quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Thomas Piketty - Substituição (Ersatz Eye) da Moeda no Século XXI.

                                                                                                    Ubiracy de Souza Braga 
 Ao amigo Lucyen Nogueira Araújo Franco

                        
            Em primeiro lugar, Juno Moneta, um epíteto da deusa romana Juno, era a protetora dos recursos financeiros. Por conta disto, todas as moedas da Roma Antiga foram cunhadas em seu templo, o Templo de Juno Moneta, que ficava no cume do Monte Capitolino, em Roma, por quatro séculos, até finalmente o local ser alterado para  outro, próximo do Coliseu, durante o reinado de Domiciano. Assim, “moneta” passou a significar “casa da moeda” em latim, um termo utilizado em obras de escritores antigos como Ovídio, Marcial, Juvenal e Cícero. Este sugere que o nome deriva do verbo “monere”, pois, durante um terremoto, uma voz vinda deste templo teria exigido o sacrifício expiatório de uma porca grávida, uma referência à antiga lenda romana de que os gansos sagrados de Juno teriam alertado o comandante Marco Mânlio Capitolino sobre o avanço dos gauleses em 390 a. C. Moneta é também o nome utilizado para Mnemósine, mãe das musas, por Lívio Andrônico em sua tradução da Odisseia, e também por Higino, que cita Júpiter e Moneta como pais das musas. O nome “Mnemósine” (“memória”) estava ligado a Juno Moneta, que mantinha em seu templo um minucioso registro dos eventos históricos. Devido à vizinhança do templo com a casa onde se cunhavam os denários, as moedas tomaram esse nome (“dinheiro”).
            Os primeiros registros históricos do uso de moedas metálicas datam do século VII a. C. Criadas na Lídia - atual Turquia - foi a época na qual surgiu a representação do primeiro cunho em martelo, cujos símbolos eram altamente valorizados pela nobreza. Tais metais preciosos ganharam uma maior aceitação na sociedade. Por terem uma oferta mais limitada, garantiam um preço mais estável e alto, características que lhes favoreciam significativamente. Dentre os materiais mais utilizados neste início, estavam o cobre, bronze e ferro. Por serem abundantes, contudo, não conseguiram cumprir o objetivo de garantir a estabilidade nas trocas comerciais, fato que levou suas substituições por outros, como a prata e o ouro. Ambos, mais raros e de maior aceitação mundial histórica.
           As primeiras versões que se têm registro do papel-moeda datam do século IX, na China, como forma de aprimoramento do controle e estabilidade monetários devido ao desenvolvimento do comércio. Foi apenas anos depois, contudo, que seu uso se expandiu, graças à sua facilidade em ser transportada e manuseada. No continente europeu, como exemplo, a Suécia foi o primeiro país a adotá-lo no século XVII. Uma de suas principais vantagens imediatamente identificada em relação aos meios anteriores, era a possibilidade de aumentar seu valor arbitrário, uma vez que não era produzido com base no metal. Afinal, o ouro e a prata, por sua maior complexidade de circulação, tinham seus valores definidos com base na quantidade. Ou seja, no volume disponível para cunhagem. A popularidade do papel moeda foi tanta que sua evolução não se estagnou.
          Lembrava Marx que num debate parlamentar sobre os Bank-acts de Sir Robert Peel de 1844 e 1845, Gladstone observava que “nem mesmo o amor levou tantas pessoas à loucura como o cismar sobre a essência do dinheiro”. Ele falava de britânicos para britânicos. Os holandeses, ao contrário, que apesar da dúvida de Petty possuíam desde tempos imemoriais uma “malícia angelical” para a especulação com o dinheiro, nunca perderam sua malícia na especulação sobre o dinheiro. A principal dificuldade da análise sobe o dinheiro é vencida quando se compreende que o dinheiro tem a sua origem na própria mercadoria. Desse pressuposto, apenas resta conceber nitidamente as idades que lhe são próprias; o que é dificultado em certa medida pelo fato de que todas as relações burguesas aparecem transformadas em ouro ou prata, aparecendo como relações monetárias. E a forma dinheiro parece possuir, por conseguinte, um conteúdo infinitamente variado que lhe é estranho, mas o primeiro ato necessário desse processo consiste em que as mercadorias excluam uma mercadoria específica, digamos o ouro, como encarnação imediata do tempo de trabalho geral, ou seja, como equivalente geral.
