quinta-feira, 6 de abril de 2017

Honoré de Balzac - O Quarto do 2° Andar como Belvedere.

                                                                                     Ubiracy de Souza Braga

“O homem começa a morrer na idade em que perde o entusiasmo”. Honoré de Balzac

                     

A palavra belvedere, do italiano belvedere, ou seja, “bela vista”, de bello, “belo” + “vedere”, ver, que quer dizer “terraço no alto de um edifício; mirante”. Fossem as ideias inteiramente soltas e desconexas, apenas o acaso as ajuntaria; e seria impossível que as mesmas ideias simples se reunissem de maneira regular em ideias complexas se não houvesse algum laço de união entre elas, alguma qualidade associativa, pela qual uma ideia naturalmente introduz outra. Esse princípio de união entre as ideias não deve ser considerado uma conexão inseparável, tampouco devemos concluir que, sem ele a mente não poderia juntar duas ideias – pois nada é mais livre que essa faculdade. Devemos vê-lo apenas como uma força suave, que comumente prevalece, e que é a causa pela qual, entre outras coisas, as línguas se correspondem de modo tão estreito umas às outras: pois a natureza de alguma forma aponta a cada um de nós as ideias simples mais apropriadas para serem unidas em uma ideia complexa. As qualidades não dão origem a tal associação, e que levam a mente, dessa maneira, de uma ideia a outra, são três, a saber: semelhança, contiguidade no tempo e no espaço, e causa e efeito. Dois objetos podem ser considerados como estando inseridos nessa relação, seja quando um deles é a causa de qualquer ação ou movimento do outro, seja quando o primeiro é a causa da existência do segundo. 

Pois como essa ação ou movimento não é senão o próprio objeto, considerado sob um certo ângulo, e como o objeto continua o mesmo em todas as suas diferentes situações, é fácil imaginar de que forma tal influência dos objetos uns sobre os outros pode conectá-los na imaginação. Podemos prosseguir com esse raciocínio, observando que dois objetos estão conectados pela relação causa e efeito não apenas quando produz um movimento ou uma ação qualquer no outro, no outro, mas também quando tem o poder de os produzir. Essa é a fonte das relações de interesse e dever através dos quais os homens se influenciam mutuamente na sociedade que se ligam pelos laços de governo e subordinação. Um senhor é aquele que, por sua situação, decorrente da força ou acordo, tem o poder de dirigir, sob alguns aspectos particulares, as ações de outro homem. A noção de edifício, em sentido estrito, permite fazer referência a qualquer construção realizada pela ação humana. Um teatro ou uma igreja são edifícios. No entanto, a linguagem do dia-a-dia recorre ao termo para mencionar as construções verticais que tenham mais de um andar. Aedificĭum é uma construção fixa que serve de alojamento humano ou que permite realizar várias atividades comerciais, políticas e sociais. 

Os edifícios estão relacionados com os prédios, os arranha-céus ou as torres, que servem de residência permanente às pessoas ou cujas instalações abrigam escritórios. Em termos de propriedade, há que se referir aos edifícios públicos que pertencem ao Estado, os edifícios privados, quando o proprietário é uma pessoa singular ou coletiva de sociedade anônima. Relativamente ao seu valor de uso, existem edifícios governamentais que albergam delegações do governo, edifícios industriais, onde se desenvolvem atividades técnicas produtivas, edifícios comerciais, compostos por uma grande variedade de lojas, edifícios militares, como os que agrupam os setores militares e os edifícios residenciais, usados como habitações verticais, entre outros. Muitos arquitetos e urbanistas debatem a altura ascendente dessas inúmeras obras pós-modernas, já que elas causam, em certo sentido, poluição visual, gastos exorbitantes na manutenção e, sobretudo, mudanças no microclima das cidades. O que não podemos negar é que os aedificĭum são importantes para o desenvolvimento da arquitetura e construção civil, trazendo novas técnicas e uso de novos materiais. 

