quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Elias Canetti - Sabedoria, Regência, Aglomeração & Sentidos do Poder.

                                                                                                     Ubiracy de Souza Braga*

À fama saudável tanto faz na boca de quem ela cai”. Elias Canetti


            A multidão representa a aglomeração de pessoas que estão próximas fisicamente e tem um mesmo objetivo. Os indivíduos são anônimos e não há diferenciação de classe social, cor, etc., porém a integração social de seus indivíduos é convencional. Público é aquele grupo de pessoas que se reúnem por um mesmo objetivo e que também estão próximas fisicamente. Sua maior característica é a capacidade de interagir entre si e com a fonte que originou a interação do público, como os aplausos no caso de uma peça teatral. As pessoas nesse caso estão reunidas intencionalmente, como por exemplo, o público de um “showmício”, expressão inventada no Brasil, ou de uma partida de futebol. A massa ocorre sem o estabelecimento de contato físico e as pessoas estão impedidas de emitir qualquer tipo de crítica, sendo passivas com o que lhes é imposto. Sua reunião é de modo espontâneo e a principal forma de comunicação social é a partir dos meios de comunicação em massa.
O sociólogo norte-americano David Riesman tornou-se imprescindível no estudo  e compreensão das sociedades industriais do século XX. Seu livro mais conhecido, “A Multidão Solitária”, causou tanto impacto que conquistou leitores em paralaxe dos círculos acadêmicos. Argumentava que a sociedade estava em transição de um estágio “orientado para dentro” para um estágio “orientado para o outro” antes influenciado pelos pais e autoridades divinas, passando “a depender da aprovação de seus pares”. O sociólogo antecipou não só a emergência de um culto à juventude, expressivamente estudada de Karl Mannheim à Zygmunt Bauman, na modernidade e à distorção ideológica entre o domínio da política nas redes de entretenimento, ao descrever um eleitorado que se mantém talvez informado, mas indiscutivelmente passivo. O crítico Jonathan Yardley inclui o livro: “A Multidão Solitária” numa cadeia de livros que, durante os anos 1950, situaram a classe média norte-americana sob um autoexame minucioso. O livro de Riesman tornou-se tema de aulas e reuniões sociais. Seu título foi citado na canção “I Shall Be Released”, de Bob Dylan. David Riesman escreveu ainda “Faces in the Crowd” e “On Higher Education”, entre outras obras.   


 
Contudo, desde tempos imemoriais não há nada que o homem mais tema do que o contato, como categoria antropológica, com o desconhecido, pois evita o contato com o que lhe é estranho. À noite ou no escuro, o pavor ante o contato inesperado pode intensificar-se até o pânico. O medo do ladrão não se deve unicamente a seu propósito de roubar, mas representa também o temor ante seu toque súbito, inesperado, saído da escuridão. A mão transformada em garra é o símbolo que sempre se emprega para representar esse medo. Trata-se aí de uma questão que, em boa parte, manifesta-se no duplo sentido da palavra “agarrar” (“angreifen”). Nesta encontram-se contidos ao mesmo tempo tanto o contato inofensivo quanto o ataque perigoso, e algo deste último sempre ecoa primeiro. O substantivo “agressão” (“Angriff”), por sua vez, viu-se reduzido ao sentido negativo da palavra: à maneira como nos movemos em meio aos muitos transeuntes, nos restaurantes e transportes de massa ditada por esse medo em torno de si e que foram transmitidas por esse temor do contato social.
Curiosamente somente na massa é possível ao homem libertar-se do temor do contato. Tem aí a única situação na qual esse temor transforma-se no seu oposto. E é da massa densa que se precisa para tanto, aquela na qual um corpo comprime-se contra o outro, densa inclusive em sua constituição psíquica, de modo que não atentamos para quem é que nos “comprime”. Tão logo nos entregamos à massa não tememos o seu contato. Na massa ideal, todos são iguais. Nenhuma diversidade contra, nem mesmo a dos sexos. Quem quer que nos comprima é igual a nós mesmos. Subitamente, tudo se passa então como que no interior de um único corpo. Talvez essa seja uma das razões pelas quais a massa busca concentrar-se de maneira tão densa: ela deseja libertar-se tão completamente quanto possível do temor individual do contato. Quanto mais energicamente os homens se apertam uns contra os outros, tanto mais seguros eles se sentirão de não se temerem mutuamente. Essa inversão do temor do contato, segundo Canetti (1995), “é característica da massa”. O alívio que nela se propaga alcança uma proporção notavelmente alta quando a massa se apresenta em sua densidade máxima.