         Porque todas as mercadorias medem seus valores de troca pelo ouro, na proporção em que determinada quantidade de ouro e determinada quantidade de mercadoria contêm a mesma quantidade de tempo de trabalho, o ouro se torna medida de valor, e só se torna equivalente geral (ou dinheiro), unicamente através dessa determinação como medida de valores, medida que como tal mede seu próprio valor de imediato por todo o conjunto de equivalentes-mercadorias. Por outro lado, o valor de troca de todas as mercadorias expressa-se em ouro. Deve-se distinguir nessa expressão: um momento qualitativo e outro quantitativo. Primeiro, o valor de troca da mercadoria existe como encarnação do mesmo tempo de trabalho uniforme; segundo, sua grandeza de valor se apresenta na mesma proporção em que as mercadorias são igualadas ao ouro também igualadas entre si. De um lado, aparece o caráter geral do tempo de trabalho contido nelas; de outro, sua quantidade expressa em seu equivalente ouro. O valor de troca das mercadorias assim expresso como equivalência geral e ao mesmo tempo como grau dessa equivalência em relação a uma mercadoria produzida específica, ou expresso ainda numa só equação ligando as mercadorias a uma mercadoria específica é o preço.

            Portanto, o preço é a forma transformada sob a qual aparece o valor de troca das mercadorias no interior do processo de circulação. Ipso facto, através do mesmo processo pelo qual as mercadorias apresentam seus valores em preços-ouro, apresentam também o outro como medida dos valores e, daí, como dinheiro. O ouro só se torna medida dos valores porque é por ele que todas as mercadorias avaliam seu valor de troca. Não é senão pura aparência do processo de circulação a impressão de que o dinheiro faz as mercadorias comensuráveis, pois a medida entre ouro e mercadoria é o tempo de trabalho, e o ouro só se torna medida dos valores pelo fato de que as mercadorias se meçam com ele. Ao contrário, não é senão a comensurabilidade das mercadorias como tempo de trabalho objetivado que permite ao ouro transformar-se em dinheiro. Ao entrar para o processo de troca, as mercadorias assumem a figura real de seus valores de uso. Somente através da sua alienação é que se tornam efetivamente equivalente geral. A determinação de seu preço é sua transformação puramente ideal em equivalente geral, é uma equação com o ouro que ainda está por se realizar.
          Mas como as mercadorias estão transformadas em ouro apenas idealmente, ou apenas em ouro representado, seu ser dinheiro não está ainda efetivamente separado de seu ser real, o ouro; por enquanto, está transformado apenas em dinheiro ideal, em medida dos valores, e, de fato, determinadas quantias  de ouro funcionam por enquanto apenas como nomes para determinadas quantias de tempo de trabalho. A determinidade formal em que o ouro se cristaliza como dinheiro depende em cada caso do modo determinado em que as mercadorias apresentam, umas as outras, seu próprio valor de troca. Nessa diferença entre valor de troca e preço, observa-se o seguinte: o trabalho individual particular contido na mercadoria precisa primeiro ser apresentado, pelo processo de alienação, em seu contrário, em seu trabalho sem individualidade, abstratamente geral e, somente dessa forma, em trabalho social, ou seja, em dinheiro. O mal dinheiro põe-se de emboscada na invisível capa da medida de valor. O ouro é representa a medida de valor como tempo de trabalho objetivado. Padrão de preços ele o é como determinado peso de metal. Torna-se medida de valor ao relacionar-se como valor de troca com as mercadorias (trabalho) enquanto valores de troca; uma determinada quantia de ouro, como padrão de preços, serve a outras quantias de ouro como unidade.
           O ouro é a medida de representação do valor porque seu valor é variável, e é padrão de preços porque é fixado como unidade de peso invariável. Aqui, como em todas as determinações de grandezas nominalmente iguais, solidez e determinidade das relações de medidas são decisivas. A necessidade de se fixar uma quantia de ouro como unidade de medida e partes alíquotas como subdivisões dessa unidade produziu a representação de que uma determinada quantia de ouro, que naturalmente tem um valor variável, se colocasse numa relação de valor fixa com os valores de troca das mercadorias, no que se perdeu de vista que os valores de troca das mercadorias estão transformados em preços, em quantias de ouro antes mesmo que o ouro se desenvolva como padrão dos preços. Assim como o valor do ouro varia, diferentes quantias de ouro apresentam entre si permanente a mesma proporção de valor. O preço de uma mercadoria ou a quantia de ouro, na qual se transforma idealmente, se expressa agora, portanto, nos nomes monetários do padrão-ouro. A forma própria com que essas mercadorias dão os seus valores de troca está transformada em nomes monetários, pelo quais expressam mutuamente o que elas valem. O dinheiro, por sua vez, torna-se moeda de cálculo.
