Ubiracy de Souza
Braga
À Beira Mar narra a história social de
um casal que se hospeda em uma região pouco frequentada no litoral francês.
Juntos há 14 anos, os dois naturalmente vivem uma rotina separada um do outro.
Ela passa o dia no quarto do hotel, enquanto que ele fica no bar conversando com moradores na expectativa
de ter uma ideia para seu próximo livro. O dia a dia da dupla muda com a
chegada ao hotel de um casal de recém-casados. Além de Angelina Jolie e Brad Pitt,
o longa-metragem também traz Niels Arestrup como o dono do restaurante e
Mélanie Laurent e Melvil Poupaud como os recém-casados que ocupam o quarto
vizinho aos protagonistas: um casal jovem, feliz, amigável e “incansável na
cama”, que traz à tona todas as feridas do casal veterano. Juntos em cena desde
a “guerra de egos” no filme: “Mr. & Mrs. Smith” (2005), ambos são os
principais destaques, ambos se complementam na vida real integrando uma assinatura,
ambos são senhores de seus próprios destinos. Angelina Jolie dirige, assina e
protagoniza o drama ao lado de Brad Pitt. Ela parece representar o limite da
razão, prestes ao fim do princípio do prazer e da loucura possessiva nietzschiana.
Ao mesmo tempo, encarna a “soberania do eu” em contraste ao abandono social
marcante. Ele aparentemente mais contido, oferece momentos de imperturbável desespero
humano.
Coincide com a dinâmica da história
oral a ser utilizada nos anos 1950, após a invenção do gravador, nos Estados
Unidos da América, na Europa e no México, e desde então se difundiu bastante.
Ganhou também cada vez mais adeptos, ampliando-se o intercâmbio entre pesquisadores
sociais que em seu ersatz a praticam:
historiadores, antropólogos, cientistas políticos, sociólogos e teóricos da
literatura, psicólogos etc. No mundo ocidental é intensa a publicação de
livros, revistas especializadas e artigos sobre história oral. Há inúmeros
programas e pesquisas que utilizam os relatos pessoais sobre o passado para o estudo
dos mais variados temas. Caracterizam-se por serem produzidas a partir de um
estímulo, pois o pesquisador procura o entrevistado e lhe faz perguntas,
geralmente depois de consumado o fato empírico que investiga. Fazem parte, portanto, de um
conjunto de fontes documentais de tipo biográfico, ao lado de memórias e
autobiografias, situações e modos de vida de um grupo ou da sociedade em geral.
O que torna o estudo da história mais
concreto e próximo, facilitando a apreensão do passado pelas gerações presentes
e a compreensão das experiências vividas pelos atores sociais.
Vale lembrar que o “princípio de
individualização” descreve a maneira segundo qual uma coisa é identificada como
distinta de outros objetos e coisas. O conceito aparece em numerosos campos e é
encontrado em obras de pensadores diversos desde Carl Jung à Friedrich
Nietzsche, passando por Arthur Schopenhauer, David Bohm, Henri Bergson, Gilles
Deleuze e Manuel De Landa. É expressa na ideia geral do “objeto de pensamento”
poder ser referenciado sendo identificado como algo individual, logo “não sendo
outra coisa”. Isso inclui como uma pessoa una é realizada para ser diferente
dos outros elementos da vida social e como ela se distingue de outras pessoas.
Através desse processo, há identificação menos com as condutas morais e valores
encorajados pelo meio no qual se encontra e mais com as orientações emanadas do
“Si-mesmo”, representando assim a totalidade referida analiticamente como o
conjunto das instâncias psíquicas em torno da “persona”, “self”, etc. constitutivo
da personalidade individual.
Remete-nos ainda a refletir sobre a
“contracultura” enquanto movimento social periodizado na década de 1960 quando
teve lugar e espaço um estilo de mobilização e contestação social utilizando novos meios de comunicação em
massa. Jovens inovando estilos, voltando-se mais para o antissocial aos olhos das
famílias mais conservadoras. Com um espírito mais libertário, resumido como uma
cultura underground, de forma alternativa
ou chamada “cultura marginal”, tendo como escopo principalmente nas
transformações da consciência, dos valores sociais e dos comportamentos, na
busca de outros espaços sociais e políticos, além de novos canais de expressão
para o indivíduo e pequenas realidades do cotidiano. Embora o movimento hippie, almejasse a “tout court” a transformação
da sociedade, através da tomada de consciência, da mudança de atitude e
conhecimento do protesto político, seguramente não esteve só nestes aspectos
sociais.
