domingo, 23 de abril de 2017

Hannah Arendt: A Crise da Educação e seus condicionamentos sociais na prática do Coordenador Pedagógico.

            Maria Leurimar de Alencar
(E-mail: leurimar.alencar@hotmail.com)
Pedagoga – Universidade Estadual Vale do Acaraú-UVA,
Pós-graduanda em Especialização em Gestão Pedagógica – Universidade Federal do Ceará-UFC

Resumo

O presente artigo pretende analisar o pensamento social de Hannah Arendt voltado para a crise na educação pública, vinculando neste estudo a importante atuação do Coordenador Pedagógico. Inicialmente são estabelecidas algumas ligações gerais no campo teórico entre as teses de Hannah Arendt sobre a crise da educação e seus condicionamentos sociais na rotina escolar, bem como uma análise filosófico-política a respeito de sua repercussão no sentido global. Em seguida pretende-se examinar a hipótese arendtiana de que a crise da educação também se relaciona à introdução de abordagens educacionais de caráter psicopedagógico. Em vez de contribuir na educação dos jovens para a responsabilidade pelo mundo e para a ação política, os mantêm numa condição infantilizada. Este processo de socialização se estende até a idade adulta, trazendo em consequência novos problemas: a) a questão do binômio “crítica” e “crise”, o qual põe em questão o binômio tradicional “crise/reforma”, posto que para Arendt a crise na educação deva ser entendida como oportunidade crucial para reflexões a respeito do próprio processo educativo, b) levando tal perspectiva crítica ao papel do Coordenador Pedagógico. Em sua singularidade, c) Arendt utilizou várias fontes de informação no plano teórico e empírico para reconstituir o sucedâneo de processos histórico-políticos, mais frequentes em certos períodos do que em outros, buscando respostas sobre o passado, para compreender a pertinência do fato político presente na educação.

Palavras-chave: Educação. Crise. Coordenador Pedagógico. Ensino Público.


Introdução

“A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável se não fosse a renovação e a vinda dos novos e dos jovens”. Hannah Arendt

