sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Duas Índias na História Social - Ética Solidária & Sodalidade de Casta.

                                                                                                       Ubiracy de Souza Braga
                                                                                      
              Não consigo levar a sério as pessoas com orgulho de casta”. Elias Canetti


            A desqualificação frequente de pessoas que se empregam para se submeter a um salário é um resultado direto do princípio de estratificação estamental, peculiar à ordem social e, decerto, da oposição desse princípio a uma distribuição de poder regulada exclusivamente por intermédio do mercado global entre nações e nacionalidades. A ordem estamental significa precisamente o inverso, ou seja, a estratificação em termos de “honras” e estilos de vida peculiares aos grupos estamentais organizados como tal. Se a simples aquisição econômica e o poder econômico puro, ainda trazendo o estigma de sua origem extra-estamental, pudessem conceder a quem os tivesse conseguido as mesmas honras que os interessados em estamentos em virtude de um estilo de vida que pretendem para si, a ordem estamental estaria ameaçada em suas bases mesmas, principalmente tendo em vista que, em condições de igualdade de honras estamentais, a posse per se representa um acréscimo, mesmo não sendo abertamente reconhecida como tal. Portanto, todos os grupos que têm interesses na ordem estamental reagem com especial violência precisamente contra as pretensões de aquisição exclusivamente econômica. O parvenu jamais é aceito, pessoal e sem reservas, pelos grupos estamentalmente privilegiados existentes antes do advento da sociedade industrial.   
Se o conceito de nação pode, de alguma forma, ser definido sem ambiguidades,  certamente não pode ser apresentado em termos de qualidades empíricas comuns aos que contam como membros da nação. O conceito indubitavelmente significa que podemos apreender de certos grupos de homens um sentimento específico de solidariedade frente a outros grupos. Assim, o conceito pertence à esfera de valores. Não obstante, não há acordo sobre como esses grupos devem ser delimitados ou sobre que ação concertada deve resultar dessa solidariedade. Na linguagem comum, nação não equivale a povo de um Estado, ou seja, aos integrantes de uma determinada comunidade política. Além disso, uma nação não é a mesma coisa que uma comunidade que fala a mesma língua, pois uma língua comum não parece ser absolutamente necessária a uma nação. E certos grupos linguísticos não se consideram como nação à parte, pois língua comum e nação são de intensidade variada. A solidariedade nacional entre homens e mulheres que falam a mesma língua pode ser aceita ou rejeitada. Ao invés disso, pode estar ligada a diferenças dos valores culturais de contingência das massas que tem como representação um credo religioso. 

 

           
            Na verdade, em toda parte, os nacionalistas especialmente radicais são, com frequência, de origem estrangeira. Além disso, um tipo antropológico comum, específico, não seja relevante para a nacionalidade, não é bastante nem constitui pré-requisito para fundar uma nação. Não obstante, a ideia de nação pode incluir as noções de descendência comum e de uma homogeneidade essencial, embora frequentemente indefinida. A ação tem essas noções em comum com o sentimento de solidariedade das comunidades étnicas, que também é alimentado de várias fontes. Mesmo o sentimento de solidariedade étnica não faz, por si, uma nação. É um velho problema, saber se os judeus podem ser chamados de nação. As razões para que um rupo acredite representar uma nação varia muito, tal como a conduta empírica que na realidade resulta da filiação ou falta de filiação a uma nação. As camadas feudais, as camadas de funcionários, as camadas empresariais de várias categorias, as camadas de intelectuais ou de estamentos e castas, não têm atitudes homogêneas ou historicamente constantes em suas ações.                       
            Um em cada seis indianos não pertence a nenhuma das quatro castas do sistema hierárquico social da Índia. Estatisticamente representam 200 milhões de indianos, os párias, são considerados seres impuros e desprezíveis. Nos vilarejos indianos os párias fazem um trabalho braçal no campo e retiram o lixo, porém vivem à margem da sociedade. Em alguns lugares ainda não podem entrar nos templos, recolher água de poços que servem à comunidade, tocar em outros indianos ou viver dentro do vilarejo. As punições por violar os limites das castas são severas. Muitos párias, atraídos pelos missionários ocidentais, converteram-se ao cristianismo. Mas continuaram excluídos da sociedade (cf. Drèze e Amartya, 2015). Um puzzle do ponto de vista sociológico é que nenhuma religião na Índia conseguiu superar as divisões sociais do sistema rígido de castas do hinduísmo. A Constituição da Índia promulgada em 1947 proibiu a discriminação por castas e instituiu leis específicas de acesso à educação e ao emprego bem remunerado, porém o preconceito contra os párias ainda existe na sociedade indiana. Sujatha Gidla, em sua autobiografia, Ants Among Elephants: An Untouchable Family and the Making of Modern India (cf. Chaudhuri, 2.08.2018) narra as dificuldades de ascensão social de sua família de párias em meio às contradições da Índia presa às suas tradições sociais, talvez, como angrez na Índia é comparável ao uso da palavra “gringo” na América Latina.   
