Ubiracy de Souza Braga
“Sempre certo na contramão”. Chico Science
O corpo, notoriamente, percorre a história da ciência e da filosofia. De Platão a Bergson, passando por Descartes, Espinosa, Merleau-Ponty, Freud e Marx, a definição de corpo demonstra um puzzle. Quase todos reconhecem a profusão da visão dualista de Descartes, que define o corpo como uma substância extensa em oposição à substância pensante. Podemos perceber que seguindo este modo de compreensão social, sobretudo com o advento da modernidade, o corpo foi facilmente associado a máquina. O corpo foi pensado como um mecanismo elaborado por determinados princípios que alimentam as engrenagens desta máquina promovendo o seu bom funcionamento. Isto quer dizer que através dos exercícios de abstinência e domínio que constituem a ascese necessária, o lugar atribuído ao conhecimento de si torna-se mais importante: a tarefa de se pôr à prova, de se examinar, de controlar-se numa série de exercícios bem definidos, coloca a questão da verdade – da verdade do que se é, do que se faz e do que é capaz de fazer – no cerne da constituição do sujeito moral. E, finalmente, o ponto de chegada dessa elaboração é ainda e sempre definido pela soberania do indivíduo sobre si mesmo. Entendida como consumo cultural, a prática do culto ao corpo situa-se como preocupação geral de mobilidade, que perpassa as estratificações de classes sociais e faixas etárias, apoiada num discurso clínico difuso que se refere tanto a questão estética, quanto a preocupação alimentar com a saúde.
Nas sociedades contemporâneas há uma crescente apropriação do corpo, com a dieta alimentar e o consumo excessivo de cosméticos, impulsionados pelo processo de massificação da propaganda/consumo a desde o desenvolvimento econômico dos anos 1980, onde o corpo ganha mais espaço, principalmente nos meios midiáticos. Nesse sentido, as fábricas de imagens estéticas do vencedor como o cinema, televisão, publicidade, revistas etc., têm contribuído para isso. Ipso facto, nos leva a pensar que a imagem da eterna fonte de juventude, associada ao corpo perfeito e ideal, ao sucesso na educação, no trabalho e na vida amorosa atravessa as etnias e classes sociais, compondo de maneiras diferentes diversos estilos de vida. Mas essa soberania amplia-se numa experiência onde a relação social entre pessoas assume a forma, não somente de uma dominação, mas de “um gozo sem desejo e sem perturbação”. É possível dizer que não há idade para se ocupar consigo. Mas uma espécie de idade de ouro na chamada “cultura de si”, sendo subentendido com isso, evidentemente, que esse fenômeno só concerne aos grupos sociais. Ou seja, aqueles que querem salvar-se devem viver cuidando-se sem cessar. Ademais, é reconhecida a amplitude ética tomada historicamente em Sêneca pelo tema da aplicação a si próprio. Para ele é para consagrar-se a esta ética que é preciso renunciar às outras ocupações: poder-se-ia desse modo tornar-se disponível para si próprio.
Sêneca
dispõe de um vocabulário para designar as diferentes formas que o “cuidado de
si” deve tomar e a pressa com a qual se procura unir-se a si mesmo. Apressa-te,
pois para o objetivo: - “dize adeus às esperanças vãs, acorre em tua própria
ajuda se te lembras de ti mesmo, enquanto ainda é possível”. Caio Musônio Rufo, célebre filósofo estoico
do primeiro século e professor de Epiteto, recomendava vivamente as formas
naturais que lhes permitem ficar face a face consigo mesmo, recolher o próprio
passado, colocar diante de si o conjunto da vida social transcorrida,
familiarizar-se, através da leitura, com os preceitos e os exemplos nos quais
se quer inspirar e encontrar, graças a uma vida examinada, os princípios
essenciais de uma conduta racional. É possível ainda, no meio ou no fim da
própria carreira, conciliada com a vida terrena, livrar-se de suas diversas
atividades e, aproveitando esse declínio da idade, onde admitimos que os desejos ficam apaziguados, para consagrar-se inteiramente, no trabalho filosófico ou, como referia Spurrima, na calma de uma existência
agradável e feliz, “à posse de si próprio”. Esse tempo não é vazio, mas povoado
por exercícios, tarefas práticas, atividades diversas em seu dia a dia.
