijuca. Clarice então estudava o quarto ano do ginásio no colégio Sílvio Leite, na mesma rua de sua casa. Em 1936, terminou o ginásio e ingressou, em 2 de março de 1937, em uma escola preparatória, a Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, então chamada de Universidade do Brasil. A decisão causou estranhamento na época, tanto por Clarice ser mulher quanto por não pertencer à elite carioca, mas era justificada por seus desejos de mudanças sociais, pois “o que eu via [em Recife] me fazia como me prometer que não deixaria aquilo continuar”. De acordo com ela, “como eu não tinha orientação de nenhuma espécie sobre o que estudar, fui estudar advocacia”. Apesar da relutância do pai, que temia mudanças “estressantes” na filha, ela perseguiu sua vocação na literatura com seus planos disciplinares em sua vida e tinha um objetivo humanista claro: - “Minha ideia ... era estudar advocacia para reformar as penitenciárias”.
A atuação de Agamenon Magalhães na Constituinte de 1933 foi pautada na defesa do regime parlamentarista, na qual não teve apoio nem do governo nem dos demais parlamentares. Apesar disso, em 1934, foi convidado pelo presidente Getúlio Vargas para a pasta do Trabalho, Indústria e Comércio. Passam a primeira semana no Rio de Janeiro. Nesse período, deu apoio à criação da Justiça do Trabalho, ampliou a rede de apoio aos trabalhadores urbanos, e cooptando-os utilizou a arregimentação sindical para combater a infiltração comunista no movimento operário, principalmente após chamada Intentona Comunista de 1935. Para isso, defendeu a intensificação do controle sobre os sindicatos e o aceno com novas leis sociais para os trabalhadores. Em 1937, após a demissão de Vicente Rao, passou a acumular também as funções da pasta da Justiça. Aliado fiel de Vargas, Agamenon Magalhães entrou em choque com o interventor Lima Cavalcanti, que tendia a apoiar a candidatura oposicionista de Armando de Sales Oliveira para a sucessão presidencial de 1938. Por este motivo, em novembro de 1937, após a decretação do Estado Novo, Agamenon Magalhães foi nomeado interventor federal em Pernambuco, substituindo seu antigo aliado e opositor. A interventoria de Agamenon Magalhães coincidiu com os anos de militar norte-americana no Recife, em virtude das alianças em torno da 2ª guerra mundial. Este período foi marcado por mudanças políticas, mas sobretudo no plano cultural.

Enfim, a obra de Clarice Lispector concebeu mais de 200 traduções para mais de 10 idiomas, do tcheco ao japonês, sendo mais de 179 traduções integrais de livros e 25 de contos publicados na imprensa nanica especializada por “periódicos”. Seus livros mais traduzidos são principalmente os romances: “A Hora da Estrela”, com 22 traduções; “A Paixão Segundo G. H.”, também com 22; “Perto do Coração Selvagem”, com 18; “Laços de Família”, com 16; e “Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres”, com 15 traduções que foram iniciadas logo depois do início de sua carreira literária e receberam uma boa acolhida da crítica especializada, sendo os idiomas com mais tradução o espanhol, o inglês e o francês. Em 1954, seu primeiro livro a ser traduzido foi editado na França: “Perto do Coração Selvagem”, em tradução de Denise-Teresa Moutonnier pela editora Plon. É o romance de estreia de Clarice Lispector. Publicado originalmente em dezembro de 1943, o livro é marcado pelo estilo introspectivo da escritora. Recebeu muitas críticas positivas na época, tendo sido premiado como melhor romance de estreia pela Fundação Graça Aranha, em outubro de 1944. A tradução desagradou Clarice Lispector, “que enviou reclamações sobre erros ao editor”, Pierre de Lescure, “mas acabou por preferir fingir que a tradução nunca existiu”.
            Em 1955, ocorreu a primeira tradução para o espanhol: “Água Viva”, por Haydeé Yofre para a Sudamericana. Clarice Lispector teve seu primeiro texto publicado na Espanha em 1965, mas apenas nos anos 1990 sua obra é reconhecida pelo público espanhol e passa a fazer parte do repertório de leituras do país europeu, contando com um grupo fiel de leitores. Em 1961, a primeira versão para o inglês: “A Maçã no Escuro”, por Gregory Rabassa para a editora da Universidade do Texas. Em 1963, teve sua primeira tradução para o alemão representando a primeira tradução de um de seus livros de contos: “Laços de Família”, por Marianne Eyre, Margareta Ahlberg e Arne Lundgren, para a Norstedts. Em 1964, ocorreu a versão também para o alemão: “A Maçã no Escuro”, por Curt Meyer-Clason para a Classen. Em 1966, duas de suas obras são traduzidas para o alemão: “Onde Estivestes de Noite?” por Sarita Brandt para a Suhrkamp; e o conto “A Imitação da Rosa” por Curt Meyer-Clason para a Claassen. Em 1969, “A Paixão Segundo G. H.”, para o espanhol, por Juan García Gayo para a Monte Avila. Em 1973, a primeira para o tcheco: “Perto do Coração Selvagem”, por Přeložila Pavla Lidmilová para a Odeon; e também o primeiro livro de contos traduzido para o espanhol, “Laços de Família”, por Haydeé Yofre Barroso para a editora Sudamericana, desde 1998 do grupo editorial Penguin Random House, fundado em 1939 por argentinos e espanhóis radicados na cidade de Buenos Aires.                  
Bibliografia geral consultada.
 
