Ubiracy de Souza Braga
Ao amigo Lucyen Nogueira Araújo Franco
Em primeiro lugar, Juno Moneta, um
epíteto da deusa romana Juno, era a protetora dos recursos financeiros. Por
conta disto, todas as moedas da Roma
Antiga foram cunhadas em seu templo, o Templo de Juno Moneta, que ficava no
cume do Monte Capitolino, em Roma, por quatro séculos, até finalmente o local
ser alterado para outro, próximo do
Coliseu, durante o reinado de Domiciano. Assim, “moneta” passou a significar
“casa da moeda” em latim, um termo utilizado em obras de escritores antigos
como Ovídio, Marcial, Juvenal e Cícero. Este sugere que o nome deriva do verbo
“monere”, pois, durante um terremoto, uma voz vinda deste templo teria exigido
o sacrifício expiatório de uma porca grávida, uma referência à antiga lenda
romana de que os gansos sagrados de Juno teriam alertado o comandante Marco
Mânlio Capitolino sobre o avanço dos gauleses em 390 a. C. Moneta é também o
nome utilizado para Mnemósine, mãe das musas, por Lívio Andrônico em sua
tradução da Odisseia, e também por
Higino, que cita Júpiter e Moneta como pais das musas. O nome “Mnemósine”
(“memória”) estava ligado a Juno Moneta, que mantinha em seu templo um
minucioso registro dos eventos históricos. Devido à vizinhança do templo com a
casa onde se cunhavam os denários, as moedas tomaram esse nome (“dinheiro”).
Os
primeiros registros históricos do uso de moedas metálicas datam do século VII
a. C. Criadas na Lídia - atual Turquia - foi a época na qual surgiu a
representação do primeiro cunho em martelo, cujos símbolos eram altamente
valorizados pela nobreza. Tais metais preciosos ganharam uma maior aceitação na
sociedade. Por terem uma oferta mais limitada, garantiam um preço mais estável
e alto, características que lhes favoreciam significativamente. Dentre os
materiais mais utilizados neste início, estavam o cobre, bronze e ferro. Por
serem abundantes, contudo, não conseguiram cumprir o objetivo de garantir a
estabilidade nas trocas comerciais, fato que levou suas substituições por
outros, como a prata e o ouro. Ambos, mais raros e de maior aceitação mundial
histórica.
As
primeiras versões que se têm registro do papel-moeda datam do século IX, na
China, como forma de aprimoramento do controle e estabilidade monetários devido
ao desenvolvimento do comércio. Foi apenas anos depois, contudo, que seu uso se
expandiu, graças à sua facilidade em ser transportada e manuseada. No
continente europeu, como exemplo, a Suécia foi o primeiro país a adotá-lo no
século XVII. Uma de suas principais vantagens imediatamente identificada em
relação aos meios anteriores, era a possibilidade de aumentar seu valor
arbitrário, uma vez que não era produzido com base no metal. Afinal, o ouro e a
prata, por sua maior complexidade de circulação, tinham seus valores definidos
com base na quantidade. Ou seja, no volume disponível para cunhagem. A
popularidade do papel moeda foi tanta que sua evolução não se estagnou.
Lembrava
Marx que num debate parlamentar sobre os Bank-acts de Sir Robert Peel de 1844 e
1845, Gladstone observava que “nem mesmo o amor levou tantas pessoas à loucura
como o cismar sobre a essência do dinheiro”. Ele falava de britânicos para
britânicos. Os holandeses, ao contrário, que apesar da dúvida de Petty possuíam
desde tempos imemoriais uma “malícia angelical” para a especulação com o
dinheiro, nunca perderam sua malícia na especulação sobre o dinheiro. A
principal dificuldade da análise sobe o dinheiro é vencida quando se compreende
que o dinheiro tem a sua origem na própria mercadoria. Desse pressuposto,
apenas resta conceber nitidamente as idades que lhe são próprias; o que é
dificultado em certa medida pelo fato de que todas as relações burguesas
aparecem transformadas em ouro ou prata, aparecendo como relações monetárias. E
a forma dinheiro parece possuir, por conseguinte, um conteúdo infinitamente
variado que lhe é estranho, mas o primeiro ato necessário desse processo
consiste em que as mercadorias excluam uma mercadoria específica, digamos o
ouro, como encarnação imediata do tempo de trabalho geral, ou seja, como
equivalente geral.