Portanto, o que funciona positivamente
para a compreensão do filme é o seu ritmo, que é sensivelmente “amarrado ao
ideário romântico na relação entre o ser humano e o mar” (cf. Hemingway, 2005).
Para quem não está acostumado com as cenas carregadas pelo silêncio da
cotidianidade com poucos diálogos, procure o stress das cidades. Daí a
contradição “não-antagônica” quando chegamos ao terceiro ato aflitos porque
tudo parece bom, não acontece algo ruim e o fino drama no entorpece, sem sabermos
como diante da paixão, aonde estamos indo. Após alguns minutos as coisas fazem
mais sentido e cada cena parece sinalizar para a consciência. Temos que ter a “paciência
do conceito”, filosoficamente falando, e para tanto a sabedoria para se
envolver nos diálogos, nas cenas para não enaltecer o amor diante da solidão. O
personagem de Brad Pitt também não recebe muita atenção sobre o passado e como
acabamos construindo com ele uma relação positiva entre amargura e desejo.
Essa assinatura pode ser rememorada psicanaliticamente na démarche de Angelina Jolie, já no filme
“Garota Interrompida” (2000) tem como representação
o ano de 1967. Mas trata-se de garotas marcadas pela sociedade, excluídas,
consideradas insanas, doentes e descartadas logo no início da vida adulta.
Polly, Georgina, Daisy e Lisa. Estão todas ali. O longa-metragem relata a
história de uma jovem com “Transtorno de Personalidade Borderline”, que na
década de 1960 havia tentado suicídio por estar deprimida. Por este motivo, sua
família procura a ajuda de um psicanalista amigo da família e ambos decidem
pela sua internação em hospital psiquiátrico. O padrão sociológico está
presente no início da idade adulta e ocorre em uma variedade de situações e
contextos sociais. Devido ao fato de um transtorno de personalidade ser um
padrão mal adaptativo de experiências pessoais disseminado, contínuo,
inflexível e com comportamentos patológicos, há uma relutância em
diagnosticá-los antes da adolescência ou início da vida adulta. Entretanto,
alguns enfatizam que, sem tratamento, os sintomas podem piorar. Outros sintomas
incluem um intenso medo de abandono, crises de raiva e irritabilidade em
contraste à razão.
Mas também quando nos coloca
analiticamente diante do processo de separação de Angelina Jolie e Brad Pitt
que irá levar à venda um dos símbolos do casamento de casal: o Château Miraval, castelo ao sul da
França, onde eles se casaram a pouco em 2014. Angelina Jolie e Brad Pitt se
pronunciaram em conjunto pela primeira vez desde a separação. Na nota enviada à
imprensa o casal que não se encontra desde o divórcio, confirmado pelo sigilo e
desligamento indicado pela imprensa massificada há algumas semanas. – “Ambas as
partes e seus advogados assinaram um acordo que prioriza preservar a
privacidade das crianças e da família, mantendo todos os documentos
confidenciais e determinando que um juiz privado seja o responsável por
qualquer decisão legal para facilitar todas as decisões que precisem ser
tomadas. Os pais estão comprometidos em trabalhar de forma conjunta em prol da
recuperação e reunião da família”, diz o comunicado dos dois atores, separados
desde agosto do ano passado.
Mas
também nos aproxima do ponto de vista da “comunicação visual” do expressionismo contido no filme
norte-americano: “Summer of '42”, de 1971, do gênero drama, dirigido por Robert
Mulligan e estrelado por Jennifer O`Neill, tendo sua história baseado nas
memórias do roteirista Herman Raucher quando adolescente, que passara as férias
de verão na ilha de Nantucket e vivera uma paixão platônica por uma jovem cujo
marido estava fora, lutando na 2ª guerra mundial. A história descreve o afã de
jovens garotos em “perder a virgindade”, ocasião em que apresenta aspectos morais
de comédia. Ainda em 1971, com o sucesso do filme, Herman Raucher lançou um
livro homônimo. A reedição mais recente do romance é de 2015. O filme teve uma
sequência com os mesmos personagens, escrito por Raucher, intitulado: “Class of
'44”, de 1973.