            O avô de Gidla, educado por missionários canadenses, ao ser expulso de seu vilarejo, alistou-se no Exército da Índia Britânica e, no início da década de 1940, foi lutar no Iraque. A partir desse episódio, a autora reconstitui a vida das crianças que o avô deixou para trás no contexto social e político do movimento de Independência da Índia. Satyamurthy, o filho mais velho, abraçou a causa nacionalista, mas sua crença na democracia foi efêmera. Inspirado pelas ideias de Mao Tsé-Tung, disseminando uma visão revolucionária do comunismo, desapareceu nas florestas da região central da Índia, onde participou do movimento de guerra de guerrilha contra o governo indiano. Embora Satyamurthy, de cujo significado tem como representação a ideia em desenvolvimento de que a pessoa inteira seja o tema principal do livro, a mãe de Gidla, Manjula, é a verdadeira heroína da história. Apesar da discriminação de casta e sexo, Manjula cursou a universidade, enfrentou um marido repressivo e criou três filhos. Ao voltar para a casa após a experiência de militância frustrada, Satyamurthy encontrou surpreso, uma família educada nas melhores instituições de ensino da Índia, um exemplo reflexivo da superação do preconceito social e da pobreza de forma generalizada. 

            O desenvolvimento do estamento é essencialmente uma questão de estratificação que e baseia na usurpação, que é a origem normal de quase toda honra estamental. Mas o caminho dessa situação puramente convencional para o privilégio local, positivo ou negativo, é percorrido facilmente, tão logo determinada estratificação da ordem social  tenha, na verdade, sido vivida e tenha conseguido a estabilidade em virtude de uma distribuição estável do poder econômico. Isto quer dizer o seguinte: onde as suas consequências se realizaram em toda extensão, o estamento evolui para uma casta fechada. As distinções estamentais são, então, asseguradas não simplesmente pelas convenções e leis, mas também pelos rituais. Isto ocorre de tal modo que todo contato físico com um membro de uma casta “superior” é considerado como uma impureza ritualística e um estigma que deve ser expiado por um ato religioso. O estigmatizado e o normal admitira Erving Goffman (2015), “são parte um do outro; se alguém se pode mostrar vulnerável, outros também o podem. Porque ao imputar identidades aos indivíduos, desacreditáveis ou não, o conjunto social mais amplo e seus habitantes, de certa forma, se comprometeram, mostrando-se como tolos”. As castas individuais criam cultos e deuses bem distintos. A casta, é realmente, a forma natural pela qual costumam socializar-se as comunidades étnicas que creem na relação estabelecida de parentesco de sangue com os membros de comunidades exteriores e relacionamento social. Esses povos formam comunidades que adquirem tradições ocupacionais específicas de artesanatos, ou de outras artes, e cultivam uma crença em sua comunidade étnica. 
      As castas já foram contestadas por vários movimentos hindus reformistas, muçulmanos, siques, cristãos e budistas. O Sikhismo ou siquismo é uma religião monoteísta fundada em fins do século XV no Punjab, região dividida entre o Paquistão e a Índia por Guru Nanak (1469-1539). É por vezes retratado como o resultado de um sincretismo entre elementos do hinduísmo e do Islamismo e Sufismo. Quando chegou à Índia, a Companhia Britânica das Índias Orientais criou leis constitucionais separadas por religião e casta. A Índia britânica tornou a organização por castas, a base do sistema de administração do país. Os jatis foram a base da etnologia das castas na Índia britânica. No censo de 1881 e posteriormente, os etnógrafos coloniais usaram os jatis para inserir num sistema de modo que pudesse classificar as pessoas. O censo de 1891 incluiu sessenta subgrupos, cada um deles dividido em seis categorias ocupacionais e raciais, e os números aumentaram nos censos subsequentes. A divisão por castas na Índia britânica, segundo Bayly (2001), “classificou os jatis indianos com base em princípios semelhantes aos da zoologia e botânica, ranqueando-os em ordem de pureza, origem ocupacional e reputação social”. O sistema ideológico compreendia aproximadamente 3 000 castas, englobando 90 mil subgrupos endogâmicos regionais.