Porque
todas as mercadorias medem seus valores de troca pelo ouro, na proporção em que
determinada quantidade de ouro e determinada quantidade de mercadoria contêm a
mesma quantidade de tempo de trabalho, o ouro se torna medida de valor, e só se
torna equivalente geral (ou dinheiro), unicamente através dessa determinação
como medida de valores, medida que como tal mede seu próprio valor de imediato
por todo o conjunto de equivalentes-mercadorias. Por outro lado, o valor de
troca de todas as mercadorias expressa-se em ouro. Deve-se distinguir nessa
expressão: um momento qualitativo e outro quantitativo. Primeiro, o valor de
troca da mercadoria existe como encarnação do mesmo tempo de trabalho uniforme;
segundo, sua grandeza de valor se apresenta na mesma proporção em que as
mercadorias são igualadas ao ouro também igualadas entre si. De um lado,
aparece o caráter geral do tempo de trabalho contido nelas; de outro, sua
quantidade expressa em seu equivalente ouro. O valor de troca das mercadorias
assim expresso como equivalência geral e ao mesmo tempo como grau dessa
equivalência em relação a uma mercadoria produzida específica, ou expresso ainda numa só
equação ligando as mercadorias a uma mercadoria específica é o preço.
Portanto,
o preço é a forma transformada sob a qual aparece o valor de troca das
mercadorias no interior do processo de circulação. Ipso facto, através do mesmo
processo pelo qual as mercadorias apresentam seus valores em preços-ouro,
apresentam também o outro como medida dos valores e, daí, como dinheiro. O ouro
só se torna medida dos valores porque é por ele que todas as mercadorias
avaliam seu valor de troca. Não é senão pura aparência do processo de
circulação a impressão de que o dinheiro faz as mercadorias comensuráveis, pois
a medida entre ouro e mercadoria é o tempo de trabalho, e o ouro só se torna
medida dos valores pelo fato de que as mercadorias se meçam com ele. Ao
contrário, não é senão a comensurabilidade das mercadorias como tempo de
trabalho objetivado que permite ao ouro transformar-se em dinheiro. Ao entrar
para o processo de troca, as mercadorias assumem a figura real de seus valores
de uso. Somente através da sua alienação é que se tornam efetivamente
equivalente geral. A determinação de seu preço é sua transformação puramente
ideal em equivalente geral, é uma equação com o ouro que ainda está por se
realizar.
Mas
como as mercadorias estão transformadas em ouro apenas idealmente, ou apenas em
ouro representado, seu ser dinheiro não está ainda efetivamente separado de seu
ser real, o ouro; por enquanto, está transformado apenas em dinheiro ideal, em
medida dos valores, e, de fato, determinadas quantias de ouro funcionam por enquanto apenas como
nomes para determinadas quantias de tempo de trabalho. A determinidade formal
em que o ouro se cristaliza como dinheiro depende em cada caso do modo
determinado em que as mercadorias apresentam, umas as outras, seu próprio valor
de troca. Nessa diferença entre valor de troca e preço, observa-se o seguinte:
o trabalho individual particular contido na mercadoria precisa primeiro ser
apresentado, pelo processo de alienação, em seu contrário, em seu trabalho sem
individualidade, abstratamente geral e, somente dessa forma, em trabalho
social, ou seja, em dinheiro. O mal dinheiro põe-se de emboscada na invisível
capa da medida de valor. O ouro é representa a medida de valor como tempo de
trabalho objetivado. Padrão de preços ele o é como determinado peso de metal.
Torna-se medida de valor ao relacionar-se como valor de troca com as
mercadorias (trabalho) enquanto valores de troca; uma determinada quantia de
ouro, como padrão de preços, serve a outras quantias de ouro como unidade.
O
ouro é a medida de representação do valor porque seu valor é variável, e
é padrão de preços porque é fixado como unidade de peso invariável. Aqui, como
em todas as determinações de grandezas nominalmente iguais, solidez e
determinidade das relações de medidas são decisivas. A necessidade de se fixar
uma quantia de ouro como unidade de medida e partes alíquotas como subdivisões
dessa unidade produziu a representação de que uma determinada quantia de ouro,
que naturalmente tem um valor variável, se colocasse numa relação de valor fixa
com os valores de troca das mercadorias, no que se perdeu de vista que os
valores de troca das mercadorias estão transformados em preços, em quantias de
ouro antes mesmo que o ouro se desenvolva como padrão dos preços. Assim como o
valor do ouro varia, diferentes quantias de ouro apresentam entre si permanente
a mesma proporção de valor. O preço de uma mercadoria ou a quantia de ouro, na
qual se transforma idealmente, se expressa agora, portanto, nos nomes
monetários do padrão-ouro. A forma própria com que essas mercadorias dão os
seus valores de troca está transformada em nomes monetários, pelo quais
expressam mutuamente o que elas valem. O dinheiro, por sua vez, torna-se moeda
de cálculo.