Dentre as práticas socio-históricas encontra-se a educação, em seu aspecto influente e influenciável que não pode ser analisada separadamente dos fatores políticos, econômicos, sociais e culturais. Adentrando no contexto histórico, o estabelecimento da autonomia do Estado-Nação foi elementar para constituir a identidade e soberania de cada um deles, assim, foi a partir da invenção das instituições disciplinadoras, base histórica da sociedade moderna, que surgiu a mais fundamental dessas instituições: a escola moderna. De acordo com Jean Bodin (1530-1596), soberania refere-se à entidade que não conhece superior na ordem externa nem igual na ordem interna.
Relaciona-se à autoridade suprema, geralmente no âmbito do país. É o direito exclusivo de uma autoridade suprema sobre um grupo de pessoas - geralmente uma nação. Há casos em que esta soberania é atribuída a um indivíduo, como na monarquia, na qual o líder é chamado genericamente de soberano. Contudo, do ponto de vista conceitual  entende-se por soberania a qualidade máxima de poder social por meio da qual as normas e decisões elaboradas pelo Estado prevalecem sobre as normas e decisões que provém de grupos sociais intermediários, tais como a família, a escola, a empresa, a igreja, etc. Neste sentido, no âmbito interno, a soberania estatal traduz a dita “superioridade” de suas diretrizes na organização da vida comunitária.
A soberania se manifesta, principalmente, pela constituição de um sistema de normas jurídicas capaz de estabelecer as pautas fundamentais do comportamento humano.  No âmbito externo, a soberania traduz, por sua vez, a ideia de igualdade de todos os Estados na comunidade internacional. O conceito de soberania foi teorizado pelo francês Jean Bodin (1530-1596) no seu livro intitulado: “Os Seis Livros da República”, no qual sustentava a seguinte tese: a Monarquia francesa é de origem hereditária onde o Monarca não está sujeito a condições postas pelo povo; todo o poder do Estado pertence ao Rei e não pode ser partilhado com mais ninguém (clero, nobreza ou povo).
Jean-Jacques Rousseau transfere o conceito de soberania da pessoa do governante para todo o povo, entendido como corpo político ou sociedade de cidadãos. A soberania é inalienável e indivisível e deve ser exercida pela “vontade geral”, denominada por soberania popular. A partir do século XIX foi elaborado um conceito jurídico de soberania, segundo o qual esta não pertence a nenhuma autoridade particular, mas ao Estado enquanto pessoa jurídica. A noção jurídica de soberania orienta as relações entre Estados e enfatiza a necessidade de legitimação do poder político pela lei.                 
Diante dessas mudanças e do aparecimento do Estado moderno advindas das transformações nas estruturas de poder ocorridas por volta do século XVIII, seria oportuno comprender a educação no âmbito desse processo social e político em profunda mutação, tanto na representação do Estado quanto no campo educacional. Seguindo este raciocínio, observamos que o novo nem sempre vem pacificamente, assim a crise instala-se com frequência. Portanto, a gravidade e a especificidade da crise atual da educação e das demais instituições disciplinares modernas parece residir no fato de que as crises já não podem mais suscitar velhos ímpetos reformistas dedicados a restabelecer a ordem disciplinar, que parece estar a ponto de se esgotar e de dar lugar a novas perspectivas.
Hannah Arendt, nascida como Johanna Arendt, em Linden-Limmer, hoje bairro de Hanôver, Alemanhã, em 14 de outubro de 1906 e falecida em Nova Iorque, Estados Unidos, no dia 4 de dezembro de 1975, foi uma filósofa política alemã de origem judaica, uma das mais influentes do século XX. Ela acreditava que só é possível dar um significado ao mundo, na medida em que os homens tomarem consciência de que este mundo no qual vivemos é resultado de artefatos humanos que trazem em seu bojo individualidades, que somadas formam um coletivo (Braga, 2011). A privação de direitos e perseguição na Alemanha de pessoas de origem judaica a partir de 1933, assim como o seu breve encarceramento nesse mesmo ano, fez-na decidir emigrar. O regime nazista retirou-lhe a nacionalidade em 1937, o que a tornou apátrida até conseguir a nacionalidade norte-americana em 1951.
Arendt defendia um conceito de pluralismo no âmbito político. Graças ao pluralismo, o potencial de uma liberdade e igualdade política seria gerado entre as pessoas. Importante é a perspectiva da inclusão do Outro. Em acordos políticos, convênios e leis, devem trabalhar em níveis práticos pessoas adequadas e dispostas. Como frutos desses pensamentos, Arendt se situava de forma crítica ante a democracia representativa e preferia um sistema de conselhos ou formas de democracia direta.  Entretanto, ela continua sendo estudada como filósofa, em grande parte devido a suas discussões críticas de filósofos como Sócrates, Platão, Aristóteles, Immanuel Kant, Martin Heidegger e Karl Jaspers, além de representantes importantes da filosofia moderna como Maquiavel e Montesquieu. Justamente graças ao seu pensamento independente, a “teoria do totalitarismo” (“Theorie der totalen Herrschaft”), seus trabalhos sobre filosofia existencial e sua reivindicação da discussão política livre, Arendt tem um papel central nos debates contemporâneos.                
Como fontes de suas investigações Arendt usa, além de documentos filosóficos, políticos e históricos, biografias e obras literárias. Esses textos são interpretados de forma literal e confrontados com o pensamento de Arendt. Seu sistema de análise - parcialmente influenciado por Martin Heidegger - a converte em uma pensadora original situada entre diferentes campos de conhecimento e especialidades universitárias. O seu devenir pessoal e o de seu pensamento mostram um importante grau de coincidência. Através de uma delimitação crítica e apurada da sociedade contemporânea em todos os seus âmbitos – desde a deturpação dos conceitos de “autoridade” e “disciplina” na educação tradicional pela ambiguidade das relações de poder, pautadas na coerção e severidade, passando pela desumanização posta pelo modo de produção capitalista, problematizando também o conhecimento legitimado como científico e técnico - é possível afirmar que a educação contemporânea estaria colocando todas as regras do juízo humano à parte, causando assim um deterioramento deste mesmo juízo enquanto processo de corrupção que para Hannah Arendt, representaria o próprio senso comum, por meio do qual os cinco sentidos individuais estão adaptados a um único mundo comum a todos nós e com a ajuda do qual nele (mundo) nos movemos.
Para melhor compreender o conceito de “autoridade”, tão abordado no estudo arendtiano, passaremos para a sua análise etimológica, tal como os romanos a concebiam. Para eles, autoridade, em latim, auctoritas, significava a obrigatoriedade que cada nova geração tinha diante de si e do mundo em dar continuidade ao que os antepassados iniciaram. No caso de Roma, os antepassados haviam iniciado a república, cabendo a cada geração, dar continuidade a esta fundação. Então, na concepção de Arendt a educação deve justamente preparar cada nova geração, ainda em sua infância, a assumir a responsabilidade que seus pais, avós e bisavós (as gerações passadas) tiveram de assumir antes dela. Defendia a tese de que cabe aos adultos a condução das crianças enquanto a função da escola é ensinar a elas como é o mundo. Era a favor do uso da autoridade na escola, mas sem transgredir sua função para o nível do autoritarismo, pois o mundo deveria ser apresentado ao aluno de maneira a estimular a mudá-lo.  Desta forma, Arendt acreditava que os pais deveriam tomar para si o cuidado pelo bem estar vital de seus filhos e a escola, por sua vez, assumiria o dever de desenvolver as qualidades e talentos pessoais.
Aqui inserimos a importância do trabalho do Coordenador Pedagógico enquanto mediador das relações sociais no processo educacional e dos demais profissionais para o desenvolvimento e desempenho dos alunos no âmbito da reprodução escolar decorrente do ensino na escola pública. Para melhor entender este assunto, Cury (1996; 2000; 2002)  particularmente em seu ensaio: “O Direito à Educação: um campo de atuação do gestor educacional na escola”, explica que a origem do termo “gestão” provém do latim e tem como significado “levar sobre si”, “carregar”, “chamar a si”, “executar”, “exercer”, “gerar”. Aproxima-se então de gestatio, ou seja, gestação que significa: o ato através do qual se traz dentro de si algo novo e diferente: um novo ente. Ora, o termo gestão tem sua raiz etimológica em ger que significa “fazer brotar”, “germinar”, “fazer nascer”. Da mesma raiz provêm os termos genitora, genitor, germen.
A atividade do gestor pedagógico traduz, por analogia, o ato pelo qual a mulher gesta e dar a luz a uma nova vida. Porém, contrariando o pensamento arendtiano (Arendt, 2009), assistimos em nossos dias a tecnização e fragmentação do saber como um modo de corroborar com a vitória do labor e do trabalho. Portanto, a qualificação do coordenador pedagógico, do professor e dos demais profissionais da educação consiste em conhecer o mundo e ser capaz de instruir os outros acerca desse próprio mundo. A autoridade se assenta assim, na responsabilidade social assumida por este mundo, de modo que qualquer pessoa que se recuse ao seu cumprimento segundo uma visão coletiva, não deveria ter crianças, e o melhor seria proibi-la de tomar parte em sua educação.