            Apesar da proteção legal, a Índia continua marcada pelo o que ex-primeiro-ministro Manmohan Singh descreveu como “apartheid de castas”, um complexo sistema de estratos sociais profundamente arraigados na cultura indiana. Milhões de dalits, considerados intocáveis no sistema de castas, sofrem de forma permanente a discriminação, constantemente reforçada pelo Estado e por entidades privadas. Uma pesquisa realizada em 2014 pelo Conselho Nacional de Pesquisa Econômica Aplicada (NCAER) revelou que um em cada quatro pessoas entrevistadas, de diferentes grupos religiosos reconheceu ter sido praticado a intocabilidade. Lamentavelmente, a prática se manifesta de várias maneiras. Em algumas aldeias os estudantes das castas superiores se negam a comer alimentos preparados pelos dalits, um grupo que inclui várias comunidades marginalizadas. Um estudo detalhado, feito por Sarva Shiksha Abhiyan, um programa estatal para conseguir a educação primária universal, concluiu que existem três tipos de discriminação social, dos professores, dos colegas e de todo o sistema educacional. O sistema de castas, considerado uma característica dominante da religião hindu e praticamente visto como uma divisão divina do trabalho dá aos dalits as tarefas mais servis: coleta de lixo, remoção de excrementos humanos, varrer, pavimentar e eliminar corpos humanos e de animais. Dados estatísticos do censo de 2011 revelam que cerca de 800 mil dalits trabalhavam esvaziando manualmente latrinas, embora se estime que através da divisão do trabalho social essa tarefa pudesse afetar em torno de 1,3 milhão de pessoas.
A casta, isto é, os direitos e deveres rituais que ela dá e impõe, e a posição dos  brâmanes, é a instituição fundamental do hinduísmo que só pode ser compreendida em relação à casta, sem cujo entendimento é impossível compreender o hinduísmo que representa o terceiro dos três períodos da religião indiana, caracterizado por um extremo pluralismo de cultos, deuses e seitas; neobramanismo, neo-hinduísmo. Mas a posição social do hindu em relação á autoridade do brâmane pode variar extraordinariamente, desde a submissão incondicional até o desafio de sua autoridade. Quando algumas castas contestam a autoridade do brâmane, isto significa que o brâmane é rejeitado como sacerdote, que seu juízo nas questões controversas de ritual não é reconhecido como autorizado, e que seu conselho é jamais buscado. À primeira vista parece contrariar a regra de que as castas e os brâmanes pertencem ambos ao hinduísmo. Mas na realidade, se a casta é essencial ao hindu, o inverso não é válido, isto é, nem toda casta é uma casta hindu. Há castas entre os maometanos da Índia, copiadas dos hindus. E castas existentes também entre budistas. Até mesmo os cristãos indianos comparativamente não foram capazes de evitar, por motivos práticos, o reconhecimento das castas. Os jats são historicamente uma casta majoritária na região rural do estado de Haryana, mas presente em outros sete estados do norte da Índia, como no Uttar Pradesh, Rajastão e Gujarat. Mais de um século depois,  e com o fenômeno sociológico do êxodo rural, os jats passaram a exigir um maior reconhecimento das grandes cidades no perímetro urbano e da administração do Estado. Com cerca de 6 milhões de membros na Índia, os jats dividem-se em dois grupos essencialmente religiosos, os Sikhs e os hindus.  

                
O sistema de castas na Índia tem como representação um modelo de organização da sociedade em divisão de classes baseado em preceitos religiosos. Nesse sistema, a estratificação da sociedade ocorre de acordo com o nascimento do indivíduo em determinada família. Esta crença está embasada no livro Veda que seria a escritura sagrada para os hindus. Por isso, quem nasce em uma casta inferior está pagando pelos pecados da vida passada e deve aceitar seu karma. E estas castas não-hindus careceram da ênfase tremenda que a doutrina da salvação especificamente hinduísta dava á casta, e lhes faltou ainda uma característica, ou seja, a determinação da posição social das castas pelas distâncias sociais em relação ás outras castas hinduístas, e com isso, em última análise, do brâmane. Esse aspecto afetivo e político são decisivos para a ligação entre as castas hindus e o brâmane; por mais intensamente que uma casta hindu possa rejeitá-lo como sacerdote, como autoridade doutrinária e ritual, e mesmo sob qualquer outro aspecto hierárquico, a situação sociológica objetiva continua sendo inegável: em última instância, a posição social é determinada pela natureza de sua relação positiva ou negativa em relação a posição social representada pelo brâmane. A casta é, e continua sendo essencialmente, o condicionamento herdado de uma posição social, e a situação central dos brâmanes no hinduísmo baseiam-se mais no fato de que a posição é determinada com referência a eles do que em qualquer outro aspecto político.