O
dinheiro, compreendido como moeda de cálculo, pode existir apenas
idealmente (teoria), enquanto o dinheiro que circula efetivamente (prática) é
cunhado em um outro padrão totalmente diferente. Em muitas colônias inglesas da
América do Norte, a moeda circulante, até boa parte do século XVIII, consistia
em moedas portuguesas e espanholas, enquanto, por toda parte, a moeda de
cálculo era a mesma da Inglaterra. Não apenas os comerciantes, como os
produtores e banqueiros se beneficiaram muito destas emissões monetárias. Os
primeiros, passaram a ter acesso a uma nova fonte de financiamento. Os
comerciantes, obtiveram créditos suficientes para a expansão de seus negócios.
Os banqueiros, por sua vez, se beneficiaram das receitas correspondentes aos
juros. Como o valor das notas em circulação passou a ser maior do que as
garantias de conversibilidade, as casas bancárias se viram na urgência de criar
um maior controle sobre a circulação da moeda, a fim de evitar sua quebra. Diante
de preocupantes riscos do sistema monetário, foi então que os poderes públicos
passaram a regularizar o poder de emissão das notas bancárias, já então
entendidas como moeda fiduciária. Cada país, então, seria confiado à sua
própria moeda nacional como meio de pagamento dos mais diversos serviços
e produtos, fato que fez surgir os até hoje reconhecidos Bancos Centrais.
Historicamente
o lastro monetário simbolizava a integração do continente que, no século XX,
enfrentou duas guerras mundiais e uma divisão ideológica que quase provocou uma terceira. Hoje, porém, o “euro” é
sinônimo de incertezas, numa crise que ameaça a futuro da segunda maior
economia do planeta. A Eurozona é
composta por 17 dos 27 Estados-membros da União Europeia: Alemanha, Áustria,
Bélgica, Chipre, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estônia, Finlândia, França,
Grécia, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Malta, Países Baixos e Portugal. Na
ocasião em que o euro foi instituído, Dinamarca, Suécia e Reino Unido optaram
por não aderir ao projeto e mantiveram suas moedas locais. O euro é usado
diariamente por aproximadamente 332 milhões de europeus. A moeda também é a 2ª
maior reserva monetária internacional tanto quanto comercial, atrás somente do
dólar norte-americano. Economicamente a categoria salário representa um dos
principais meios da expropriação e desvalorização do
trabalho e de subsunção real das
relações de produção capitalista.
É
sobre sua base que se levanta um mundo encantado de aparências e ilusões. A
publicação do ensaio de Marx, “Salário, Preço e Lucro”, refere-se à palestra
que proferiu em duas sessões no mês de junho de 1865, perante o Conselho Geral
da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), também reconhecida
como “Primeira Internacional”, de fato a primeira organização operária a superar
fronteiras nacionais, reunindo membros de países da Europa e dos Estados
Unidos. Nessa ocasião, o pensamento filosófico de Marx sobre economia política
já estava absolutamente amadurecido. Há 20 anos ele se dedicava ao assunto
tendo escrito várias obras em que, à base da crítica da economia política, foi
decantando seus pontos de vista sobre as formas econômicas fundamentais do
capitalismo, cujo corpo definitivo convergiu para “O Capital”, da qual o
primeiro livro viria a lume logo depois, em 1867. A palestra de Marx surgiu
como fio condutor da I Internacional, fundada menos de um
ano e da qual se diferenciavam pelo menos quatro correntes.
