sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Fernanda Montenegro - Vocação, Disciplina & Perseverança na Vida.

                                                                                                    Ubiracy de Souza Braga*

 Investir em cultura não é uma caridade: é uma parceria que ajuda a projetar o Brasil”. Fernanda Montenegro

A naturalidade com a qual a sociologia retoma assuntos de sua própria história social não é de se estranhar. Não só por causa do surgimento espontâneo e abrupto da redescoberta da perspectiva histórica, mas, também, porque não há justificativa para essa virada. Isso parece ainda mais estranho, na medida em que o tratamento de clássicos na sociologia é quase sempre ambivalente. A sociologia acentua com mais ênfase que as demais ciências a condição social dos enunciados científicos. Ser ultrapassado seria, não só um destino, mas finalidade de todo trabalho científico. Isso coincide, cientificamente, com a crença em um progresso da argumentação científica. O progresso é entendido como diferenciação da sociologia, mesmo quando o objeto de pesquisa sumiu há muito tempo. O que resta é uma multiplicidade de construções teóricas abstratas e metodológicas, sobre níveis separados de problemas, sem ser independentes, dispostos lado a lado, nos quais a história da sociologia é usada como background para colocar em primeiro plano, e menos aproveitado de maneira construtiva. Desde a década de 1920 nenhum projeto teórico, abstrato, que não se legitimou em discussão com Émile Durkheim, Vilfredo Pareto, Georg Simmel, Ferdinand Tönnies, Karl Marx ou Max Weber, logrou obter repercussão positiva no âmbito dos grupos em torno da disciplina.

 A problemática da governamentalidade fora retomada por Michel Foucault nos cursos do College de France (1970-1984): “gostaria de me insinuar sub-repticiamente no discurso que devo pronunciar hoje, e nos que deverei pronunciar aqui, talvez durante dez anos”. Veio a falecer em 25 de junho de 1984, “quando seu estado de saúde não mais lhe permitia prepará-los”. Salvo engano, nenhum sistema de pensamento obteve repercussão tão ampla e evidente, do ponto de vista da mudança de simbólica, a partir de temas como: a crítica da razão governamental, a analítica do poder, sobre as relações “espaço-tempo” e “poder-saber”, “estética da existência” e “experimento moral”, e mesmo entre o “império do olhar” e a “arte de ver”. É impossível esquecer a tese foucaultiana segundo a qual “a visibilidade é uma armadilha” que “canceriza” a vista através do poder disciplinar. O estudo dedicado ao “cuidado de si” teve como referência Alcibíades, retratado pelo pintor Pedro Américo em 1865. As questões dizem respeito ao “cuidado de si” com a política, com a pedagogia e com o conhecimento de si. Sócrates recomendava a Alcibíades que aproveitasse a sua juventude para ocupar-se de si mesmo, pois, “com 50 anos, seria tarde demais”.

Mas isso, numa relação que diz respeito talvez ao enamoramento, na acepção de Francesco Alberoni e que não pode “ocupar-se de si” sem a ajuda do outro. O exercício da morte, como evocado na Antiguidade por Sêneca, consiste em viver a duração da vida como se fosse tão curta quanto um dia e viver cada dia como se a vida inteira coubesse nele; todas as manhãs, deve-se estar na infância da vida, mas deve-se viver toda a duração do dia como se a noite fosse o momento da morte. Na hora de dormir, afirma na Carta 12, com um sorriso: “eu vivi”. Mas há uma advertência, importantíssima na existência humana: “é preciso tempo para isso”. E é um dos grandes problemas dessa cultura de si, fixar, no decorrer do dia ou da vida, a parte que convém consagrar-lhe. Recorre-se a muitas fórmulas diversas. Podem-se reservar, à noite ou de manhã, alguns momentos de recolhimento para o exame daquilo que se fez para a memorização de certos princípios úteis, para o exame do dia transcorrido; o exame matinal e vesperal dos pitagóricos se encontra, sem dúvida com conteúdos diferentes, nos estoicos; Sêneca, Epicteto, Marco Aurélio, fazem referência a esses momentos revigorados na plenitude da vida que se deve consagrar a voltar-se para si mesmo. 