Da educação em “crise” à educação “crítica”

O pensamento de Arendt sempre teve destaque dentro da ciência política, mas apenas nos últimos anos suas ideias começaram gradativamente a ganhar evidência também na área educacional. A autora escreveu um único ensaio sobre a educação formal, sob o título “A crise na educação”, publicado em 1958. A percepção de uma crise nessa área permitiu que a pensadora política realizasse uma reflexão sobre esse tema, já que para ela a própria crise se constitui como um momento em que há a dissolução das significações comuns, o que torna possível repensar o momento histórico vivido. Arendt entende que, embora a crise na educação possa se expressar de uma forma singular em diferentes regiões, ela seria apenas mais uma faceta da crise que se situa em tono da modernidade. Antes de nos aprofundarmos na temática da educação formal, é interessante esclarecer ao leitor alguns conceitos fundamentais da obra dessa autora para a compreensão do desenvolvimento de suas ideias.
No pensamento de Arendt (2009), é na ação que um indivíduo se mostra para o mundo, por meio de seus atos e palavras, liberto das necessidades vitais e à luz pública, constituindo assim a atividade humana por excelência, uma atividade feita por homens, entre homens e para outros homens. É paradoxal que, embora só exista no momento em que ocorre, ela é a única das atividades capaz de constituir memória, dando aos homens imortalidade, já que por meio da ação, ou seja, seus feitos e palavras, um indivíduo também acaba ganhando permanência no mundo todas as vezes que sua história singular for resgatada e recontada. Na atual estrutura socioeducativa em que está inserida a educação, passamos por uma forte crise de identidade e de paradigmas, na qual falamos muito sobre o assunto, mas pouco o problematizamos em sua dimensão teórica e prática.
A crise da educação para Arendt não é, por si só, danosa. Antes, ela deve ser entendida como parte da tensão insuperável entre novidade e conservação que experimentamos a cada dia. Em um mundo social no qual o passado deixou de se oferecer como guia inquestionável para a ação e para o pensamento dos homens no presente. Segundo a perspectiva arendtiana, a crise é um momento crucial, pois permite observar as deficiências daquilo que se encontra em conflito, além de evidenciar o fracasso das tentativas de sua superação até o momento. Assim, muito mais grave do que a própria crise, é o fato de não a entendermos como momento propício para o pensamento crítico. Para Arendt (2009, p. 245), “tal retrocesso nunca nos levará a parte alguma, exceto à mesma situação da qual a crise acabou de surgir”. A autora argumenta que a crise, pelo contrário, põe em questão as certezas e a segurança que sustentavam esse passado ideal.
Se educar é receber e apresentar o mundo e a tradição cultural para os recém-chegados, o germe da novidade será sempre um fator de desestabilização do campo educacional. Este, por sua vez, também deverá ser cuidado com atenção, dada a sua fragilidade, pois as escolas constituem um campo de passagem, um lugar de preparação para a vida adulta e para o cuidado político para com o mundo. Nesse sentido, é bem possível que a crise atual da educação também se relacione com a crescente ausência de tensão entre novidade e tradição, entre presente e passado, visto que também o próprio passado vem se transformando em mera mercadoria para o consumo rápido e voraz de uma população de adultos e crianças alucinados pelo ideal prático da felicidade imediata. Fundamentaremos a seguir em que medida a crise política da modernidade significa um ponto a se repensar criticamente o papel da educação no mundo contemporâneo.
A educação como direito do cidadão e dever do Estado, tem caráter próprio por se tratar de um bem público. Quando se fala em direitos e obrigações abre-se um leque de responsabilidades em torno do destinatário e daquele que têm o dever de garanti-los. Assim, a nossa Carta Cidadã de 1988 trás em seu bojo matérias essenciais que levam o nome de cláusulas pétreas, a fim de ter garantida a sua imutabilidade. Nesse aspecto, observamos que a educação encontra-se assegurada no artigo 6° como direito social e no artigo 205 é consagrada como direito de todos e dever do Estado e da família, sendo promovida e incentivada com a colaboração da sociedade.
Como direito reconhecido é imprescindível que ele tenha efetiva aplicação no dia-a-dia das escolas, pois nelas encontramos as condições sócio-educacionais mais adequadas para atingir o maior número de pessoas possível e de desenvolver o processo de ensino-aprendizagem. Desse modo, o dever de educar correspondente à família é reforçado pela atuação do Estado ao estender o alcance desse direito, de regulá-lo, mantê-lo e torná-lo eficaz, com o apoio dos gestores e demais profissionais responsáveis pelas escolas em nosso país e particularmente nas cidades, bairros, aldeias, favelas etc. Estamos diante de um grupo ilimitado de agentes que, direta ou indiretamente, se encarregam de inserir a educação e os seus resultados no espaço social em que vivem. No Brasil, o ensino formal obrigatório é estabelecido pela Lei de Diretrizes e Bases nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, a partir dos seis anos de idade até a conclusão do Ensino Fundamental de nove anos, tornando-se facultativo no Ensino Médio, embora o Estado ainda tenha a obrigatoriedade em oferecê-lo. Pela lei federal, a função da instituição escolar diz respeito ao desenvolvimento pleno do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação inserindo-o no mundo do trabalho.
Em seu Art. 1º, a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. No parágrafo 1º, esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias. O parágrafo 2º deixa claro que a educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social. Em seu Art. 2º, a educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
No caso do Art. 3º, o ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância; V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; VII - valorização do profissional da educação escolar; VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino;  IX - garantia de padrão de qualidade; X - valorização da experiência extraescolar; XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais. XII - consideração com a diversidade étnico-racial.  Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013.
Se por um lado é possível identificar nessa afirmação um ideal de que a escola tenha papel fundamental na formação global do homem e um vínculo com a formação do cidadão, por outro, um olhar mais atento nos mostra o quanto tais afirmações são vagas, deixando em aberto questões fundamentais como o que seria esse desenvolvimento pleno ou o que deveríamos entender por preparação para a cidadania. A educação e a Escola, para Arendt (2009), tem a função de preservar o novo - crianças e jovens, aqueles que ainda não estão com suas personalidades suficientemente formadas - dos assédios e perigos tanto do mundo quanto da natureza, para que possam vir a se desenvolver, adquirir condições sociais e políticas de fruir no mundo ao final do processo educacional e vir a agir de fato e não apenas se comportarem.


