segunda-feira, 27 de abril de 2015

Revolução dos Cravos - 40 Anos Depois dos Eventos.

     Ubiracy de Souza Braga*

    O poder tem sempre razão contra a razão dos que não têm poder”. Boaventura de Sousa Santos


           O cravo vermelho tornou-se o símbolo da Revolução de abril de 1974 (cf. Santos, 1985). Segundo a narrativa, foi uma florista de Lisboa que iniciou a distribuição dos cravos vermelhos pelos populares que os ofereceram aos soldados. Estes os colocaram nos canos das espingardas. Por isso se chama ao dia 25 de abril de 1974 a “Revolução dos Cravos”. Há 40 anos, na noite de 24 de abril, os ouvintes de rádio em Lisboa nada suspeitaram, quando uma emissora executou a canção: “E depois do adeus”, de Paulo de Carvalho, vencedora do Festival RTP da Canção de 1974. Mal sabiam que era uma “senha”, pela qual os membros do Movimento das Forças Armadas (MFA), davam início a um golpe político contra uma ditadura militar que duravam 48 anos.
Fora fundada por Oliveira Salazar e chefiada, depois da doença e morte do líder, pelo professor Marcelo Caetano. A segunda parte da operação também fora divulgada por uma canção executada na Rádio Renascença, exatamente aos 20 minutos da madrugada de 25 de abril. Esta segunda senha diz respeito à canção “Grândola, Vila Morena”. Ao contrário da primeira, estava proibida sob a acusação de “fazer propaganda comunista”. A transmissão tinha como significado  que as tropas sob o comando do capitão Salgueiro Maia estavam ocupando o Terreiro do Paço e logo a seguir cercando o quartel do Carmo, onde se abrigavam Marcelo Caetano e alguns ministros de Estado. Melhor dizendo, a canção “E depois do Adeus” de autoria de Paulo de Carvalho, representou o primeiro sinal para o inicio da ação militar golpista. A canção “Grandola Vila Morena” de José Afonso concorreu para a confirmação da “guerra de posições”.
Dentro da estratégia de “guerra de posições” Antônio Gramsci anunciou a tese segundo a qual “um grupo social pode e mesmo deve ser dirigente antes de conquistar o poder governamental”. Esta é a condição para a conquista do próprio poder. Em seguida, “quando ele exerce o poder e o mantém solidamente em suas mãos ele se torna dominante, mas também continua a ser dirigente”. Em outra passagem reitera que a  supremacia de um grupo social se manifesta de duas formas, como “dominação” e como “direção intelectual e moral”. O grupo social é dominante sobre os grupos contrários, os quais tende a “liquidar” ou submeter pela força das armas, e “dirige os grupos que lhe são próximos ou aliados”. Deixou claro, o caráter de classe do Estado e sua função repressiva sobre as classes adversárias e/ou inimigas. Assim, distinguiu conceitualmente “direção” e “hegemonia” no âmbito das classes subalternas, e “dominação”, sobre o conjunto da sociedade de classes (cf. Gramsci, 1975; 1980). 


          
            Vejamos em versos a radicalização política apresentada na música E Depois do Adeus, vencedora do festival da canção em Portugal no ano de 1974:
Quis saber quem sou/O que faço aqui/Quem me abandonou/De quem me esqueci/Perguntei por mim/Quis saber de nós/Mas o mar/Não me traz/Tua voz./Em silêncio, amor/Em tristeza e fim/Eu te sinto, em flor/Eu te sofro, em mim/Eu te lembro, assim/Partir é morrer/Como amar/É ganhar/E perder/Tu vieste em flor/Eu te desfolhei/Tu te deste em amor/Eu nada te dei/Em teu corpo, amor/Eu adormeci/Morri nele/E ao morrer/Renasci/E depois do amor/E depois de nós/O dizer adeus/O ficarmos sós/Teu lugar a mais/Tua ausência em mim/Tua paz/Que perdi/Minha dor que aprendi/De novo vieste em flor/Te desfolhei.../E depois do amor/E depois de nós/O adeus/O ficarmos sós”.
            Ora, como sabemos um golpe de Estado, histórica e etimologicamente também conhecido internacionalmente como coup d’État e Putsch que são respectivamente:
ações políticas em grande estilo, como greves gerais ou ações armadas, podem ter sucesso somente se envolvem as regiões econômicas mais importantes do país. Ações menores com objetivos políticos que visam à conquista do poder político por parte do proletariado são putsch” (cf. Hobsbawm, 1985a: 93 e ss.).
            Ou ainda, Staatsstreich, para designar “uma mudança de governo súbita, imposta por uma minoria que age com o elemento surpresa” (cf. Hobsbawm, 1985). Têm este nome de golpe porque se caracteriza por “uma ruptura institucional violenta”, contrariando a normalidade lei & ordem de tipo americanista submetendo o controle do Estado. Ou seja, sociedade civil e sociedade política, aqui no sentido do termo que emprega Antônio Gramsci, a pessoas que não haviam sido legalmente designadas seja por eleição, hereditariedade ou outro processo de transição legalista. Na teoria política, o conceito de golpe de Estado surge apenas com a modernidade após a quebra de paradigmas causada pela Revolução clássica Francesa e pela doutrina Iluminista. Antes, as rupturas bruscas da ordem institucional eram chamadas genericamente de Revolução, como as tomadas de poder em 1648 e 1688 na Inglaterra. A Revolução Inglesa do século XVII representou a primeira manifestação de crise do sistema político moderno, identificado com o Absolutismo. O poder monárquico, severamente limitado, cedeu a parte de suas prerrogativas instaurando o regime parlamentarista que permanece até hoje.           
O golpe de Estado conhecido pelos portugueses como 25 de abril foi conduzido pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), composto por oficiais intermédios da hierarquia militar, na sua maior parte capitães que tinham participado na Guerra Colonial e que foram apoiados por oficiais milicianos, estudantes recrutados, muitos deles universitários. Este movimento nasceu por volta de 1973, baseado inicialmente em reivindicações corporativistas como a luta pelo prestígio das forças armadas, acabando por se estender ao regime político em vigor. Sem apoios militares, e com a adesão em massa da população ao golpe de Estado, a resistência do regime foi praticamente inexistente, registando-se apenas quatro mortos em Lisboa pelas balas da DGS.

            Após o golpe foi criada a Junta de Salvação Nacional, responsável pela nomeação do Presidente da República, pelo programa do Governo Provisório e respectiva orgânica. Assim, a 15 de maio de 1974 o General Antônio de Spínola foi nomeado Presidente da República. O cargo de primeiro-ministro atribuído a Adelino da Palma Carlos. Seguiu-se um período de grande agitação social, política e militar conhecido como o Processo Revolucionário Em Curso, doravante PREC, marcado por manifestações, ocupações, governos provisórios, nacionalizações e confrontos militar, apenas concluído no dia 25 de novembro de 1975. Estabilizada a conjuntura política, prosseguiram os trabalhos da Assembleia Constituinte para a nova Constituição democrática, que entrou em vigor no dia 25 de Abril de 1976, o mesmo dia das primeiras eleições legislativas da nova República. Na sequência destes eventos foi instituído em Portugal um feriado nacional no dia 25 de Abril, denominado “Dia da Liberdade”.
            No início da década de 1970 mantinha-se vivo o ideário autoritário salazarista. Continuavam os ideólogos do regime a alimentar o mito considerado “orgulhosamente só”, como todos entendiam, num país periférico e pequeno, marcado pelo isolamento rural: estar ali e ter-se orgulho nisso representavam valores, como merecedor de respeito. Mesmo em plena “Primavera Marcelista”, com Marcelo Caetano, que sucedeu a Salazar no início da década de 1970, coincidindo com o ano da morte do ditador, não destoa. Sentindo o mesmo, age a seu modo, governa em isolamento, faz o que pode, mas um dia virá em que já nada pode fazer. Qualquer tentativa de reforma política era impedida pela própria inércia do regime político e pelo poder da sua polícia política (PIDE).
Nos finais de década de 1960, o regime exilava-se, envelhecido, num ocidente de países em plena efervescência social e intelectual. Em Portugal cultivam-se outros ideais: defender o Império pela força das armas. O contexto internacional era cada vez mais desfavorável ao regime salazarista/marcelista. No auge da chamada “Guerra Fria”, as nações dos blocos capitalista e comunistas começavam a apoiar e financiar as guerras de guerrilhas das colônias portuguesas, numa tentativa de atraí-las para a influência norte-americana ou da então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – U. R. S. S. A intransigência do regime e mesmo o desejo de muitos colonos de continuarem sob o domínio português, atrasaram o processo de descolonização, como ocorre no caso de Angola e Moçambique, um atraso forçado de quase 20 anos.
Do ponto de vista da economia Portugal mantinha laços fortes e duradouros com as suas colônias africanas, quer como mercado para os produtos manufaturados portugueses quer como produtoras de matérias primas para a indústria portuguesa. Muitos portugueses concordavam com a existência de um império colonial como necessária para o país ter poder e influência contínua. Mas o peso da guerra, o contexto político e os interesses estratégicos de certas potências estrangeiras inviabilizariam essa ideia. Apesar das constantes objeções em fóruns internacionais, como a ONU – Organização das Nações Unidas, Portugal mantinha as colônias considerando-as parte integral de Portugal e defendendo-as militarmente. O problema surge com a ocupação unilateral e forçada dos enclaves portugueses de Goa, Damão e Diu, em 1961, quando tropas da união indiana  ocuparam tais territórios portugueses pondo fim ao Estado português na Índia.
A guerra colonial, guerra do ultramar, é designação oficial portuguesa do conflito até ao dia 25 de abril, ou guerra de libertação nacional (cf. Braga, 2011a; 2011b), sendo esta designação mais utilizada pelos povos africanos independentistas, o período de confrontos entre as forças armadas portuguesas e as forças organizadas pelos movimentos de libertação nacional das antigas províncias ultramarinas de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique, entre 1961 e 1975. Na época, era também referida vulgarmente em Portugal como Guerra de África. Contudo, a batalha de Cuito Cuanavale representou o maior confronto militar da guerra civil Angolana, ocorrido entre 15 de novembro de 1987 e 23 de março de 1988. O local da batalha foi o sul de Angola na região do Cuito Cuanavale na província de Cuando-Cubango, onde se confrontaram os exércitos de Angola FAPLA - Forças Armadas Populares de Libertação de Angola - e Cuba (FAR) contra a UNITA - União Nacional para a Independência Total de Angola- e o exército sul-africano. Foi a batalha mais prolongada que teve lugar no continente africano desde a 2ª guerra mundial.