                                    

Pode-se também interromper de tempos em tempos as próprias atividades ordinárias e fazer um desses retiros que Caio Musonius Rufo, dentre outros, recomendava vivamente: eles permitem ficar face a face consigo mesmo, recolher o próprio passado, colocar diante de si o conjunto da vida transcorrida, familiarizar-se, através da leitura, com os preceitos e os exemplos nos quais se quer inspirar e encontrar, graças a uma vida examinada, os princípios essenciais de uma conduta racional. É possível ainda, no meio ou no fim da própria carreira, livrar-se de suas diversas atividades e, aproveitando esse declínio da idade onde os desejos ficam aparentemente apaziguados, consagrar-se inteiramente, como Sêneca, no trabalho filosófico ou, como Spurrima, na calma de uma existência agradável, “à posse de si próprio” no espaço e tempo sociais habituais. Esse tempo não é vazio: ele é povoado por exercícios, por tarefas práticas, atividades diversas que são ocupadas pelas reflexões de nosso dia a dia. Ocupar-se de si não é uma sinecura. São cuidados com o corpo, regimes de saúde, os exercícios sem excesso, a satisfação, tão medida quanto possível, as necessidades.

Existem as meditações, as leituras, as anotações que se toma sobre livros ou conversações ouvidas, e que mais tarde serão relidas, a rememoração das verdades que já se sabe, mas de que convém apropriar-se ainda melhor. Marco Aurélio fornece, assim, um exemplo de “anacorese em si próprio”: trata-se de um longo trabalho de reativação dos princípios gerais e de argumentos racionais que persuadem a não se deixar irritar com os outros nem com os acidentes, nem tampouco com as coisas. Tem-se aí um dos pontos mais importantes dessa atividade consagrada a si mesmo. Ela não constitui simplesmente a interpretação de um mero exercício da solidão; mas sim uma verdadeira prática sociológica. E isso, em vários e amplos sentidos. Mas toda essa aplicação a si não possuía como único suporte social a existência das escolas, do ensino e dos profissionais da direção da alma; ela encontrava, facilmente, seu apoio em todo o feixe de relações habituais de parentesco, de amizade ou de obrigação.

Quando, no exercício do cuidado de si, faz-se apelo a outro, o qual se advinha que possui aptidão para dirigir e para aconselhar, faz-se uso de um direito; e é um dever que se realiza quando se proporciona ajuda a outro ou quando se recebe com gratidão as lições que ele pode dar na duração da vida. Acontece também do jogo entre os cuidados de si e a ajuda do outro inserir-se em relações sociais preexistentes às quais ele dá uma nova coloração e um sentido de calor expresso em intensidade maior. O cuidado de si – ou os cuidados que se tem com o cuidado que os outros devem ter consigo mesmos – aparece então como uma intensificação mais do que necessária das relações sociais. É sobretudo neste sentido que Sêneca dedica um consolo à sua mãe. Justamente no momento em que ele próprio está no exílio, para ajudá-la a suportar essa infelicidade atual e, talvez, mais tarde, infortúnios maiores sobre a solidão. O “cuidado de si” aparece, portanto, intrinsecamente ligado a uma espécie de “serviço da alma” que comporta a possibilidade de um jogo de trocas com o outro e de um sistema de obrigações recíprocas. Neste aspecto Michel Foucault abriu caminho para o eterno.

Portanto, é a partir dela que, se tomarmos como analogia a reflexão realizada por Michel Foucault para identificar as condições e possibilidades nas “formações discursivas” entre arqueologia e história das ideias, pode-se agora inverter o procedimento. Pode-se descer no sentido da corrente e, uma vez percorrido o domínio das formações discursivas e dos enunciados, uma vez esboçada sua teoria geral, correr para os domínios possíveis de sua aplicação. Recorrer sobre a utilidade dessa análise que ele batizou de “arqueologia” recoloca o problema da escansão do discurso segundo grandes unidades que não eram as das obras, dos autores, dos livros ou dos temas. Sua singularidade refere-se ao fato social de que em sua épistème “já existem muitos métodos capazes de descrever e analisar a linguagem, para que não seja presunção querer acrescentar-lhes outro”. Ele já havia mantido “sob suspeita”, expressão que Michel Foucault utiliza repetidas vezes hic et nunc, unidades de discurso como no que se refere ao livro ou a obra porque desconfiava que não fosse tão imediata e evidente quanto pareciam ser no âmbito da pesquisa hermenêutica e propriamente filosófica.

