terça-feira, 4 de abril de 2017

Chu Ming - Invenção dos Orelhões Públicos Telefônicos.

                                                                                          Ubiracy de Souza Braga

  “Há um orelhão para cada grupo de 225 habitantes. Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (2010)

           
            
O telefone é um dos dispositivos de telecomunicações criados para transmitir sons por meio de sinais elétricos nas vias telefônicas. É definido como um aparelho eletroacústico que permite a transformação, no ponto transmissor, de energia acústica em energia elétrica e, no ponto receptor, terá a transformação da energia elétrica em acústica, permitindo desta forma a troca de informações (falada e ouvida) entre dois ou mais assinantes. Para haver êxito nessa comunicação social, os aparelhos necessitam estar ligados a vários equipamentos técnicos, que formam uma central telefônica. Há muita controvérsia sobre a invenção do telefone, que geralmente tem sido atribuída a Alexander Graham Bell. Entretanto, como reconheceu o Congresso dos Estados Unidos através da resolução 269, de 15 de junho de 2002, o aparelho foi inventado por volta de 1860, pelo italiano Antônio Meucci, que o chamou “telégrafo falante”. A primeira demonstração pública da invenção de Meucci ocorreu em 1860, e teve sua descrição publicada num jornal de língua italiana de New York. Meucci criou o telefone com a necessidade de comunicar-se diariamente com sua esposa, que era doente e por isso ficava repousando de cama no seu quarto no andar superior.
         O laboratório de Meucci ficava no térreo, assim ele não tinha condições para cuidar da esposa e trabalhar ao mesmo tempo. Ele inventou o telefone, para que ela se precisasse dele, não tivesse que gritar ou sair de sua casa. A telefonia pública brasileira não é um serviço novo. Desde a década de 1920 a população já tinha conhecimento sobre os chamados telefones “semi-públicos”, em verdade telefones no interior de bares e restaurantes. Mas, de verdade a história da telefonia pública brasileira começou em meados de 1934, quando a Companhia Telephonica Brasileira (CTB) instalou na cidade de Santos, no badalado litoral paulista e na famosa estrada de Santos que leva os primeiros telefones públicos. Os primeiros telefones públicos ficavam localizados em postos telefônicos e em estabelecimentos credenciados, como hotéis, restaurantes padarias e etc. Para a sua utilização, era preciso fazer pagamentos antecipados, por meio de moedas depositadas em uma caixa coletora, e as ligações eram possíveis serem feitas apenas com o auxílio mediado pelo trabalho de telefonistas.