A educação, e nesse momento Arendt está se referindo à educação formal, posto que ela tem um compromisso com o mundo e a sociedade mediante sua apresentação progressiva aos recém-chegados e com a inserção gradual das novas gerações. Temos que a passagem da esfera privada para esfera pública se dá concretamente com a mediação da escola.  Além disso, a educação também tem a tarefa de buscar realizar a conservação do mundo. Enquanto nele realiza: a) a inserção gradual da criança, b) mediante a transmissão dos conteúdos mais caros e belos produzidos pela humanidade, c) finalmente, para que eles não se percam e sejam dissolvidos pelo tempo. Assim, o processo educacional e o professor acabam se tornando os principais responsáveis pela transmissão dos bens culturais, a herança das próximas gerações.
É interessante observar que, ao mesmo tempo em que a escola, para Hannah Arendt, tem uma característica de “preservação do mundo”, ela também é a grande responsável pela sua renovação. Embora de forma indireta, a escola também acaba tendo esse caráter assegurado, tanto pelo fato de preservar a criança dos assédios da esfera pública e da natureza, garantindo que ela venha a se desenvolver, como por introduzi-la no mundo compartilhado, no solo comum das tradições. A escola apresenta à criança sua herança cultural e possibilita que ela venha algum dia a empreender algo novo, com a sua inserção no mundo, ou seja, com a inserção de alguém que nunca esteve por aqui antes, revelando sua singularidade, podendo tomar partido na esfera pública e exercendo a política. A escola constitui, nesse sentido, uma preparação para a cidadania.
Provavelmente, esse quadro atual de crise na educação ocorra também devido à conjuntura política, econômica e social que nossa sociedade vive atualmente, que segundo Arendt, faz da crise da modernidade a crise da educação. Em outras palavras, o que a população obtém da escolarização de massa, em termos culturais, obedece menos às suas especificidades culturais, étnicas, de gênero e de grupo social do que a lógica do impacto privado, gestado e implementado pela escola, apesar das distorções entre a representação desta instituição e o dia-a-dia do trabalho docente e de mediação do coordenador pedagógico. Porém, com o avanço da esfera social, tanto o domínio privado como o público está se degradando, e assim a educação para muitos acabou tendo seu sentido deturpado, tornando-se apenas mais um produto de consumo dentre outros em uma prateleira de supermercado. Nesse contexto, o próprio mundo transformou-se em um produto para ser consumido, jamais destinado a ser apropriado, e sua permanência passou a ser ameaçada.
O pensamento crítico, por sua vez, vai muito além de um método de análise que possa ser aplicado a qualquer situação. Ele resulta, dentre outras coisas, de uma formação sólida na área em que se busca realizar uma reflexão. Não que essa formação por si só garanta o pensamento crítico. Porém, se com essa formação sólida em uma área específica o desenvolvimento do pensamento crítico é árduo, sem essa formação ele é impossível. No filme homônimo, Hannah Arendt (Barbara Sukowa) e seu marido Heinrich (Axel Milberg) são judeus alemães que chegaram aos Estados Unidos como refugiados de um campo de concentração nazista na França.
Para ela a América dos anos 1950 é um sonho, e se torna ainda mais interessante quando surge a oportunidade dela cobrir o julgamento do nazista Adolf Eichmann para a revista “The New Yorker”. Ela viaja até Israel, e na volta escreve todas as suas impressões e o que aconteceu, e a revista separa tudo em cinco artigos. Só que aí começa o verdadeiro drama de Hannah: ela mostra nos artigos que nem todos que praticaram os crimes de guerra eram monstros, e relata também o envolvimento de alguns judeus que ajudaram na matança dos seus iguais. A sociedade se volta contra ela e a New Yorker, e as críticas são tão fortes que até mesmo seus amigos mais próximos se assustam. Hannah em nenhum momento pensa em voltar atrás, mantendo sempre a mesma posição, mesmo com todo mundo contra ela. Arendt já apontava essa incoerência ao criticar o pragmatismo na educação e a opção de desenvolver habilidades independentes dos conhecimentos curriculares tradicionais.
Outro tema rotineiro no âmbito educacional é o do entendimento de que a meta da educação é construir um futuro melhor, ou que as crianças sejam educadas para mudar a sociedade. A mudança do mundo é uma tarefa dos adultos em meio à esfera pública por meio da ação e da política, não a partidária, mas sim aquela caracterizada pelo diálogo, argumentação e convencimento entre iguais, portanto, não deveria ser delegada aos mais novos. Assim, educar para a mudança da estrutura social, ou como alguns preferem, “educar para “mudar o mundo”, seria na verdade tirar das mãos dos mais novos o direito de expressarem sua singularidade e inovarem no futuro, repassando para as novas gerações a tarefa de construir daqui a dez ou vinte anos o mundo que os adultos de hoje consideram o desejado (Arendt, 2009).
Neste sentido, nota-se a incompreensão do sentido e da formação da escolarização e um relativo desconhecimento da cultura escolar por parte dos alunos, e de sua inadequação, ora desconhecida, ora desconsiderada por boa parte dos professores, no que se refere: a) à cultura valorizada pela escola: ao seu ideal de produção intelectual, artístico, social, estético etc., proporcionando a produção, manutenção e fortalecimento de sua identidade, incomum com a vida de seus usuários, historicamente expropriados desse mesmo ideal de produção, cuja imposição no universo escolar revela-se traumática e violenta. O nível de escolarização das famílias dos alunos e suas vivências sociais destoam do grau de exigência da escola.
Por outro lado seu repertório cultural não se tornou ainda objeto de interesse da escola; b) ao seu significado histórico como fruto de um contínuo processo de construção, forjado ao longo do tempo e recebendo múltiplas influências, sobretudo, das classes dominantes que ditam seus ideais e valores; c) ao caráter elitista da escolarização mesmo após o processo de democratização do acesso, iniciado no começo da década de 1970, nota-se a incompreensão do ideal de universalização por parte dos educadores, sobretudo, no que se refere às práticas e discursos que justificam o fracasso escolar, frequentemente culpabilizando a família e o contexto social. 
Soma-se a isto a falta de um olhar crítico em relação aos fenômenos escolares e sociais como indisciplina, violência, mídia, democracia etc. Parece que para os coordenadores e professores este olhar mais crítico é menos óbvio pode levar a uma compreensão mais aprofundada, não só da realidade imediata, como também das razões da política educacional, fugindo, portanto, do risco da irreflexão. “Uma crise só se torna um desastre quando respondemos a ela com juízos pré-formados, isto é, com preconceitos. Uma atitude dessas não apenas aguça a crise como nos priva da experiência da realidade e da oportunidade por ela proporcionada à reflexão” (Arendt, 1997). Nesse sentido, a formação é concebida como a responsável em fornecer os subsídios para esta abordagem crítica, sendo ela mesma, igualmente, objeto de análise.
Este olhar é necessário para o entendimento das interfaces entre a cultura das classes populares e a cultura no processo social de valorização pela escola de modo a superar a hierarquia da segunda sobre a primeira e também a idéia de que a cultura acadêmica é irrelevante para as chamadas classes populares. Concebendo os direitos à Educação, Cultura e à Informação como fundamentais ao pleno desenvolvimento do ser humano, bem como à construção de uma sociedade democrática e plural, este projeto de pesquisa entende a problematização dos conflitos sociais como fundamental nas práticas escolares, pois a escola é o lugar por excelência de constituição de significados para este e para outros conceitos. Assim, visa a um levantamento de como este assunto é abordado e que tipos de intervenções práticas sofrem os conflitos sociais no dia-a-dia da escola e sua relação com a indisciplina.
Enfim, num exame das práticas do dia a dia que articulam essa experiência, a oposição entre “lugar” e “espaço” há de remeter, sobretudo, nos relatos, a duas espécies de determinações: uma, por objetos que seriam, no fim das contas reduzíveis ao estar-aí de um morto, lei de um “lugar” (da pedra ao cadáver, um corpo inerte parece sempre, no Ocidente, fundar um lugar e dele fazer a figura de um túmulo); a outra por operações que, atribuídas a uma pedra, a uma árvore ou a um ser humano, especificam “espaços”, segundo Certeau (2014, p. 184), pelas ações de sujeitos históricos (parece que um movimento sempre condiciona a produção de um espaço e o assopcia a uma história). Os relatos efetuam, portanto um trabalho que, incessantemente, transforma lugares em espaços ou espaços em lugares. Organizam também os jogos das relações mutáveis que uns mantêm com os outros etc. Em suma, o espaço é um lugar praticado. Assim a rua geometricamente definida por um urbanismo é transformada em espaço pelos pedestres. Do mesmo modo, a leitura é o espaço produzido pela prática do lugar constituído por um sistema de signos – um escrito.