O que muda comparativamente a esses traços gerais de comportamento refere-se à hierarquia e o poder que criaram para si as posições fixas e tradicionais. A partir da maneira como as pessoas se apresentam dispostas uma ao lado da outra, pode-se facilmente deduzir a diferença de prestígio entre elas. Sabemos o que significa quando uma pessoa encontra-se sentada num plano mais elevado, tendo todas as demais em pé a circundá-la. Ou quando está em pé, e as demais sentadas ao seu redor; quando alguém aparece de súbito, e as pessoas reunidas levantam-se; quando alguém se ajoelha diante de outra pessoa; quando não se convida aquele que acabou de entrar a sentar-se. Já uma enumeração indiscriminada de exemplos como esses demonstram a quantidade de configurações mudas que o poder tem como significado e apresenta. Seria necessário investiga-las, definindo com maior exatidão o seu significado social e político. Durante um culto religioso numa igreja, os fiéis ajoelham-se muitas vezes de forma repetitiva; estão acostumados pelo ritmo das vozes em coro, e mesmo aqueles que o fazem com prazer não atribuem significado a esse gesto frequente. Na religião é preciso rezar, mesmo sem vontade, pois dependemos da graça de Deus. Há uma ideia constituída em deve-se lembrar de que sua oração não pode ser movida simplesmente por uma questão de gosto.  

                    
Elias Canetti nasceu em 25 de julho de 1905 em Ruse, localidade situada na   margem sul do rio Danúbio (atual Bulgária), na fronteira com a Romênia. Seus pais, Jacques Elias (Elieser) Canetti e Mathilde Arditti, originam-se de famílias prósperas de comerciantes judeus sefarditas. Originalmente, o sobrenome era grafado Cañete, de origem toponímica em referência à aldeia de Cañete, província de Cuenca, atual Espanha. Considerando suas origens, a língua materna de Canetti o judeu-espanhol, também denominado ladino. Depois que a Bulgária obteve sua Independência do Império Otomano em 1908, Canetti conservou a nacionalidade turca, estabelecendo-se em Viena, na Áustria, em 1913, mas em sua juventude viveu também em Manchester, Zurique e Frankfurt am Main. Em 1929 graduou-se em química. Teve como modelo, no âmbito da literatura e da crítica da linguagem, o escritor e ensaísta austríaco Karl Kraus. Em 1934, casou-se com Venetiana Taubner-Calderon, que adotou o nome Veza Canetti. Emigrou em 1938, e passou a viver na conturbada Londres a partir de 1939, recebendo a nacionalidade britânica em 1952. Sua primeira obra literária foi o romance Die Blendung (1935). Os dramas Hochzeit (1932), Komödie der Eitelkeit (1950) e Die Befristeten (1964) desmascaram a face de uma sociedade corrompida. Colocou o fundamento teórico de sua obra no ensaio: Massa e Poder (“Masse und Macht”, 1960), que põe em relevo o significado fundante dessa fenomenologia para a realidade política. Suas obras posteriores: Die gerettete Zunge (1977); Die Fackel im Ohr (1980); Das Augenspiel (1985), interpretam uma história de vida muito singulares.
O orgulho daquele que se encontra em pé reside no fato dele estar livre e não apoiar-se em coisa alguma. Seja porque interfira aí a lembrança psicológica da primeira vez em que ele, quando criança, pôs-se de pé sozinho, sentindo-se independente. Aquele que se levantou, pôs-se de pé em consequência de certo esforço e, assim procedendo, faz-se tão alto quando pode ser. Mas aquele que se encontra de pé há muito tempo expressa certa capacidade de resistência, porque pode ser visto por inteiro, sem ter medo ou ocultar-se. Quanto mais tranquilo se revelar esse seu estar em pé, quanto menos ele se voltar para espiar em todas as direções, tão mais seguro ele parecerá. Não temerá sequer um ataque pelas costas, invisível a seus olhos. O estar em pé causa a impressão de uma energia ainda não consumida, pois é algo que se encontra no princípio de todo movimento: usualmente, fica-se em pé antes de se andar ou correr. Trata-se da posição central, a partir da qual, sem que haja transição alguma, pode-se passar seja para outra posição, seja para uma forma qualquer de movimento. As pessoas tendem, portanto, a supor naquele que está em pé a presença de uma tensão maior, mesmo nos momentos nos quais sua intenção é inteiramente diversa – afinal, no momento seguinte, ele talvez se deite para dormir. O fato é que sempre se superestima aquele que se encontra em pé.