        O dinheiro, compreendido como moeda de cálculo, pode existir apenas idealmente (teoria), enquanto o dinheiro que circula efetivamente (prática) é cunhado em um outro padrão totalmente diferente. Em muitas colônias inglesas da América do Norte, a moeda circulante, até boa parte do século XVIII, consistia em moedas portuguesas e espanholas, enquanto, por toda parte, a moeda de cálculo era a mesma da Inglaterra. Não apenas os comerciantes, como os produtores e banqueiros se beneficiaram muito destas emissões monetárias. Os primeiros, passaram a ter acesso a uma nova fonte de financiamento. Os comerciantes, obtiveram créditos suficientes para a expansão de seus negócios. Os banqueiros, por sua vez, se beneficiaram das receitas correspondentes aos juros. Como o valor das notas em circulação passou a ser maior do que as garantias de conversibilidade, as casas bancárias se viram na urgência de criar um maior controle sobre a circulação da moeda, a fim de evitar sua quebra. Diante de preocupantes riscos do sistema monetário, foi então que os poderes públicos passaram a regularizar o poder de emissão das notas bancárias, já então entendidas como moeda fiduciária. Cada país, então, seria confiado à sua própria moeda nacional como meio de pagamento dos mais diversos serviços e produtos, fato que fez surgir os até hoje reconhecidos Bancos Centrais.
Historicamente o lastro monetário simbolizava a integração do continente que, no século XX, enfrentou duas guerras mundiais e uma divisão ideológica que quase provocou uma terceira. Hoje, porém, o “euro” é sinônimo de incertezas, numa crise que ameaça a futuro da segunda maior economia do planeta. A Eurozona é composta por 17 dos 27 Estados-membros da União Europeia: Alemanha, Áustria, Bélgica, Chipre, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Malta, Países Baixos e Portugal. Na ocasião em que o euro foi instituído, Dinamarca, Suécia e Reino Unido optaram por não aderir ao projeto e mantiveram suas moedas locais. O euro é usado diariamente por aproximadamente 332 milhões de europeus. A moeda também é a 2ª maior reserva monetária internacional tanto quanto comercial, atrás somente do dólar norte-americano. Economicamente a categoria salário representa um dos principais meios da expropriação e desvalorização do trabalho e de subsunção real das relações de produção capitalista.


É sobre sua base que se levanta um mundo encantado de aparências e ilusões. A publicação do ensaio de Marx, “Salário, Preço e Lucro”, refere-se à palestra que proferiu em duas sessões no mês de junho de 1865, perante o Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), também reconhecida como “Primeira Internacional”, de fato a primeira organização operária a superar fronteiras nacionais, reunindo membros de países da Europa e dos Estados Unidos. Nessa ocasião, o pensamento filosófico de Marx sobre economia política já estava absolutamente amadurecido. Há 20 anos ele se dedicava ao assunto tendo escrito várias obras em que, à base da crítica da economia política, foi decantando seus pontos de vista sobre as formas econômicas fundamentais do capitalismo, cujo corpo definitivo convergiu para “O Capital”, da qual o primeiro livro viria a lume logo depois, em 1867. A palestra de Marx surgiu como fio condutor da I Internacional, fundada menos de um ano e da qual se diferenciavam pelo menos quatro correntes.   