As corporações de comerciantes e de mercadores que figuravam como comerciantes ao venderem mercadorias de sua produção, bem como as corporações artesanais existiram na Índia durante o período de desenvolvimento das cidades e especialmente no período em que se originaram as grandes religiões salvadoras. No período de florescimento das cidades, a posição das corporações era comparável à ocupada nas cidades do Ocidente medieval. A corporação – a mahajan, literalmente o mesmo que popolo grasso enfrentava de um lado o príncipe e de outros os artesãos economicamente dependentes. Essas relações eram aproximadamente as mesmas que havia entre as grandes corporações de letrados e comerciantes e as corporações artesanais inferiores (popolo minuto) do Ocidente. Da mesma forma, associações de corporações artesanais inferiores existiram na Índia (o panch). Além disso, a corporação litúrgica de caráter egípcio e romano talvez não estivesse totalmente ausente nos estados patrimoniais que começavam na índia. A singularidade da evolução da Índia está no fato de que esse início da organização de corporações nas cidades não levou à autonomia urbana nem, após o desenvolvimento dos estados patrimoniais, a uma organização social e econômica dos territórios correspondente à “economia territorial” ocidental. 
O sistema hinduísta de castas tornou-se destacado. Em parte, esse sistema de castas deslocou totalmente as outras organizações, e, em parte, as mutilou, impedindo que alcançassem importância considerável. O “espírito” desse sistema de casta, porém, era totalmente diferente do espírito das corporações mercantis e artesanais. Essas corporações, no Ocidente, cultivaram interesses religiosos, tal como as castas. Em relação a esses interesses, as questões de classificação social também tiveram considerável papel nas corporações. Em fins da Antiguidade, a participação nas corporações litúrgicas era até mesmo uma obrigação compulsória e hereditária, ao modo de uma glebae adscriptio, que prendia o camponês ao solo. Havia também os ofícios que representavam “opróbio” no Ocidente medieval, e que eram religiosamente déclassés.. A diferença fundamental, porém, entre associações ocupacionais e castas não é afetada absolutamente por essas circunstâncias sociais. Primeiro aquilo que é em parte uma exceção e em parte uma consequência ocasional para a associação ocupacional é realmente fundamental para a casta: a distância mágica entre as castas em suas relações mútuas. As corporações mercantis e artesanais da Idade Média não aceitavam barreiras rituais entre as corporações individuais e a forma de organização dos artesãos.
Havia barreiras concretas restringindo o conúbio entre ocupações avaliadas de forma diferente, mas não havia barreiras rituais, como as que são absolutamente essenciais à casta. Dentro do círculo de pessoas “honradas”, as barreiras rituais do comensalismo estavam totalmente ausentes; mas tais barreiras pertencem às base das diferenças de castas. A casta é essencialmente hereditária. E esse caráter não foi, nem é, apensa o resultado da monopolização e restrição das oportunidades de lucro a uma quota máxima definida, como ocorria entre as corporações totalmente fechadas do Ocidente, que em momento algum foram predominantes numericamente. A corporação baseou-se regularmente na livre escolha de um mestre pelo aprendiz, e assim possibilitou a transição dos filhos para ocupações diversas da paterna, circunstância que jamais ocorre no sistema de castas. Essa diferença é fundamental. Enquanto o fechamento das corporações para o exterior se tornava  mais rigoroso, economicamente, com a redução das oportunidades de renda, entre as castas observou-se frequentemente o inverso: elas mantém seu modo de vida exigido ritualmente, e daí o comércio herdado, com mais facilidade quando as oportunidades de renda são abundantes. A despeito de suas formas legais, a cidade em fins da Idade Média baseava-se, de fato, na associação de seus cidadãos produtivos. Isso ocorreu quando a forma política da cidade medieval encerrava suas características sociológicas mais importantes. A estruturação da cidade em associações se realizava pela fraternização das corporações de ofício.  