Nos países em que a independência das pessoas é tão importante a ponto de ser desenvolvida e enfatizada de todas as formas, fica-se com mais frequência e por mais tempo em pé. Na Inglaterra, por exemplo, os bares nos quais se pode beber em pé são particularmente apreciados. O freguês pode, sem nenhuma cerimônia, ir embora à hora que quiser. Um pequeno e discreto movimento permite-lhe desvincular-se dos outros. Mesmo em suas reuniões sociais privadas, os ingleses adoram permanecer em pé. Expressam assim, já ao chegar, que não ficarão muito tempo. Movem-se com liberdade e podem, uma vez que estão em pé, desvencilhar-se sem cerimônia alguma de uma pessoa e voltar-se para outra. A igualdade no interior de um determinado grupo social, uma das ficções mais importantes e úteis da vida inglesa, é especialmente enfatizada quando as vantagens do estar em pé são compartilhadas por todos. Desse modo, ninguém “é colocado acima de ninguém”, e aqueles que desejam conversar podem abordar um ao outros num ritual social de convívio e igualdade social. 
Sentado, o homem se vale do auxílio de pernas estranhas, empregando-as no lugar daquelas duas que reserva para pôr-se de pé. A cadeira, na forma como a concebemos, tem sua origem no trono; este, no entanto, pressupõe a existência de animais ou homens submissos, aos quais cabe carregar o soberano. Mas seu sentido é outro: o sentar-se na cadeira constituía uma distinção. Quem nela se sentava, sentava-se  sobre seus súditos e escravos. Se a ele era permitido sentar-se, os outros, por sua vez, tinham de ficar em pé. O cansaço destes pouco importava, contanto que ele fosse poupado. Ele era o mais importante; da preservação de sua força sagrada dependia o bem-estar de todos os demais. Oque se tem aí é a escravidão levada às últimas consequências. O que está em cima, por sua vez ode agir livre e arbitrariamente. Pode chegar, sentar-se e permanecer sentado pelo tempo que quiser. Ou pode partir sem dedicar um único pensamento ao que deixou para trás. O homem exibe uma inequívoca tendência a persistir nessa simbologia. Aferra-se obstinadamente à cadeira de quatro pernas; novas formas encontram dificuldade para impor-se. É de se supor que mesmo o cavalgar poderia desaparecer mais rapidamente do que essa forma da cadeira, tão ilustrativa de seu significado antropológico de utilização de poder no espaço antrópico.
Fala-se aqui daqueles homens para os quais a dominação tornou-se uma segunda natureza e com frequência apreciam demonstrá-lo dessa forma simbólica e abrandada. O fato social de estar deitado traduz-se num desarmamento instabilizador do homem. Uma enorme quantidade de atos, posturas e comportamentos que definem o homem ereto e, em geral, tanto empenho lhe custam são despidos feito roupa quando ele se deita, como se de fato não fizessem parte dele. Esse processo exterior transcorre paralelamente ao processo interior do adormecimento, quando o homem desprende e afasta de si muito do que em geral lhe parece imprescindível – certos caminhos e imposições do pensamento, a roupagem de espírito a protegê-lo.  O homem deitado desarma-se em tal medida que é absolutamente incompreensível como é que a humanidade conseguiu sobreviver ao sono. O  que torna visível a vacuidade de todas as teorias da adaptação do homem ao ambiente. Teorias estas que, no intuito de elucidar muitas coisas inexplicáveis, busca sempre apresentar as mesmas pseudo-explicações, quando nosso assunto é o estar deitado e a quantidade de poder que, comparado a outras posições humanas, este modo contemporâneo de adaptação encerra.