Filosoficamente
a finitude é uma característica dos entes que se modificam ou têm limites. Cada
atributo vale lembrar é infinito no seu gênero. Não é limitado pela Substância
nem por outros atributos, pois não tem nada em comum com os mesmos. Cada
atributo tem infinitos modos. Os modos são finitos ou limitados, pois estão em
comunidade com outras coisas do mesmo gênero que eles mesmos. A limitação dos
modos é carência de infinitude, ou simplesmente finitude, uma característica
das coisas singulares que pertencem a certo atributo da Substância. E finitude
significa ser limitado por outras coisas singulares do mesmo atributo. Todos os
seres vivos são seres finitos isto quer dizer que todos morremos porque temos
um final. A filosofia de Spinoza tem muito em comum com o estoicismo, mas
difere muito dos estoicos na medida em que rejeitou fortemente a afirmação de
que a razão pode dominar a emoção. Pelo contrário, analiticamente defendeu que
uma emoção pode ser ultrapassada apenas por uma emoção maior. A distinção
crucial deriva, entre as emoções ativas e passivas, sendo as primeiras àquelas
que são compreendidas racionalmente e as outras: as que não o são.
“À
Beira-Mar”, seguindo nesta direção, revela e descreve um casal norte-americano
em crise emocional e artística em um resort
litorâneo francês. Angelina Jolie é Vanessa, uma mulher que resolveu assumir sua
relação exageradamente indisposta após ter abandonado a dança por causa da
idade. O marido, Brad Pitt, é um escritor imerso na atividade intelectual em crise
criativa profunda. A múltipla influência do plano profissional no âmbito pessoal,
a fissura na relação de Roland e Vanessa é muito mais aparente do que profunda.
Eles se distanciaram mais do que a intimidade e o respeito um pelo outro, durante
os 14 anos de vida amorosa. Num certo momento, o marido descreve os dois como o
casal perfeito de Nova York: - “eu era um escritor e ela, tinha um corpo
incrível”. A depreciação de Vanessa não é puramente acidental e ajuda a compor o
puzzle no âmbito do contexto social e
psicológico da personagem, necessário para compreender o conteúdo de sentido de
suas reações orgástico-libidinais. Estes episódios revividos na década de 1970
e distanciados paradoxalmente da contracultura
assumem uma ideia conservadora de corte religioso cristã, pois cresceu
acreditando no casamento como um dos objetivos finais na vida gozosa de uma
mulher.
Por
isso, quando questionada sobre sua profissão, define-se como “esposa” e
resigna-se no sentido de Max Weber, de crítica e resignação, a passar dias inteiros
ociosos dentro das quatro paredes do quarto do hotel. A viagem para o resort francês tem como prisma reaproximar
afetivamente o casal. Enquanto Roland tenta rememorar
com a esposa a felicidade perdida, Vanessa tenta de todas as maneiras “sabotar
as investidas do marido”. Contudo, a chegada de um casal em “lua de mel” vai
perturbar ainda mais as percepções de Roland e Vanessa de sua própria relação. O
olhar para a cumplicidade e desejo do casal, vivido por Mélanie Laurent e
Melvil Poupaud, parece contraditoriamente desestruturar ainda mais a ilusão solitária
de Vanessa. Particularmente Roland vê no inesperado exercício de voyeurismo, uma oportunidade de
restabelecer a aparente intimidade anteriormente conquistada com a esposa.
Etnograficamente
a primeira referência a uma prática de “lua de mel” está descrita no Deuteronômio 24:5: - “Se um homem tiver
se casado recentemente, não será enviado à guerra, nem assumirá nenhum
compromisso público. Durante um ano, estará livre para ficar em casa e fazer
feliz à mulher com quem casou”. Originalmente “lua de mel” simplesmente
descreveu o período logo após o casamento quando o enamoramento está na sua
fase mais encantadora. Presume-se que ela dure em torno de um mês. O primeiro
prazo para isto em inglês foi “honeymoon”, que foi registrado já em 1546. Na
cultura ocidental, o costume de recém-casados saírem de férias juntos
originou-se no início do século XIX na Grã-Bretanha, um conceito emprestado da
elite indiana. Casais endinheirados teriam um “tour de noiva”, por vezes
acompanhados por amigos ou familiares, para visitarem parentes que não puderam
comparecer ao casamento. A prática se espalhou ao continente europeu e passou a
ser conhecido como “voyage à la façon anglaise”, difundido na França a partir do
início da década de 1820.