               
Os primeiros telefones eram conectados a uma central manual, operados por uma telefonista. O usuário tinha que girar uma manivela para gerar a “corrente de toque” e chamar a telefonista que atendia e, através da solicitação do usuário, comutava os pontos manualmente através das “pegas”. Assim um assinante era conectado ao outro. Com o surgimento das centrais automáticas os telefones passaram a ser providos de “discos” para envio da sinalização. Estes discos geravam a sinalização decádica, que consiste de uma série de pulsos enumerados de 1 a 10. Esta tecnologia prevaleceu até o final da década de 1960 quando começaram a surgir os telefones com teclado eletrônico. Os telefones com teclado facilitavam a “discagem”, pois demorava menos para teclar um número. Foram desenvolvidos teclados que enviavam os pulsos de sinalização decádica conforme a tecla deprimida (carregada). Posteriormente com o surgimento da sinalização DTMF o envio de sinalização ficou mais preciso e ainda mais rápido. Na esfera pública logo viria surgir a cabina telefônica que é uma estrutura física usada como proteção para o uso do telefone público. As cabinas normalmente são projetadas para dar maior privacidade, isolamento acústico e oferecer abrigo contra mudança climática, como chuva, sol, vento ou neve. Com o aumento exponencial da telefonia celular nos últimos anos, a partir de meados da década de 1990, os telefones públicos têm sido cada vez menos utilizados e algumas companhias privadas chegaram até mesmo a aboli-los, pois sua manutenção, se comparada aos ganhos obtidos com seu valor-de-uso, torna-se cara, para além da utilização maciça dos telemóveis ou celulares os terem tornado obsoletos e na pratica em via de extinção.                        
Chu Ming nasceu na cidade chinesa de Xangai, no dia 4 de abril de 1941. Filha de Chu Chen e Shui Young Queen foi a segunda de quatro filhos. Seu pai, Chu Chen, era engenheiro civil e durante a guerra serviu às forças armadas nacionalistas de Chiang Kai-Shek. Com a vitória dos comunistas, em 1949, a violenta perseguição e repressão aos opositores do regime levaram-no a mudar-se com a família para Hong Kong, onde permaneceram por 4 anos. Decididos a deixar a China com destino aos EUA, Chu Chen e a esposa batizaram seus filhos na religião católica, recebendo seu nome ocidental. A filha mais velha, Chu Jen, batizada como Angela. Chu Ming, Veronica, Chu Tung, Peter e Chu Jung, Paul. Em 1950, a família embarcou de Hong Kong, empreendendo uma viagem de navio de 3 meses que terminaria no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, em pleno Carnaval de 1951. Mas a família instalou-se em São Paulo, no bairro de Pinheiros. Chu Ming não completara ainda seus 10 anos de idade. 
Chu Ming estudou Arquitetura na Universidade Mackenzie, em São Paulo, formando-se Arquiteta em 1964, ano em que seus pais se mudaram para Manaus, atraídos pelas facilidades para o comércio de importados na Zona Franca. Lá, fundaram a próspera Loja Oriente que viria a tornar-se mais tarde em um escritório de importação e exportação de artigos refinados da China. Chu Ming casou-se, em 1968, com o engenheiro paulista Clóvis Silveira. O primeiro filho, Djan, nasceu em abril de 1971. Alan nasceu em outubro de 1976. Teve por mestres profissionais que influenciaram seu trabalho Adolf Franz Heep, arquiteto formado pela Escola de Artes e Ofícios de Frankfurt, e os artistas plásticos Pedro Corona e Lazlo Zinner. Foi aluna também de Marcelo Fragelli, Fabio Penteado, Ubirajara Ribeiro e Ubirajara Giglioli. Os arquitetos Vasco de Mello, Ivone Macedo Arantes, Walter Caprera, Cláudio Moschella, Rumi Onoda, Tito Lívio Frascino foram alguns de seus colegas de turma mais importantes.   
            Em 1965, Chu Ming empreendeu seu escritório particular de Arquitetura, tendo desenvolvido projetos diversos na área de Edificações. Em 1966, passou a trabalhar na Companhia Telefônica Brasileira (CTB), em São Paulo, realizando, como arquiteta anteprojetos, supervisão e coordenação do desenvolvimento dos projetos de Centrais Telefônicas e Postos de Serviço, além de acompanhamento de obras, até 1968. Entre 1968 e 1972, chefiou o Departamento de Projetos da CTB. Em 1971, desenvolveu os projetos de “protetores telefônicos” Chu I e Chu II, popularmente conhecidos como Orelhinha e Orelhão, respectivamente. Em 1974, em continuidade a seu trabalho voltado ao mobiliário urbano, elaborou anteprojetos de bancas de jornal e banca de flores, para serem construídos em fibra de vidro, a exemplo dos orelhões que a notabilizaram. Os anteprojetos foram solicitados pela Prefeitura de São Paulo, que buscava um padrão funcional e estético adequado para esses equipamentos públicos.                