         O conceito de dialética desenvolvido por Hegel é mais do que a mera “síntese de opostos” em sua complementaridade para caracterizá-lo: é todo um complexo sistema, baseado numa original concepção do absoluto que na filosofia de Hegel, precisa incorporar todos os momentos significativos do movimento pelo qual se realiza, assimilando tanto o positivo como o negativo, superando-o numa capacidade de síntese viva, para pode se estruturar, rigorosamente, como ocorre no sistema científico: “A verdadeira figura em que a verdade existe”, afirma Hegel, “só pode ser o sistema científico dela”. O sentido desse movimento realizado e expresso no “sistema” – só pode ser compreendido do ângulo do resultado alcançado. O gérmen se desenvolve assim, não muda (“debulhar o trigo recolher cada bago do trigo, forjar no trigo o milagre do pão...”, lembrava o cantor Milton Nascimento). O gérmen do trigo é a menor parte do grão. Mas não é por ser pequeno que deve ser desprezado, já que ele é também a parte mais nobre do trigo. Altamente nutritivo, o gérmen de trigo oferece mais proteína para o organismo do que a carne e é o alimento mais indicado para quem consome álcool em excesso ou ainda sofre com colesterol alto. Se o gérmen fosse mudado, desgastado, triturado, não poderia evoluir. Esta unidade do existente, o que existe, e do que é “em si” é o essencial da evolução. É um conceito especulativo e dialético na unidade do diferente, do gérmen e do desenvolvido. Ambas estas coisas são duas e, no entanto, uma. É um conceito da razão. Por isso só todas as outras determinações são inteligíveis, mas o entendimento puramente abstrato não pode conceber isto.
Inexiste expressão mais manifesta do poder do que a atividade do maestro. Cada detalhe de seu comportamento público é característico; o que quer que ele faça lança alguma luz sobre a natureza do poder. Alguém que nada soubesse a seu respeito poderia deduzir uma a uma as características do poder a partir da contemplação atenta do regente. O próprio regente é quem mais está convencido disso; ele crê que o que faz é prestar um serviço à música, a qual deve transmitir com exatidão, e anda mais. O regente considera-se o servidor-mor da música. Encontra-se tão impregnado dela que a ideia de um segundo sentido, extramusical, para sua atividade absolutamente não lhe ocorre. Ninguém se espantaria mais com a interpretação que se segue do que ele. O regente se posta de pé. A passagem do homem para a posição ereta, na qualidade de uma antiga lembrança, é ainda importante em muitas representações do poder. O regente encontra-se de pé sozinho. Sentada a seu redor está sua orquestra, atrás dele, o público. O fato dele ser o único em pé chama a atenção. Encontra-se numa posição elevada, visível aos que estão na sua frente quanto àqueles às suas costas.
Para frente seus movimentos atuam sobre a orquestra; para trás, sobre o público. Reger é arte pela qual o maestro conduz uma orquestra através de gestos, transmitindo aos músicos e musicistas valores e índices que compõe uma obra musical, como andamento, ritmo e expressividade. Suas instruções propriamente ditas, ele as transmite somente com as mãos, ou além destas, com o auxílio da batuta. Desperta diferentes vozes para a vida mediante um movimento minúsculo, e cala tudo quando deseja que permaneça em silêncio. Desfruta, assim, do poder sobre a vida e a morte dessas vozes. A uma ordem sua, uma voz morta há tempos pode ressuscitar. A diversidade dos instrumentos representa a diversidade dos homens. A orquestra é como uma reunião de todos os tipos humanos mais importantes. Sua disposição para obedecer possibilita ao regente transformá-la numa unidade, unidade esta que ele, então, á vista de todos, representa para ela. Que isso aconteça, visível a todos em cada detalhe, é algo de mais democrático que existe na expressão de um regente, que confere uma autoconsciência  que reflete sobre si própria, sobre sua condição e seus processos comparativamente, seja no kantismo, que representa a consciência que o eu tem de si mesmo como sujeito do pensamento e do conhecimento de objetos extremos. Seja no hegelianismo, a forma através da qual o sujeito se encontra consciente de si, alcançada no estágio de conhecimento em que o mundo externo se torna o produto, a possessão ou a imagem especular dialética do próprio eu.
          Ele se acostuma a sempre ser visto, disso podendo prescindir com dificuldade cada vez maior, tanto quanto a obediência da orquestra e o sentar-se em silêncio do público constitui um propósito do regente para que ele permaneça imóvel. A presença dos músicos não incomoda ninguém; mal lhes dá atenção. Surge, então, o regente. Faz-se silêncio. Ele se posiciona, pigarreia, ergue a batuta: toso se calam e se paralisam. Enquanto ele estiver regendo ninguém pode mover-se. Tão logo termina, devem aplaudir. Toda a vontade de se movimentar que a música desperta e intensifica no público deve ser estancada até o final da execução, para, então, explodir. O regente se curva para as mãos aplaudi-lo, e retorna com a frequência que elas desejarem. Está à mercê delas – mas somente delas; é por elas que realmente vive. O que elas assim lhe conferem é a antiga aclamação do vencedor. A grandeza da vitória se expressa na medida do aplauso. A vitória e a derrota tornam-se a forma a partir da qual sua economia psíquica se organiza. Ao longo da apresentação, o regente figura como um líder para a multidão presente na sala. Se posta de pé à testa do público e silenciosamente dá-lhe as costas. 