Ocupar-se de si não é sinecura. Existem os cuidados com o corpo, os quais devemos tratar sem os excessos da chamada técnica de perfeição da corpolatria, os regimes de saúde, os exercícios físicos sem excesso, a satisfação, tão medida quanto possível, as necessidades físicas. Existem as meditações, as leituras, as anotações ou conversações, e que mais tarde serão certamente relidas. A rememoração das verdades religiosas ou científicas que já se sabe, mas de que convém reapropriar-se ainda melhor cotidianamente com a escrita e o treinamento da memória. Marco Aurélio exemplifica a anacorese expressa em si próprio, de reativação de princípios e de argumentos racionais que persuadem a não se deixar irritar na coletividade com os outros, outrossim, com os acidentes, nem tampouco com as coisas. Trata-se de um longo trabalho disciplinar de reativação dos princípios gerais e de argumentos racionais que persuadem a não se deixar irritar com os outros, com as picuinhas e nem com os acidentes, nem tampouco com as coisas. Tem-se um dos pontos mais importantes dessa atividade consagrada a si. Ela não constitui um exercício da solidão. O exercício da leitura, da reflexão e da escrita já se tratava de uma verdadeira prática social, isto é, unidade da teoria e da prática. E isso, em vários e múltiplos sentidos, vitalista, biopsíquica e assim por diante.
O século XX consumou um processo iniciado no século XIX, promovendo o ingresso da produção artística na chamada “era de sua reprodutibilidade técnica”, para concordarmos com Walter Benjamin de 1935. Provavelmente a teoria crítica da Escola de Frankfurt tenha se tornado conhecida no mundo inteiro por sua crítica à “cultura de massa”, na falta de melhor expressão, que por seus trabalhos em filosofia, sociologia, crítica literária, teoria do conhecimento etc. O conceito de “indústria cultural”, divulgado por Adorno e Horkheimer em Dialektik der Aufklärung já faz parte integrante do conceptual das ciências sociais e das áreas de conhecimento em comunicação social, onde tem encontrado ampla aplicação. Aliás, já no primeiro número da Zeitschrift für Kunst und Kultur (cf. Ed. Conzett & Huber, 1984) Adorno publica um importante artigo sobre música, intitulado Sobre a Situação Social da Música (1932), no qual reconhece que a música é um produto específico das relações sociais de produção capitalista, mas ressalta também o seu caráter contestatório, enquanto crítica inclusiva dessas relações sociais. Walter Benjamin, no ensaio L`Opera d`Arte nell`Epoca della Riproducilità Técnica (Turim: Einaudi, 1966), lança no sexto número da revista seu polêmico artigo sobre a obra de arte. É de 1937 o ensaio de Herbert Marcuse sobre o Caráter Afirmativo da Cultura, e de 1941, o de Max Horkheimer sobre a Arte e a Cultura de Massas e pela primeira vez é empregado o conceito indústria cultural.
Comparativamente o Rei do Pop, Michael Joseph Jackson foi um dos maiores nomes da indústria cultural no último quarto do século XX. Nascido em 29 de agosto de 1958, no estado de Indiana, Estados Unidos da América, Michael Jackson morreu em Los Angeles, Califórnia, aos 50 anos, em 2009. Aclamado como King of pop, rock and soul pela atriz Elizabeth Taylor (1932-2011), ele também foi chamado “Rei do entretenimento” pela extraordinária apresentadora Oprah Winfrey. Até mesmo a tradicional Enciclopédia Britânica concedeu espaço a Michael Jackson, no verbete “rock music”, tratando-o como estrela do rock, ao lado de estrelas musicais como Madonna e Prince. A arte de Michael Jackson em seu ersatz se modernizou, especificamente no que se refere às fusões de estilos musicais que ele realizou, criando sucessos como “Billie Jean”, “Thriller”, “Bad”, “Smooth criminal”, “Remember the time” e “Jam”, quando chega ao estilo “new jack swing”. Mas também produziu rock and roll do melhor tipo e também hard rock, como nas canções “Beat it”, “Dirty Diana”, “Black or White”, “Give in to me”, “D.S.”, “Morphine” e “Privacy”. Não foi só no cabaré pop dos norte-americanos, também do Reino Unido durante os anos 1960, que o R&B atingiu seu auge de popularidade. Sem sofrer o mesmo tipo de distinção que limitava sua aceitação nos Estados Unidos, os grupos musicais britânicos adotaram o estilo e os grupos “Rolling Stones” e “The Animals” levaram o rhythm`n`blues as plateias. O termo aparentemente caiu em desuso e popularidade nos anos 1960.
Substituído na linguagem artística pelas palavras “soul” e
“Motown”, mas ressurgiu nos últimos anos para designar a música negra
norte-americana abrangendo o “pop”, do qual Michael Jackson se torna primus
inter pares influenciado pelo “hip hop”, pelo “funk”, e pelo “soul music”.