Pela sua solidariedade, a associação das corporações indianas, a mahajan, era uma força que os príncipes tinham de levar em consideração. Dizia-se: - “O príncipe tem de reconhecer o que as corporações fazem para o povo, que seja ele misericordioso ou cruel”. As corporações adquiriram privilégios dos príncipes, para empréstimos de dinheiro, que são remanescentes de nossas condições medievais. Os shreshti (anciãos) das corporações pertenciam aos nobres mais poderosos e se classificavam em igualdade com a nobreza guerreira e sacerdotal de seu tempo. Contudo, a tendência posterior em favor do governo monopolista do sistema de casta não só aumentou o poder dos brâmanes, mas também o dos príncipes, e rompeu com o poder as corporações. As castas excluíam qualquer solidariedade e qualquer fraternização, politicamente poderosa, dos cidadãos e dos ofícios. Se o príncipe observasse as tradições rituais e as pretensões sociais baseadas nelas, que existiram entre as castas mais importantes para ele, podia não só jogá-las umas contras as outras – o que fez – como nada tinham a temer delas, especialmente quando os brâmanes estavam a seu lado. Não é difícil imaginar os interesses políticos que influíram durante a transformação em governo monopolista do sistema de castas. Essa transformação levou a estrutura social da Índia a uma evolução que a afastava de qualquer possibilidade semelhante. Nessas circunstâncias globais o contraste fundamentalmente importante entre “casta” e “corporação”, ou qualquer outra “associação ocupacional”, é revelado de forma notável.
Para uma leitura compreensiva do papel fundamental que ocupa a casta no sistema de classificação social Weber se propõe a responder a indagação: se a casta se difere fundamentalmente da corporação e de qualquer outro tipo de associação meramente ocupacional, como ela se relaciona com o “estamento”, que encontra sua expressão autêntica na posição social? O estamento é uma qualificação em junção de honras sociais ou falta destas, sendo condicionado principalmente através de um estilo de vida específico. A honra social pode resultar diretamente de uma “situação de classe”, que podemos expressar mais sucintamente como a oportunidade típica de uma oferta de bens, de condições de vida exteriores e experiências pessoais de vida, e na medida em que essa oportunidade é determinada pelo volume e tipo de poder, ou da falta deles, de dispor de bens e habilidades em benefício de renda de uma determinada ordem econômica, sendo, na maioria das vezes, determinada pela média da situação de classe dos membros efetivos  do estamento. A situação estamental, por sua vez, influi na situação de classe, pelo fato de que o estilo de vida exigido pelos estamentos leva-os a preferir tipos especiais de propriedade ou empresas lucrativas, e rejeitar outras. Uma casta é um estamento fechado, pois todas as obrigações e barreiras que sua participação encerra também existem numa casta, na qual são intensificadas por sinal em grau extremo.
           As normas do comensalismo são semelhantes às do conúbio: um estamento não tem relações com os que lhe são inferiores socialmente. Como representação de um “estamento”, a casta intensifica e transpõe esse fechamento social para a esfera da religião, ou antes, da mágica. O tradicionalismo do artesão, grande em si mesmo, foi necessariamente intensificado ao extremo pela ordem de castas. Segundo Weber, o capital comercial em sua tentativa de organizar o trabalho industrial à base do sistema de produção teve de enfrentar uma resistência, essencialmente mais forte na Índia do que no Ocidente. Os próprios comerciantes, em sua solidão ritual, permaneciam nas barracas da classe mercantil oriental típica, que em si jamais criara uma moderna organização capitalista do trabalho. Era como se apenas os diferentes povos hóspedes, como foram os judeus, ritualmente exclusivos entre si e para com terceiros, pudessem seguir seus ramos na área econômica. Algumas castas mercantis hinduístas, particularmente, a Vânia, foram chamadas os “judeus da Índia”, crenças transformadas numa segunda natureza, para agir conforme a tradição nesse sentido negativo, com razão. Eram, em parte, especialistas em conseguir lucros inescrupulosos. Na acumulação da riqueza, competem com outras que anteriormente monopolizavam as posições sociais de escribas, funcionários ou coletores de impostos arrendados, bem como oportunidades semelhantes de obter rendimentos determinados politicamente, típicos na formação dos Estados nacionais patrimoniais.
             A fábrica entrou na Índia sob o controle da administração britânica. Alguns dos empresários capitalistas também vieram das castas mercantis. O grupo articulado da manufatura é substituído pela conexão entre o trabalhador principal e alguns poucos auxiliares. A distinção essencial, dizia Marx, é entre os operários que se ocupam efetivamente  com as máquinas-ferramentas (a eles se adicionam alguns operários para vigiar ou abastecer a máquina motriz) e meros operários subordinados (quase exclusivamente crianças) a esses operadores de máquinas. Mas na empresa capitalista só podiam acompanhar  as castas dos letrados na medida em que adquiriam a educação. Max Weber de forma complementar observa que o capitalismo moderno sem dúvida jamais teria se originado dos círculos dos ofícios totalmente tradicionalistas da Índia. O artesão hinduísta é, não obstante, notório pela sua capacidade de industriosidade extrema. É considerado como essencialmente mais industrioso comparativamente do que o artesão indiano, que é no sentido religioso de fé islâmica. No conjunto, a organização de casta hinduísta desenvolveu com frequência uma grande intensidade de trabalho e de acumulação de propriedade, dentro das antigas castas ocupacionais. A intensidade do trabalho adquiriu centralidade na medida em que predominou mais entre as castas artesanais do que as castas agrícolas antigas. Incidentalmente, os Kunbis do sul da Índia conseguem acumular riqueza e, na verdade essa acumulação de capital adquire formas modernas. A tragédia de Bhopal foi narrada em livro. Lançado mundialmente em 2007, Animal`s People, segundo romance do indiano Indra Sinha, escritor, novelista e tradutor anglo-indiano  foi finalista do Man Booker Prize (2007) e vence­dor do Commonwealth Writer`s Prize (2008), dois dos mais importantes prêmios literários reconhecidos de língua inglesa.