 Nesta batalha, o “mito da invencibilidade” do exército da África do Sul foi quebrado, alterando dessa forma, por um lado, a correlação de forças sociais e políticas na região austral do continente, tornando-se o ponto decisivo na guerra que se arrastava há longos anos. Por outro lado, a superioridade demonstrada pelas FAPLA no campo de batalha fez com que o regime Apartheid, aceitasse a assinatura dos acordos de Nova Iorque, que deram origem à implementação da resolução 435/78 do Conselho de Segurança da ONU, levando à Independência da Namíbia e ao fim do regime de segregação racial, que vigorava na África do Sul. Em sua progênie, temos o início deste episódio da história militar portuguesa ocorrendo em Angola, a 4 de fevereiro de 1961, na região que viria a designar-se por Zona Sublevada do Norte, que corresponde aos distritos do Zaire, Uíje e Quanza-Norte. A Revolução dos Cravos em Portugal, a 25 de Abril de 1974, determinou o seu fim. Com a mudança do rumo político do país, o empenhamento político-militar das forças armadas portuguesas deixou de fazer sentido. Os novos dirigentes anunciavam a democratização do país e predispunham-se a aceitar as reivindicações de Independência das colónias - pelo que se passou a negociar as fases de transição com os movimentos políticos de libertação nacional empenhados na luta armada.
 Em quase todas as colônias portuguesas africanas - Moçambique, Angola, Guiné, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde - surgiam, entretanto movimentos independentistas, que acabariam por se manifestar sob a forma de guerrilhas armadas. Estas não foram facilmente contidas, tendo conseguido controlar uma parte importante do território, apesar da presença de um grande número de tropas portuguesas que, mais tarde, seriam em parte significativas recrutadas nas próprias colônias. Os vários conflitos forçavam Salazar e o seu sucessor Caetano a gastar uma grande parte do orçamento de Estado na administração colonial e nas despesas militares. A administração das colônias custava a Portugal um pesado aumento percentual anual no seu orçamento e tal empreendimento contribuiu para o empobrecimento da economia portuguesa, pois como sabemos, o dinheiro era desviado de investimentos infraestruturais na metrópole. Até 1960 o país continuou relativamente frágil em termos econômicos, o que aumentou a emigração para países em rápido crescimento e de escassa mão-de-obra da Europa ocidental, como França ou Alemanha. O processo iniciava-se no fim da 2ª guerra mundial.
A primeira reunião clandestina de capitães foi realizada em Bissau, em 21 de agosto de 1973. Uma nova reunião, em 9 de setembro de 1973 no Monte Sobral (Alcáçovas) dá origem ao Movimento das Forças Armadas. No dia 5 de março de 1974 é aprovado o primeiro documento do movimento: “Os Militares, as Forças Armadas e a Nação”. Este documento é posto a circular clandestinamente. No dia 14 de março o governo demite os generais Spínola e Costa Gomes dos cargos de Vice-Chefe e Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, alegadamente por estes se terem recusado a participar numa cerimónia de apoio ao regime. No entanto, a verdadeira causa da expulsão dos dois Generais foi o fato do primeiro ter escrito, com a cobertura do segundo, um livro, “Portugal e o Futuro”, no qual, pela primeira vez uma alta patente advogava a necessidade de uma solução política para as revoltas separatistas nas colônias e não uma solução militar. No dia 24 de março, a última reunião clandestina dos capitães revoltosos decide o derrube do regime pela força. Prossegue a movimentação secreta dos capitães até ao dia 25 de abril. A mudança de regime político acaba por ser feita através da força bruta por estratégia militar de ação armada.

O golpe militar do dia 25 de abril tem a colaboração de vários regimentos militares que desenvolvem uma ação concertada. No Norte, uma força do CICA liderada pelo Tenente-Coronel Carlos de Azeredo toma o Quartel-General da Região Militar do Porto. Estas forças são reforçadas por tropas vindas de Lamego. Forças do BC9 de Viana do Castelo tomam o Aeroporto de Pedras Rubras. Forças do CIOE tomam a RTP e o RCP no Porto. O regime reage, e o ministro da Defesa ordena as forças sediadas em Braga para avançarem sobre o Porto, no que não é obedecido, dado que estas já tinham aderido ao golpe político-militar.
À Escola Prática de Cavalaria, que parte de Santarém, cabe o papel mais importante: a ocupação do Terreiro do Paço. As forças da Escola Prática de Cavalaria são comandadas pelo Capitão Salgueiro Maia. O Terreiro do Paço é ocupado às primeiras horas da manhã. Salgueiro Maia move, mais tarde, parte das suas forças para o Quartel do Carmo onde se encontra o chefe do governo, Marcelo Caetano, que ao final do dia se rende, exigindo, contudo, que o poder seja entregue ao General Antônio de Spínola, que não fazia parte do MFA, para que o “poder não caísse na rua” Marcelo Caetano parte, depois, para a Madeira, rumo ao exílio no Brasil. No rescaldo dos confrontos morrem quatro pessoas, quando elementos da polícia política (DGS) disparam sobre um grupo que se manifesta à porta das suas instalações na Rua Antônio Maria Cardoso, em Lisboa.
Portugal passará por um período conturbado de cerca de dois anos, comumente designado por PREC, como vimos, em que se confrontam facções políticas de esquerda e direita, por vezes com alguma violência, sobretudo em ações organizadas no Norte do país. São nacionalizadas grandes empresas, “saneados quadros importantes e levadas ao exílio personalidades identificadas com o Estado Novo” (cf. Rojas e Brito, 1996), gente que não partilha da visão política que a revolução prescreve. Consumam-se várias conquistas da revolução. Acabada a guerra colonial e durante o PREC, as colônias africanas e de Timor-Leste tornam-se independentes. Finalmente, no dia 25 de abril de 1975, têm lugar as primeiras eleições livres para a Assembleia Constituinte, ganhas pelo Partido Socialista. Na sequência dos trabalhos desta assembleia é elaborada uma nova Constituição, de forte pendor socialista, e estabelecida uma democracia parlamentar de tipo ocidental. A constituição é aprovada em 1976 pela maioria dos deputados, abstendo-se apenas o CDS.
 Forma-se o I Governo Constitucional de Portugal, chefiado por Mário Soares em 23 de setembro de 1976. Ramalho Eanes, militar em Angola no dia 25 de abril, o sisudo oficial que adere ao MFA fora de horas, o extemporâneo general que na televisão se esconde por trás de uns óculos de sol, ganha as presidenciais de 27 de junho de 1976. Segue-se o fim do PREC e um período de estabilização política. Eanes impõe-se como chefe militar e Mário Soares, desvinculado dos fundamentos marxistas do ideário socialista, “proclama as virtudes do pluralismo, a inevitabilidade do liberalismo, e lidera, dominando o partido e o país”. Com o seu talento político, ergue a voz e faz-se ouvir: com ele, a democracia em Portugal está garantida e o país aparentemente livre da “ameaça comunista”. Com a sua habitual persistência, mantendo durante anos o mesmo discurso político sempre que fala, acaba por ganhar terreno e isolar a esquerda.
A Revolução dos Cravos continua a dividir a sociedade portuguesa, sobretudo nos estratos mais velhos da população que viveram os acontecimentos, nas facções extremas do espectro político e nas pessoas politicamente mais empenhadas. A análise que se segue refere-se apenas às divisões entre estes estratos sociais. Extremam-se entre eles os pontos de vista dominantes na sociedade portuguesa em relação ao dia 25 de abril. Quase todos reconhecem, de uma forma ou de outra, que a revolução de abril representou um grande salto no desenvolvimento político-social do país. À esquerda, pensa-se que o espírito inicial da revolução se perdeu. O PCP (cf. Varela, 2011) lamenta que não se tenha ido mais longe e que muitas das chamadas “conquistas da revolução” se tenham perdido. Os setores mais conservadores de direita tendem a lamentar o que se passou. De uma forma geral, uns e outros lamentam a forma como a descolonização foi feita. A direita lamenta as nacionalizações no período imediato ao dia 25 de abril de 1974, afirmando que a revolução agravou o crescimento de uma economia já então fraca. A esquerda defende que a o agravamento da situação econômica do país é consequente de medidas então programadas que não foram aplicadas ou que foram desfeitas pelos governos posteriores a 1975, e com isso, desfeitas as utopias da construção de um socialismo democrático.
Ao golpe político-militar seguiu-se o chamado PREC, caracterizado por fortes embates entre as diferentes correntes de esquerda que assumiram o poder, e envolveram-se na formulação da Constituição aprovada em 1976. Houve muitas ocupações de terras e de edifícios privados, nacionalizações de bancos, seguradoras, indústrias químicas e de papel, e outras atividades que poderiam interessar ao Estado. Também se promoveu uma “limpeza” ideológica na mídia, com demissão de jornalistas conservadores ou ligados ao antigo regime. Em reação às medidas mais radicais, grupos clandestinos de direita, alguns com participação e apoio de setores da Igreja, praticavam atos terroristas, explosões e assassinatos, principalmente na região central do país e na área do Porto, ao norte.
 Lembra-nos Boaventura de Sousa Santos que,
A morte no último dia 10 de Maria de Lurdes Pintasilgo (primeira-ministra de Portugal após a Revolução dos Cravos, em 1974) ocorreu num momento sombrio da democracia portuguesa. No momento em que os interesses econômicos e políticos dos poderosos confiscam a participação democrática antes que esta se vire contra eles; no momento em que os zeladores das instituições democráticas as esvaziam sob o pretexto de assegurar o seu regular funcionamento; no momento em que a violência da injustiça social, do desemprego, da pobreza, da destruição do serviço nacional de saúde entra na casa de milhões de portugueses, enquanto uns milhares de compradores de decisões políticas enchem os bolsos de dividendos e fazem esgotar os bens de luxo no mercado; no momento em que um discurso político patético do mais alto magistrado da nação transmite uma mensagem de medíocre resignação, exigindo a continuação de políticas que os portugueses afirmaram democraticamente serem ruinosas e impedindo a ruptura com elas, por supor, obviamente, que, se a houver, será para pior; no momento, enfim, em que o poder tem sempre razão contra a razão dos que não têm poder” (cf. Santos, 2004).
            Ipso facto, para  Santos (1981; 1985a; 1985b; 1996; 2010) a sociedade portuguesa ainda transita sob a turbulência das rupturas e das continuidades, quanto os portugueses estão divididos “entre a vontade de navegar e a vontade de ancorar”. Navegar, metaforicamente, significa “viajar para onde o quotidiano não dói”. Ancorar significa “ter a certeza da segurança contra as tempestades do risco”. A vontade de navegar apela à sociedade de consumo, sobretudo dos consumos culturais. A vontade de ancorar apela à sociedade dos direitos civis. Quanto à vontade de navegar, é evidente a tendência para o crescimento dos consumos culturais e das práticas de lazer em Portugal. Opinião associada ao crescimento das classes médias, ao aumento dos níveis médios de escolarização e à intensificação destas práticas entre os jovens. É manifesto, ao longo dos últimos trinta anos, o domínio das práticas culturais realizadas na esfera doméstica e, portanto, a sua prevalência relativamente às que se dirigem para o espaço público. Entre as “práticas domésticas”, destaca-se claramente o uso da televisão que é, a uma distância muito grande de todas as outras, a atividade cultural que maiores taxas de consumo revela. A televisão apresenta-se, de resto, como o produto cultural de consumo socialmente mais transversal. O peso esmagador que os consumos televisivos ocupam nos consumos culturais dos portugueses enuncia um traço importante da cultura de massas em Portugal. 