Coordenador Pedagógico: um olhar diverso

Entre os objetivos da escola está a formação de cidadãos que pensem e atuem criticamente no meio em que vivem, para tanto, a mediação do coordenador pedagógico é necessária e funciona como eixo no qual o processo de ensino aprendizagem será desenvolvido. Promover a melhor relação interpessoal possível no ambiente escolar, articulando todos os agentes, especialmente professores e alunos, funciona como modo de se chegar a qualidade de ensino voltado para o interesse crítico e o trabalho conjunto. Levando em consideração a multiplicidade de atuações que cabem ao coordenador pedagógico, bem como a importância de seu papel, podemos abrir espaço para que um trabalho que privilegie a análise da realidade, interligando práticas diversas que dinamizem as ações dos diversos profissionais, seja inserido no cotidiano escolar. Para tanto é fundamental que exista o comprometimento. Para Paulo Freire (1979, p.7) “a primeira condição para que se possa assumir um ato comprometido está em ser capaz de agir e refletir”. Ainda nos alerta que:
É preciso que seja capaz de, estando no mundo, saber-se nele. Saber que, se a forma pela qual está no mundo condiciona a sua consciência deste estar, é capaz, sem dúvida, de ter consciência desta consciência condicionada. Quer dizer, é capaz de intencionar sua consciência para a própria forma de estar sendo, que condiciona sua consciência de estar. Desse modo, só é capaz de comprometer-se quem, como ser histórico, pertence ao seu próprio tempo e o modifica deixando-se transformar. Levando tal análise ao contexto abordado, não é difícil notar o distanciamento entre o dever e a prática. A escola atual observada como “lugar praticado” a partir da perspectiva certeauniana - e tomando como objeto de crítica o lugar onde há dissociações, realizadas por operações técnicas, que não leva em consideração as outras práticas que organizam a sociedade (JOSGRILBERG, p. 71) – nos é apresentado um modo de compreender conservador e neutro no mundo moderno. 
Mas o que é estarrecedor nisso é a falta de nexo com o que apreendemos com Pierre Bourdieu ( 1974) em relação ao ponto de vista da “eficácia simbólica”, ou com Michel de Certeau (2014), sobre a “linguagem ordinária dos jogos táticos entre porta-vozes e autoridades simbólicas numa economia produtivista”. É algo muito obscuro, contudo, que pode ser verificado pela hermenêutica. As conversações de modo geral estão inseridas em um processo pelo qual se procura chegar a um acordo. Faz parte de toda verdadeira conversação o atender realmente ao outro, deixar valer os seus pontos de vista e pôr-se em seu lugar, e talvez não no sentido de que se queira entendê-lo, mas sim no de que se procura entender o que diz.
Assim, como já falamos aqui, o coordenador pedagógico motivado pelo contexto histórico-social no qual está fixado, deve utilizar da comunicação e da atuação interativa com outros atores, parceiros de trabalho ou não, galgando mudanças significativas em toda a comunidade escolar. No entanto, o que mais vemos é a dedicação de tempo exclusivo para a resolução de assuntos burocráticos, deixando de lado a formação contínua dos professores. Vasconcellos (2009, p. 85) reflete sobre esses problemas segundo a rotina do exercício da função, onde esses profissionais “sentem-se sozinhos, lutando em muitas frentes, tendo que desempenhar várias funções... Sentem ainda o distanciamento em relação aos professores, a desconfiança, a competição, a disputa de influência e de poder, etc”. Inclusive algumas pessoas não entendem a função deste profissional, criando em torno de sua figura uma noção limitada ou totalmente mal empregada. Esses comportamentos ilustram o distanciamento que há entre as regras de boa convivência e, acima de tudo, o reconhecimento de suas competências por parte dos professores. Tal competência, conforme conceituou Hannah Arendt (1961, p.10):
[...] consiste em conhecer o mundo e em ser capaz de transmitir esse conhecimento aos outros. Mas a sua autoridade funda-se no seu papel de responsável pelo mundo. Face à criança, é um pouco como se ele fosse um representante dos habitantes adultos do mundo que lhe apontaria as coisas dizendo: “Eis aqui o nosso mundo!”.
Outra imagem que recorrentemente atribui-se ao coordenador pedagógico é a de fiscal das salas de aula ou de atendente. Sem um campo específico de atuação, em determinadas escolas, ele apropria-se da responsabilidade pelas emergências, seja apaziguando ânimos distintos ou solucionando problemas que não são apenas de sua competência, relativos aos pais, alunos e professores. O trabalho do coordenador pedagógico não é uma atividade individual, limitada as suas ações, mas sim de acordo com De Terssac (2002, p. 29) “é uma atividade contínua de invenção de soluções, logo uma atividade coletiva”. Sobrecarregado pelo cotidiano, este profissional fica impossibilitado de praticar e de dar eficácia à sua experiência no campo pedagógico. Nas palavras de Placco (2009, p.47):
O cotidiano do coordenador pedagógico é marcado por um processo contínuo de tomadas de decisões e por experiências que o levam, com frequência, a uma atuação desordenada, ansiosa, imediatista e reacional, às vezes até frenética. E atuando nesse contexto sua intencionalidade e seus propósitos são frustrados e as suas circunstâncias o fazem responder a situações do momento, “apagando incêndios”.
Assim, buscando eliminar problemas diversos, seu papel como orientador na formação dos professores fica em último plano. Atualmente o coordenador é responsável pela organização de eventos, orientação dos pais sobre o nível de aprendizagem dos filhos e como informante de todas as ações que são postas em prática pela escola. De acordo com Dalben (2004, p. 56): “(...) o papel do coordenador é o de ‘espelho refletor’, partindo daquilo que a realidade pedagógica oferece, dialogando, confrontando, especulando e exigindo o distanciamento de todos para a reflexão, a avaliação e a produção do conhecimento sobre a e da prática da escola”.
Trazendo para o campo de análise arendtiano (1961, p. 8), a relação entre escola e pais deve manter-se estreita, constante e atenta à realidade dos envolvidos. A responsabilidade pela educação chega aos adultos a partir da própria concepção e nascimento dos filhos, posto que os pais “não apenas dão vida aos seus filhos como também os introduzem no mundo. Pela educação, os pais assumem por isso uma dupla responsabilidade — pela vida e pelo desenvolvimento da criança, mas também pela continuidade do mundo”. Já a escola é o campo onde a criança tem sua primeira entrada no mundo. Para Arendt (1961, p.10):