Honoré de Balzac foi um escritor francês, de manejo interdisciplinar na literatura, produtivo, notável por suas agudas observações psicológicas. Como intelectual tinha uma enorme capacidade de trabalho, usada, sobretudo para cobrir as dívidas que acumulava. De certo modo, suas despesas no parcous do processo de trabalho e formação, representaram a razão pela qual, desde 1832 até sua morte, se dedicou incansavelmente à literatura. Honoré é assim chamado por conta de Santo Honoré de Amiens, cujo dia é comemorado em 16 de maio, quatro dias antes de seu aniversário. Era o segundo filho nascido dos Balzacs;  exatamente um ano antes, nascia Louis-Daniel, mas ele só chegou a viver durante um único mês. Posteriormente, um terceiro filho nasceu chamado Simone de Hudsone. As irmãs Laure e Laurence nasceram em 1800 e 1802, e seu irmão Henry-François em 1807. Sua extensa obra influenciou nomes extraordinários como Proust, Zola, Dickens, Dostoievsky, Flaubert, Henry James, Machado de Assis, Castelo Branco e Ítalo Calvino, e é constantemente adaptada para o cinema. Participante da vida mundana parisiense teve vários relacionamentos, entre eles o célebre caso amoroso, desde 1832, com a condessa polonesa Ewelina Hańska, com quem veio a se casar pouco antes de sua morte em 18 de agosto de 1850, aos 51 anos, tendo sido considerado o grande amor da sua vida. 

Em 1814, a família vai morar em Paris. Com 20 anos formou-se em Direito e foi estagiar no escritório de Goyonnet de Merville, que mais tarde se transformaria em Derville de “A Comédia Humana”. Os anos de estágio lhe forneceram material para vários romances como “A Duquesa de Langlois”, “César Birotteau”, e “O Contrato de um Casamento”. Os sofrimentos dos réus, as artimanhas dos advogados, os tribunais, a força do dinheiro, todos os problemas na justiça francesa, deste período, estão nas várias obras de Balzac. A família se muda para Villeparisis, lugarejo próximo a Paris, mas Balzac resolve permanecer na cidade, abandonar o estágio e viver de literatura. Sem apoio da família, teria só um ano de mesada, foi morar num quarto da Rua Lesdiguières. Estava convencido que seria um grande escritor. Em 1820, depois de um ano, passado entre leituras, passeios e dúvidas, conclui “Cromwell”, uma tragédia composta de versos alexandrinos. O prazo de um ano havia terminado. Os romances sentimentais eram publicados em fascículos. Balzac sabia não ser esse o caminho da arte.

Publica, com pseudônimos vários romances, elaboradas entre 1822 e 1825. Lord R`hoone, Horace de Saint Aubin, foram alguns dos nomes que assinou. Desgostoso com o que produzia, vai a Villeparisis, onde conhece seu primeiro amor, Laure de Berny, amiga da família, 22 anos mais velha que ele, casada e mãe de sete filhos.  Em 1825, com recursos da família e de Laura de Berny, monta uma Editora, mas em 1827, sem sucesso, volta a escrever. Inspirado no escritor Walter Scott, criador do romance histórico, publica “Os Chouans” e a “Fisiologia do Casamento”, romances que lhe abriram as portas dos importantes círculos literários, assinando seu nome pela primeira vez. Colabora com revistas e periódicos de sucesso. Em um único ano escreve inúmeros artigos, dezenove novelas e romances, entre eles, “Catarina de Médicis”, “A Pele de Onagro”, “Beatriz” e “Pequenas Misérias da Vida Conjugal”. Em 1832, candidata-se a deputado, mas não obtém os votos esperados na eleição. Os fidalgos não aceitam em seu meio, um provinciano plebeu, mas recebe a carta de uma mulher que assinava “A Estrangeira”.  Mais tarde descobriu ser a condessa polonesa Eveline Hańska, casada e bem mais velha que ele. Encontram-se na Suíça e tornaram-se amantes.


São notáveis os hábitos disciplinares de trabalho em que se dispunha Balzac - embora não conseguisse trabalhar rapidamente, esforçava-se com dedicação e foco incríveis. Seu método preferido era comer uma rápida refeição as cinco ou seis horas da tarde e então dormir até meia-noite. Depois do descanso, levantava-se na madrugada e escrevia por muito tempo, às vezes interruptamente, com pausas apenas para tomar algumas xícaras de café preto, pois, conforme escreveu, “o café é a bebida que desliza para o estômago e põe tudo em movimento”. Costumava trabalhar em um único trecho por cerca de quinze horas ou mais; chegou a declarar que certa vez trabalhou interruptamente por 48 horas com apenas três horas de descanso. Além disso, realizava revisões obsessivamente, cobrindo provas de impressão com mudanças e adições a serem repostas. Por vezes repetia este processo durante a publicação de um livro e como resultado criava despesas significativas para si próprias e seu Editor. Não raro o produto final era muito diferente da ideia concebida anteriormente e do livro original.