Em 1971 quando chefiava o Departamento de Projetos da Companhia Telefônica Brasileira, Chu Ming desenvolveu o projeto de design de um protetor para telefones públicos que reunisse funcionalidade e beleza. Que caísse no gosto dos brasileiros e se integrasse perfeitamente ao mobiliário urbano. E a partir da forma do ovo, simples e acusticamente a melhor, segundo a arquiteta, foram desenvolvidos os chamados Orelhinha e Orelhão. À época de seu lançamento foram denominados pela CTB, Chu I e Chu II, em homenagem à sua inventora. O modelo Chu I, em acrílico cor-de-laranja, foi idealizado para telefones públicos instalados em locais fechados, como estabelecimentos comerciais e repartições públicas, ao passo que o Chu II foi concebido para áreas externas, fabricado em fibra de vidro nas cores laranja e azul, resistente ao sol e à chuva, ao frio e às altas temperaturas brasileiras. As cidades do Rio de Janeiro e São Paulo receberam os primeiros telefones públicos com os novos protetores, nos dias 20 e 25 de janeiro, respectivamente. A população urbana logo criou diversos apelidos criativos para a novidade tecnológica, como tulipa, capacete de astronauta e o definitivo, que pelo pragmatismo fisiológico foi chamado orelhão.
Em março de 1972, a CTB já comemorava o acréscimo de 12% na média diária de chamadas em telefones públicos, a partir da instalação dos orelhões. Em 1973, foram exportados os primeiros orelhões, para Moçambique, na África. Orelhões ou modelos inspirados no projeto de Chu Ming podem ser encontrados, hoje, em outros países da África, como Angola, em países da América Latina como Peru, Colômbia, Paraguai, e  mesmo na China, país das raízes de sua idealizadora. Mas a tendência entre o acesso de bens público e privado fez com que o número de orelhões diminuísse, principalmente em função do crescimento da telefonia celular. No Estado de São Paulo, a Telefônica, responsável pela telefonia local desde 1998, decidiu desativar os orelhões duplos e triplos. No entanto, a empresa pretendia conservar aparelhos de forma a garantir que o usuário não tivesse que percorrer mais de 300 metros para ter acesso a um deles. Em 4 de abril de 2017, o Google Brasil homenageou a criadora do orelhão com um doodle. Telefones públicos são equipamentos expostos a intempéries e, principalmente, a vandalismo devido ao mau funcionamento e ações maliciosas para evitar a tarifação. Tornar equipamentos mais resistentes é sempre uma questão de custo-benefício cujo equilíbrio tende a equipamentos ainda muito sujeitos à interrupção de funcionamento. 
Historicamente representou um longo caminho até chegar ao modelo atual. Em 1934, para fazer uma ligação era necessário ter uma moeda de 400 réis. Porém, com a mudança da moeda brasileira em 1945, foi necessário mudar também o dispositivo interno dos telefones, que passaram a receber duas moedas de 20 centavos. Para evitar o retrabalho de alterar a configuração dos aparelhos toda vez que a moeda do país fosse modificada, em função da instabilidade econômica global, foi criada a ficha telefônica. Os usuários adquiriam as fichas em postos de venda e com elas realizavam suas ligações. Ainda assim o problema não foi solucionado, pois cada companhia possuía modelos de fichas exclusivos, de acordo com a localidade. Ou seja, quem adquiria as fichas em uma cidade, não conseguiria utilizá-las em outra. Foi então que em 1964 a CTB criou um modelo de ficha padrão, a ser utilizado em todo território atendido pela companhia. As fichas foram utilizadas até o ano de 1992, quando o Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da Telebrás (CPqD) criou o cartão telefônico que subtrai os créditos de acordo com o tempo de ligação. Esse cartão é utilizado até os dias atuais.
O telefone público há muito tempo já se consolidou como ferramenta social fundamental para a comunicação global. Em 1972, foi lançado no Rio de Janeiro e São Paulo simultaneamente, o que se tornou um ícone do design brasileiro, a cabine telefônica pública criada pela arquiteta e designer Chu Ming Silveira (1941-1997), que chefiava a Departamento de Engenharia da Companhia Telefônica Brasileira (CTB). A ideia partiu do formato do ovo, que segundo a designer era a melhor forma acústica. O orelhão foi concebido em fibra de vidro, ao mesmo tempo leve, porém muito resistente às intempéries. Os primeiros orelhões foram instalados pela CTB no Rio de Janeiro em 20 de janeiro de 1972, no dia de São Sebastião, padroeiro da cidade, e em seguida em São Paulo que recebeu as cabines também no dia de seu aniversário, em 25 de janeiro.