Portanto, será razoável opor-lhes unidades estabelecidas à custa de tal esforço, depois de tantas hesitações e segundo princípios tão obscuros que foram necessárias centenas de páginas para elucidá-los? E o que todos esses instrumentos acabam por delimitar, esses famosos “discursos” cuja identidade eles demarcam, coincide com as figuras chamadas “psiquiatria” ou “economia política” ou “história natural” de que ele tinha empiricamente partido, e que serviu de pretexto para remanejar esse estranho arsenal. Forçosamente, ele precisa agora medir a eficácia descritiva das noções que tentou definir. Precisa saber se a máquina funciona e o que ela pode produzir. O que pode, então, oferecer essa “arqueologia”, que outras descrições não seriam capazes de dar? Qual é a recompensa de tão árdua empresa, indagava o bravo filósofo. Em vista dos acontecimentos inusitados a divisão entre ironia e absurdismo. Poder-se-á dizer em sua complementariedade que a originalidade da filosofia analítica de Michel Foucault reside  na forma como desfaz a oposição entre história e analítica, entre argumentação descritiva e argumentação propositiva, porque justamente o seu desígnio é fazer uma genealogia. Ou seja, um estudo da proveniência que identifica o lugar em que se deu um conflito e uma ruptura que ainda exerce efeitos sociais específicos no nosso presente. 

É hora de problematizar os limites de desenvolvimento teórico na sociologia. Isso inclui procurar, finalmente, o comum entre as tentativas de definições da sociologia, além  de tudo o que as separa. Isto é, com isso, será possível, também, tratar a pergunta sobre por que os clássicos ainda não puderam ser ultrapassados. Colocar tais perguntas numa fase de um discurso de “crise da sociologia” não desfaz a nossa responsabilidade de levar em conta esse discurso como problema. Mas a crise da sociologia e o mal-estar da sociologia consigo mesma não são novidade. Isto é, o estabelecimento da sociologia como ciência repousa sobre a precondição da crise da sociologia. Haverá uma crise permanente da sociologia ou tratar-se-ia de uma crise do próprio objeto com impactos sociais na sociologia? Uma contradição aparente está no fundo de boa parte da crise da sociologia reside em sua tarefa difusa e equívoca, assumida pela sociologia ao longo do processo da sua cientificação e nela atribuída exigências sociais e políticas.

A sociologia como análise concreta do presente considera a sua tarefa primordial como sendo descobrir a “modernidade concreta”, de mostrar e tornar compreensíveis tendências do desenvolvimento social, assim como de proporcionar medidas para a solução de problemas sociais. A sociologia é uma teoria social com tendência para a análise e visão de problemas. Mas concentra-se como tal, frequentemente, em dados sociais e objetos particulares nacionais. Assim, a análise da modernidade, no âmbito da concepção de teoria da sociedade, reduz-se a uma análise de sociedades nacionais que não satisfaz a pretensão de uma teoria da dinâmica atual. A unidade entre teoria geral da sociedade e análise genial começa com a renúncia à premissa do progresso, nos clássicos modernos, em torno da virada do século. A concepção da sociologia nesses pensadores clássicos, com os seus entendimentos técnicos e a sua proliferação, repousa sobre uma interdisciplinaridade que é abandonada, em grande parte, pela sociologia. 

Melhor dizendo, a sua relação com teorias complexas interdisciplinares, como a teoria de sistemas, a teoria da evolução, as teorias da informação e da comunicação, é mais caracterizada pelo não-entendimento, pela adaptação ou pela rejeição precipitadas do que pela disposição aberta para aprender. Por causa disso, a sociologia mal contribui, de maneira inovadora, para o discurso interdisciplinar. Mas o isolamento perante as ciências históricas, a psicologia, a biologia ou a economia, só permite, atualmente, esperar uma nova concepção teórica interdisciplinar, que deveria ser aceita, de antemão, como uma pretensão geralmente científica de estilo comtiano. Onde se pratica, a re-historização da sociologia com a concentração sobre a época clássica ocorre, simultaneamente, o discurso sobre a crise da sociologia. Alguns estudam os clássicos por causa de soluções exemplares de problemas abstratos, desenvolvidas no contexto da própria “construção” teórica; outros usam o retorno aos clássicos para a reconstrução de um auto-entendimento histórico da sociologia, buscando reconstruir, frequentemente, nada além daquele “auto-entendimento histórico” que serve para a própria posição, justificando-a com o brilho de uma legitimação histórica. O interesse, amplamente na moda, hic et nunc, pela história da sociologia é uma consequência da crise da disciplina, mas esse interesse histórico não é nenhum interesse simples e único, é de fato real.