O uso excessivo que Balzac faz dos detalhes, especialmente os detalhes de objetos, para ilustrar a vida de suas personagens, fez com que ele fosse um dos pioneiros do realismo literário. Embora admirasse e fosse inspirado pelo estilo romântico de autores como o escocês Walter Scott, procurou em sua obra retratar a existência humana através do uso de particularidades. Um exemplo notável são as descrições da Pension Vauquer em Le Père Goriot, em que o papel de parede da pensão reflete a identidade interior dos seus moradores, inspirado num amigo do autor, Hyacinthe de Latouche, que tinha conhecimento sobre suspensão de papéis de parede. Há críticos que consideram a escrita de Balzac um notável exemplo do naturalismo - uma forma mais pessimista e analítica do realismo, que busca explicar o comportamento humano como intrinsecamente relacionado ao meio. Émile Zola declarou certa vez que Balzac “era o pai da novela naturalista”. Ou ainda, enquanto os românticos viam o mundo através de lentes coloridas, o naturalista vê o mundo através de um vidro transparente - o tipo de efeito que Balzac se esforçava para alcançar em suas obras. 
Embora alguns de seus importantes livros nunca tenham chegado a um estado final, como Les Employés (1841), eles não deixam de ser notados pelos críticos. Apesar de Balzac ter sido um “eremita e vagabundo”, conseguiu manter-se conectado, e principalmente retratar como ninguém, o mundo social que alimentava a sua escrita. Era amigo de Théophile Gautier e Pierre-Marie-Charles de Bernard du Graal de la Villette, e conhecia Victor Hugo, a quem admirava e escrevia cartas. Não gastava seu tempo em saloons, tampouco em clubes, como faziam muitos de seus personagens principais. Porque, como dizem biógrafos e críticos do talentoso pensador, Balzac não se sentia confortável nesses lugares, pois “pressentia que seu negócio não era frequentar a sociedade, mas criá-la”. Porém, isto não o impediu de frequentar muitas vezes o Château de Saché, próxima de sua cidade natal, Tours, e que era a casa de seu amigo Jean de Margonne, amante de sua mãe e pai de seu irmão mais novo. Muitos de seus personagens foram concebidos no quarto do segundo andar, hoje museu dedicado à vida do autor. 
É admitido como o fundador do realismo na literatura moderna. Sua magnum opus, “A Comédia Humana”, é o título geral que dá unidade à obra máxima de Honoré de Balzac. Consiste de 95 romances, novelas e contos que procuram abranger todos os níveis culturais da sociedade francesa, em particular a florescente burguesia após a queda de Napoleão Bonaparte em 1815. Entre seus romances mais famosos destacam-se “A Mulher de Trinta Anos” (1831-32), “Eugènie Grandet” (1833), “O Pai Goriot” (1834), “O Lírio do Vale” (1835), “As Ilusões Perdidas” (1839), “A Prima Bette” (1846) e “O Primo Pons” (1847). Desde “Le Dernier Chouan” (1829), que depois se transformaria em “Les Chouans”, mas na tradução brasileira “A Bretanha” (1829), Balzac descreveu os problemas em torno do dinheiro, da usura, da hipocrisia familiar, da constituição dos poderes na França liberal e, ainda que o meio operário não apareça diretamente em suas obras, discorreu sobre aspectos sociais a partir da pintura dos ambientes rurais, como em “Os Camponeses”, de 1844. Além de romances, fez incursão em “estudos filosóficos”, como “A Procura do Absoluto” (1834) e estudos analíticos, como a “Fisiologia do Casamento”, que causou escândalo ao ser publicado em 1829. Um clássico de 1833, Eugênia Grandet narra a história da personagem que dá nome ao livro, e o cotidiano de sua família abastada, numa província francesa.