Uma delas, a maior numericamente, era representada pelos operários ingleses ligados às “Trade Unions” que subestimavam a importância da ação política da classe operária e entre os quais havia mesmo quem defendesse a opinião de que a elevação dos salários teria como consequência o aumento do custo de vida e, portanto, não melhoraria a situação dos trabalhadores. Marx pretendeu refutar esses pontos de vista e elevar o nível de consciência teórica dos dirigentes ingleses. Para tanto, estabeleceu-se quatro objetivos para sua palestra: 1 – desvelar a opinião economicista de que “os preços das mercadorias são determinados ou regulados pelos salários”; 2 - demonstrar que a variação geral dos salários “para cima” ou “para baixo” leva à variação da taxa geral de lucro em sentido inverso e, tendem a reduzir necessariamente os salários dos trabalhadores; 3 - demonstrar que as tentativas periódicas dos trabalhadores para conseguirem um aumento de salários são ditadas pelo próprio fato de o trabalho se achar como equivalente às mercadorias, 4 - que havia possibilidades de conquistas sociais na luta pela elevação dos salários, limitadas pela “ação do capital”, de os trabalhadores se organizarem, politicamente, contra o sistema de exploração, a fim de aboli-lo.
            Marx chamava a atenção para o fato da quantidade de trabalho necessário para produzir uma mercadoria variar constantemente ao variarem as forças produtivas do trabalho aplicado. Proporcionalmente quanto maiores são as forças produtivas do trabalho, mais produtos se elaboram num tempo de trabalho dado, e quanto menores são, menos se produzem na mesma unidade de tempo. Daí que quanto maior é a força produtiva do trabalho, menos trabalho se inverte numa dada quantidade de produtos e, portanto, menor é o valor destes produtos. Marx analiticamente restabeleceu o equivalente do valor-trabalho: “estão na razão direta do tempo de trabalho invertido em sua produção e na razão inversa das forças produtivas do trabalho empregado”. O preço de uma mercadoria representa a expressão em dinheiro do valor dessa mercadoria. O valor-trabalho e o bem produzido por seu trabalho estabelece uma razão segundo a qual à mercadoria que requer mais trabalho para ser produzida, deveria corresponder uma maior remuneração do trabalhador que a produz. Este valor no final do produto traria maior igualdade do preço nas relações de trabalho.

              A concepção materialista da história sugere a caracterização inequívoca do capitalismo constituído precisamente pelo trabalho. Fundamentalmente difere daquelas relações que caracterizam as sociedades não capitalistas. Embora sua análise crítica do capitalismo inclua a crítica à exploração, à desigualdade social e à dominação de classe, pretende elucidar a própria dimensão das relações sociais na sociedade moderna, e a forma abstrata de dominação econômica que lhes é intrínseca, através de uma teoria que fundamenta sua constituição em determinadas formas estruturais de práticas. Marx desloca o foco central de sua crítica analítica, distanciando-se das considerações sobre a propriedade e o mercado, ao sustentar que tais dimensões, em vez de tecnicamente, são ideologicamente constituídas. A contradição entre o trabalho a propriedade privada e o mercado é concebida entre o modo de produzir saberes e o modo de distribuir práticas.
            A originalidade do ensaio de Thomas Piketty (2013) deve-se aos seguintes aspectos. A dinâmica do capital, a sua acumulação, a sua repartição etc., é pouco analisado ou insuficientemente no âmbito do capitalismo/globalismo. O analista relê o pensamento econômico retomando as análises de A. Smith, Ricardo e Marx em seu parcous percorrido pelo receio da captação da riqueza por uma minoria. Em geral os economistas tendem a trabalhar em recortes específicos, com durações e séries estatísticas curtas. Piketty irá alargar o seu estudo tão longe quanto possível no tempo e no espaço. Parece apresentar provas que merecem verificabilidade e tem sido pouco criticada na sua metodologia ou nas suas principais conclusões. As duas críticas  recorrentes referem-se à esfera de análise da política, considerada insuficiente, pois “não clama pelo desaparecimento do sistema existente”, como Marx previra; a segunda diz respeito às suas recomendações analíticas no final da obra, consideradas como limitadas, pois apenas focadas sobre os impostos, ou irrealistas, de abordagem global.
Para alguns comentaristas no âmbito do Mediapart, site de informação e opinião criado em 2008 por François Bonnet, Gérard Desportes, Laurent Mauduit e Edwy Plenel, Piketty ausculta “o capitalismo, as suas contradições, as suas desigualdades violentas”. Christian Chavagneux, afirma que é “uma referência, garanto!”. Nicolas Baverez classificou severamente a obra de “marxismo de pacotilha”. Salienta designadamente que nada permite validar a hipótese de Piketty segundo a qual “o século XXI estará condenado a um crescimento reduzido”. Jean-Luc Gaffard, economista do Observatoire Français des Conjonctures Économiques (OFCE), lamenta o fosso entre a riqueza dos dados utilizados e a simplicidade da teoria econômica desenvolvida, que admite designadamente uma taxa de crescimento exógena e independente do nível das desigualdades. Na revista Sociologie, Christian Baudelot e Roger Establet sublinham o “poder explicativo da análise, que dá significado à época em que vivemos”.