Fernanda Montenegro é uma atriz brasileira considerada tanto pelo público quanto pela crítica como uma das maiores damas dos palcos e da dramaturgia brasileira de todos os tempos. Foi a primeira latino-americana e única brasileira indicada ao Oscar de atriz. A primeira brasileira a ganhar o prêmio “Emmy” Internacional na categoria de melhor atriz. Na década de 1980 assistiu à sua consagração nacional, tendo vencido, em 1982, o prêmio Molière para Melhor Atriz com a peça “As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant”. Em 2007 foi lançado o filme Molière, com duração de 116 minutos, dirigido por Laurent Tirard, com roteiro de Laurent Tirard e Grégoire Vigneron. Do elenco participam Romain Duris no papel de Molière, Fabrice Luchini, Laura Morante, Edouard Baer e Ludivine Sagnier. Dentre os inúmeros prêmios nacionais e internacionais que recebeu em seus mais de sessenta anos de carreira, em 1999 foi condecorada com a maior comenda civil, a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito, pelo reconhecimento nas artes cênicas brasileiras e entregue pelo então sociólogo-presidente Fernando Henrique Cardoso. Em 2013 foi eleita a 15ª celebridade mais influente do Brasil pela revista Forbes. Durante a Cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos Rio 2016, diante do golpe de Estado, Fernanda leu o poema “A flor e a náusea”, de Drummond de Andrade, dublado em inglês pela atriz Judi Dench. Fernanda Montenegro marca suas personagens com a sinceridade ímpar e o vigor discplinar tornando-a uma personalidade, conferindo-lhe o título de primeira-dama do teatro.

A própria palavra célébrité, comparativamente, não é totalmente nova e ocorre em meados do século XVIII, mas somente então ela começa a assumir o sentido que conhecemos. No século anterior, seu emprego era raro e designava exclusivamente o caráter solene de uma cerimônia oficial. Antoine Furetière, que lhe dá esta definição: “pompa, magnificência, cerimônia que torna uma ação célebre, propõe o seguinte exemplo: “A entrada dos legados faz-se com uma grande celebridade”, e acrescenta: - “Essa palavra é obsoleta”. É com esse sentido de cerimônia solene que La Bruyère a emprega: - “Ele zomba da piedade daqueles que enviam suas oferendas aos templos em dias de grande celebridade”. A ironia da formulação assenta na etimologia da palavra, que implica a ideia de um lugar muito frequentado e dá a entender que essa piedade é mais ostentatória que sincera. Em latim clássico, celebritas “designa tanto a presença de inúmeras pessoas em um lugar quanto o caráter solene de uma festa à qual assiste uma multidão, portanto a ideia de afluência e de profusão”. O termo, por outro lado, designa apenas raramente reputação ampliada, única na fórmula celebritas famae.

Somente alguns autores muito isolados dentre eles Aulo Gélio e Boécio tentam, tardiamente, e em vão, conferir-lhe esse sentido em uso absoluto. Na Idade Média, historicamene, ela nunca possui esse sentido, salvo algumas raras exceções. Quando a palavra aparece em francês, ela designa, portanto, unicamente o caráter solene de uma festa. O adjetivo celeber designava em latim um lugar, um fato ou um indivíduo conhecido. Em francês, célébe assume esse sentido bem cedo, em concorrência com ilustre e fameux.  O emprego de célébrité para designar a grande notoriedade de um indivíduo aparece timidamente nos anos 1720.  Encontra-se em uma ocorrência nas Cartas Persas, em que a palavra designa uma reputação ampliada, e unicamente na fórmula celebritas fumae. O termo aparece na pena de Pierre de Marivaux e Prosper de Crébillon, mas é ainda recente em 1751, quando Charles Duclos colaborador da Encyclopédie o emprega. Duclos tornou-se membro da Academia das Inscrições em 1739 e da Académie Française em 1747, sendo nomeado secretário perpétuo. Em 1747, ambas as academias estavam em dívida com ele não apenas por muitas contribuições valiosas, também por vários regulamentos e melhorias úteis.