Eugênia é filha única de um rico comerciante avarento, o Sr. Grandet. A história se passa no decorrer da primeira metade do século XIX. O livro é rico na descrição dos detalhes, tanto na ambientação como nos próprios personagens. Honoré de Balzac escreve de forma poética os hábitos da sociedade do interior da França, bem com seus costumes tipicamente rurais e econômicos. O pai de Eugênia representa a personificação da avareza na terra. Dono de muitas terras, com uma reputação respeitada na cidade, adquiriu fortuna por causa dos vinhedos, algumas terras arrendadas e uma abadia, bem como por ter se casado e ganho o dote da esposa. Com um talento exímio em administrar negócios, aumentou sua fortuna e vive o tempo inteiro economizando, fazendo contas e cobrando seus arrendamentos.  Um dos pontos fortes da narrativa está na descrição do pai de Eugênia, um velho sovina, que passa os dias a contar e recontar seus lucros, calculando juros e deixando a família praticamente a passar fome. Age como gago ao fazer qualquer acordo comercial ou quando vende seus produtos, mas em casa fala normalmente. Vive dando uns centavos a esposa, para mais tarde se lamuriar que não tem um tostão, a fim de que ela se compadeça e acabe por lhe devolver o dinheiro que ganhou dele. O tanoeiro Grandet é o avarento que não desperdiça as migalhas que caem de sua mesa.
Fora de dúvida, trata-se de um monumental conjunto de histórias, considerado de forma unânime uma das mais importantes realizações da literatura mundial em todos os tempos. Aproximadamente 2,5 mil personagens se movimentam pelos vários livros de “A Comédia Humana”, ora como protagonistas, ora como coadjuvantes. Genial observador do seu tempo, Balzac soube como ninguém captar o espírito em torno das ideias do século XIX. A França, os franceses e a Europa no período entre a Revolução Francesa e a Restauração têm nele um pintor magnífico e preciso. O conservadorismo é uma corrente de pensamento político surgida na Inglaterra, no final do século XVIII, através da atividade política do conservador Whig Edmund Burke, como uma reação à Revolução Francesa, cujas utopias sociais resultaram imediatamente em instabilidade política e crise social na França. O pensamento conservador expandiu-se pelo mundo principalmente após o período do Terror jacobino, que, durante o auge da Revolução, causou a morte de 35 mil a 40 mil pessoas. O termo conservador denota a adesão a princípios e valores atemporais, que devem ser conservados a despeito de toda mudança histórica, quando mais não seja porque somente neles e por eles a História adquire uma forma inteligível. Por exemplo, a noção de uma ordem divina do cosmos ou a de uma natureza humana universal e permanente. Balzac era notoriamente um conservador. É famosa a sua frase: “Escrevo à luz de duas verdades sagradas e eternas, a Religião e a Monarquia”. Marx e Engels não se deixaram impressionar pela declaração e disseram que aprendiam mais com ele do que com os cientistas sociais, com os filósofos e os economistas do seu tempo. Balzac demonstrava com imensa clareza a invasão dos sentimentos íntimos das pessoas pelo dinheiro.   