É que embora, do lado da oferta, seja visível a expansão crescente de outras expressões da cultura de massas como cinema, imprensa, livro, música, a verdade é que elas são hoje muito pouco massificadas entre os portugueses. Do lado dos consumos massivos, só a televisão parece constituir-se como um campo de inequívoca afirmação da cultura de massas em Portugal. Melhor dizendo, a continuar, esta discrepância chocante entre o país oficial dos direitos e o país real da denegação impune dos direitos civis consegue tirar aos portugueses a âncora das expectativas fundadas e, com o tempo, pode mesmo aniquilar-lhes a “vontade de ancorar”. E como sem âncora não se navega, a sociedade portuguesa poderá ficar bloqueada no cais de embarque. Atulhada de equipamentos para viagens vertiginosas, mas, em verdade, apenas vertiginosamente parada. Para que tal não aconteça, os portugueses terão de saber que na Europa de que fazem parte os direitos de cidadania não foram historicamente uma concessão desinteressada das classes dominantes ou das elites políticas. Foi antes uma conquista difícil, se já não é um truísmo, resultado de lutas sociais e políticas frequentemente consideradas, desde seu início, criminosas ou utópicas. A “vontade da viagem”, para a análise política e conjuntural de Boaventura de Sousa Santos, deve se manter intacta e forte para que não desistamos da “vontade de ter âncora”.
Do ponto de vista da 7ª Arte após o dia 25 de abril de 1974 e com o fim da censura política, a produção cinematográfica alterava substancialmente o teor das produções, agora mais voltado para a exposição do pós-guerra. Produzido para a RTP, Adeus, até ao Meu Regresso (1974), dirigido por Antônio-Pedro Vasconcelos narrava alguns casos significativos entre os milhares de soldados que combatiam na Guiné, a propósito das mensagens de Natal para as famílias. Incompleto ficou O Último Soldado (1979), dirigido Jorge Alves da Silva, sobre as dificuldades de readaptação conjugal e social de um oficial paraquedista (João Perry) de regresso a Portugal. O filme: La Vitta e Bella (1979), dirigido por Grigori Tchoukrai, é uma coprodução luso-ítalo-soviética, filmada em Lisboa, sobre um taxista, ex-aviador militar que, durante a guerra de Angola, recusara abrir fogo e afundar um barco com mulheres e crianças.
Do ponto de vista da colonização o filme: Actos dos Feitos da Guiné (1980), dirigido por Fernando Matos Silva argumenta com Margarida Gouveia Fernandes, mas que encena, em forma de teatro de crítica, a relação histórica do colonialismo português e seus heróis, com excertos filmados na Guiné, em 1969-70. No caso do filme: A Culpa (1980), dirigido por Antônio Vitorino d`Almeida, narra a obsessão de um ex-combatentes da guerra da Guiné (Sinde Filipe). Analogamente Em Gestos & Fragmentos - Ensaios sobre os Militares e o Poder (1982), dirigido por Alberto Seixas Santos e Otelo Saraiva de Carvalho descreve o percurso, seu e dos seus camaradas do chamado “Movimento dos Capitães”, que levou o país da guerra colonial ao golpe de Estado do 25 de abril. Enfim, Um Adeus Português (1985), dirigido por João Botelho e Leonor Pinhão evocam um incidente com uma patrulha militar que se perde no mato, com a morte de um furriel. Em Era Uma Vez um Alferes (1987), dirigido por Luís Filipe Rocha, baseado na obra de Mário de Carvalho, produzido para a RTP, reconstitui um episódio em África, em que um alferes português pisa numa mina, que explodirá quando ele levantar o pé. Finalmente, em Non ou a Vã Glória de Mandar (1990), dirigido por Manoel de Oliveira, uma reflexão sobre a identidade da pátria por parte de alguns soldados, no final da guerra, pouco antes do golpe de 25 de abril, ilustrada desde o início de Portugal como nação Independente.

Bibliografia geral consultada.

JANOWITZ, Morris, O Soldado Profissional: Um Estudo Social e Político. Rio de Janeiro: Edições G. R. D., 1967; GINZBURG, Carlo, “Spie – Radici di un Paradigma Indiziario”.  In: Miti, Emblemi, Spie. Morfologia e Storia. Torino: Einaudi Editore, 1986; CANFORA, Luciano, Togliatti e i Dilemmi della Politica. Bari: Edizione Laterza, 1989; BRAGA, Ubiracy de Souza, Das Caravelas aos Ônibus Espaciais. A Trajetória da Informação no Capitalismo. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. Escola de Comunicação e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1995; LEIRNER, Piero de Camargo, Meia Volta Volver: Um Estudo Antropológico da Hierarquia Militar. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1997; ANCIÃES, Silvia Lemgruber Julianele, A Revolução dos Cravos e a Adoção da Opção Europeia da Política Portuguesa. Dissertação de Mestrado. Programa de Relações Internacionais. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2004; SECCO, Lincol, 25 de abril de 1974: a Revolução dos Cravos. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005; REZOLA, Maria Inácia, Os Militares na Revolução de Abril: o Conselho da Revolução e a Transição para a Democracia em Portugal. Lisboa: Campo da Comunicação, 2006; SANTOS, Boaventura de Sousa, “A Crise e a Reconstituição do Estado em Portugal (1974 - 1984)”. In: Pensamiento Iberoamericano, 5, 499-520; Idem, “A Crise e a Reconstituição do Estado em Portugal (1974 - 1984)”. In: Revista Crítica de Ciências Sociais, 14, 7-29; Idem, (1985a), “Os Três Tempos Simbólicos da Relação entre as Forças Armadas e a Sociedade em Portugal”. In: Revista Crítica de Ciências Sociais, 15/16/17, 11-45; Idem, (1985b), “O Estado e o Direito na Transição Pós-Moderna”. In: Revista Crítica de Ciências Sociais, 30, 13-44; Idem, & Maria Manuel Leitão; Pedroso, João (1999), “Les Tribunaux dans les Sociétés Contemporaines: Le Cas Portugais”. In: Droit et Société, 42-43, 311-331; ABADIA, Danúbia Mendes, O Jornal Combate e as Lutas Sociais Autonomistas em Portugal durante a Revolução dos Cravos (1974-1978). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2010; VARELA, Raquel, História do PCP na Revolução dos Cravos. Rio de Janeiro: Editora Bertrand, 2011; ALMEIDA, Fábio Change de, A Direita Radical em Portugal: da Revolução dos Cravos à Era da Internet. In: Dossiê: Laços Sociais, Laços Transnacionais - da Construção de Vínculos na História. Estudos Ibero-Americanos, vol. 41,  1 (2015);   entre outros. 
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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).

domingo, 26 de abril de 2015

Fiódor Dostoiévski - Liberdade Individual & Alma de Personagens.

Ubiracy de Souza Braga*

       “Não há outro inferno para o homem além da estupidez ou da maldade dos seus semelhantes”. Marquês de Sade

                                        
                                                          Fiódor Dostoiévski no Haymarket (1874).