Uma
delas, a maior numericamente, era representada pelos operários ingleses ligados
às “Trade Unions” que subestimavam a importância da ação política da classe
operária e entre os quais havia mesmo quem defendesse a opinião de que a elevação dos salários teria como consequência o
aumento do custo de vida e, portanto, não melhoraria a situação dos
trabalhadores. Marx pretendeu refutar esses pontos de vista e elevar o nível de
consciência teórica dos dirigentes ingleses. Para tanto, estabeleceu-se quatro
objetivos para sua palestra: 1 – desvelar a opinião economicista de que “os
preços das mercadorias são determinados ou regulados pelos salários”; 2 -
demonstrar que a variação geral dos salários “para cima” ou “para baixo” leva à
variação da taxa geral de lucro em sentido inverso e, tendem a reduzir necessariamente
os salários dos trabalhadores; 3 - demonstrar que as tentativas periódicas dos
trabalhadores para conseguirem um aumento de salários são ditadas pelo próprio
fato de o trabalho se achar como equivalente às mercadorias, 4 - que havia
possibilidades de conquistas sociais na luta pela elevação dos salários,
limitadas pela “ação do capital”, de os trabalhadores se organizarem,
politicamente, contra o sistema de exploração, a fim de aboli-lo.
Marx chamava a atenção para o fato
da quantidade de trabalho necessário para produzir uma mercadoria variar
constantemente ao variarem as forças produtivas do trabalho aplicado.
Proporcionalmente quanto maiores são as forças produtivas do trabalho, mais
produtos se elaboram num tempo de trabalho dado, e quanto menores são, menos se
produzem na mesma unidade de tempo. Daí que quanto maior é a força produtiva do
trabalho, menos trabalho se inverte numa dada quantidade de produtos e,
portanto, menor é o valor destes produtos. Marx analiticamente restabeleceu o
equivalente do valor-trabalho: “estão na razão direta do tempo de trabalho
invertido em sua produção e na razão inversa das forças produtivas do trabalho
empregado”. O preço de uma mercadoria representa a expressão em dinheiro do
valor dessa mercadoria. O valor-trabalho e o bem produzido por seu trabalho
estabelece uma razão segundo a qual à mercadoria que requer mais trabalho para
ser produzida, deveria corresponder uma maior remuneração do trabalhador que a
produz. Este valor no
final do produto traria maior igualdade do preço nas relações
de trabalho.
A concepção materialista da história
sugere a caracterização inequívoca do capitalismo constituído precisamente pelo
trabalho. Fundamentalmente difere
daquelas relações que caracterizam as sociedades não capitalistas. Embora sua
análise crítica do capitalismo inclua a crítica à exploração, à desigualdade
social e à dominação de classe, pretende elucidar a própria dimensão das
relações sociais na sociedade moderna, e a forma abstrata de dominação
econômica que lhes é intrínseca, através de uma teoria que fundamenta sua
constituição em determinadas formas estruturais de práticas. Marx desloca o
foco central de sua crítica analítica, distanciando-se das considerações sobre
a propriedade e o mercado, ao sustentar que tais dimensões, em vez de
tecnicamente, são ideologicamente constituídas. A contradição entre o trabalho
a propriedade privada e o mercado é concebida entre o modo de produzir saberes e o modo de distribuir práticas.
A originalidade do ensaio de Thomas
Piketty (2013) deve-se aos seguintes aspectos. A dinâmica
do capital, a sua acumulação, a sua repartição etc., é pouco analisado ou
insuficientemente no âmbito do capitalismo/globalismo. O analista relê o
pensamento econômico retomando as análises de A. Smith, Ricardo e Marx em seu
parcous percorrido pelo receio da captação da riqueza por uma minoria. Em
geral os economistas tendem a trabalhar em recortes específicos, com durações e
séries estatísticas curtas. Piketty irá alargar o seu estudo tão longe quanto
possível no tempo e no espaço. Parece apresentar provas que merecem
verificabilidade e tem sido pouco criticada na sua metodologia ou nas suas
principais conclusões. As duas críticas
recorrentes referem-se à esfera de análise da política, considerada
insuficiente, pois “não clama pelo desaparecimento do sistema existente”, como
Marx previra; a segunda diz respeito às suas recomendações analíticas no final
da obra, consideradas como limitadas, pois apenas focadas sobre os impostos, ou
irrealistas, de abordagem global.
Para
alguns comentaristas no âmbito do Mediapart,
site de informação e opinião criado em 2008 por François Bonnet, Gérard
Desportes, Laurent Mauduit e Edwy Plenel, Piketty ausculta “o capitalismo, as
suas contradições, as suas desigualdades violentas”. Christian Chavagneux,
afirma que é “uma referência, garanto!”. Nicolas Baverez classificou
severamente a obra de “marxismo de pacotilha”. Salienta designadamente que nada
permite validar a hipótese de Piketty segundo a qual “o século XXI estará
condenado a um crescimento reduzido”. Jean-Luc Gaffard, economista do Observatoire Français des Conjonctures
Économiques (OFCE), lamenta o fosso entre a riqueza dos dados utilizados e
a simplicidade da teoria econômica desenvolvida, que admite designadamente uma
taxa de crescimento exógena e independente do nível das desigualdades. Na
revista Sociologie, Christian
Baudelot e Roger Establet sublinham o “poder explicativo da análise, que dá
significado à época em que vivemos”.