Ora, a escola é, de modo algum, não o mundo, nem deve pretender sê-lo. A escola é antes a instituição que se interpõe entre o domínio privado do lar e o mundo, de forma a tomar possível a transição da família para o mundo. Não é a família mas o Estado, quer dizer, o mundo público, que impõe a escolaridade. Desse modo, relativamente à criança, a escola representa de certa forma o mundo, ainda que o não seja verdadeiramente.
Nessa etapa de vida, uma vez mais, os adultos são responsáveis pela criança. Falamos aqui dos personagens que atuam para o desenvolvimento educacional do aluno e daqueles que são incumbidos de orientar os professores por este percurso. No entanto, tal responsabilidade não consiste tanto no zelo para que o corpo discente cresça em boas condições, mas em resguardar aquilo que normalmente se designa por livre desenvolvimento das suas qualidades e características. A interferência de Arendt (1961, p.10) nesse sentido é que “Está implícita no facto de os jovens serem introduzidos pelos adultos num mundo em perpétua mudança. Quem se recusa a assumir a responsabilidade do mundo não deveria ter filhos nem lhe deveria ser permitido participar na sua educação”.
Para melhor esclarecer este raciocínio que se atrela ao contexto da crise na educação, Arendt aponta três ideias-base, porventura demasiado familiares. A primeira consistiria em “um mundo da criança e uma sociedade formada pelas crianças; que estas são seres autônomos e que, na medida do possível, se devem deixar governar por si próprias”. Contudo, o papel dos adultos deveria ser limitado à assistência desse processo, sendo o próprio grupo formado por crianças que deteria a autoridade, sendo permitido falar a cada uma delas o que importa ou não fazer. Sobre essa primeira ideia, quanto muito, é possível dizer aos menores que façam o que lhe apetecem e, depois, impedir que aconteça o pior. Sendo que as relações reais e normais entre crianças e adultos — relações que decorrem do fato de, no mundo, viverem em conjunto e simultaneamente pessoas de todas as idades — estão, portanto, hoje dissolvidas.
Já a segunda ideia-base a tomar em consideração na presente crise tem a ver com o ensino. Sob influência da psicologia moderna e das doutrinas pragmáticas, a pedagogia tornou-se uma ciência do ensino em geral ao ponto de se desligar completamente da matéria de ensinar. O professor enquanto profissional é aquele que “é capaz de ensinar qualquer coisa. A formação que recebe é em ensino e não no domínio de um assunto particular”. Segundo esta crítica, o professor não tem necessidade de conhecer a sua própria disciplina, acontecendo de modo frequente que ele sabe pouco mais do que os seus alunos. O que daqui decorre é que, não somente os alunos são abandonados aos seus próprios meios, como ao professor é retirada a fonte mais legítima da sua autoridade enquanto professor.
É neste ponto do estudo arendtiano (1961, p.6) que vinculamos a atuação do coordenador pedagógico como mediador de conflitos cotidianos e de raiz temporal, partindo do pressuposto de que o processo de ensino aprendizagem varia conforme o tempo e espaço no qual está sendo ou foi desenvolvido. Assim, mesmo com todo o avanço teórico sobre o assunto, ainda nos deparamos com situações descompassadas no âmbito escolar, posto que o professor “é ainda aquele que sabe mais e que é mais competente” e pouco aceita a mediação pedagógica do coordenador. Também aqui, sob o pretexto de respeitar a independência da criança, ela é excluída do mundo dos adultos para ser artificialmente mantida no seu, especialmente em matéria pedagógica. Ora, pouco vemos a participação dos alunos na atividade do coordenador e professor que, muitas vezes, organizam e despejam o conteúdo programático sem respeito as possíveis críticas e sugestões dos discentes. Para Hannah Arendt (1961, p.7):
[...] esta forma de manter a criança afastada é artificial porque, por um lado, quebra as relações naturais entre crianças e adultos, as quais, entre outras coisas, consistem em aprender e ensinar, e porque, ao mesmo tempo, vai contra o facto de a criança ser um ser humano em plena evolução e a infância ser uma fase transitória, uma preparação para a idade adulta.
A educação é uma das atividades mais necessárias e importantes da sociedade contemporânea e, por assim dizer, imaginar a imersão dela numa crise de instabilidade social é necessário despertar as nossas crianças para este “mundo pronto” no qual elas chegaram como seres humanos novos, inexperientes e desprotegidos. Assim, uma crise na educação suscitaria sempre graves problemas mesmo se não fosse, como no caso presente, o resultado ao fim e ao cabo de uma crise muito mais geral e da instabilidade no âmbito da sociedade globalizada. A criança, objeto da educação, mostra-se ao ambiente escolar sob um duplo aspecto: ela é nova num mundo que lhe é estranho, e ela está em devir. Além do que se passa dentro das quatro paredes da sala de aula, é importante transpor o aprendizado também para o convívio do coletivo, ou seja, além dos muros da escola e das aparentes e aconchegantes características que o lar apresenta. A dinâmica nesses espaços deve ser ritmada pelo coordenador, professores, pais e demais atores sociais do processo de aprendizagem, sem caminhar em desacordo com as circunstâncias sociais diversas que nos são apresentadas.
Na prática, a primeira consequência que daqui decorre é a compreensão clara de que a função da escola é ensinar às crianças o que o mundo é e não iniciá-las na arte de viver. Uma vez que o mundo é velho, sempre mais velho do que nós, aprender implica, inevitavelmente, voltar-se para o passado, sem ter em conta quanto da nossa vida será consagrada ao presente. Em segundo lugar, há que perceber que o significado da linha traçada entre crianças e adultos é que não é possível educar adultos e que não se devem tratar as crianças como se fossem adultos. Porém, em circunstância alguma se deve permitir que esta linha se transforme num muro que isole as crianças da comunidade dos adultos, como se elas não vivessem no mesmo mundo e como se a infância fosse um estado humano autônomo, capaz de viver segundo as suas próprias leis. (ARENDT, 1961, p. 13)