 

A fama saudável, afirma Elias Canetti, tanto faz na forma de representação na boca de quem ela cai. Ela não faz diferença; essencial é tão somente que o nome seja pronunciado. A indiferença quanto àqueles que o pronunciam, e particularmente a igualdade destes aos olhos do sedento de fama, revela estar nos fenômenos de massa a origem dessa sede especulativa. Seu nome reúne para si uma massa num processo social de massificação. Tal nome leva uma vida ávida e própria, uma vida paralela, que pouca relação guarda com aquilo que um homem é de fato. A massa de que desfrutam os sedentos pela fama compõem-se de sombras, criaturas que nem sequer precisam estar vivas, bastando apenas que sejam capazes de uma única coisa: pronunciar um determinado nome. É desejável que não o digam com frequência, como ocorre socialmente, bem como que o digam diante de muitas pessoas. Para o possuidor da fama, contudo, o que essas sombras habitualmente fazem – seu tamanho, sua aparência, sua alimentação ou sua obra – é tão indiferente de fato quanto o ar.
Enquanto se preocupa com os proprietários das bocas prenunciadoras de seu nome, enquanto as corteja, suborna, estimula ou chicoteia, ele ainda não é famoso. Está apenas treinando os quadros de seu futuro exército de sombras. A fama propriamente dita, ele somente a adquire quando pode se permitir dispensá-los todos, sem com isso perder alguma coisa. As diferenças entre o rico, o detentor de poder e o famoso poderiam, pois, ser sociologicamente compreendidas da seguinte forma: o rico coleciona amontoados e rebanhos, representados pelo dinheiro. Não lhe importam seres humanos; basta-lhe poder comprar alguns. O detentor de poder coleciona humanos. Amontoados e rebanhos não significam coisa alguma para ele, a não ser que se façam necessários para a aquisição de outros homens. Quer, porém, homens vivos, que o precedam ou acompanhem na morte. Os mortos do passado e os descentes do futuro interessam-lhes apenas indiretamente. O famoso coleciona coros. Quer apenas ouvi-los pronunciar seu nome. Tanto faz se trata de coros de vivos, de coros de mortos ou dos que ainda nem nasceram, contanto que sejam grandes e treinados na repetição de seu nome.
Bibliografia geral consultada.

KENIG, Evelyne, História de los Judios Espanoles hasta 1492. Barcelona: Ediciones Paidós Studio, 1995; CANETTI, Elias, Auto-de-Fé. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1982; Idem, Vozes de Marrakech. Porto Alegre: L&PM Editores, 1987; Idem, Massa e Poder. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1995; Idem, O Outro Processo: As Cartas de Kafka a Felice. Rio de Janeiro: Editor Espaço e Tempo, 1998; NOGUEIRA, Luiz Carlos, “A Pesquisa em Psicanálise”. In: Psicol. Universidade de São Paulo. Vol. 15, nº 1-2, pp. 83-106, June 2004; MARTINS, Lucas dos Reis, Massa e Humanização de Canetti a Sloterdijk. Dissertação de Mestrado. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2009; AGAMBEN, Giorgio, O que é o Contemporâneo? e outros ensaios. Chapecó (SC): Editor Argos, 2009; SALVADOR, Fabiano Massarro, Cultura e Desrazão: Uma História de Auto-de-fé de Elias Canetti. Dissertação de Mestrado em Psicologia. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2011; MAFFESOLI, Michel, Homo Eroticus: Des Communions Émotionnelles. Paris: CNRS Éditios, 2012; KELLER, Wagner Guedes, O Teatro de Elias Canetti em Diálogo com a Pós-Modernidade. Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2015; SOUZA, Maria Alice Timm de, O Exílio de Si Como Metáfora de um Mundo em Fragmentação: Um Estudo sobre Elias Canetti. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Letras. Faculdade de Letras. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2014; SOUZA, Rodrigo Matos de, Antes de Auschwitz: Ensaio sobre Autobiografia e Formação em Elias Canetti. Tese de Doutorado em Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade. Salvador: Universidade do Estado da Bahia, 2015; DE SOUZA, Rodrigo Matos; DE SOUZA, Elizeu Clementino, A (De) formação pela Escola: Representações de Processos Formativos na Trilogia Autobiográfica de Elias Canetti. In: Revista Brasileira de Pesquisa (Auto) biográfica, vol. 1,  nº 2, 2016; pp. 236-253;  entre outros. 

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