A partir da década 1750-1760, as ocorrências aumentaram regularmente e conhecem um pico, em frequência relativa, de 1770 a 1790. Em termos de frequência relativa, o período 1750-1850 marca claramente o apogeu da presença do termo celebridade nas publicações em francês. Nos anos 1750-1760, o temo permanece ainda muito próximo de “reputação”, parece designar uma notoriedade rápida, ampla, sobre a qual pesa uma suspeita.  Os adversários dos filósofos iluministas, por exemplo, utilizam a palavra para denunciar a reputação, julgada excessiva, de seus rivais. Em seu Lettres sur de Grands Philosophes, Charles Palissot ridiculariza o refrão de louvores que esses senhores fazem uns dos outros e a esses certificados de celebridade que se oferecem, um após o outro, em suas obras. No mesmo momento, François Antoine Chevrier denuncia as grandes damas que recebem livremente todos aqueles que se apresentam à sua porta: - “É em suas casas que os autores que desejam uma celebridade passageira devem ir ler suas produções efêmeras”.   A celebridade, conotada negativamente, remete a formas de autopromoção, a publicidade, orquestrada artificialmente, de grupos de intelectuais que estão na moda. A celebridade não é somente a representação técnica e social de um atributo, ela é sobretudo uma condição social, estética e política tendo em vista que ela modifica o modo de vida, quase o estatuto social, de representação de uma pessoa.

Tornar-se uma figura pública, ser o objeto da curiosidade por conta de seus talentos, é uma prova que pode ser enaltecedora, mas também dolorosa, e que transforma o “destino” de um indivíduo.  Na pesquisa abstrata de qualquer problema da história universal, um produto da civilização sempre estará sujeito à indagação sobre qual combinação de fatores sociais a que se pode atribuir o fato de na civilização ocidental, e somente nela, tenha surgido fenômenos culturais dotados de desenvolvimento universal em seu valor e significado. Os conhecimentos empíricos, as reflexões sobre os problemas do mundo social e da vida, a sabedoria filosófica e teológica mais profunda não se restringem à ciência. Conhecimento e observação de grande acuidade também existiram noutras civilizações. Igualmente ocorre com a força social mais significativa de nossa vida moderna global: o capitalismo. O “impulso para a aquisição”, a “ânsia do lucro”, o “quanto mais dinheiro melhor” não tem mais a ver em si com o capitalismo. A superação dessa noção ingênua pertence ao ensino do jardim da infância da história. Dentro da ordem capitalista, uma empresa que não aproveitasse das oportunidades que visam ao lucro estaria falida, e condenada ao desaparecimento.

