Ubiracy de Souza
Braga
“Quando os verdadeiros inimigos são
muito fortes, é preciso escolher inimigos mais fracos”. Umberto Eco
Umberto
Eco frequentou a escola salesiana, um instituto religioso católico romano
fundado no século XIX por Saint Don Bosco. Curiosamente o sobrenome Eco, vem do
acrônimo latino “ex caelis oblaus” que fora dado ao seu avô, que era um órfão
abandonado por um oficial da cidade e que tem como representação religiosa “um
presente dos céus”. Entre o final da década de 1950 e 1960, passou a se interessar
pela semiótica. Em 1961, escreveu o ensaio: “Fenomenologia di Mike Bongiorno” sobre
o fenômeno popular do anfitrião de um Quiz
Show chamado Mike Bongiorno e também
“Apocalitiici e Integrati” (1964), onde analise a comunicação de massa a partir
de uma perspectiva sociológica. Precisa uma nova orientação nos estudos sociais
de cultura de massa. Nesse período publicou o seu primeiro livro
como uma extensão do trabalho contido de sua tese de doutorado. Sua démarche filosófica obteve impulso com a influência positiva de
Luigi Pareyson, na Itália. Ele se concentrou nos estudos sobre estética do
período medieval, principalmente aos trabalhos de são Tomás de Aquino, e
defendia ardorosamente a dedicação deste membro da Igreja Católica referente às
questões do belo.
Logo
surge seu segundo livro: “Sviluppo dell´estetica medievale” (1959), em que se
posicionou como um pensador da filosofia medieval. Nesse mesmo ano passou a ser
um editor sênior na editora Bompiani
(Milão), onde permaneceu até 1975. Eco criou na Universidade de Bolonha um
programa incomum chamado “Antropologia do Ocidente” a partir da perspectiva dos
africanos e estudiosos chineses, onde foi desenvolvida uma rede transcultural
na África Ocidental, que resultou na primeira conferência em Guangzhou na China
(1991), intitulada: “Fronteiras do Conhecimento”. Sob o olhar semiótico de
Umberto Eco, descoberto no filósofo John Locke, aderiu assim à concepção
anglo-saxônica desta antiga disciplina, deixando de lado a visão semiológica
adotada por Ferdinand Saussure. Ele busca também sua visão renovada da
semiótica nos conceitos de Immanuel Kant e Charles Pierce, o que se pode
verificar nas obras “As Formas do conteúdo” (1971) e “Tratado Geral de
Semiótica” (1975).
Umberto Eco critica o uso esotérico da interpretação, fazendo ver que um texto não pode ser aprisionado em seu conjunto por uma única verdade, pois demonstra que a vontade de uma interpretação única é, afinal, a vontade de manutenção de um segredo, que diz respeito à manutenção de poder. Essa crítica não desfaz a impressão de que a interpretação não pode ser meramente uma impressão subjetiva do texto. Cabe a nós sermos “servos respeitosos” da semiótica. Se nós, leitores, podemos achar no texto um significado, cabe a nós ter claro que esse significado é uma referência nossa, que evidentemente nem sempre irá respeitar o texto original. Portanto, que existe a “intentio lectoris e a intentio operis”, isto é a intenção do leitor e a do texto. Enquanto a intenção do leitor pode ser reconhecida, a intenção do texto parece para sempre perdida, mas deve ser conjecturada pela interpretação desse leitor, pelo menos através de coerência: qualquer interpretação feita de parte de um texto poderá ser aceita se for confirmada por outra parte processual do mesmo texto, e deverá ser rejeitada se a contradisser.