Neste contexto social, só a abreviatura “R&B” é usada, e não mais a
expressão toda. Não por acaso durante a 2ª guerra mundial, a dificuldade de
manter agenda de shows lucrativos, os líderes de algumas “big bands’’ foram levados
reduzir o tamanho numérico dos grupos musicais no fim dos anos de 1930. Estas
grandes bandas reduzidas, especializaram-se em “hard-swing”, “boogie-woogie”,
mais simples e temperados com letras bem humoradas e performances
selvagens, e, foram chamadas de “jump blues”. Um detalhe importante é que esses
grupos também chamados de “combo blues” surgiram, de outra parte, devido aos
negros em suas dificuldades para manter o custo nas cidades. Foi nessa época da grande popularização dos negros urbanos de cidades industrializadas no pós-guerra
que o consumismo passa a aumentar, e, a guitarra elétrica ou guitarra acústica
amplificada, passa a ser mais presente no blues, principalmente o caso da cidade de
Chicago. Uma gravação de “rhythm & blues” ou “jump blues” pode ser
encontrada na canção: “Boogie Woogie Bugle Boy’’ de 1941, gravada pelas Andrews
Sisters. Outra gravação é de Sonny Boy Williamson I, de 1940, como a “New Early
In The Morning’’, um blues mais moderno em sonoridade, com a influência tradicional
do blues, mais o balanço do boogie woogie”.
O
pernambucano Chico Science, é o artista que criou o movimento Manguebeat,
um marco na música brasileira na década de 1990, completaria 50 anos de idade. Infelizmente
Science morreu precocemente em um acidente de carro, em Olinda (PE). Também em
2016 completaram-se 20 anos do álbum “Afrociberdelia”, que é referência e consagração
de Chico Science dentro e fora do Brasil. A banda Nação Zumbi, da qual Chico
fazia parte, realizou uma série de shows pelo país para cantar novamente as
faixas do álbum e homenagear os 50 anos do artista. O primeiro show da Nação
Zumbi ocorreu em Salvador. Este primeiro show estava inicialmente previsto para
as comemorações do aniversário do Recife. - “Faremos o show de Recife em maio
para termos mais tempo de fazê-lo caprichado, da maneira que tínhamos planejado
e com convidados super especiais” (cf. Nação Zumbi). As homenagens ao
cinquentenário de Chico Science começaram ainda no Carnaval próximo passado. Os
blocos “Siri na Lata” e “Galo da Madrugada” homenagearam o mangue boy. Maior
bloco de Pernambuco e considerado o maior bloco do mundo no Guinness Book, o
Galo dedicou o enredo de 2016 ao artista: “Galo, Frevo e Manguebeat: Homenagem
a Chico Science”. Também no carnaval, a
filha de Chico, Louise França, que se apresenta como Lula Lira, participou pela
primeira vez de uma apresentação da Nação Zumbi no Marco Zero do Recife.
Ela abriu o show cantando a música “Monólogo ao Pé do Ouvido”, do disco vinil Da Lama ao Caos, de 1994, e improvisou homenagens a Chico Science e ao movimento “Ocupe Estelita”. Afrociberdelia é o segundo álbum estúdio da banda manguebeat Chico Science & Nação Zumbi, lançado em 15 de maio de 1996. Foi situado em 18° lugar na lista de 100 melhores discos da música brasileira da revista Rolling Stone Brasil e em 2° na eleição dos melhores discos nacionais dos anos dev 1990, realizada pelo site Scream & Yell. O álbum foi produzido por Eduardo BiD e gravado no estúdio Nas Nuvens, no Rio de Janeiro. Com presença mais forte de elementos de música eletrônica e de hip hop que seu antecessor, Da Lama ao Caos, ele chegaria ao disco de ouro em abril de 1997. Em entrevistas membros da banda afirmaram preferirem a timbragem dos tambores em Afrociberdelia, que finalmente teria se aproximado do som ambientado que o grupo fazia em suas incursões nos palcos. O primeiro sucesso de Afrociberdelia foi a versão de Maracatu Atômico, composta por Jorge Mautner e Nelson Jacobina, em 1972, mas músicas como Manguetown que ganhou clipe dirigido por Gringo Cardia e Macô com participação nos vocais de Marcelo D2 e Gilberto Gil, acabaram se tornando clássicos do grupo. Em 1997, Sangue de Bairro foi incluída na trilha do filme Baile Perfumado, baseado no documentário do libanês Benjamin Abrahão que acompanha a vida cotidiana do cangaceiro Lampião e seu bando, irradiado internacionalmene, demonstrando na prática como conseguiu ser aceito pelo grupo, registrar etnograficamente depoimentos e filmá-los em ação, praticamente e poder obter sucesso com o videoclipe.