 O conservadorismo britânico deriva largamente de Edmund Burke e da sua obra “Reflexões sobre a revolução na França” (1790), onde este defende que as constituições não devem ser o produto da razão abstrata (como as francesas), mas sim de uma lenta evolução histórica (como a constituição inglesa), considerando a sociedade como sendo não apenas um contrato entre os vivos, “mas entre os vivos, os mortos e os que estão por nascer”. Contra a Liberdade proclamada pela Revolução como um absoluto, Burke faz a defesa das liberdades, das prerrogativas particulares e tradicionais dos diversos grupos sociais e locais, que se equilibravam mutuamente na ordem pré-revolucionária. Ao contrário de Burke, outros parlamentares whigs, como Charles James Fox, tomaram o partido da Revolução Francesa, acabando as ideias das Reflexões por serem mais aceites entre os Tories. Durante o século XIX, o conservadorismo britânico, inspirado por pensadores como Samuel Coleridge, Thomas Carlyle, Henry Maine, etc. desenvolve-se como o partido da aristocracia tradicional, em volta de temas como a desconfiança em face da democracia, a defesa da Câmara dos Lordes e uma certa nostalgia pela Inglaterra pré-industrial.  O que é válido sociologicamente para divisão manufatureira do trabalho na oficina vale também comparativamente para a divisão do trabalho social na sociedade.
Enquanto artesanato e manufatura constituem a base geral da produção social, a subsunção do produtor a um ramo exclusivo da produção, a supressão da diversidade original de suas ocupações é um momento necessário do desenvolvimento. Sobre essa base, cada ramo particular da produção encontra empiricamente a configuração técnica que lhe corresponde, aperfeiçoa-a lentamente e, num certo grau de maturidade, cristaliza-a rapidamente. Além dos novos matérias de trabalho fornecidos pelo comércio, a única coisa que provoca modificações aqui e ali é a variação gradual do meio de trabalho. Uma vez alcançada a forma adequada à experiência, também ela se ossifica, como o comprova sua transmissão, muitas vezes milenar, de uma geração a outra. O princípio da “grande indústria”, na expressão de Marx, a saber, o de dissolver cada processo de produção em seus elementos constitutivos, e, antes de tudo, fazê-lo sem nenhuma consideração para com a mão humana, criou a mais moderna ciência da tecnologia. As formas variegadas desconexas e ossificadas do processo social de produção se dissolveram, de acordo com o efeito útil almejado nas aplicações conscientemente planificadas e sistematicamente particularizadas das ciências naturais. A tecnologia descobriu as poucas formas fundamentais do movimento, sob as quais transcorre necessariamente, apesar da diversidade de instrumentos utilizados, toda a ação produtiva do corpo humano, exatamente do mesmo modo como a mecânica não deixa que a maior complexidade da maquinaria a faça perder de vista a repetição constante das potências mecânicas simples.
A indústria moderna jamais considera nem trata como definitiva a forma existente de um processo de produção. Sua base técnica é, por isso, revolucionária, ao passo que a de todos os modos de produção anteriores era essencialmente conservadora. Em contraposição com os anos radicais que a precederam e os anos cartistas que a sucederam, a década de 1820 parece estranhamente calma, como diz Thompson, “um planalto mansamente próspero de paz social”. Mas, muitos anos depois, um verdadeiro londrino advertiu Mayhew: - as pessoas imaginam que, quando tudo está quieto, está se estagnando. O propagandismo continua apesar disso. É quando tudo está quieto que a semente cresce, os republicanos e socialistas levam à frente suas doutrinas”. Esses anos calmos forma os anos de luta de Richard Carlile pela liberdade de imprensa; do aumento da força sindical e da revogação das Leis de Associação; do crescimento do livre pensamento; da experiência cooperativa e da teoria owenista. São anos em que grupos e indivíduos tentaram teorizar as experiências gêmeas descritas por Thompson sobre a Revolução Industrial e a experiência do radicalismo popular insurgido e derrotado. E, no final da década, quando a luta entre a Velha Corrupção e a Reforma atingiu o seu clímax, é possível fala de uma nova forma de consciência dos trabalhadores em relação aos seus interesses e à sua situação enquanto classe.  É neste sentido determinado, que Thompson teoriza o que chama de “radicalismo popular daqueles anos como uma cultura intelectual. Isto é, a consciência articulada do autodidata era sobretudo uma consciência política.
Representou a primeira metade do século XIX, quando a educação formal de grande parte do povo se resumia a ler, escrever e contar, como havia reiterado Marx. Mas não foi absolutamente um período de atrofia intelectual. As vilas, e as aldeias, ressoavam com a energia dos autodidatas. Dadas as técnicas de alfabetização, os diaristas, artesãos, lojistas, escreventes e mestres-escolas punham-se a aprender por conta própria, individual ou em grupo. E os livros ou instrutores, muitas vezes, eram os que contavam com a aprovação da opinião reformadora. A Partir de sua própria experiência e com o recurso à sua instrução errante e arduamente obtida, os trabalhadores formaram fundamentalmente político da organização da sociedade. Mas a capacidade de operar com a razão argumentos abstratos e sucessivos não era absolutamente inata; tinha de ser descoberta à custa de dificuldades quase esmagadoras, tendo em vista a falta de tempo livre, o preço das velas (ou dos óculos), além das carências de formação. Nos inícios do movimento radical, às vezes empregavam-se ideias e termos que, evidentemente, tinham um valor mais fetichista do que racional para alguns adeptos fervorosos. Essas evidências relativas à instrução alcançada por operários nas duas primeiras décadas do século servem apenas para mostrar que as generalizações são tolas. O ludismo foi um movimento que ocorreu na Inglaterra durante o século XVIII, onde os luddistas quebravam as máquinas como forma de protesto frente as más condições de trabalho.