Enfim,
talvez o mérito de seu ensaio refira-se à reflexão desenvolvida sobre a questão
da dívida pública, que decisivamente levou ao golpe de Estado de 2016 no
Brasil, particularmente no tópico: “O euro: uma moeda sem Estado para o século
XXI?” (cf. Piketti, 2013). A pergunta é a seguinte: “Como foi
possível criar, na escala atual e pela primeira vez na história, uma moeda sem
Estado?”. Uma vez que o PIB da União Europeia representava em 2013 quase um
quarto do PIB mundial, a questão tem um interesse que está além dos habitantes
da zona do euro. A resposta geralmente dada a essa questão é que a criação do
euro, decidida em 1992 pelo Tratado de Maastricht, no entusiasmo da queda do
Muro de Berlim e da unificação alemã, e implementada de fato em 1° de janeiro
de 2002, é apenas uma etapa de um longo processo político. A união monetária
supostamente leva a uma união política, fiscal e orçamentária e a uma
cooperação global cada vez mais estreita ente os países.
Se a Europa resolveu criar uma moeda sem Estado em 1992, isso não se
deveu unicamente por pragmatismo, mas também porque esse arranjo institucional
foi concebido no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, num momento em que
se imaginava que os bancos centrais teriam a função única “de ver a banda
passar”, ou seja, de manter a inflação baixa. Depois de estagflação dos anos 1970, que pelo método econométrico retirem-na
da chamada estagnação ou armadilha da liquidez; após um merecido ciclo de
virtuoso-crescimento-econômico, que toda economia ou país-viável, merece de
conformidade com a doutrina de John Maynard Keynes é o que caracteriza esse conceito. Os
governos, assim como a opinião pública, se deixa convencer de que os bancos centrais
deveriam ser independentes do poder político e ter por objetivo único uma meta
de inflação baixa. Foi assim que se tornou possível criar uma moeda sem Estado
e um banco central sem governo. Essa visão inerte dos bancos centrais quebrou após a crise de 2008. Daí o papel crucial dessas
instituições em casos de grave crise e o caráter totalmente inapropriado do
programa institucional europeu.
O keynesianismo consiste numa organização político-econômica, oposta às concepções liberais, fundamentada na afirmação do Estado como agente indispensável de controle da economia, com objetivo de conduzir a um sistema de pleno emprego. Tais teorias tiveram uma enorme influência na renovação das teorias clássicas e na reformulação da política de livre mercado. A escola keynesiana se fundamenta no princípio de que o ciclo econômico não é autorregulado como pensam os neoclássicos, uma vez que é determinado pelo "animal spirit" dos empresários. É por esse motivo, e pela incapacidade do sistema capitalista conseguir empregar todos "os que querem trabalhar", que Keynes defende a intervenção do Estado na economia. A teoria atribuiu ao Estado o direito e o dever de conceder benefícios sociais que garantam à população um padrão mínimo de vida como a criação do salário mínimo, do seguro-desemprego, da redução da jornada de trabalho que então superava 12 horas diárias e a assistência médica gratuita. O Keynesianismo ficou conhecido também, ao nível ideológico como o "Estado de bem-estar social", ou de forma estrita "Estado Escandinavo". Neste sentido, entendemos que somente uma unificação das dívidas públicas
da “zona do euro”, ou ao menos entre os países-membro que a desejem, permitiria
sair dessas contradições.
A proposta da economia alemã de criar “fundos de redenção” é um
bom ponto de partida, mas falta-lhe um componente político. É impossível
decidir com vinte anos de antecedência qual o ritmo exato de “redenção”, ou
seja, o ritmo no qual o estoque da dívida comum seria levado à meta desejada.
Tudo dependeria de diversos parâmetros, a começar pela conjuntura econômica.