Movimento social tem como representa a ação
coletiva de setores da sociedade, ou, as chamadas organizações sociais para
defesa ou promoção, no âmbito das relações de classes, de certos objetivos ou
interesses, tanto de transformação quanto de preservação da ordem estabelecida
na sociedade. O objetivo do movimento social surgiu de uma metáfora idealizada
por Zero Quatro, ao trabalhar com a divulgação de vídeos ecológicos. Como o
ecossistema “mangue” tem como representação a chave concreta na biodiversidade
global, o Manguebeat precisava formar comparativamente “uma cena musical tão
rica e diversificada como os manguezais”. O objetivo do movimento social surgiu
de uma metáfora idealizada por Zero Quatro, ao trabalhar com a divulgação de
vídeos ecológicos. Como o ecossistema “mangue” tem como representação a chave
na biodiversidade global, o “Manguebeat” precisava formar comparativamente “uma
cena musical tão rica e diversificada como os manguezais”. Devido a principal
bandeira de o movimento inscrever a diversidade, a agitação na música
contaminou positivamente outras formas de expressão culturais como o cinema, a
moda e as artes plásticas. O “Manguebeat” influenciou inúmeras bandas de
Pernambuco e em geral do Brasil, sendo o principal leitmotiv para o Recife, um
centro musical, permanecendo com essa representação. Com o surgimento de várias
bandas no cenário recifense, gravadoras como Sony, Virgin etc., deram início a
contratação profissional no mercado de trabalho as seguintes bandas que
incluíram no cenário o “Mangue”. Ipso facto, bandas do gênero musical
Manguebeat incluem: “Mundo Livre S/A”, “Chico Science & Nação Zumbi”,
“Sheik Tosado”, “Mestre Ambrósio”, “DJ Dolores”, “Comadre Fulozinha”, “Jorge
Cabeleira”, “Dia em que Seremos Todos Inúteis”, “Eddie”, “Via Sat” e “Querosene
Jacaré”.
Enfim, movimento social é uma expressão sociológica que designa a ação coletiva de setores da sociedade ou das chamadas “organizações social” para defesa ou promoção, no âmbito das relações entre classes sociais, de certos objetivos ou interesses - tanto de mudança social como de preservação da ordem estabelecida na sociedade. Segundo Alain Touraine, “movimentos sociais são a ação conflitante de agentes das classes sociais, lutando pelo controle do sistema de ação histórica”. Para o autor, em cada sociedade existe um movimento social que encarna mais do que uma mobilização, mas um projeto de mudança social. Portanto, em primeiro lugar, nenhum movimento social se define somente pelo conflito social, mas pela sua aspiração para controlar o movimento na história. A definição do movimento social se dá mormente através dos princípios de identidade, correspondente à autodefinição do ator social e à sua consciência de pertencer a tal movimento que só pode se organizar se essa definição for consciente. Entretanto a formação do movimento precede essa consciência. É o conflito que constitui e organiza o ator. Em segundo lugar, como princípio de oposição, pois um movimento só se organiza se puder nomear seu adversário, mas a sua ação não pressupõe essa identificação. O conflito faz surgir o adversário, forma a consciência dos atores. Enfim, como princípio de totalidade quando os atores em conflito, seja circunscrito ou localizado, questionam a orientação geral do sistema. Um movimento social não é inteligível senão na luta tendo em vista o “controle da historicidade”, isto é, dos modelos de conduta a partir dos quais uma sociedade produz suas práticas. Portanto, o movimento Manguebeat tem como principais críticas musical e estéticas o abandono social do mangue e a desigualdade da cidade de Recife. Apesar de ter bases constituídas na década de 1970 com o guitarrista Robertinho de Recife com os álbuns “Jardim da Infância” (1977), “Robertinho no Passo” (1978) e “E Agora pra Vocês... Suingues Tropicais” (1979), o Manguebeat manteve como ícone o extraordinário músico Chico Science.