A importância do coordenador pedagógico nesse aspecto chegará ao alcance da formação ideal e efetiva dos professores: a) dispondo, segundo certa ordem, as ações que colaboram para o fortalecimento das relações entre a cultura e a escola; b) organizando o produto da reflexão dos professores, do planejamento, dos planos de ensino e da avaliação da prática; c) estipulando as rotinas pedagógicas de acordo com os desejos e as necessidades de todos; e d) aproximando e interligando pessoas, de modo a ampliar os ambientes de aprendizagem. Acertadamente, Arendt (1961, p.14) observou que:
A educação é assim o ponto em que se decide se se ama suficientemente o mundo para assumir responsabilidade por ele e, mais ainda, para o salvar da ruína que seria inevitável sem a renovação, sem a chegada dos novos e dos jovens. A educação é também o lugar em que se decide se se amam suficientemente as nossas crianças para não as expulsar do nosso mundo deixando-as entregues a si próprias, para não lhes retirar a possibilidade de realizar qualquer coisa de novo, qualquer coisa que não tínhamos previsto, para, ao invés, antecipadamente as preparar para a tarefa de renovação de um mundo comum.
Na visão de Paulo Freire (1979, p.14) a educação é possível para o homem, porque este é inacabado e entende-se como inacabado. Paulo Freire é considerado um dos pensadores mais notáveis na história da Pedagogia mundial, tendo influenciado o movimento chamado “pedagogia crítica”. A sua prática didática fundamentava-se na crença de que o educando assimilaria o objeto de estudo fazendo uso de uma prática dialética com a realidade, em contraposição à por ele denominada “educação bancária, tecnicista e alienante”: o educando criaria sua própria educação, fazendo ele próprio o caminho, e não seguindo um já previamente construído; libertando-se de chavões alienantes, o educando seguiria e criaria o rumo do seu aprendizado. Destacou-se por seu trabalho na área da educação popular, voltada tanto para a escolarização como para a formação da consciência política. Esse reconhecimento serve de caminho para conduzi-lo à sua perfeição. “A educação, portanto, implica uma busca realizada por um sujeito que é o homem. O homem deve ser o sujeito de sua própria educação. Não pode ser objeto dela”. Por isso, é possível concluir que ninguém educa ninguém.