          Considerado um gênio do mal, segundo Máximo Górki. Perigoso, segundo Josef Stálin. Até 1953 o currículo autoritário/totalitário soviético para estudos universitários sobre o escritor o classificava como “expressão da ideologia reacionária burguesa individualista”. Segundo ele mesmo, seu mal era uma doença chamada consciência. O inverno se aproxima de Moscou a passos de neve. Estamos a 30 de novembro de 1821. No hospital Maria, destinado aos pobres da cidade, Maria Feodórovna Netchaiev ouve os primeiros gritos de seu segundo filho - Fiodor Mikhailovitch Dostoievski - cujo destino nem a mãe nem o pai - o doutor Mikhail Andrévitch Dostoievski - seriam capazes de adivinhar naquele momento de angústias e esperanças. Além disso, o que está escrito na lápide do túmulo de Fiódor Dostoiévski (1821-1881) em São Petersburgo deu frutos, no âmbito da literatura e da filosofia, a saber: Nietzsche, Sartre, Camus, Kafka, Freud, Proust, Clarice Lispector, Nelson Rodrigues, todos devem tributo ao russo, nascido em Moscou. Epiléptico como Machado de Assis, influenciou o existencialismo, o modernismo literário, a psicologia e a teologia. Foi condenado à morte por ler textos censurados, mas teve a pena alterada quando já estava de frente para o pelotão de fuzilamento, sendo então levado à Sibéria para quatro anos de trabalhos forçados.
           Apenas após seu retorno da prisão na Sibéria - Dostoievski foi preso por tramar contra o Czar -, repetiria o escritor seu sucesso inicial com a semi-biográfica obra Recordações da Casa dos Mortos, uma coleção de fatos sociais e eventos políticos ligados à vida nas prisões da Sibéria. O próprio Dostoiévski passou quatro anos exilado em uma dessas prisões, em função de sua condenação por envolvimento com o Círculo Petrashevski, um grupo literário russo banido pelo czar Nicolau I, a qual trata dos anos que passou na prisão. Mais tarde sua fama aumentaria drasticamente graças a obras como Crime e Castigo, onde existem sujeitos ordinários e extraordinários, os primeiros,  condenados a viver uma vida normal e obedecer às normas sociais, enquanto que os segundos, extraordinários: Napoleão Bonaparte, podendo transgredir as normas sociais e levar a sociedade a um novo estágio, O Idiota, uma modernização do ideal ético cristão, o Príncipe Míchkin, também era a forma como Dostoiévski se contrapunha ao niilismo ocidental europeu, por isso o personagem pode ser visto como estando em direta contraposição ao Raskolnikov de Crime e Castigo, uma das principais retratações niilista, e Os Demônios, obra foi motivada por um episódio verídico: o assassinato do estudante I. I Ivanov pelo grupo niilista liderado por Sergey Nechayev em 1869.
              Ao recriar esse evento, o escritor cria uma das suas maiores obras, à altura de Crime e Castigo. Besy é um estudo profundo do pensamento político, social, filosófico e religioso de seu tempo. O narrador, ao mesmo tempo que observa a ação, participa dela, pois é um personagem narrando a estranha história social que desenrolou-se em sua cidade no interior da Rússia. Foi entretanto já próximo da morte que Dostoiévski consolidou-se um dos maiores escritores de todos os tempos com sua obra-prima Os Irmãos Karamazov, uma das mais importantes obras da literatura russa e mundial, ou, melhor conforme afirmou Freud, leitor de Dostoiévski: “a maior obra da história”.  Freud considera esse romance, juntamente com Édipo Rei e Hamlet, três importantes livros com a representação de personagens a respeito do embate pai & filho, e retratam o Complexo de Édipo. Fiódor Dostoiévski foi muito influenciado por tradições folclóricas, representada  por algumas ideias que acreditavam que as águas de rios, mares e lagos, representavam a fronteira entre “o mundo dos vivos e o mundo dos mortos”. 

                                        
             
          Por conta da influência que arrecadou através dessa cultura – onde o homem está entre a vida e a morte –, as personagens da literatura de Dostoiévski estão constantemente expostas a ocasiões complexas, beirando os limites da razão e  da lógica, e os limites  que o ser humano é capaz de  realizar diante de problemas universais; contudo, em geral, suas personagens podem ser classificadas em diferentes categorias: “cristãos humildes e modestos”, “autodestrutivos e niilistas”, “cínicos e libertinos”, “intelectuais rebeldes”, enquanto regidos por ideias e não imperativos sociais ou biológicos. Lembra-nos a “filosofia na alcova: ou os preceptores imorais” (cf. Sade, 1999). Embora alguns biógrafos insistam que a primeira “crise” de Dostoiévski aconteceu antes da prisão, às cartas que ele enviou ao irmão deixaram bastante claro que ele só começou a apresentar a doença durante sua prisão. Os estudos médicos nunca chegaram a um acordo sobre sua epilepsia. Freud, por exemplo, afirmou que era uma doença histérica, e não epilepsia. Não só compreendida pela análise das Cartas, mas também pelos testemunhos deixados por seus contemporâneos, podemos perceber que Dostoiévski nunca abandonou a religião Ortodoxa, na qual fora criado, ao contrário da lenda que se formou posteriormente. A partir de Freud, o Inconsciente passa a ser uma instância psíquica de interpretação analítica com leis próprias, regida pelo imperativo da satisfação e que, a todo o momento, quer irromper praticamente na consciência e, para tanto, romper com o recalque. 
          Recalque, representa um dos conceitos fundamentais da concepção de psicanálise, tendo sido desenvolvido através da observação por Sigmund Freud. Denota um mecanismo mental de defesa contra ideias que sejam incompatíveis com o Eu. Freud dividiu a repressão psicológica em dois tipos: a repressão primária, na qual o inconsciente é constituído; e a repressão secundária, que envolve a rejeição de representações inconscientes. A repressão é o processo psíquico através do qual o sujeito rejeita determinadas representações, ideias, pensamentos, lembranças ou desejos, submergindo-os na negação inconsciente, no esquecimento, bloqueando, assim, os conflitos geradores de angústia. – “O recalcado se sintomatiza”, diz Freud. Ou seja: pela repressão, os processos inconscientes só se tornam conscientes através de seus derivados - os sonhos ou os sintomas neuróticos.  De acordo com Freud, o recalque ganha expressiva força simbólica  e é um dos conceitos fulcrais da psicanálise.

Consiste em um mecanismo que remete para o nível inconsciente emoções, pulsões e afetos do cotidiano da vida social que são considerados repugnantes para um determinado indivíduo. A repressão desses sentimentos para o inconsciente não os elimina do quadro psíquico, e podem causar distúrbios no indivíduo. Freud classificou este mecanismo em duas categorias: recalcamento primário (inscrição de experiências no inconsciente) e recalcamento secundário (a rejeição de experiências inscritas no inconsciente). Recalque diferencial é uma expressão utilizada na engenharia civil que descreve a diferença entre os recalques de dois elementos de uma fundação. Se um prédio é construído sobre uma camada de argila fina, pode ocorrer recalque diferencial, que em muitas ocasiões origina fissuras diagonais nas estruturas. O recalque diferencial causa distorções nas estruturas psíquicas e sociais, e dependendo da sua magnitude, podendo chegar a causar fissuras ou trincas.