Na época luddista quando poucos não-operários teriam apoiado suas ações, as mensagens anônimas variam desde digressões autoconscientes sobre a “liberdade com seus Sorridentes Atributos” até pichações quase ilegíveis em muros. Se as Sociedades Bíblicas e as sociedades da Escola Dominical não foram frequentadas para nenhum outro bem, observou Sherwin, “pelo menos produziram um efeito benéfico – foram o meio de ensinar muitos milhares de crianças a ler”. As cartas de Brandreth e sua mulher, dos conspiradores da Caio Street e outros prisioneiros do Estado dão-nos alguma ideia sobre aquele grande espaço entre as realizações dos artesãos qualificados e as dos semiletrados. Ao que parece, todos os prisioneiros da Caio Street sabiam escrever, de uma ou outra forma. A despeito da repressão a partir de 1819, a tradição de manter salas de notícias, às vezes associadas à loja de um livreiro radical, continuou pelos anos 1820. Em Londres, depois da guerra, houve uma proliferação de cafés, muitos com essa dupla função.  Em 1833, o famoso Café e Sala de Notícias de John Doherty, anexo à sua livraria em Manchester, recebia semanalmente nada menos de noventa e seis jornais, inclusive os ilegais “não-franqueados”. Nas aldeias e vilas menores, os grupos de leitura eram menos formais, mas não menos importantes. Às vezes encontravam-se em estalagens, “bares ilegais” ou casas particulares; às vezes, o periódico era lido e discutido na oficina. O preço alto dos periódicos, durante a época dos “impostos sobre o conhecimento” mais pesados, levou milhares de arranjos ad hoc, em que pequenos grupos faziam uma arrecadação para comprar o jornal escolhido. Esta era a cultura, com suas ávidas disputas em torno das bancas de livros, nas tavernas, oficinas e cafés, que Shelley saudou em sua “Canção aos Homens da Inglaterra”, e onde amadureceu o gênio literário de Charles Dickens.
Mas seria um erro vê-la como um único “público leitor” indiferenciado. Podemos dizer que existiam vários “públicos” diferentes que se entrechocavam e se sobrepunham, mas, no entanto, organizados segundo princípios diversos. Entre os mais importantes estavam o público comercial, puro e simples, que podia ser explorado em períodos de excitação radical, mas atendido apenas menos organizados, em torno das Igrejas ou dos Institutos de Artes e Ofícios; o público passivo que as sociedades de aperfeiçoamento tentavam conquistar e redimir; e o público radical ativo que se organizou frente às Seis Leis e os impostos sobre o conhecimento. A luta para este último público foi admiravelmente apresentada por W. D. Wichwar, em A Luta pela Liberdade de Imprensa. Segundo Thompson, “talvez não exista nenhum país no mundo onde a disputa pelos direitos da imprensa tenha sido tão áspera, tão enfaticamente vitoriosa e tão particularmente identificada com a causa dos artesãos e diaristas”.  A maioria dos motins em teatros do início do século XIX tinha um certo toque radical, mesmo que expressasse apenas o simples antagonismo entre barracas e deuses. A vitalidade do teatro plebeu não era acompanhada por um correspondente mérito artístico.
A influência mais positiva sobre a sensibilidade dos radicais proveio não tanto dos pequenos teatros, e sim da revivescência shakespeariana – Hazlitt, Wooler, Bamford, Cooper e uma série de jornalistas radicais e cartista autodidatas tinham como praxe coroar seus argumentos com citações de Shakespeare. O aprendizado de Wooler fora com a crítica dramática; ao passo que o jornal estritamente sindicalista Trades Newspaper começou, em 1825, com uma seção de crítica teatral e também uma coluna de esportes. Mas houve uma arte popular que, entre 1780 e 1830, atingiu um auge de complexidade e qualidade – o cartum político. A cultura do teatro e da oficina de cartuns foi popular num sentido mais amplo do que a cultura literária dos artesãos radicais. A estrutura do caráter puritano sustenta a seriedade moral e a autodisciplina que permitiram aos homens trabalhar à luz de vela depois de um dia inteiro de labor. Mas podemos fazer duas ressalvas importantes. A primeira é que o metodismo foi uma influência fortemente anti-intelectual, da qual a cultura popular britânica nunca se recuperou totalmente. O círculo ao qual Wesley restringiria a leitura de metodistas era bastante estreito; o principal de uma biblioteca metodista consistiria de suas próprias obras e sua série pessoal de compilações e resumos. No início do século XIX, os pregadores e líderes de classe foram estimulados a ler mais: reedições de Baxter, a hagiografia do movimento ou os “volantes de Missionary Register”. 