Enfim, talvez o mérito de seu ensaio refira-se à reflexão desenvolvida sobre a questão da dívida pública, que decisivamente levou ao golpe de Estado de 2016 no Brasil, particularmente no tópico: “O euro: uma moeda sem Estado para o século XXI?” (cf. Piketti, 2013). A pergunta é a seguinte: “Como foi possível criar, na escala atual e pela primeira vez na história, uma moeda sem Estado?”. Uma vez que o PIB da União Europeia representava em 2013 quase um quarto do PIB mundial, a questão tem um interesse que está além dos habitantes da zona do euro. A resposta geralmente dada a essa questão é que a criação do euro, decidida em 1992 pelo Tratado de Maastricht, no entusiasmo da queda do Muro de Berlim e da unificação alemã, e implementada de fato em 1° de janeiro de 2002, é apenas uma etapa de um longo processo político. A união monetária supostamente leva a uma união política, fiscal e orçamentária e a uma cooperação global cada vez mais estreita ente os países.
Se a Europa resolveu criar uma moeda sem Estado em 1992, isso não se deveu unicamente por pragmatismo, mas também porque esse arranjo institucional foi concebido no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, num momento em que se imaginava que os bancos centrais teriam a função única “de ver a banda passar”, ou seja, de manter a inflação baixa. Depois de estagflação dos anos 1970, que pelo método econométrico retirem-na da chamada estagnação ou armadilha da liquidez; após um merecido ciclo de virtuoso-crescimento-econômico, que toda economia ou país-viável, merece de conformidade com a doutrina de John Maynard Keynes é o que caracteriza esse conceito. Os governos, assim como a opinião pública, se deixa convencer de que os bancos centrais deveriam ser independentes do poder político e ter por objetivo único uma meta de inflação baixa. Foi assim que se tornou possível criar uma moeda sem Estado e um banco central sem governo. Essa visão inerte dos bancos centrais quebrou após a crise de 2008. Daí o papel crucial dessas instituições em casos de grave crise e o caráter totalmente inapropriado do programa institucional europeu.   

               O keynesianismo consiste numa organização político-econômica, oposta às concepções liberais, fundamentada na afirmação do Estado como agente indispensável de controle da economia, com objetivo de conduzir a um sistema de pleno emprego. Tais teorias tiveram uma enorme influência na renovação das teorias clássicas e na reformulação da política de livre mercado. A escola keynesiana se fundamenta no princípio de que o ciclo econômico não é autorregulado como pensam os neoclássicos, uma vez que é determinado pelo "animal spirit" dos empresários. É por esse motivo, e pela incapacidade do sistema capitalista conseguir empregar todos "os que querem trabalhar", que Keynes defende a intervenção do Estado na economia. A teoria atribuiu ao Estado o direito e o dever de conceder benefícios sociais que garantam à população um padrão mínimo de vida como a criação do salário mínimo, do seguro-desemprego, da redução da jornada de trabalho que então superava 12 horas diárias e a assistência médica gratuita. O Keynesianismo ficou conhecido também, ao nível ideológico como o "Estado de bem-estar social", ou de forma estrita "Estado Escandinavo". Neste sentido, entendemos que somente uma unificação das dívidas públicas da “zona do euro”, ou ao menos entre os países-membro que a desejem, permitiria sair dessas contradições.
    A proposta da economia alemã de criar “fundos de redenção” é um bom ponto de partida, mas falta-lhe um componente político. É impossível decidir com vinte anos de antecedência qual o ritmo exato de “redenção”, ou seja, o ritmo no qual o estoque da dívida comum seria levado à meta desejada. Tudo dependeria de diversos parâmetros, a começar pela conjuntura econômica. Para decidir o ritmo de desendividamento comum, isto é, em última instância, o déficit público da zona do euro, seria necessário criar um verdadeiro Parlamento do Orçamento da zona do euro. Mas depender do Parlamento Europeu existente também gera um claro conflito com as soberanias nacionais, o que torna problemáticas as decisões sobre os déficits orçamentários nacionais. Isso explica porque as transferências de competência para o Parlamento Europeu foram sempre muito limitadas no passado e sem dúvida devem permanecer assim por um bom tempo. Já seria o momento de se dar conta e criar, uma Câmara Parlamentar adaptada à vontade de unificação expressa pelos países da zona do euro cujo abandono da soberania monetária refere-se à representação mais clara se medimos as consequências desse ato.