Daí a sua importância em distinguir, no modelo comunicacional, e, portanto, no universo retórico, o termo ideologia que se presta a numerosas codificações. Deixando de lado a noção de ideologia como “falsa consciência”, Umberto Eco, reitera o papel da ideologia como tomada de posição filosófica, política, estética, etc. em face da realidade. Nosso intuito, afirma, é conferir ao termo ideologia, e a par dele ao de retórica, uma acepção muito mais ampla vinculada ao universo do saber do destinatário e do grupo a que pertence, os seus sistemas de expectativas psicológicas, os seus princípios morais, isto é, quando o que pensa e quer é socializado, passível de ser compartilhado pelos seus semelhantes. Para consegui-lo, porém, é mister que o sistema de saber se torne sistema de signos : a ideologia é reconhecível quando, socializada, se torna código. Nasce, assim, uma estreita relação entre o mundo dos códigos e o mundo do saber preexistente. Esse saber torna-se visível, controlável, comerciável, quando se faz código, convenção comunicativa. O aparato sígnico remete ao aparato ideológico e vice-versa e a Semiologia, como ciência da relação entre códigos e mensagens, transforma-se concomitantemente na atividade de identificação contínua das ideologias que se ocultam sob as retóricas. Enfim, do ponto de vista teórico e metodológico, a Semiologia mostra-nos no universo dos signos, sistematizado em códigos e léxicos, o universo das ideologias, que se refletem nos modos pré-constituídos da linguagem. Ipso facto, em
sua gênese, no início do século XIX, designava um estudo das ideias, como elas
se formam e que fenômenos incidem para isso, empreendido pelo pensador Destutt
de Tracy.
Neste
sentido, o perfil do fã do Super-Homem, o comportamento social e a influência
exercida pelo desenho no leitor são demonstrados quando subjuga a recepção da mensagem à condição de fantoche dominado
pela propaganda massiva ilustrada na imagem do super-herói que tem como parti pris sua função social. Mais do que isso: pela imagem de invencibilidade
personificada no papel em Clark Kent, que se assemelha ao homem pelo desejo hierarquizado
de ascensão, impotente para vencer suas frustrações, mas que tem embaixo das
humildes vestes, a representação simbólica do “brasão em forma de S e a capa vermelha do homem que voa,
dobra aço, consegue parar um trem com o corpo, corre na velocidade da luz”.
Poderes enfim, que se configuram nas aspirações de ascensão social do cidadão,
de vitórias, aplacadas, e saciadas junto às batalhas vencidas pelo ídolo,
episódio após episódio. Sem maiores dificuldades, ipso facto nem muita
paciência, nem planos em longo prazo, ou problemas que não se resolvam no mesmo
dia. Baseado no que lhe impelem as aspirações de status, de nível social, desejando ser algo formado e reproduzido pela
mídia, inconscientemente integrado a sua mentalidade subjetivamente, o sujeito
se esquece, e por esse lapso temporal perde a identidade.
Isso
se especifica bem usando o herói como modelo de heterodireção: sua figura se insere na mente de seus seguidores da
mesma maneira que as apelações publicitárias. A subjetividade, nesse caso, se
configura enquanto o “super” também é homem, ou seja, super-homem: é “super”,
mas é homem. Ele se identifica com os trabalhadores urbanos quando se humaniza,
porque é como eles, se parece com eles, com defeitos e impotências, refletindo
seus desejos, também, de poder e ufania. Seus poderes e seu cotidiano sugerem
um modo de vida, um tempo presente de vitórias predeterminadas, sem problemas, sem preocupações, sem planos,
sem projetos, sem futuro e sem passado. E a população deseja isso: deixar de
ser Clark pra ser Super-Homem. Deixar de ser medíocre para ser um ícone, um
destaque entre os demais. Deixar de ser esnobado para ser desejado, como Lois
Lane, que contraditoriamente esnoba Clark, mas ama o Super-Homem, como um
símbolo de poder, idealização, realização e fantasia contemporânea.
Os
“mundos possíveis” são um conceito de Umberto Eco, que vem de pesquisas sobre
lógica por Pavel e Van Dijk. Mas Eco define como mundo possível “um estado de
coisas que é expressa por um conjunto de propostas que é, para cada proposta,
ou ‘p ou não-p'”. Em outras palavras, um “mundo possível” representa o trabalho
de indivíduos que carregam com eles um conjunto de propriedades que não apenas
se resumem ao dia a dia ou traços de personalidade, mas também por ações. Os
mundos possíveis dependem de uma instância narrativa que cria uma unidade e uma
coesão entre os vários elementos do mundo possível. A literatura é terapêutica
para Eco por permitir escapar do mundo real e de suas ansiedades e
descontinuidade. Esta é também a função dos mitos segundo Lévi-Strauss, que os
define como uma maneira para ordenar as variadas experiências de vida. Eco
sugere a noção de texto como uma máquina “preguiçosa”.