Mas a poesia era suspeita, e a filosofia, a crítica bíblica ou a teoria política eram tabus. Todo o peso do ensinamento metodista recaía sobre o caráter abençoado dos “puros do coração”, independentemente do seu nível ou grau de instrução. Foi o que deu à Igreja seu apelo espiritual igualitário. Mas também alimentou as justificativas filistinas dos semiletrados. Honoré de Balzac deu tal dimensão social aos seus personagens que mereceu do crítico literário e historiador Hippolyte Taine a seguinte observação: - “Como William Shakespeare, Balzac é o maior repositório de documentos que possuímos sobre a natureza humana”. A verdade é que a singularidade da obra de Balzac sobreviveu ao autor, às suas idiossincrasias, vaidades, e, sobretudo aos seus desastres financeiros e amorosos. Sua mente prodigiosa concebeu um mundo muito maior do que aqueles que os seus contemporâneos alcançavam. E sua obra projetou-se no tempo e espaço como um dos momentos mais preciosos da literatura universal. Se nascesse de novo dois séculos depois, veria que o último parágrafo do seu prefácio d`A Comédia Humana, longe de ser um exercício de vaidade, era uma profecia: “A imensidão de um projeto que abarca a um só tempo a história e a crítica social, a análise de seus males e a discussão de seus princípios, autoriza-me, creio, a dar à minha obra o título que ela tem hoje: A comédia humana. É ambicioso? É justo? É o que, uma vez terminada a obra, o público decidirá”. Muitos observaram que ele era um mestre na composição de personagens femininos. As mulheres que povoam os livros de Balzac e sua imaginação, extraordinariamente são, sem temor a erro, criaturas fascinantes.
Bibliografia geral consultada.
RONAI, Paulo, Balzac e a Comédia Humana. Rio de Janeiro: Editor Globo, 1957; BOREL, Jacques, Personnages et Destins Balzaciens. Paris: Librarie José Corti, 1958; DELATRE, Geneviève, Les Opinions Litéraires de Balzac. Paris: Presses Universitaires de France, 1961; DIAZ, José Pedro, Balzac: Novela y Sociedad. Montevideo: Arca Editorial, 1974; PRENDERGAST, Christopher, Balzac: Fiction and Melodrama. London: Edward Arnold Editor, 1978; WATT, Ian, A Ascensão do Romance: Estudos sobre Defoe, Richardson e Fielding. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1990; LUKÁCS, Georg, Balzac et le Réalisme Français. Paris: Éditions La Découverte, 1999; MORETTI, Franco, Atlas do Romance Europeu: 1800-1900. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003; KONDER, Leandro, Sobre o Amor. São Paulo: Boitempo Editorial, 2007; GALEANO, Eduardo,  Los hijos de los días. México: Siglo XXI Editores, 2011; SOUZA, Andreia Maria de, As Personagens Femininas em Le père Goriot, de Honoré de Balzac. Dissertação de Mestrado em Estudos Linguísticos, Literários e Tradutológicos em Francês. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2012; MENDES, Elzilaine Domingues, Da Perda das Ilusões à Melancolia: Um Estudo Psicanalítico em Balzac. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura. Brasília: Universidade de Brasília, 2013; OLIVEIRA, Ana Luísa Patrício Campos de, Honoré de Balzac e Camilo Castelo Branco: A Crítica Social Oitocentista em Perspectiva Comparada. Tese de Doutorado em Letras. Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Universidade de São Paulo, 2013; SANTOS, Marli Cardoso dos, Balzac e os Mitos da Modernidade: Fausto e Don Juan em La peau de chagrin et L`elixir de longue vie. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários. Faculdade de Ciências e Letras. Araraquara: Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho, 2015; MENEZES, Thales de, “Honoré de Balzac Revela Influxos de Shakespeare em O Pai Goriot”. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/2016/08/18; GRANJA, Lúcia; LIMA, Lilian Tigre, Leitores e Leituras de Honoré de Balzac no Brasil no Século XIX. In: Polifonia, Cuiabá-MT, vol. 23, nº 34, pp. 151-164, jul.-dez., 2016; entre outros. 

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