Para decidir o ritmo de desendividamento comum, isto é, em última instância, o
déficit público da zona do euro, seria necessário criar um verdadeiro
Parlamento do Orçamento da zona do euro. Mas depender do Parlamento Europeu
existente também gera um claro conflito com as soberanias nacionais, o que
torna problemáticas as decisões sobre os déficits
orçamentários nacionais. Isso explica porque as transferências de competência
para o Parlamento Europeu foram sempre muito limitadas no passado e sem dúvida
devem permanecer assim por um bom tempo. Já seria o momento de se dar conta e
criar, uma Câmara Parlamentar adaptada à vontade de unificação expressa pelos
países da zona do euro cujo abandono da soberania monetária refere-se à representação
mais clara se medimos as consequências desse ato.
Portanto, a fronteira entre o
capital público e o privado está longe de ser tão clara como ás vezes
imaginamos desde a queda do Muro de Berlim. O mercado e o voto são apenas duas
maneiras polarizadas de organizar as decisões coletivas. Novas formas de
participação e de governo ainda estão para ser inventadas. O ponto essencial é
que essas diferentes formas de controle democrático do capital dependem, em
grande medida, do grau de informação econômica de que as pessoas dispõem. A
transparência econômica e financeira não é apensa um desafio fiscal, mas
principalmente, um desafio de governança democrática e de participação nas
decisões. Desse ponto de vista, o desafio não envolve apenas a transparência
financeira sobre os patrimônios e sobre a renda no nível individual – que não
tem de fato um interesse em si, salvo talvez em circunstâncias muito
particulares, como dos líderes políticos, ou num contexto em que a falta de
confiança não possa ser corrigida de outra maneira. Enfim, sem uma verdadeira transparência
contábil e/ou financeira; sem uma informação partilhada, não pode haver
democracia econômica. Para que a democracia venha um dia a retomar o controle
do capitalismo, é necessário, portanto, partir do princípio de que as formas
genuínas de democracia e do capital estão e sempre estarão para ser
reinventadas. Lembra-nos Nietzsche quando descreve as chamadas “revoluções retrógradas”
e funestas dos alemães contra o progresso da Europa. Fazendo a Reforma,
renovaram o cristianismo, impedindo a sua ruína definitiva pelo triunfo das
vozes no âmbito da extensão criadora da Renascença.
Bibliografia
geral consultada.
NAPOLEONI,
Claudio, Smith, Ricardo, Marx.
Considerazioni sulla storia del pensiero econômico. Torino: Boringhieri
Editore, 1970: Idem, Dalla scienza all'utopia.
Saggi scelti 1961-1988. Torino: Bollati Boringhieri Editore, 1992; MARX,
Carlos, El Capital. Crítica de la
Economía Política. Libro Primero. Buenos Aires: Editorial Cartago, 1973; THOMPSON, Edward Palmer, Tradición, Revuelta y Consciencia de Clase: Estudios sobre la Crisis de la Sociedad Preindustrial. Barcelona: Editorial Crítica, 1979; MANDEL,
Ernest, El Capital. Cien años de
controvérsias en torno a la obra de Karl Marx. México: Siglo XXI Editores,
1985; SERRANO, Franklin, “Do Ouro Imóvel ao Dólar Flexível”. In: Economia e
Sociedade. Campinas, vol. 11, nº 2 (19), pp. 237-253, jul./dez. 2002; MALTA, Maria Mello de, A Teoria da Acumulação de James Steuart. Controvérsias no Contexto da Economia Política Clássica. Tese de Doutorado. Departamento de Economia. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2005; CRESPO, Eduardo, A Teoria do Comércio Internacional e dos Termos de Troca. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Economia. Instituto de Economia. Rio dse Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2012; BAVEREZ, Nicolas, “Piketty, un marxisme de sous-préfecture”. In: L`Express,
26/9/2013; PIKETTY, Thomas, O
Capital no Século XXI. 1ª edição. Tradução de Monica Baumgarten de Bolle. Rio
de Janeiro: Editora Intrínseca, 2014; ERLANGER, Steven, “Economista Thomas
Piketty faz Crítica Admirada do Capitalismo”. In: New York Times, 13/05/2014; BORTOLI, Daniele de, Desenvolvimento, Estado e Distribuição de Renda no Brasil. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Economia. Centro Sócio-Econômico. Florianópolis: Universidade Estadual de Santa Catarina, 2016; CARDOSO, Debora Freire, Capital e Trabalho no Brasil no Século XXI: O Impacto de Políticas de Transferências e de Tributação sobre Desigualdade, Consumo e Estrutura Produtiva. Tese de Doutorado. Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional. Faculdade de Ciências Econômicas. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2016; entre outros.
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