Nele, no inconsciente, estaria tudo aquilo que diz respeito ao próprio sujeito, mas que o eu (a consciência) não pode e na maioria das vezes não quer reconhecer. Enfim, na tentativa de melhor explicar o que vem a ser o Inconsciente em Freud, vos remeto a um trecho da obra de F. Dostoiévski, Memórias do Subsolo:
“Existem nas recordações de todo homem coisas que ele só revela aos seus amigos. Há outras que não revela mesmo aos amigos, mas apenas a si próprio, e assim mesmo em grande segredo. Mas também há, finalmente, coisas que o homem tem medo de desvendar até de si próprio; e, em cada homem honesto, acumula-se um número bastante considerável de coisas do gênero. E acontece até o seguinte: quanto mais honesto é o homem, mais coisas assim ele possui. Pelo menos, eu mesmo só recentemente me decidi a lembrar das minhas aventuras passadas e, até hoje, sempre as contornei com alguma inquietação. Mas agora, que não lembro apenas, mas até mesmo resolvi anotar, agora quero justamente verificar: é possível ser absolutamente franco, pelo menos consigo mesmo, e não temer a verdade integral? Observarei a propósito: Heine afirma que uma autobiografia exata é quase impossível, e que uma pessoa falando de si mesma certamente há de mentir” (Dostoiévski,1962: 173-174).
            Cabe lembrarmos que, em 1927, Freud juntou à tragédia antiga e ao drama shakespeariano uma terceira vertente: Os Irmãos Karamázov. Segundo ele, o romance de  Dostoiévski “era o mais freudiano dos três”, pois em vez de mostrar um inconsciente disfarçado de destino (como Édipo Rei) ou uma inibição culpada, ele põe em cena, sem máscara alguma, “a própria pulsão assassina, isto é, o caráter universal do desejo parricida”: cada um dos três irmãos, com efeito, é habitado pelo desejo de matar realmente o pai. Quatro facetas Freud distingue na rica, como ele mesmo diz, personalidade de Dostoiévski: “o artista criador, o neurótico, o moralista e o pecador”. Contudo, Édipo tem que descobrir quem assassinou o Rei antes dele. Olhando para o assassino, Édipo começa a prender sobre suas origens e seu verdadeiro eu. Hamlet, por outro lado, representa o príncipe da Dinamarca, tentando vingara a morte do pai. Daí o parti pris nestas notas de leitura tendo como referência a psicologia de seus personagens. Freud irá destrinchar em sua obra cada uma dessas facetas.
De acordo com ele, o caráter moralista é o aspecto mais facilmente acessível. No entanto, o resultado final das batalhas morais de Dostoiévski não foi lá muito glorioso. Para Freud, depois das mais violentas lutas para reconciliar as exigências “instintuais” do indivíduo com as reivindicações da comunidade, que é muito bem precisa em Carl Schorske (1990), Dostoiévski veio a cair na posição retrógrada de submissão à autoridade temporal e espiritual, de veneração pelo czar e pelo Deus dos Cristãos, e de um estreito nacionalismo russo. Ou seja, quando em O Idiota, o desenrolar da trama cujo tema central recai na problemática do indivíduo puro, superior, que acaba sendo para os demais, numa sociedade corrompida, um idiota, um inadaptado. Ou ainda, quando nos aponta pistas nesta direção pois acredita Freud que: “Esse é o ponto fraco dessa grande personalidade. Dostoiévski jogou fora a oportunidade de se tornar mestre e libertador da humanidade e se uniu a seus carcereiros. O futuro da civilização humana pouco terá por que lhe agradecer” (Freud, 1928: 182).
            O realismo crítico foi um movimento artístico e cultural que se desenvolveu na segunda metade do século XIX. E como os movimentos sociais são a ação conflitante dos agentes das classes sociais, para lembramos de Alain Touraine, a característica principal deste movimento foi dá-se com a abordagem de temas sociais e um tratamento objetivo da realidade do ser humano. Possuía um forte caráter ideológico, marcado por uma linguagem política dos problemas sociais que interpelam o indivíduo constituindo-o em sujeito como, por exemplo, a questão tópica da miséria, pobreza, exploração, corrupção, e outros. Com uma linguagem clara, os artistas e escritores realistas iam diretamente ao foco da questão, reagindo, desta forma, ao subjetivismo do romantismo.
Em O Diário de um Escritor, em russo, Dnevnik pisatelya apresenta-nos uma série de artigos iniciados em 1873 e recordou que após concluir Gente Pobre é o primeiro romance de Dostoiévski, escrito em 1846 quando tinha 25 anos e tem como personagens humildes habitantes de São Petersburgo. O livro revela uma impressionante maturidade se considerarmos a idade do autor. Podemos vê-lo como um manifesto da sua concepção de literatura, porque encontramos aqui presentes as especificidades que o distinguiriam ao longo de toda a sua obra. Os problemas sociais diários relacionados com a habitação, a comida e o vestuário. O frio e uma sociedade que escarna solenemente dos pobres.  Um livro de Dostoiévski, mais um, sociologicamente com uma feroz crítica social, mas também na esfera da política. Provavelmente uma das obras que o mandou para a cadeia siberiana. Não seria um livro de Fiódor se uma carga psicológica não carregasse as personagens, onde os seus passados pessoais se misturam com os seus feitios e reações. Para García Lorca, “o insigne escritor russo, Fedor Dostoiévski, muito mais pai da revolução russa do que Lenine”.
Deu uma cópia para seu amigo Dmitry Grigorovich, que a entregou ao poeta Nikolai Alekseevich Nekrasov. Com a leitura do manuscrito “em voz alta”, ambos ficaram extasiados pela percepção social da obra. Às quatro horas da manhã, foram até Dostoiévski para dizer que seu primeiro romance era uma obra-prima. Nekrasov mais tarde entregou a obra a Bielínski. “Um novo Gogol apareceu!”, disse Nekrasov. “Pra você, os Gogol nascem como cogumelos!”, Bielínski respondeu. Logo depois, porém, o crítico concordaria. Ele estava extasiado com o movimento realista na Europa, e considerou o romance de Dostoiévski como a primeira tentativa do gênero na Rússia. Nas obras em prosa, o realismo atingiu seu ápice na literatura. Os romances são de caráter psicológico, abordando temas polêmicos para a segunda metade do século XIX.
As instituições sociais são criticadas, assim como a Igreja Católica e a penetração da burguesia fomentando a sociedade de classes. Nas obras literárias deste período, os escritores também criticavam “o preconceito, a intolerância e a exploração”. Sempre utilizando uma linguagem direta e objetiva. Podemos citar como importantes obras da passagem do romantismo para o realismo: Comédia Humana de Honoré de Balzac, O Vermelho e o Negro de Stendhal, Carmen de Prosper Merimée e Almas Mortas de Nikolai Gogol. Porém, a obra que marca o início do realismo na literatura é a obra Madame Bovary de Gustave Flaubert. Outras importantes obras são: Os Irmãos Karamazov de Fiódor Dostoiévski, Anna Karenina e Guerra e Paz de Leon Tolstói, Oliver Twist de Charles Dickens, Os Maias e Primo Basílio de Eça de Queiroz, entre os mais lidos e citados. Para a compreensão da neurose de Dostoiévski, Freud utiliza a análise do “sujeito do sintoma”, nesse caso da epilepsia. 
          Pois bem, Dostoievski era epilético e, segundo suposição de Freud, os sintomas neuróticos teriam assumido forma epilética a partir do assassinato de seu pai. Aí se torna visível a questão do parricídio; como demonstrado pelo complexo de Édipo, Dostoiévski, talvez como qualquer outra pessoa, teria ao mesmo tempo ódio do pai por vê-lo como rival pelo amor da mãe e identificação com ele através da admiração e desejo de ocupar seu lugar, fundando uma relação ambivalente. O ódio, no entanto, seria reprimido pelo que Sigmund Freud traz como “temor à castração”, e permaneceria no inconsciente. Quando presente um fator bissexual como constitucional da criança, o amor pelo pai faz com que o menino queira assumir a posição da mãe, porém, para isso a criança seria igualmente castrada, de modo que o medo da castração dessa vez causa, também à atitude feminina, representa pois a condição de um homoerótico latente.
A repressão do ódio pelo pai e a identificação com ele (por buscarem o mesmo lugar em relação à mãe) fundam o superego. Freud traz o exemplo de que “se o pai for duro, violento e cruel, o superego assume dele esses atributos, e, nas relações entre o ego e ele, a passividade que se imaginava ter sido reprimida é restabelecida”. Há relatos também de que as crises de Dostoievski o levavam a ter sensação de estar morto. Isso é explicado pelo sadismo do superego e a passividade do ego, em forma de punição; Dostoievski desejava de maneira inconsciente assumir a posição do pai, agora o pai está morto e ele “é” o pai. Daí as condições e possibilidades por relacionar Freud à obra de Dostoievski através da ideia de que todos os criminosos - e todo crime se fundamenta na vontade de matar o pai em busca de ser/ter o falo -, e à exceção dos psicóticos (cf. Braga, 2010), têm desejos inconscientes de serem punidos (principalmente através do sentimento de culpa), de modo que todo criminoso neurótico já é castigado por si mesmo, como é demonstrado em “Crime e Castigo”.
Enfim, não queremos perder de vista que Crime e Castigo, se baseia numa visão sobre religião e existencialismo, uma doutrina ético-filosófica e literária que destaca a liberdade individual, a responsabilidade e a subjetividade do ser humano. O existencialismo considera cada homem como um ser único que é mestre dos seus atos e do seu destino, portanto, apresenta-se na obra com um foco predominante no tema de atingir salvação por sofrimento, sem deixar de comentar algumas questões do socialismo e niilismo. Os flagrantes traços autobiográficos, como a adoração pela mãe, o vício do jogo (O Jogador) e a fidelidade, bem como os traços estilísticos colocaram esta obra, entre as maiores da história da literatura universal e, certamente, junto com Os Irmãos Karamazov, a posição de maior escritor russo da história em conjunto com Lev Tolstoy.
O Idiota, em russo, Идиот, é um romance escrito em Florença, entre os anos de 1867 e 1868, pelo escritor. Publicado em 1869, o livro foi muito bem recebido pelos críticos da época. Nele Dostoiévski constrói um dos personagens mais impressionantes de toda literatura mundial, o humanista e epilético Príncipe Míchkin, mescla de Cristo e Dom Quixote. Escrito em meio a crises de epilepsia, perturbações nervosas, viagens e sob a pressão de severas dívidas de jogo, O Idiota é considerado pelo crítico estadunidense Harold Bloom um “Cânone Ocidental”, juntamente com Crime e Castigo e Memórias do Subsolo. As Notas do subterrâneo também traduzido como Memórias do Subsolo ou Notas do Subsolo, em russo, Записки из подполья, Zapíski iz pódpol'ia, é um pequeno romance de Fiódor Dostoiévski. Esta obra é considerada como a primeira obra existencialista do mundo. Apresenta-se como um excerto das memórias de um empregado civil aposentado que vive em São Petersburgo. O livro é dividido em duas partes, e pequeno quando comparado ao tamanho das outras obras-primas de maior fôlego do extraordinário Fiódor Dostoiévski.
A narrativa apresenta um homem amargo, isolado, sem nome, chamado geralmente de “Homem subterrâneo”. Este personagem, que não menciona seu nome em nenhum momento, encena na primeira parte do romance, que leva o nome de “O subsolo”, um grande solilóquio com a intenção de “comover” de alguma forma seu exigente público leitor. Este leitor é de suma importância que seja detectado na leitura, e portanto no processo social de comunicação, pois o discurso do narrador é “moldado” por seu receptor, o seu solilóquio, na verdade, é uma grande evocação de discursos alheios que são parodiados de uma forma zombeteira e às avessas. A personagem chega a dizer que é um homem mau, ou age como tal, mas que pode ser agradado e visto como uma pessoa de bem. Essa incapacidade de se livrar do peso moral o aflige. Diz que os homens sanguinários eram cultos e inteligentes, reforçando as ideias de Raskolnikov em Преступле́ние и наказа́ние, Prestuplênie i nakazánie, e que ele mesmo gostaria muito de encontrar um motivo pra dar sentido a sua vida, como os chamados homens de ação. Ele conclui que “o melhor é não fazer nada”.
Na segunda parte, nomeada de “A propósito da neve molhada”, há três episódios fascinantes que relatam de uma forma concreta como o nosso anti-herói é encurralado socialmente pelos discursos e ações de uma sociedade despótica. Essa narrativa é exposta com uma visão filosófica da consciência do protagonista, num dos melhores exemplos do recurso literário fluxo de consciência. Dostoiévski estava convencido de que o belo é um ideal e a dificuldade em descrevê-lo emerge em sua obra como uma tarefa infinita, pois “somente uma figura no mundo é positivamente bela: é Cristo, de modo que o fenômeno dessa figura ilimitadamente, infinitamente boa já é em si um milagre infinito”. Sendo assim, definir um traço real da personalidade de Míchkin é um desafio e certamente constitui para a maioria dos leitores o que Kierkegaard denominou o “escândalo”. No entanto, para Dostoiévski o real do artista não é outra coisa que o “real comum”. Em O Idiota a “verdade” emerge como um reconhecimento mais amplo e social da realidade humana. Precisamente porque diante das “realidades” terrenas, Dostoiévski sinaliza que a única possibilidade de demonstrar o conteúdo de sentido da fé religiosa-política é mediante uma espécie de aspiração idealista.
       O príncipe Míchkin é indivíduo cuja pureza de coração, aos olhos dos demais, parece idiota. Em decorrência de um amor extremamente puro, a humildade emerge como uma espécie de auto-humilhação que se mostra como um estado doentio, ou seja, como alguém desconectado do “real”. Seu olhar transformado pelo amor vê, no agir do outro, o que não pode ser visto pelo olho simplesmente físico, ou seja, somente os olhos da fé trazem à luz o que não é de modo objetivo a verdade. É por isso que o príncipe, em seu olhar transformado, consegue perdoar os “pecados”, pois objetivamente ele não vê o que os outros veem e é justamente por isso que ele perdoa. Seu olhar não é ingênuo e, no entanto, do mesmo modo que ele percebe o pecado, ele já o considera perdoado. Como Kierkegaard nas Obras do Amor, Míchkin nos vislumbra através do olhar amoroso, não é o conhecimento da verdade objetiva que traduz a sua prática amorosa, mas que esse mesmo olhar é capaz de encobrir uma multidão terrena de pecados. 
Nestes termos o conhecimento não produz elementos capazes de perceber perfeitamente a ação do outro e, nesse sentido, as possibilidades de interpretação serão sempre fundamentadas em uma decisão. O olhar amoroso se baseia não pelo conhecimento objetivo, mas em uma escolha, pois o pecado mesmo sendo visto é perdoado e, nesse sentido, já não é mais visto. A partir de nosso próprio conhecimento, estamos sempre diante da possibilidade de escolhas, ou seja, tanto podemos ver o outro com um olhar amoroso, percebendo nele boas qualidades, quanto desconfiar e perceber somente a maldade. Kierkegaard compreende que, aos olhos do mundo, aquele que nada descobre em relação à maldade alheia produz uma impressão bastante medíocre. Sob este aspecto, repetidas vezes ele afirma que o amoroso se assemelha a uma criança, se reconhece como tal, e deseja permanecer. Nesse sentido, o amoroso, assim como a criança, “não entende o mal e nem quer entender. No cinema, sua obra recebeu a adaptação do diretor Luchino Visconti, com Marcello Mastroianni e Maria Schell, pois, Le Notti Bianche (1957), que recebeu o Leão de Prata no Festival de Cinema de Veneza, com sonora assinada por Nino Rota, compositor preferido de Federico Fellini.
A São Petersburgo do século XIX é transportada para uma Livorno construída no Teatro 5 de Cinecittá. O roteiro é assinado por Suso Cecchi d`Amico. A TV brasileira também assistiu a uma adaptação da obra de Dostoiévski; Noites Brancas foi exibida como um caso Especial em 1973, na hegemônica Rede Globo de Televisão, com o mestre Francisco Cuoco e a saudosa Dina Sfat nos papéis principais, sob a direção genial de Oduvaldo Viana Filho. Lembramos ainda que o cineasta como Autor é responsável pela leitura que faz, e a partir dela o debate estabelecido não deve girar  necessariamente em torno da fidelidade à obra, uma vez que, felizmente não é possível conceber uma única interpretação para o texto lido. Ipso facto, o cinema, esteticamente, assim como qualquer tipo de arte, inclusive a literatura que serve de base, é a expressão de um indivíduo, de uma nação e certamente da cultura. Os leitores têm visões, valores, ideologias e imaginação sociológica singulares. Cabe ao espectador avaliar se o cineasta conseguiu transmitir a sua interpretação particular para o cinema de maneira lúdica, portanto, criativa. Em vista disso, a fidelidade ao original deixa de ser o critério maior de juízo crítico, valendo mais a apreciação do filme como uma sempre renovada experiência. Além de livro e filme estarem distanciados no tempo, escritor e cineasta não têm a mesma sensibilidade. E deveriam?
Bibliografia geral consultada.