Versada em línguas, aos 20 anos já dava aulas de Português a estrangeiros e  fazia traduções de textos literários, adaptando-as para o formato de radionovelas. Esta ocupação levou-a a penetrar no teatro, onde estrearia em 1950 com a peça “Alegres Canções nas Montanhas”, tendo adotado o seu nome artístico neste ano ao lado de seu marido, Fernando Torres. No teatro, Fernanda Montenegro ganhou o prêmio de atriz revelação da Associação Brasileira de Críticos Teatrais, em 1952, por seu trabalho nas peças “Está lá fora um inspetor”, de J.B. Priestley, e “Loucuras do Imperador”, de Paulo Magalhães. Ainda na década de 1950, fez parte da Companhia Maria Della Costa e do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC). Entre 1953 e 1955, a atriz participou de diversos teleteatros na TV Tupi de São Paulo, apresentados no Grande Teatro Tupi. De volta à Tupi carioca, atuou em mais de 160 peças apresentadas naquele programa de 1956 a 1965. Em 1959 formou sua própria companhia teatral, intitulada “Companhia dos Sete”, com Sérgio Britto, Ítalo Rossi, Gianni Ratto, Luciana Petruccelli, Alfredo Souto de Almeida e Fernando Torres. É considerada, com razão, a singularidade de gênero dama do teatro brasileiro, tendo recebido diversos prêmios ao longo da carreira artística.
Foi convidada para aceder ao Ministério da Cultura no governo dos presidentes José Sarney (1985-1990) e Itamar Franco (1992-1995), porém, apesar do grande apoio da classe artística e intelectual, recusou ambas as ofertas. Em 1985, ao recusar o convite de Sarney afirmou em carta ao então representante do governo que não estava preparada para abandonar a carreira artística, não por medo ao desafio que lhe era oferecido, mas por entender que seria muito melhor no palco do que no ministério. Também não aceitou o convite para ser embaixadora do “Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher” (Unifem). Recebeu em 1999 do então presidente da República Fernando Henrique Cardoso a Ordem Nacional do Mérito Grã-Cruz, “pelo reconhecimento ao destacado trabalho nas artes cênicas brasileiras”. Na época, uma exposição realizada no Museu de Arte Moderna (MAM), no Rio de Janeiro, comemorou os 50 anos de carreira da atriz. Em 2004, foi escolhida melhor atriz da 3ª edição do Festival de Tribeca. Ela foi premiada por sua atuação em “O Outro Lado da Rua”, único filme representando a América Latina para participar da competição de longas-metragens do gênero ficção.
Festival de Cinema de Tribeca (“Tribeca Film Festival”) é um festival de cinema fundado em 2002 por Jane Rosenthal, Robert De Niro e Craig Hatkoff em homenagem às vítimas dos ataques de 11 de setembro de 2001 ao World Trade Center e à perda de vidas no bairro de TriBeCa, em Manhattan (EUA). A missão do festival é permitir que a comunidade internacional de cinema e o público em geral, experimentem o poder do cinema, redefinindo a experiência do festival de cinema. O Tribeca Film Festival foi fundado para comemorar Nova Iorque como um centro de produção de filmes importantes e de contribuir para a recuperação em longo prazo de Manhattan. Com mais de 250 filmes e 1000 estreias em 2006 e 2007, o Tribeca se tornou um dos festivais de cinema mais importantes do mundo. O festival apresenta um “line-up” com grande variedade de filmes chamados “independentes”, incluindo documentários, os recursos narrativos e curtas-metragens, bem como um programa de filmes de família.
Entre os filmes em que Fernanda Montenegro atuou no cinema estão: “A Falecida” (1964) e “Eles Não Usam Black-Tie” (1980), ambos de Leon Hirszman. E, mais recentemente, “Olga”, de Jayme Monjardim, onde interpretou Leocádia Prestes, mãe do líder comunista Luís Carlos Prestes; “Redentor” (2004), dirigido por seu filho, Cláudio Torres; “Casa de Areia” (2005), filme dirigido pelo genro Andrucha Waddington, e “Love in the Time of Cholera”, de Mike Newell, lançado em 2007, onde fez a personagem Tránsito Ariza, mãe do personagem do ator espanhol Javier Bardem. Em 2010 viveu a protagonista Bete em “Passione”, de Sílvio de Abreu. Em 2012 protagonizou o último episódio da minissérie “As Brasileiras” como a artista decadente Mary Torres no episódio “Maria do Brasil”, e no especial de fim de ano “Doce de Mãe” em que interpretou Dona Picucha, personagem principal onde foi premiada com o Emmy Internacional de melhor atriz. A presidente Dilma Rousseff parabeniza Fernanda Montenegro dizendo, naquela oportunidade que Fernanda Montenegro: - “É um orgulho do Brasil”. Carlos Henrique Schroder diretor-geral da Rede Globo de televisão festejou o prêmio de Fernanda Montenegro dizendo: - “É o reconhecimento de uma estrela maior da nossa cultura. É a nossa dama maior do teatro, da TV e do cinema brasileiro. E justamente recebeu essa homenagem e reconhecimento internacional”.
Fernanda Montenegro é descendente de portugueses e italianos, filha de uma “dona de casa” e de um mecânico da concessionária de energia Light, nasceu com o nome de Arlette Pinheiro Esteves da Silva. O nome Fernanda foi escolhido por ela, por ter uma sonoridade que remetia aos personagens de Balzac ou Proust. Montenegro veio de um médico homeopata que era amigo da família. Por volta dos 15 anos, ainda no colégio, Fernanda começou a trabalhar como locutora e atriz de “rádio-teatro” no Ministério da Educação e Cultura, onde passou a fazer traduções e adaptações de peças literárias para o formato de radionovelas. Para completar o orçamento, dava aulas de português para estrangeiros na escola de idiomas em que aprendia inglês e francês. Em mais de cinquenta anos de carreira, a atriz Fernanda Montenegro atuou em quase 100 peças teatrais, 11 telenovelas, 200 teleteatros e minisséries e vários filmes. Atuou na polêmica peça “The Flash and Crash Days”, dirigida por Gerald Thomas, e interpretou personagens marcantes nas novelas como a Charlô em “Guerra dos Sexos”. Em 1997, participou do filme: “O que é isso, companheiro?”, baseado na obra de Fernando Gabeira, dirigido por Bruno Barreto. Como protagonista de “Central do Brasil”, de Walter Salles Jr., obteve o Urso de Prata de melhor atriz no 48º Festival de Cinema de Berlim e foi indicada ao Oscar de melhor atriz e ao Globo de Ouro de 1999.  