               Enfim, o papel decisivo de um estilo de vida na honra do grupo significa que os estamentos são os portadores específicos de todas as convenções. De qualquer modo que se manifeste, toda a estilização da vida se origina nos estamentos ou é pelo menos conservada pr eles. Apesar de sua grande diversidade, os princípios das convenções estamentais revelam certos traços culturais típicos, especialmente entre as camadas mais privilegiadas. Quanto ao efeito geral da ordem estamental, somente uma consequência pode ser apresentada, mas sua importância é grande: o impedimento do livre desenvolvimento do mercado ocorre primeiro para os bens que os estamentos subtraem diretamente da livre troca da monopolização a qual designa uma situação particular de concorrência imperfeita, em que uma única empresa detém o mercado de um determinado produto ou serviço conseguindo, portanto, influenciar o preço do bem comercializado. Essa monopolização pode ser efetuada seja legal ou convencionalmente. As diferenças entre classes e estamentos se superpõem com frequência. Da contradição entre a ordem estamental e a ordem econômica, do ponto de vista da análise sociológica, segue-se que na maioria dos casos de honras peculiares ao estamento abomina de forma absoluta aquilo que é essencial para o mercado: o regateio. A ação racional com relação a um valor é a crença consciente no valor - interpretável como ético, estético, religioso, absoluto de uma determinada forma de conduta.
As honras abominam o regateio entre os pares e ocasionalmente tornam tabu o regateio em geral para os membros de um estamento. Portanto, alguns estamentos e habitualmente os mais influentes, se estratificam de acordo com os princípios de seu consumo de bens, representados por estilos de vida especiais. A atividade intelectual criadora de grupos de pesquisadores é também um estamento, pois reivindica as honras sociais apenas em virtude do estilo de vida especial que pode determinar. Sem estes impulsos morais não seria possível compreender a ideia de vocação profissional, concepção que subjaz as figuras modernas do operário e do empresário. Os estamentos se colocam na ordem social, isto é, dentro da esfera de ação social da distribuição de honras. Dessas esferas, as classes e os estamentos influenciam-se mutuamente e á ordem jurídica, e são por sua vez influenciadas por ela. O conhecimento dessas regras representa um aprendizado técnico especial, a que se submetem esses funcionários legalmente. Envolve jurisprudência e, claro, a redução do cargo a regras profundamente arraigada à sua própria natureza. Os princípios da hierarquia dos postos e dos níveis de autoridades significam um sistema firmemente ordenado de mando e subordinação. Esse sistema oferece aos governados a possibilidade de recorrer de uma decisão no processo hierárquico de uma autoridade mediante  uma estrutura social típica do sistema feudal medieval.
Bibliografia geral consultada.