SCHORSKE, Carl Emil, Viena Fin de Siècle. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1990; DOSTOIÉVSKI, Fiódor, Os Irmãos Karamázov. Rio de Janeiro: José Olympio Editora. 1962; Idem, Crime e Castigo. Tradução, prefácio e notas de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2001; Idem, Coração Fraco e outras histórias. Rio de Janeiro: Editorial Presença, 2006; Idem, Gente Pobre. Rio de Janeiro: Editora 34, 2010; GARCIA-ROZA, Luiz Alfredo, Acaso e Repetição em Psicanálise: Uma Introdução à Teoria das Pulsões. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1986; FRANK, Joseph,  Dostoiévski: Os Anos de Provação, 1850-1859. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000; Idem, Dostoiévski: Os Efeitos da Libertação. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002; FREUD, Sigmund, “Dostoiévski e o Parricídio”. In: Obras Completas. Rio de Janeiro: Editora Imago, 1990. Volume XXI; ARTEAGA, Cristiane Guimarães, O Herói da Modernidade em Dostoievski e Graciliano Ramos. Tese de Doutorado em Literatura Comparada. Programa de Pós-Graduação em Letras. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2011; ALMEIDA, Giuliana Teixeira de, Pelo Prisma Biográfico: Joseph Frank e Dostoievski. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Literatura e Cultura Russa. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo, 2013; VASSOLER, Flávio Ricardo, Distoiévski e a Dialética. Fetichismo da Forma, Utopia como Conteúdo. Tese de Doutorado. Departamernto de Teoria Literária e Literatura Comparada. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2015; PONTES, Madjer Ranyery de Souza, A Formação Literária de Fiodor Dostoievski e o Conceito de ´Homem Pequeno`. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Letras. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2015; VASSOLER, Flávio Ricardo, Dostoiévski e a Dialética: Fetichismo da Forma, Utopia como Conteúdo. Tese de Doutorado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2015; entre outros.
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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza:  Universidade Estadual do Ceará (UECE).

sábado, 25 de abril de 2015

Ecologia, Crítica Política & Produção Literária Pós-Marxista.

                                Ubiracy de Souza Braga*
 
        “Il s’agit, en effet, d’oeuvrer à l’émergence d’une nouvelle démocratie écologique”. Felix Guattari (1930-1992)

  

          Convém aqui lembrar, em um notável exemplo positivista na ciência, que Karl Popper, antes de ser defensor do liberalismo político, foi comunista e só o deixou de sê-lo, quando em julho de 1919, durante uma manifestação de esquerda em que participou, “a polícia austríaca matou seis dos seus colegas”. A partir desse momento, Popper abandonou a ideia de revolução social, por implicar violência, e, sob a influência de Russell, abraça o pacifismo, tornando-se antimarxista para o resto da vida. É este anti-marxismo que ele expõe na sua obra A Sociedade Aberta e os seus Inimigos (1987), perseguindo a historicidade do pensamento dialético de Heráclito a Marx. De modo geral, o tratamento a que Karl Popper submete as figuras emblemáticas desse pensamento que associa ao totalitarismo é superficial e, muitas vezes, erróneo. Contudo, este elogio do racionalismo com que termina a obra assenta numa decisão, como demonstrou o racionalista Jürgen Habermas, não pode ser fundamentada racionalmente. Embora o seu racionalismo e liberalismo, tendo como background o ressentimento, tenham reconhecido modificações ao longo da sua vida, permanece fiel no essencial a esses princípios e, no final da sua vida, suaviza aparentemente o seu liberalismo ilimitado, atribuindo ao Estado liberal a ideia pragmática de fazer respeitar os direitos civis e protegê-los contra toda a forma de violência, social e política, sobretudo aquela que é exercida insidiosamente pelos meios de comunicação social massivos sobre os espíritos, no que tem absoluta razão.   
       No debate da filosofia da ciência contemporânea há duas tendências que avaliam os procedimentos e fundamentos do cientista. Uma é a tendência histórica e a outra é a tendência analítica. Assim como o Círculo de Viena, Popper faz parte da tendência analítica que prioriza o aspecto metodológico no desenvolvimento científico, o também chamado contexto de justificação. Porém, apesar da adesão comum, Popper é, talvez, o crítico imediato de tudo o que foi estabelecido no Círculo de Viena. Em primeiro lugar, Popper não elimina a Metafísica; simplesmente, assim como Kant, tenta delimitar os campos de atuação desta e da ciência. Em segundo lugar, esta delimitação ocorre pelo fato de Popper não atentar para o conceito de significação, unicamente como critério de demarcação ou de impossibilidade da metafísica. Em terceiro lugar, Popper critica a forma de proceder por indução. Esta permitiria apenas uma semelhança de regularidade que proporcionaria uma coletânea de fatos sociais que impossibilita que se refute uma teoria. Por conseguinte, Popper formulou um novo método. É o modelo hipotético-dedutivo, em que a busca do conhecimento não se dá a partir da simples observação de fatos e inferência de enunciados. Na verdade, esta nova concepção pressupõe um interesse do sujeito em conhecer determinada realidade que o seu quadro de referências já não mais satisfaz. Por isso, a mera observação não é levada em conta, mas sim uma “observação intencionalizada”, orientada e seletiva que busca criar um novo quadro de referências.  
        Em primeiro lugar, não queremos perder de vista, analiticamente, que o termo ecosofia é um neologismo formado pela junção das palavras “ecologia e filosofia”. Ou seja, representa um conceito que aproxima analiticamente atitudes ecológicas (foto) com o pensamento abstrato humano. É termo cunhado na década de 1960, e, portanto, no tempo e no espaço de crítica à ecologia e de reconhecimento relativamente recente. Está em fase de constituição de seu sentido do ponto de vista da diversidade social, não havendo uma definição única e exata segundo o qual pretenda dele inferir ou referir-se. Sua origem pode ser ligada a dois filósofos que se situam em aspectos chaves para a sua compreensão: o norueguês Arne Naess (1972), pai da ecologia profunda, e o pós-marxista Félix Guattari (1990). O pós-marxismo é uma corrente de pensamento que propõe a teoria de que o social é constituído discursivamente. Para seus representantes não significaria uma redução simplificadamente idealista do nível de análise social e material à linguagem ou ao pensamento. O pós-marxismo representa uma forma de revitalizar a tradição de pensamento crítico marxista, na medida em que demonstra um progressivo abandono do essencialismo, do determinismo e do objetivismo do discurso social e político como parte da história interna do próprio marxismo.                    
        