Pela simplicidade, detalhada e consciente, Fernanda Montenegro resiste ao papel de mito em que é lembrada como mulher e atriz nos momentos de homenagem, sempre obrigada a audiência a se lembrar dos colegas de sua classe. Ao tentar definir seu estilo, os redatores não resistem a ampliar o olhar para mirar a pessoa e a cidadã. Como Caetano Veloso para o prefácio de sua biografia: - “Há artistas que nos abalam com a potência do seu gênio; muitos, na tentativa desesperada de salvar o mundo, dele se afastam, às vezes virando as coisas à própria arte, à vida mesmo. Fernanda, artista de gênio, em nenhum dos três itens foge ao centro: no meio do mundo, no meio da arte, no meio da vida. É assim que a vejo, ela mesma pouco a pouco entendendo seu próprio destino. Esse destino que confere ao seu trabalho uma dimensão que transcende a evidente excelência: suas criações descobrem (inventam) o sentido do nosso modo de ser; nos fundam, nos filtram, nos projetam. E nos acenam com enormes tarefas. Em cena, ela estende um pano sobre a mesa, em silêncio, e tudo está dito sobre a mulher, a elegância, a condição humana e o teatro. De costas para a plateia, sua pele muito branca irradia uma intensa onda sensual, feita de fragilidade e firmeza, coragem e recato”.
Marcado pelas atuações brilhantes de Gianfrancesco Guarnieri & Fernanda Montenegro, o filme “Ele não usam black-tie” representa uma metáfora do cotidiano das frações das classes subalternas. Revelando demandas sociais tão contemporâneas quanto urgentes, o roteiro constrói, na figura de cada personagem, um ator social. A luta pelos direitos civis, num cenário marxista do mundo contemporâneo, é revelada a partir da luta de classes, tendo como pano de fundo os conflitos pessoais, o início dos movimentos sindicalistas e grevistas do ABC Paulista, nos anos 1980. Em São Paulo, o  Tião (Carlos Alberto Riccelli) acaba de saber que sua namorada (Bete Mendes) está grávida de seu primeiro filho. Tião vive sociologicamente, um “paradoxo de consequências não intencionais”: a) ainda mora com os pais e o irmão caçula, b) além de trabalhar arduamente na mesma fábrica que o pai ganha um salário ainda modesto. Mas a situação fica mais delicada, c) quando a empresa entra em constante clima de “indicativo de greve”. Otávio (Gianfrancesco Guarnieri), pai de Tião, é um dos líderes do movimento sindical. Pensando na família que está prestes a se formar, Tião assume posição conservadora, se colocando contra os ideais no berço do sindicalismo brasileiro. Sua atitude leva-o a furar a greve quando ela se dissemina fora da fábrica. Sua atitude cria conflito social com seu pai e sua noiva, ambos simpatizantes da causa trabalhista. “Eles não usam black-tie” celebra a democracia e a liberdade de expressar tudo o que se pensa e almeja, sem o receio da conservadora e atuante censura brasileira. 
Talvez nem fosse proposital, mas a versão restaurada do filme de Leon Hirzman tem um início onde os créditos são apresentados em uma tela negra, sem som, como se quisesse inconscientemente remeter ao luto, consequente dos anos de chumbo na década de 1980. A cabeça em turbilhão do metalúrgico Tião está na greve que se avizinha deles, quase ofuscando a chegada complexa do bebê que sua amada esperava. Enquanto os eventos dentro do sindicato estão cada vez mais tensos e repletos de animosidade, a vida familiar de Maria começa a melhorar, com seu pai aos poucos largando a bebida etc. Em comum o casal de protagonistas têm na família alguns problemas, por ambos serem considerados “ovelhas negras”, como páreas mesmo dentro de suas casas, já que Otávio pensa muito mais no social e na sua classe do que no bem-estar de sua família. Eles não usam black-tie situa-se numa favela e tem como tema a greve, e ao lado da greve tem como background um debate sobre as verdades eternas, reflexões universais sobre a condição humana, sobre os homens e seus conflitos sociais. É a história de um choque entre pai e filho com posições ideológicas e morais completamente opostas e divergentes, o que por sinal, dá a tônica dramática ao texto.     
Em 22 de junho de 2009 foi agraciada com a Ordem do Ipiranga, no grau de Cavaleiro, pelo Governo do Estado de São Paulo, na pessoa do então governador José Serra. Em 2013, deu vida a Dona Cândida Rosado (Candinha) no remake de Saramandaia escrito por Ricardo Linhares. Em 2014, viveu novamente Dona Picucha na série Doce de Mãe. No mesmo ano é anunciado que a atriz fará Babilônia, novela de Gilberto Braga, no papel da “homossexual” Teresa, que mantém um relacionamento com a personagem de Nathália Timberg, “Estela”. Em 2017, após a polêmica de seu papel na trama da novela Babilônia, inicia uma parceria com o autor Walcyr Carrasco aceitando o convite para atuar em sua novela do horário nobre O Outro Lado do Paraíso, onde tem seu retorno triunfal ao gênero, atuando como a mística “Mercedes”, uma senhora humilde e generosa, mas que carrega o dom da vidência consigo, tendo alta ligação com a luz através de vozes e enxerga nisso a sua missão de caridade de ajudar o mundo ao seu redor, sendo um dos destaques centrais no folhetim. Em 2019, após o sucesso, retoma a sua parceria com Walcyr Carrasco e atua na novela A Dona do Pedaço, que teve a colaboração de Márcio Haiduck, Nelson Nadotti e Vinícius Vianna, participando da primeira fase do folhetim, interpretando a matriarca de família de justiceiros, com o justiçamento privado no interior do Estado do Espírito Santo. 