            Portanto, a fronteira entre o capital público e o privado está longe de ser tão clara como ás vezes imaginamos desde a queda do Muro de Berlim. O mercado e o voto são apenas duas maneiras polarizadas de organizar as decisões coletivas. Novas formas de participação e de governo ainda estão para ser inventadas. O ponto essencial é que essas diferentes formas de controle democrático do capital dependem, em grande medida, do grau de informação econômica de que as pessoas dispõem. A transparência econômica e financeira não é apensa um desafio fiscal, mas principalmente, um desafio de governança democrática e de participação nas decisões. Desse ponto de vista, o desafio não envolve apenas a transparência financeira sobre os patrimônios e sobre a renda no nível individual – que não tem de fato um interesse em si, salvo talvez em circunstâncias muito particulares, como dos líderes políticos, ou num contexto em que a falta de confiança não possa ser corrigida de outra maneira. Enfim, sem uma verdadeira transparência contábil e/ou financeira; sem uma informação partilhada, não pode haver democracia econômica. Para que a democracia venha um dia a retomar o controle do capitalismo, é necessário, portanto, partir do princípio de que as formas genuínas de democracia e do capital estão e sempre estarão para ser reinventadas. Lembra-nos Nietzsche quando descreve as chamadas “revoluções retrógradas” e funestas dos alemães contra o progresso da Europa. Fazendo a Reforma, renovaram o cristianismo, impedindo a sua ruína definitiva pelo triunfo das vozes no âmbito da extensão criadora da Renascença.
Bibliografia geral consultada.
NAPOLEONI, Claudio, Smith, Ricardo, Marx. Considerazioni sulla storia del pensiero econômico. Torino: Boringhieri Editore, 1970: Idem, Dalla scienza all'utopia. Saggi scelti 1961-1988. Torino: Bollati Boringhieri Editore, 1992; MARX, Carlos, El Capital. Crítica de la Economía Política. Libro Primero. Buenos Aires: Editorial Cartago, 1973; THOMPSON, Edward Palmer, Tradición, Revuelta y Consciencia de Clase: Estudios sobre la Crisis de la Sociedad Preindustrial. Barcelona: Editorial Crítica, 1979; MANDEL, Ernest, El Capital. Cien años de controvérsias en torno a la obra de Karl Marx. México: Siglo XXI Editores, 1985; SERRANO, Franklin, “Do Ouro Imóvel ao Dólar Flexível”. In: Economia e Sociedade. Campinas, vol. 11, nº 2 (19), pp. 237-253, jul./dez. 2002; MALTA, Maria Mello de, A Teoria da Acumulação de James Steuart. Controvérsias no Contexto da Economia Política Clássica. Tese de Doutorado. Departamento de Economia. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2005;  CRESPO, Eduardo, A Teoria do Comércio Internacional e dos Termos de Troca. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Economia. Instituto de Economia. Rio dse Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2012; BAVEREZ, Nicolas, “Piketty, un marxisme de sous-préfecture”. In: L`Express, 26/9/2013; PIKETTY, Thomas, O Capital no Século XXI. 1ª edição. Tradução de Monica Baumgarten de Bolle. Rio de Janeiro: Editora Intrínseca, 2014; ERLANGER, Steven, “Economista Thomas Piketty faz Crítica Admirada do Capitalismo”. In: New York Times, 13/05/2014; BORTOLI, Daniele de, Desenvolvimento, Estado e Distribuição de Renda no Brasil. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Economia. Centro Sócio-Econômico. Florianópolis: Universidade Estadual de Santa Catarina, 2016; CARDOSO, Debora Freire, Capital e Trabalho no Brasil no Século XXI: O Impacto de Políticas de Transferências e de Tributação sobre Desigualdade, Consumo e Estrutura Produtiva. Tese de Doutorado. Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional. Faculdade de Ciências Econômicas. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2016;  entre outros.  

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