E
para este conceito, ele faz o leitor compreender que a leitura é uma atividade intelectual criadora e o leitor é um agente
ativo do texto. Este jogador envolvido no texto é o que ele chama um “leitor
modelo”. Melhor dizendo, um agente social capaz de atualizar as propostas dos
textos, a fim de compreender todo o potencial implícito nos mesmos. É neste
sentido que em “Número Zero”, Eco idealiza um escritor de meia idade que vive
de trabalhos avulsos como “Ghost writer” é convidado para assistente de direção
em um projeto para a criação de um jornal, trabalho pelo qual será bem
recompensado. Para esse projeto são chamados seis redatores que já escreveram
para colunas diversas, e todos a princípio ficam satisfeitos com o convite
acreditando que o jornal é uma boa aposta, e poderá quem sabe, alavancar suas
carreiras. No entanto o diretor já havia aberto o jogo com o assistente: o
jornal servirá como uma espécie de fachada para servir às pretensões políticas
do editor, um empresário multimilionário que entre seus negócios é dono de
canais de TV e o jornal provavelmente não será lançado. A veia cômica do escritor
aparece nos diálogos dos repórteres do jornal fictício “Amanhã: ontem”. A trama
é ambientada na redação de notícias e nas ruas de Milão no ano de 1992 e
descreve de forma alegórica, a “operação mãos limpas” – a grande investigação
judicial ocorrida na Itália nos anos 1990, que acabou na prisão de políticos,
empresários e integrantes da máfia e resultou no fim da 1ª República Italiana.
Tirando
partido do saber acumulado de sua vasta experiência como semiólogo e estudioso
da comunicação, o escritor italiano inovou ao combinar as convenções da
literatura, por assim dizer, comercial com uma erudição assombrosa e um
tratamento inventivo e irônico de seus temas, de tal forma que temos sempre a
impressão de ler algo além do que lemos, de que existe outro enredo,
ideológico, por trás da trama aparente e linear as superfícies. Comparado a
seus romances anteriores, “Número zero”, o título se refere, na prática
jornalística, à “edição de teste”, para circulação interna, de uma publicação
que ainda está por ser impressa e lançada – pode parecer uma obra menor e pouco
ambiciosa. A impressão é enganosa: justamente porque, por trás do enredo
aparente, sobre a experiência fracassada dos preparativos para o lançamento de
um novo jornal, o “Amanhã”, Eco embute uma crítica cínica e cética não somente
à imprensa canalha e sensacionalista, mas também ao Estado ladrão e ineficiente
e ao processo de empobrecimento moral da sociedade, que assiste de forma
passiva à naturalização dos escândalos desde a corrupção. Sugestivamente,
“Número zero” é um romance sobre a morte do “Amanhã”. É um retrato
desesperançado da Itália contemporânea, como se ali tivesse falhado o projeto
de construção de uma nação.
Isso
no ajuda a compreender um ponto importante nesta literatura: a ideologia não é
o significado. Mas é uma forma de significado conotativo último e global. Pois,
“a ideologia é a conotação final da totalidade das conotações do signo ou do
contexto dos signos”. Do ponto de vista pragmático representa toda a verdadeira
subversão das expectativas que se efetiva na medida em que se traduz em
mensagens que também subvertem os sistemas de expectativas retóricas. E toda
subversão profunda das expectativas retóricas é também um redimensionamento das
expectativas ideológicas. Nesse princípio se baseia a arte de vanguarda, mesmo
nos seus monumentos definidos como “formalistas”, quando, usando o código de
maneira altamente informativa, não só o põe em crise, mas obriga a repensar,
através da crise do código, a crise das ideologias como as quais ele se
identificava. Frequentemente, portanto, a obra, como qualquer outra mensagem, contém seus próprios códigos: quem hoje
lê os poemas homéricos extrai dos significados denotados pelos versos uma
tamanha massa de noções sobre o modo de pensar, de vestir, de comer, de amar ou
de guerrear daqueles povos, que está apto a reconstruir seus sistemas de
expectativas ideológicas e retóricas.