Bibliografia geral consultada. 

  RAINHO, Luís Flávio, Os Peões do Grande ABC. Tese de Doutorado em Ciências Humanas. Rio de Janeiro: Editoras Vozes, 1980; FERRO, Marc, Cinema e História. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1982; BOAVENTURA, Maria Eugenia, A Vanguarda Antropofágica. São Paulo: Editora Ática, 1985; FOUCAULT, Michel, Arqueologia do Saber. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 1971; Idem, El Orden del Discurso. Barcelona: Ediciones Tusquets, 1973; Idem, Hermeneutica del Sujeto. Madrid: Ediciones de la Piqueta, 1987; RITO, Lucia, Fernanda Montenegro em O Exercício da Paixão. 1ª edição. Rio de Janeiro: Editora Rocco,1990; ASLAN, Odete, O Ator no Século XX. São Paulo: Editora Perspectiva, 1994; RAMOS, Alcides Freire, O Canibalismo dos Fracos. Tese de Doutorado em Ciências Humanas. Universidade de São Paulo: Departamento de História, 1996; BARBOSA, Neuza, Fernanda Montenegro - A Defesa do Mistério. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2005; ROJEK, Chris, Celebridade. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2008; PONTES, Heloisa, Intérpretes da Metrópole. História Social e Relações de Gênero no Teatro e no Campo Intelectual, 1940-1968. Tese de Livre-Docência. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Estadual de Campinas, 2008; ŽIŽEK, Slavoj, Lacrimae Rerum - Ensaios sobre Cinema Moderno. São Paulo: Editorial Boitempo, 2009; GUENZBURGER, Gustavo, Acendam as Luzes, o Mambembe Voltou! De Artur Azevedo ao Teatro dos Sete, Redenção e Idealismo na Invenção Póstuma da Belle Époque Teatral. Dissertação de Mestrado em Teoria e Literatura Comparada. Instituto de Letras. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2011; Idem, Rio, Cenas Decisivas: Teatro entre Televisão, Patrocínio e Política. Tese de Doutorado em Literatura Comparada. Instituto de Letras. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2015; GUENZBURGER, Gustavo, Rio, Cenas Decisivas: Teatro entre Televisão, Patrocínio e Política.  Tese de Doutorado em Literatura Comparada. Programa de Pós-Graduação em Letras. Instituto de Letras. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2015; PEREIRA, Áurea da Silva, “O desabrochar das mulheres velhas na literatura, no cinema, na televisão e na vida”. In: Revista da Pós-Graduação em Letras. Vol. 16, nº 1 (2016); entre outros.

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