KOJÈVE, Alexandre, Introduction à la Lecture de Hegel. Paris: Éditions Gallimard, 1973; GODELIER, Maurice, O Enigma do Dom. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2001; ÁNGELES, Guadalupe, “Chi ès Clarice Lispector”. In: SagaranaRivista Litteraria. Rio de Janeiro, n° 8, 2002; LISPECTOR, Clarice, A Vida Íntima de Laura. Rio de Janeiro: José Olympio Editor, 1974; dem, Revelación de un mundo. Buenos Aires: Ediciones Hidalgo, 2004; Idem, Para no olvidar: crónicas y otros textos. Madrid: Ediciones Siruela, 2007; Idem, Todas as Crônicas. Prefácio de Marina Colasanti. Organização de Pedro Karp Vasquez. Pesquisa textual de Larissa Vaz. 1ª  edição. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2018; SÁ, Olga de, A Escritura de Clarice Lispector. 3ª edição. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes: 2000; MANZO, Lícia, Era uma vez Eu: A não ficção na obra de Clarice Lispector. Juiz de Fora: Editora da Universidade Federal de Juiz de Fora, 2001; MENDONÇA, Maria Helena Magalhães, A Crônica e as Cronistas Brasileiras: Questão de Gênero(s). Tese de Doutorado em Literatura. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2002; NUNES, Aparecida Maria, Clarice Lispector Jornalista. São Paulo: Editora Senac, 2006; FONSECA, Ailton Siqueira de Sousa, A Odisséia de Si: Reconstrução do Homem em Clarice Lispector. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2007; MOSER, Benjamin, Clarice. São Paulo: Editor Cosac Naify, 2009; MELO, Marina Félix, A Percepção da Teoria da Dádiva em um Modelo Contemporâneo de Fazer Sociológico. In: Revista Espaço Acadêmico 111, agosto de 2010; PAJOLLA, Alessandra Dalva de Souza, Identidades Femininas Múltiplas em Crônicas de Clarice Lispector. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-graduação em Letras. Universidade Estadual de Maringá, 2010; FERREIRA, Rony Márcio Cardoso, Clarice Lispector: Uma Tradutora em Fios de Seda (Teoria, Crítica e Tradução Literária). Tese Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Literatura. Instituto de Letras. Departamento de Teoria Literária e Literaturas. Brasília: Universidade de Brasília, 2016; LEAL, Wesclei Ribeiro da, A Condição Humana na Poética de Clarice Lispector. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Letras. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2017;  entre outros.

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