Ao considerar uma teoria realista e materialista, e em certa relação de continuidade e superação com relação ao materialismo histórico de Marx, ao propor a inexistência independente do homem de “um mundo exterior ao pensamento”. Mas, como Marx e grande parte da filosofia contemporânea, rejeitam todo dualismo ou essencialismo que implique a incomunicação entre homem e mundo, sujeito e objeto, discurso e realidade. O pós-marxismo é, contudo, considerado uma “revisão” do pensamento marxista e não sua atualização. De fato, em alguns aspectos segue na direção oposta como, por exemplo, a superposição do político diante da importância que teve a ciência para grande parte do marxismo clássico. As críticas analíticas corrente, que possui entre seus maiores representantes Ernesto Laclau e Chantal Mouffe (1987; 1998), residem justamente em sua desconexão com áreas do que foi o marxismo clássico. O que devemos levar em conta é que realiza uma crítica à exacerbação do materialismo na discussão sobre o marxismo, em detrimento da subjetividade e afirma que os marxistas e progressistas não compreenderam a importância da discussão deste tema, pelo fato de se apegarem ao dogmatismo teórico.
Enquanto o professor da Universidade de Oslo em 1972, Arne Naess introduziu, em segundo lugar, a articulação entre os termos “ecologia profunda” e “ecosofia” na literatura ambiental. Contudo, Naess baseou seu artigo em uma apresentação feita por ele em Bucareste em 1972 na Terceira Conferencia Mundial de Pesquisa. Como Drengson nota em seu livro: Ecofilosofia, Ecosofia e o Movimento Ecologia Profunda: Uma Perspectiva, em seu discurso Naess discutiu o pano de fundo expandido do movimento ecológico em sua progênie e sua conexão e respeito pela natureza e o valor inerente dos outros seres viventes. A perspectiva dos seres humanos como parte integral de uma imagem completa da natureza de Naess contrasta com a construção alternativa, e mais antropocêntrica, de ecosofia delineada por Felix Guattari. Ao registrar três ecologias - a do meio ambiente, a das relações sociais e a das subjetividades humanas -, o filósofo Felix Guattari manifesta sua indignação perante um mundo cultural, social e político com o qual se deteriora lenta e gradualmente. O que está em questão é a maneira de viver daqui em diante sobre o planeta, no contexto da aceleração das mutações técnico-científicas e do considerável crescimento demográfico. Em virtude do contínuo desenvolvimento do trabalho maquínico, redobrado pela revolução informática, as forças produtivas vão tornar disponível uma quantidade cada vez maior do tempo de atividade humana potencial. Portanto, surge com que finalidade?   - do desemprego, da marginalidade opressiva, da solidão, da ociosidade, da angústia, da neurose, ou a da cultura, da criação, da pesquisa, da reinvenção do meio ambiente, do enriquecimento dos modos de vida e de sensibilidade?" (cf. Guattari, 1990). 
Por mais que os pontos de vista sobre outros pontos de vista acerca da definição de ambos sejam diferentes, como por exemplo, o nu fotográfico de Spencer Tunick – e mesmo contraditórios, mas são relacionais, portanto, complementares, contrariando a sabedoria ecológica, expressam a necessidade da emergência de um novo pensamento para além da lógica cartesiana, princípio base das sociedades modernas, que coloca o homem como centro e medida do mundo. Portanto, mestre e possessor da natureza, o qual fez culminar numa sociedade progressista onde a destruição da vida natural e a deterioração das relações humanas ameaçam profundamente a nossa própria espécie. Depreendemos daí que a diversidade de manifestações de vida, seja em Friedrich Nietzsche, seja em Georg Simmel, deve sempre ser levada em conta. Dentro de uma visão de tolerância que buscará permitir que cada indivíduo, humano ou não, possa realizar suas potencialidades, porém sem perder de vista a permissão para que outros a realizem.
Por essa démarche cada um proporá suas bases para se pensar o ser humano de forma integrada e compreensiva em todo o processo global em que estamos inseridos. Compartilhando um mundo de diversas culturas e seres, movendo-nos através de uma visão que propõe um questionamento profundo acerca das normas e premissas sociais, por vias de articulações políticas e de práticas cotidianas. Guattari aponta neste texto para a necessidade de articulação ético-estética e política desses três registros ecológicos. Suas teses são atuais e provocam debates importantes no plano teórico, histórico e ideológico do âmbito da totalidade/globalidade em diversas áreas. Nesse terreno comum, outros autores inseridos no paradigma pós-moderno têm caminhado. É a relação da subjetividade com sua exterioridade - seja ela, social, animal, vegetal, cósmica - que se encontra assim comprometida numa espécie de movimento geral de implosão e infantilização regressiva. A alteridade tende a perder toda a aspereza. O turismo, por exemplo, se resume quase sempre a uma viagem sem sair do lugar, no seio das mesmas redundâncias de imagens e de comportamento. -As formações políticas e as instâncias executivas parecem totalmente incapazes de apreender essa problemática no conjunto de suas implicações. Apesar de estarem começando a tomar uma consciência parcial dos perigos mais evidentes que ameaçam o meio ambiente natural de nossas sociedades, elas geralmente se contentam em abordar o campo dos danos industriais e, ainda assim, unicamente numa perspectiva tecnocrática, ao passo que só uma articulação ético-política - a que chamo ecosofia - entre os três registros ecológicos (o do meio ambiente, o das relações sociais e o da subjetividade humana) é que poderia esclarecer convenientemente tais questões” (cf. Guattari, 1990: 8).
         Pela análise de Felix Guattari podemos perceber uma ampliação do tema para aquela de Naess, problematizando para muito além do que convencionou chamar de ecologia. Pode-se enxergar uma clara proposição que conclama que a discussão adentre no campo da transdisciplinaridade ecossistêmica, onde a questão da técnica é fortemente inserida, uma vez que a intervenção do homem se fará primordial para controlar os efeitos causados pela própria espécie humana (cf. Braga, 2013). Nos termos dos estudos da tecnologia se fará necessário que abandonemos, também, a contraposição histórica e sociológica perpetuada entre humano e técnica. De acordo com o vitalismo de Herrigel no livro: A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen (1998): “Mestre, discípulo, arco, flecha, alvo: essas são as personagens que esperam pelo leitor nas páginas que se seguem. Mas tal encontro exigirá, por parte do leitor, algumas abdicações. A lógica do pensamento ocidental deve ser posta de lado. A estrutura do cartesianismo, reduzida a cinzas. A relação causa-efeito, desprezada. A separação sujeito-objeto, ignorada. O tédio, ridicularizado. Mas a paixão pela vida, enaltecida”.
Logo na relação social entre cultura e natureza da técnica, passando não mais a enxergá-la necessariamente como fonte de exploração da natureza, no sentido marxista do termo, mas também como parte integrante desse universo comum. O que não exclui a questão tópica da consciência, de Hegel à Marx, e a concepção pós-marxista contemporânea, como vimos, que tem sido compreendida, difundida, analisada e, claro, utilizada conscientemente de forma a compreender e explicar o ecossistema. A comunicação digital influi de fato numa possibilidade de apreensão do mundo. Torna a concepção ecosófica muito palpável e bastante interessante como base para refletirmos acerca do atual estado de coisas que se intensificam. A digitalização das relações e processos sociais dos lugares/espaços está alterando nossa percepção ao criarem sistemas interativos e imersivos, que nos colocam frente ao pensamento ecológico, entre sujeitos, tecnologia e natureza. Ao nos vermos mergulhados em uma rede que apaga as fronteiras entre o corpo físico e a mente, através de uma interface computadorizada capaz de partilhar nossa existência em um mundo virtual distribuído mundialmente, as fronteiras entre a existência corpórea localizada predominante até então em todas as experiências humanas, turva-se na direção de uma experiência extracorpórea estilhaçada como ocorreu exatamente com a disponibilidade dos 600 voluntários que posaram para o Greenpeace na “instalação de nu” do renomado Spencer Tunick na geleira Aletsch.
            Para entendermos melhor esta questão, do ponto de vista antropológico, foi na região sudoeste da ilha da Tasmânia, localizada na Austrália, que a etno-história Verde começou. Ela não possui caráter de disciplina, constituindo-se apenas em um método de estudo: trata-se de um campo de pesquisa que está por definir-se. O significado varia amplamente pelo contexto e por quem está por trás das máscaras sociais. Melhor dizendo, como afirma Caetano Veloso, “Kabuki, máscara”. Mais precisamente, a criação do primeiro Partido Verde se deu em meio a um controverso projeto político do governo australiano com a tese: “o de transformar o Lago Pedder em um lago artificial para poder construir uma hidrelétrica na região”. Um grupo de ecologistas, do então chamado: “United Tasmanian Group”, se une para tentar impedir o anseio do governo pela obra. No entanto, os esforços dos ecologistas foram minados pela autoridade pública australiana. O Lago Pedder, além de passar de “lago natural para lago artificial”, “deixou de abrigar várias espécies da fauna australiana, resultando em um efeito irreversível para a diversidade de seres vivos e em desequilíbrio do ecossistema local”. Essa triste história social possibilitou uma série de conquistas político-afetivas, que resultam uma resposta aos modos de vida destrutivos da sociedade global moderna. 