A
leitura da obra desenvolve-se, pois, numa oscilação contínua, pela qual se vai
da obra à descoberta dos códigos de origem que ela sugere, dessa descoberta a
uma tentativa fiel da obra, para daí voltarmos aos nossos códigos e léxicos de
hoje e experimentá-los sobre a mensagem. Metodologicamente, procede-se,
destarte, a um confronto contínuo, a uma integração entre as várias “chaves de
leitura”, fruindo-se a obra através desta sua ambiguidade, oriunda não só do
uso informativo dos significantes em relação ao código de partida, mas do uso
informativo dos significantes reportados aos nossos códigos de chegada, o que
dá origem a novas mensagens-significado, as quais passam a enriquecer nossos
códigos e nossos sistemas ideológicos, reestruturando-os e dispondo os leitores
de amanhã a uma nova situação interpretativa em relação á obra, em várias
fases, mas que a teoria não pode prever quanto às formas concretas que ira
assumir: a mensagem cresce, mas não se sabe como poderá crescer. Portanto, é
errado pensar que todo ato comunicacional se baseia numa língua afim aos
códigos da linguagem verbal, e que, ipso
facto toda língua deva ter articulações
fixas.
Para
ficarmos num exemplo, no âmbito da comunicação visual, a comunicação fílmica é a que melhor permite verificar
porque um código comunicacional extralinguístico não tem necessariamente que
construir-se sobre o modelo da língua. O código fílmico não é o código
cinematográfico porque se refere à reprodutibilidade técnica da realidade por
meio de aparelhos cinematográficos, ao passo que a comunicação fílmica codifica
uma comunicação ao nível de determinadas regras narrativas. Não há dúvida que o
primeiro se apoia no segundo, assim como o código estilístico-retórico se apoia
no código linguístico, como léxico do outro. A denotação cinematográfica é
comum ao cinema e à televisão, o que levou Pasolini a aconselhar que essas
formas comunicacionais fossem designadas em bloco, não como cinematográficas,
mas como audiovisuais. Naturalmente é preciso nos limitar a algumas observações
sobre as possíveis articulações de um código cinematográfico, aquém das
pesquisas de estilística, de retórica fílmica, de uma codificação da grande
sintagmática do filme, como se o cinematógrafo não nos tivesse dado até agora
senão: “L`arrive du train à la gare”
e “L`arroseur arrose”, esses
pequenos filmes de autoria dos irmãos Lumière.
Enfim,
uma Semiologia do cinema não pode ser apenas a teoria de uma transcrição da
espontaneidade natural; apoia-se numa cinésica, estuda-lhe as possibilidades de
transcrição icônica e estabelece em que medida uma gestualidade estilizada,
própria do cinema, influi nos códigos cinésicos existentes, modificando-os. O
filme mudo, evidentemente, tivera que enfatizar os cinemorfos normais; os
filmes de Antonioni, ao contrário, parecem atenuar-lhes a intensidade. Em ambos
os casos, a cinésica artificial, fruto de exigências estilísticas, incide sobre
os hábitos do grupo que recebe a mensagem cinematográfica, e mofica-lhes os
códigos cinésicos. Esse é um argumento interessante para uma Semiologia do cinema,
assim como o estudo das transformações, das comutações, dos limiares de
recognoscibilidade dos cinemorfos. Mas, adverte Eco, já estamos no círculo
determinante dos códigos, e o filme não mais se manifesta aos nossos olhos como
a representação milagrosa da realidade, mas como uma linguagem que fala outra linguagem
preexistente, ambas interagindo com os seus sistemas de convenções. As unidades
gestuais cada vez mais são ulteriores à comunicação cinematográfica. A ilusão
da imagem cinematográfica como representação especular da realidade estaria
destruída caso não tivesse na experiência prática, um processo dialógico com um
indubitável fundamento, e se uma investigação semiológica mais aprofundada não
nos explicasse as razões comunicacionais deste fato.
Bibliografia
geral consultada.
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Tese de Doutorado. Faculdade de Ciências e Letras de Assis da Universidade
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Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal da Paraíba, 2014; ANDRES, Fernanda Sagrilo, Participe: A Interatividade do Fazer Televisual. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação. Departamento de Ciências da Comunicação. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria, 2017; entre
outros.
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