Analogamente
no filme eles passam a observar pacientemente toda a intimidade do casal
francês, tornando erótica inclusive suas relações sexuais, com a percepção de
um buraco na parede do quarto do hotel em que estão hospedados. A atividade
produz efeitos conflitantes no casal, mas serve para tirar Vanessa da letargia
em que ela se encontrava. Há um percentual nada desprezível de coragem por
parte da direção cinematográfica de Angelina Jolie de caracterizar Vanessa e
Roland como figuras inseridas no livre arbítrio de contexto artístico. Isto
porque é razoável supor que comparações eróticas entre casais sejam no plano da
ficção erótica, como no plano amoroso do casal história da vida real
lubrifiquem e estimulem a imaginação angustiada pelo consumo efetivo do desejo.
Estreitar os vínculos psíquico-afetivos entre eles é digno de “observação participante”
neste sentido antropológico. Há outras possíveis referências que podem ser
objeto de interação social, ipso facto de caráter permanente para aqueles
homens e mulheres que também se reconhecerem enquanto voyeurs. Analiticamente o voyeurismo
tem como representação do olhar uma prática que consiste num indivíduo
conseguir “obter prazer sexual” através da observação de pessoas.
Assim,
cada um regula tudo de acordo com o seu próprio afeto e, além disso, aqueles
que são afligidos por afetos opostos não sabem o que querem, enquanto aqueles
que não têm nenhum afeto são, pelo menor impulso, arrastados de um lado para
outro. Sem dúvida, tudo isso demonstra claramente que tanto a decisão da mente,
quanto o apetite e a determinação do corpo são, por natureza, coisas
simultâneas, ou melhor, são uma só e mesma coisa, que chamamos decisão quando
considerada sob o atributo do pensamento. Existe uma distinção sociológica
entre a emoção e os resultados da emoção, principalmente os comportamentos
gerados e as expressões emocionais. Mas a emoção não representa apenas uma
experiência subjetiva, associada ao sexo e ao temperamento, personalidade e
motivação. As emoções sempre se constituem sob as condições culturais ou
associações combinadas com as emoções básicas, como a raiva e desgosto e podem
ser combinados conjunturalmente em um sentido mais amplo em termos de desprezo,
na vida social e política, o que leva à banalização da punição.
Bibliografia geral consultada:
DELEUZE, Gilles, Spinoza
et le problème de l’expression. Paris: Éditions Minuit, 1968; ALBERONI,
Francesco, Innamoramento e amore. 1ª
edizione. Milano: Editor Garzanti, 1979, pp.148 e ss.; XENAKIS, Françoise, Zut! on a encore oublie madame Freud.
Paris: Éditions Hachette, 1984; ALBUQUERQUE, José Augusto Guilhon, Metáforas da Desordem. Rio de Janeiro:
Editora Paz e Terra, 1985; COSTA, Jurandir Freire, A face e o verso. São Paulo: Editora Escrita, 1995; Idem, “A
Intencionalidade da Dor”. In: Folha de
S. Paulo, 09/11/1997; Idem, “O mito psicanalítico do desamparo”. In: Revista Agora. Rio de Janeiro, v. 3, n°1,
pp. 25-47, 2000; Idem, O vestígio e a
aura - corpo e consumismo na moral do espetáculo. 1ª edição. Rio de
Janeiro: Editora Garamond, 2004; CAWTHORNE, Nigel, A vida sexual dos ídolos de Hollywood. Rio de Janeiro: Ediouro,
2004; HEMINGWAY, Ernest, O velho e o mar.
50ª edição. Rio de Janeiro: Editor Bertand-Brasil, 2005; GAY, Peter, Modernismo: Fascínio da Heresia - De
Baudelaire a Beckett e mais um pouco. São Paulo: Editora Companhia das
Letras, 2009; entre outros.
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