SEBAG, Lucien, L`Invention du Monde chez les Indiens Pueblos. Paris: François Máspero, 1971;  HIRANO, Sedi, Castas, Estamentos e Classes Sociais - Discussões Técnicas Preliminares. Dissertação de Mestrado. Departamento de Sociologia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1972; WEBER, Max, Ensaios de Sociologia. Org. e Introd. de Hans Gerth e Charles Wright Mills. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982; cap. XVI – “Índia: O Brâmane e as Castas”; pp. 449-470; Idem, Economia y Sociedad. Esbozo de Sociologia Compreensiva. México: Fondo de Cultura Económica, 1992; DUMONT, Louis, Homo Hierarchicus. O Sistema de Castas e suas Implicações. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1992; BAYLY, Susan, Caste, Society and Politics in India from the Eighteenth Century to the Modern Age. The New Cambridge History of India. Cambridge University Press, 2001; MARKOVITS, Claude, A History of Modern India, 1480-1950. Nova Deli: Anthem Press, 2004; KUIPER, Kathleen, (ed.), Culture of India. Estados Unidos: Rosen Publishing Group, 2010; OLIVEIRA, Mirian Santos Ribeiro de, A Nação e seus Emigrantes: Análise do Discurso Nacionalista Hindu Contemporâneo sobre a Comunidade Hindu Ultramarina. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Departamento de Sociologia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2012; GOFFMANN, Erving, Manicômios, Prisões e Conventos. São Paulo: Editora Perpsectiva, 2015; DRÉZE, Jean; SEN, Amartya, Glória Incerta - A Índia e suas Contradições. Rio de Janeiro: Editora Companhia das Letras, 2015; CAVALCANTI, Ana Paula Rodrigues, Relações entre Preconceito Religioso, Preconceito Racial e Autoritarismo de Direita: Uma Análise Psicossocial. Tese de Doutorado. Programa de Pós-graduação em Psicologia Social. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, 2016; CHAUDHURI, Amit, “Ants Among Elephants by Sujatha Didla Review - Life as un Untouchable in Modern India”. In: The Guardian, 2 de agosto de 2018; ALVES, Sabrina, O Corpo como Arena Político-Religiosa do Ayurveda no Século XXI: Existências Fluidas de Ser nem Homem, nem Mulher. Tese de doutorado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciência da Religião. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2019;  entre outros.

domingo, 8 de setembro de 2019

Isabel Allende - Estado, Ideologia & Escrita Transfigurada.

                                                                                                      Ubiracy de Souza Braga   
               “O meticuloso exercício da escrita pode ser a nossa salvação”. Isabel Allende

    
                       
            A América Latina está localizada na totalidade no hemisfério ocidental, cujas  linhas imaginárias são representadas pelo Trópico de Câncer, pelo qual é cortado o centro do México; o Equador, linha imaginária passada no Brasil, Colômbia, Equador que perpassa o norte do Peru conquanto o Trópico de Capricórnio, pelo qual foram transplantados o Brasil, o Paraguai, a Argentina e o Chile. A América Latina é um complexo cultural das Américas distribuída irregularmente pelos hemisférios norte e sul, porque a maioria de suas terras é estendida ao sul da Linha do Equador. Na América Latina são comportadas diversas culturas, de forma extraordinária, porque estão misturadas línguas, etnias e costumes. Há predomínio do espanhol como língua dos países, com a invasão e conquista das ilhas do Caribe em 1492, se estendeu rapidamente através do continente com os colonos procedentes principalmente de Andaluzia e Extremadura. Mas também de outras partes da Espanha, que se estabeleceram ali nos séculos XVI e XVII constituindo-se ao redor de 200.000 pessoas nesses primeiros séculos. É falado e imaginado por mais de 370 milhões de latinos, além do português, francês e, em regiões ao norte do continente, o inglês e o neerlandês.
Há também múltiplas e várias de línguas nativas, merecendo destaque o quíchua, legado dos Incas e idioma que se fala no Peru, Equador, Bolívia e Argentina. Línguas românicas oficiais na América Latina: português em laranja; espanhol em verde e francês em azul. A etnia dos habitantes da América Latina tem grande variação de país a país. Apesar da intensidade de mestiços, existem algumas nações em que a maior parte dos habitantes é branca, como a Argentina e Uruguai, outras, ungidas no âmbito do processo civilizatório (cf. Ribeiro, 1968), onde quase todos os habitantes são de origem negra, como no Haiti, República Dominicana, Granada, Bahamas e Barbados e outras, onde está presente na origem continental o índio: Peru, Bolívia, México, Equador e Paraguai. Existem países mestiços de verdade: Colômbia e Venezuela, ou o Brasil, no qual são existentes regiões de população com pequeno predomínio de brancos e demais regiões onde é apresentada maior parte de negros, mestiços, mulatos ou índios. Segundo o World Factbook, estatisticamente em treze países da América Latina, a população é majoritariamente mestiça. Segundo a publicação, 95% dos paraguaios, 90% dos hondurenhos e salvadorenhos, 70% dos panamenhos, 68% dos venezuelanos, 69% dos nicaraguenses, 65% dos equatorianos, 60% dos mexicanos, 59,4% dos guatemaltecos, 58% dos colombianos e 54,8% dos belizenhos são mestizos.