O que era reconhecido como “United Tasmanian Group”, em 1972, se tornou Green Party. O Partido Verde nasceu simultaneamente na Tasmânia e na Nova Zelândia. A Nova Zelândia é notável por seu isolamento geográfico: está situada a cerca de 2 000 km a sudeste da Austrália, separados através do mar da Tasmânia e os seus vizinhos mais próximos ao norte são a Nova Caledônia, Fiji e Tonga. Devido ao seu isolamento, o país desenvolveu uma fauna distinta dominada por pássaros, alguns dos quais foram extintos após a chegada dos seres humanos e dos mamíferos introduzidos por eles. A maioria da população da Nova Zelândia é de ascendência europeia (67,6%), sobretudo britânica, enquanto os nativos maoris, ou seus descendentes, Sem desconsiderar o papel social das organizações do terceiro setor nas tentativas de barrar ações do governo que sejam insustentáveis e ecologicamente inviáveis, é importante ressaltar que em certos países a própria estrutura governamental diminui as instâncias de veto das ações do governo, facilitando a aprovação de certas políticas públicas que podem ser prejudiciais à população e ao meio ambiente. Em outras palavras, há momentos em que se sente que é imprescindível estar dentro do governo para conseguir construir políticas públicas sustentáveis, limpas e saudáveis. O Lago Pedder é um lago natural, agora represado, localizado no sudoeste da Tasmânia, Austrália. Um lago artificial e o desvio de alguns rios foram formados quando o lago original foi inundado pelo represamento em 1972 pela Comissão hidrelétrica. - O novo Lago Pedder tem uma área com cerca de 240 km² e é considerado o maior lago de água doce na Austrália. Do ponto de referência dos opositores da barragem do lago original deve ser conhecido como o reservatório Huon-Serpentine. O lago está localizado no Parque Nacional do Sudoeste, o que lhe dá um importante valor biogeográfico e natural” (cf. Buckman, 2008).
            A insularidade da Tasmânia e da região selvagem da Tasmânia em particular, tem contribuído para a sua singularidade e ajudou a protegê-la contra o impacto das espécies exóticas que afetou seriamente a fauna do continente. Tasmânia foi cortada da Austrália continental pelas enchentes do Estreito de Bass pelo menos 8000 anos atrás, assim, isolando os aborígenes habitantes. Os aborígenes tasmanianos foram até o advento do explorador europeu Abel Tasman, o maior grupo humano isolado na história social do mundo. Isto é importante, mas deve-se considerar que algumas das 500 gerações sobreviveram sem influência externa. Pesquisas e escavações em vales fluviais interiores têm localizado 37 sítios de caverna, todos considerados por terem sido ocupados entre 30.000 e 11.500 anos atrás no sentido da etno-história. Recentes descobertas de arte rupestre em três locais de caverna demonstraram que tinha um significado cerimonial. Artefatos de pedra dispersos, pedreiras e abrigos de rocha nas terras altas da Tasmânia indicam uma distintiva adaptação a este ambiente. 
Historicamente não demorou muito até que os ativistas remanescentes Verdes conseguissem sua primeira grande conquista em eleições. Em 1973, um ano após a criação do partido, Helen Smith consegue uma cadeira na cidade de Porirua, Nova Zelândia, ocupando um cargo que, no Brasil, seria equivalente ao cargo de vereador. O primeiro Verde eleito para um parlamento nacional, no entanto, se deu apenas em 1979. Foi na Suíça que Daniel Brelaz escreveu um novo capítulo na história social e política dos Verdes. Desde então a onda Verde tem se espalhado pelo mundo e conquistado cada vez mais espaço político nos governos. Para termos ideia, das 736 cadeiras do Parlamento europeu, 55 foram conquistadas pelos Verdes. Hoje estão organizados em mais de 100 países, divididos em quatro Federações: a) a Federação Europeia dos Partidos Verdes, b) a Federação dos Partidos Verdes das Américas, c) a Federação dos Partidos Verdes da África e d) a Federação dos Partidos Verdes da Ásia e Oceania.
Vale lembrar do ponto de vista político que o anarquismo individualista ou “anarco-individualismo”, representa uma tradição filosófica do anarquismo com ênfase no indivíduo, e sua vontade, no sentido nietzschiano, argumentando sobre a soberania segundo a qual “cada um é seu próprio mestre”, interagindo com os outros através de uma “associação voluntária”. O anarquismo individualista refere-se a algumas tradições de pensamento dentro do movimento anarquista que priorizam o indivíduo sobre todo tipo de determinação externa, que ele é “um fim em si mesmo” e “não um meio para uma causa”, incluindo grupos, “bem-comum”, sociedade, tradições e sistemas ideológicos. O anarquismo individualista não é uma forma simplificada de pensar a filosofia. Mas que se refere modus operandi para designar uma maneira de agir, operar ou executar uma atividade seguindo sempre os mesmos procedimentos. Desse modus se refere ainda a um conjunto de filosofias individualistas que estão frequentemente em conflito umas com as outras.
A Instalação do artista Spencer Tunick (foto), nos Alpes Suíços, demonstra condições e possibilidades de vulnerabilidade do homem diante das mudanças climáticas: 600 pessoas tiraram suas roupas na geleira nos Alpes Suíços para pedir ajuda de emergência para todo o planeta, “lutar contra o aquecimento global”. Os voluntários posaram para o Greenpeace na “instalação de nu”, do renomado fotógrafo Spencer Tunick na geleira Aletsch, incrivelmente imensa, incrivelmente bela: a “Grande Geleira de Aletsch” representa o mais poderoso fluxo de gelo dos Alpes. E também o mais popular, pois é facilmente acessível, com a localização ideal para caminhadas extensas, esportes de inverno e passeios especiais na natureza. O aquecimento global está derretendo nossas geleiras e deixando todo o planeta vulnerável a mudanças extremas de clima, formando inundação, elevação do nível do mar, aumentando o número de doenças e deslocamento de populações de seu habitat. Se o aquecimento global continuar nos níveis atuais, a maioria das geleiras na Suíça desaparecerá completamente até 2080. Nos últimos 150 anos, geleiras alpinas tiveram uma redução de aproximadamente 1/3 de sua superfície, cerca de metade de seu volume, com derretimento mais acelerado que tem ocorrido a cada dia.  De acordo com previsões do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), o planeta Terra tem apenas 8 anos para tomar alguma atitude para frear uma catástrofe climática. Sem uma mudança de atitude, através dos governos e Organizações Não-Governamentais, os danos podem ser irreversíveis. 
 A humanidade ainda não havia enfrentado uma crise ambiental como essa. As mudanças climáticas exigem decisões políticas rápidas e corajosas para radicalmente reduzir as emissões de gases de efeito estufa e estabilizar o aquecimento do planeta. Governos de todo o mundo: uni-vos! Precisamos entender a necessidade de uma atitude política em defesa do ambiente global, da sociedade civil mundial. Conhecido em todo o mundo por suas instalações, Spencer Tunick quer que as pessoas saibam que “aquecimento global” não é um assunto abstrato. Mas uma ameaça real e perigosa que afeta a todos, conforme afirmou: - “Eu quero que as pessoas sintam a vulnerabilidade de sua existência e como isso está diretamente relacionado com a fragilidade das geleiras mundiais” (“I want people to feel the vulnerability of their existence and how it is directly related to the fragility of the world`s glaciers”). Para o professor Pedro Dallari, em comentário ao jornal da Universidade de São Paulo, afirma que a pandemia de coronavírus é algo gravíssimo, mas há outro problema mundial que merece a atenção da comunidade globalizada: a crise ambiental. Em sua coluna desta semana, ele faz essa relação e explica suas razões. - “O ano de 2020 começou sob o signo de uma gravíssima ameaça: a disseminação de doenças causadas pelo coronavírus, com milhares de infectados e muitos mortos. É um quadro que começa a ameaçar a economia mundial, com riscos de paralisação e mesmo recessão. Mas há uma grande mobilização no mundo como um todo, seja de medidas de proteção ou de coordenação feita pela OMS”. - “Essa situação me permite comparar com outra situação, que talvez seja até mais grave, mas que não tem visto a mesma reação, a crise ambiental. Tal qual uma doença silenciosa, a destruição ambiental vai se propagando, sem que se tenha a mesma reação coordenada e de alocação de recursos que temos vistos no caso do coronavírus”.
Bibliografia geral consultada.

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