Considerações Finais

A questão da crise na educação denunciada pela filósofa política Hannah Arendt, resgata em outras palavras aquilo que analogamente Freire (1979, p.14) julgou de “procura”, posto que significa uma busca permanente de “si mesmo”. Tanto é que o coordenador pedagógico não pode almejar exclusividade, ou seja, trabalhar segundo seu individualismo, abandonando a destinação coletiva, o aspecto plural que circunda a prática educacional. Caso contrário, esta busca solitária poderia traduzir-se em um ter mais, que é uma forma de ser menos. Esta busca deve ser feita com outros seres que também procuram ser mais e em comunhão com outras “consciências, caso contrário se faria de umas consciências, objetos de outras”. Seria um ato de “coisificação” das consequências.  Acreditava que só é possível dar um significado ao mundo, na medida em que os homens tomarem consciência de que o mundo, este mundo no qual vivemos, é resultado de artefatos humanos que trazem em seu bojo individualidades, que somadas formam um constructo coletivo. O exposto supracitado é relevante para que sejam compreendidos no contexto atual e a necessidade de se garantir a efetiva atuação prática do coordenador pedagógico em um espaço que é tido no jogo das relações sociais por democrático, imparcial e incólume, porém não imune à crise que abala todas as esferas e espaços sociais, especialmente em contato com as relações que derivam do processo de aprendizagem. 

Referências bibliográficas.
BOURDIEU, Pierre, Condição de Classe e Posição de Classe. In: Hierarquias em Classes. Organizadora Neuma Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1974; FÁVERO, Osmar (Org.), A Educação nas Constituintes Brasileiras. 1823–1988. Campinas,1996; BRITO, Renata Romolo, Ação Política em Hannah Arendt. Dissertação de Mestrado. Instituto de Filosofia e Ciencias Humanas. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2007; ARENDT, Hannah, A Condição Humana. Rio de Janeiro: Editora Relume-Dumará, 1997; Idem. Entre o Passado e o Futuro. Tradução Mauro W. Barbosa. 3ª edição. São Paulo: Perspectiva, 2009; CESAR, Maria Rita e DUARTE, André, Hannah Arendt: Pensar a Crise da Educação no Mundo. In: Educação e Pesquisa. São Paulo, volume 36, nº 3, pp. 823-837, set./dez. 2010; CURY, Carlos Roberto Jamil, O Direito à Educação: Um Campo de Atuação do Gestor Educacional na Escola.  In: http://escoladegestores.mec.gov.br/; Idem, Legislação Educacional Brasileira. Rio de Janeiro: DP & A Editores, 2002; Idem “A Educação como desafio na ordem jurídica”. In: TEIXEIRA LOPES, Eliane Martha, FARIA FILHO, Luciano Mendes de, VEIGA, Cynthia Greive, 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2000;  DALBEN, Angela Imaculada Loureiro de Freitas, Conselhos de Classe e Avaliação - Perspectivas na Gestão Pedagógica da Escola. São Paulo: Editora Papirus, 2004; DE TERSSAC, Gilbert, Le Travail: Une Active Collective. Toulouse: Éditions Octarés, 2002; PLACCO, Vera Maria Nigro de Sousa; ALMEIDA, Laurinda Ramalho de (Org.), O Coordenador Pedagógico no Confronto com o Cotidiano da Escola. São Paulo: Edições Loyola, 2009; VASCONCELLOS, Celso dos Santos, Coordenação do Trabalho Pedagógico: do Projeto Pedagógico ao Cotidiano da Sala de Aula. 12ª edição. São Paulo: Editora Liberdade, 2009; QUINTANEIRO, Tania; BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira; OLIVEIRA, Márcia Gardênia Monteiro de, Um Toque de Clássicos: Marx, Durkheim, Weber. 2ª edição revista e atualizada. Belo Horizonte: Editora da Universidade Federal de Minas Gerais, 2011; CERTEAU, Michel de, A Invenção do Cotidiano: 1. Artes de fazer. 20ª edição. Petrópolis, RJ: Editoras Vozes, 2014; FERRAZ, Renata de Oliveira, O Velho, o Novo e a Educação em um Mundo em Transformação: Reflexões a partir do Pensamento de Hannah Arendt. Dissertação de Mestrado. Program de Pós-Graduação em Educação. Faculdade de Educação. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2016; BARBOSA, Kherlley Caxias Batista, A Concepção de Liberdade na Filosofia Política de Hannah Arendt. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. São Leopoldo: UNiversidade do Vale do Rio dos Sinos, 2017;  entre outros.

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