Tal
condição só pode ser preenchida à custa de uma subversão categórica mais
geral, segundo a qual o ser se diz do devir, a identidade se diz do
diferente, o uno se diz do múltiplo e assim por diante. Que a identidade não é
a primeira, que ela existe como princípio, que ela gira em torno do Diferente,
tal é a natureza de uma revolução copernicana que abre à diferença a
possibilidade de seu conceito próprio, em vez de mantê-la sob a dominação de um
conceito geral já posto como idêntico. Com o eterno retorno, Nietzsche não
queria dizer outra coisa. O eterno retorno não pode significar o retorno do
Idêntico, pois ele supõe, ao contrário, um mundo (vontade de potência) em que
as identidades prévias são abolidas e dissolvidas. Revir é o ser, mas somente o
ser do devir. O eterno retorno não faz o mesmo retornar, mas o revir
constitui o único Mesmo do que se torna. Revir é o devir-idêntico do próprio
devir. Revir é, pois, a única identidade, mas a identidade como potência
segunda, a identidade da diferença, o idêntico que se diz do diferente, que
gira em torno do diferente. Tal identidade, produzida pela diferença, é
determinada como repetição. Do mesmo modo a repetição do eterno retorno
consiste em pensar o mesmo a partir do diferente. Mas esse pensamento já não é
de modo algum uma representação teórica: ele opera praticamente uma seleção das
diferenças segundo sua capacidade de produzir, isto é, de retornar ou de
suportar a prova do eterno retorno.
A
roda do chamado “eterno retorno” é, ao mesmo tempo, produção da repetição a
partir da diferença e seleção da diferença a partir da repetição. Contudo,
lembra-nos Gilles Deleuze, a diferença não é o diverso. O diverso é dado. Mas a
diferença é aquilo pelo qual o dado é dado. É aquilo pelo qual o dado é dado
como diverso. A diferença não é o fenômeno, mas o número mais próximo do
fenômeno. Portanto, é verdade que Deus faz o mundo calculando, mas seus
cálculos nunca são exatos, e é mesmo essa inexatidão no resultado, essa irredutível
desigualdade, que forma a condição de mundo. O mundo “se faz” enquanto Deus
calcula; não haveria mundo se o cálculo fosse exato. O mundo é sempre
assimilável a um “resto”, e real no mundo só pode ser pensado em termos em
termos de números fracionários ou até mesmo incomensuráveis. Todo fenômeno
remete a uma desigualdade que o condiciona. Toda diversidade e toda mudança remetem a uma
diferença que é sua razão suficiente. Tudo o que se passa e que aparece é
correlativo de ordens de diferenças: diferença de nível, de temperatura, de
pressão, de tensão, de potencial, diferença de intensidade. O princípio
de Carnot diz isto de determinada maneira, o princípio de Curie, de outra
maneira Sempre a Eclusa. Todo fenômeno fulgura num sistema sinal-signo, chamamos
de sinal um sistema que é constituído ou ladeado por, pelo menos, duas séries heterogêneas,
duas ordens em disparidades capazes de entrar em comunicação; o fenômeno é um
signo, isto é, aquilo que fulgura nesse sistema graças à comunicação de disparidades.
A expressão “diferença de intensidade” é
uma tautologia.
A intensidade é a forma da diferença como razão do sensível. Toda intensidade é diferencial, diferença em si mesma. Cada intensidade já é um acoplamento (em cada elemento remete, por sua vez, a pares de elementos de outra ordem) e revela, assim, o conteúdo propriamente qualitativo da quantidade. Chamamos disparidade o estado da diferença infinitamente desdobrada, ressoando indefinidamente. A disparidade, isto é, a diferença ou a intensidade (diferença de intensidade) é a razão suficiente do fenômeno, a condição daquilo que aparece. A razão do sensível, a condição daquilo que aparece, não é o espaço e o tempo, mas o Desigual em si, disparação tal como é compreendida e determinada na diferença de intensidade, na intensidade como diferença. Todavia, encontramos grandes dificuldades quando tentamos considerar o princípio de Carnot ou o princípio de Curie como manifestações regionais de um princípio transcendental. Só conhecemos formas de energia já localizadas e repartidas no extenso, extensos já qualificados por formas de energia.
A energética definia
uma energia pela combinação de dois fatores, o intensivo e o extensivo
(por exemplo, força e comprimento para a energia linear, tensão superficial e
superfície para a energia de superfície, pressão de volume para a energia de volume, altura e peso para
a energia gravitacional, temperatura e entropia para a energia térmica...). É
claro que, na experiência, a intensio (intensidade) é inseparável de uma
extensio (extensidade) que a relaciona ao extensum (extenso).
Nessas condições, a própria intensidade aparece subordinada às qualidades que
preenchem o extenso (qualidade física de primeira ordem ou qualitas,
qualidade sensível de segunda ordem ou quale). Em suma, só conhecemos
intensidade já desenvolvida num extenso e recoberta por qualidades. Por isso,
tendemos a considerar a quantidade intensiva como um conceito empírico e ainda
mal fundado, misto impuro de uma qualidade sensível e do extenso, ou mesmo de
uma qualidade física e de uma quantidade extensiva.
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