Com a privatização do setor de telefonia em 1997, as operadoras concessionárias de telefonia fixa passaram a ser reguladas pela Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL, que impôs exigências relativas à instalação de telefones públicos em áreas urbanas e rurais. Sendo a operação de telefone de uso público - TUP considerada uma atividade de baixa lucratividade e de importância estratégica declinante devido à forte concorrência da telefonia móvel (privada), é do interesse das operadoras rever o número e a localização dos seus aparelhos. Segundo a Telefônica, 25% dos orelhões do Estado passam “por algum tipo de vandalismo todos os meses”. A empresa gasta anualmente R$ 19,2 milhões para recuperar os aparelhos. Nem sempre a depredação é visível. Segundo a empresa, parte considerável dos aparelhos apresenta defeitos técnicos devido a pancadas, introdução de materiais estranhos, e outros atos de vandalismo capazes de provocar problemas nos equipamentos. Casos de pichação de grafiteiros são considerados atos de vandalismo pelo poder público. Apesar do número elevado de depredações, São Paulo não é o que tem mais registro de vandalismo contra telefones públicos. O longínquo estado do Pará lidera este ranking: 28% dos telefones públicos do estado foram danificados por ações de vandalismo em 2013.
  Como esse negócio já apresentou lucratividade muito mais atraente, o número de TUPs instalados geralmente excede as exigências da Anatel que, na área urbana, podem ser expressas por dois parâmetros técnicos, a saber: (a) a distância de cada possível usuário ao TUP mais próximo não deve exceder 300 metros; e (b) o sistema deve oferecer um mínimo de três TUPs por 1.000 habitantes. Portanto, mais do que decidir sobre onde localizar entre espaço e lugar os novos terminais telefônicos, o problema é, sobretudo, decidir que terminais devem ser mantidos e quais os que deverão ser removidos. O problema de localização de novos telefones parece ser bem mais complexo porque depende de informações detalhadas que, em última análise, irão determinar a lucratividade do terminal de TUP. Dentre essas informações estão o custo de estender o cabeamento, a exposição a intempéries e ao vandalismo, como reação ao funcionamento péssimo do sistema de telefonia pública, além, da conveniência para os potenciais usuários deste tipo de prestação de serviços.      
Os dados estatísticos da Anatel são ilustrativos deste movimento. Em quatro anos, as receitas geradas pelos orelhões em todo o país caíram quase 300%. Enquanto em 2006 os TUPS produziram R$ 2,3 bilhões de receitas para as concessionárias, em 2010 não somaram mais do que R$ 600 milhões. A quantidade de cartões indutivos adquiridos também cai significativamente ano a ano. Em 2006 foram comercializados 600 milhões de cartões. Em 2011, apenas 100 milhões. Hoje, as chamadas a cobrar dos orelhões geram mais créditos do que as ligações faturadas nos próprios TUPs. Em fevereiro de 2012 eram 200 créditos faturados por TUP por mês, enquanto as chamadas a cobrar somavam 400 créditos. O orelhão do ponto de vista da utilidade pública está sendo usado pelo usuário de baixa renda para pagar uma ligação. Designers em Nova York imaginam o orelhão do futuro, promovendo uma competição para estimular o desenvolvimento dos telefones públicos. Segundo Rachel Haot, do departamento digital da prefeitura, o motivo por trás da competição é o fato de que as pessoas estarem mudando a maneira com a qual se comunicam.
Bibliografia geral consultada. 
JANCO, Seres; FURJOT, Daniel, Informatique et Capitalisme. Paris: François Maspéro, 1972; MUSSO, Pierre, Telecomunicações e Filosofias das Redes, a Posteridade Paradoxal de Saint-Simon. Paris: Presses Universitaires de France, 1997; MOURTHÉ, Claudia Rocha, Mobiliário Urbano em Diferentes Cidades Brasileiras. Um Estudo Comparativo. Dissertação de Mestrado em Ciências. São Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1998; SCHAEFER, Daniel de Mello, Melhorando a Rentabilidade de uma Rede de Telefonia Pública usando Sistema de Informação Geográfica. Dissertação de Mestrado em Ciências. Departamento de Engenharia Industrial. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2006; TESSARINE, José Benedito, O Mobiliário Urbano e a Calçada. Dissertação de Mestrado em Ciências. São Paulo: Universidade São Judas Tadeu, 2008; LUSTOSA, Leonardo Junqueira; ARANEDA-FUENTES, Cristina de las Nieves; SCHAEFER, Daniel de Mello, “Redimensionamento de Redes de Telefones Públicos Urbanos”. In: Gest. Prod. Vol.16 n°1. São Carlos, jan./mar., 2009; ALCÂNTARA, Alex Sander, Sentidos da Metrópole - Série São Paulo de Perfil na Mediação do Espaço Público. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Escola de Comunicações e Artes. Universidade de São Paulo, 2009; CERTEAU. Michel de, A Invenção do Cotidiano: 1. Artes de fazer. 22ª edição. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 2014; FRANÇA, Lúcia Cleber Barbalho de, Relações Socioprofissionais de Trabalhadores Terceirizados: Um Estudo de Caso numa Universidade Pública Federal. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Gestão e Processos Institucionais. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2017; entre outros.

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