         O crioulo belizenho, também conhecido como kriol pelos seus falantes, é um idioma crioulo, aparentado ao crioulo da Costa dos Mosquitos, ao crioulo de Rio Abajo, ao crioulo de Colón e ao crioulo de Santo André e Providência. O crioulo belizenho tem cerca de 350.000 falantes nativos em Belize, onde é a lingua franca, falada por 70% da população. Também é falado pela diáspora belizenha, concentrada especialmente nos Estados Unidos da América. O crioulo belizenho foi falado, historicamente, pelos crioulos belizenhos, uma população de origem primordialmente africana e britânica. No entanto, diversos grupos étnicos do país, como os garifunas, os mestiços e os maias falam o crioulo belizenho como segunda língua. O crioulo belizenho é um idioma crioulo, derivado basicamente do inglês, com influências recentes e mínimas do espanhol. O seus substratos são línguas ameríndias como o misquito, e os diversos idiomas da África Ocidental que foram trazidos ao país com os escravos. O pídgin que surgiu após o contato dos proprietários de terra ingleses e seus escravos africanos como forma de comunicação básica acabou se desenvolvendo ao longo dos anos. Jamaicanos também foram trazidos à colônia, trazendo suas próprias adições ao vocabulário, e eventualmente esta tornou-se a língua materna dos filhos de escravos nascidos em Belize.   


Um fragmento etnográfico importante nas páginas da vida latino-americana da década de 1950, pode se documentar seguindo-se o rastro aberto pela etnologia de Darcy Ribeiro. Traçou o plano de uma obra antropocêntrica que incluiu, entre aspectos etnográficos, a revolução humana; as experiências junto às formações pré-agrícolas; um estudo sobre a revolução agrícola e sobre as aldeias agrícolas indiferenciadas; as sociedades pastoris; a revolução urbana e os Estados rurais artesanais e, principalmente, – para o que nos interessa o lugar da revolução do regadio e os Impérios teocráticos de regadio, assim como a revolução metalúrgica e os Impérios mercantil-escravistas que têm como consequência, grosso modo, a revolução mercantil. O genial antropólogo marxista examina os efeitos sociais das diversas fronteiras, não apenas de expansão econômica, perante os grupos étnicos que classifica segundo a intensidade de sua relação com o espaço antrópico e social e os processos políticos de formação das sociedades nacionais.
Além disso, este plano de trabalho é muito importante na medida em que o autor teve acesso a obras históricas que em sua maioria estavam sendo publicadas quase que imediatamente “sobre o estudo das revoluções tecnológicas e na fixação dos modelos teóricos das formações socioculturais”. Contou também com suas próprias experiências concretas no Parque Indígena do Xingu (MT), enquanto antropólogo junto a grupos indígena Guajá e os Xokléng, os Kadiuéu e em particular, a Arte Plumária dos Índios Kaapor. Igualmente, a etnologia sobre os Urubus- Kaapor e as tribos diferenciadas do Xingu, entre outras pesquisas originalmente realizadas sobre os índios no Brasil. O processo civilizatório, afirma Darcy Ribeiro, “é minha voz nesse debate. Ouvida quero crer, porque foi traduzida para as línguas de nosso circuito ocidental, editada e reeditada muitas vezes e é objeto de debates internacionais nos Estados Unidos e na Alemanha. A ousadia de escrever um livro tão ambicioso me custou algum despeito dos enfermos de sentimento de inferioridade, que não admitem a um intelectual brasileiro o direito de entrar nesses debates, tratando de matérias tão complexas. Sofreu restrições, também dos comunistas, porque não era um livro marxista, e dos acadêmicos da direita, porque era um livro marxista. Isso não fez dano porque ele acabou sendo mais editado e mais lido do que qualquer outro livro recente sobre o mesmo tema”.
            A tipologia utilizada foi elaborada, “com esse espírito”. A primeira configuração  designada como Povos-Testemunho é integrada, ipso facto, pelos sobreviventes de altas civilizações autônomas que sofreram o impacto civilizatório devastador da expansão europeia. São resultantes modernos da ação traumatizadora daquela expansão e dos seus esforços de reconstituição étnica como sociedades nacionais modernas. Reintegradas em sua Independência, desde 1810 até 1888, não voltam a ser o que eram antes, porque se haviam transfigurado profundamente. Mais do que povos considerados atrasados na história, eles representam os povos espoliados da história. Séculos de subjugação ou de dominação direta ou indireta impuseram-lhes profundas deformações que não só depauperaram seus povos como também traumatizaram toda a sua vida cultural. Como problema básico, enfrentam a integração dentro de si mesmo de corpo e alma das duas tradições culturais de que se fizeram herdeiros. Não apenas diversas, mas evidentes, em muitos aspectos, contrapostas. Atraídos simultaneamente pelas tradições, mas incapazes de fundi-las numa síntese significativa para sua população. Conduzem dentro de si o conflito étnico entre a cultura original e a violenta civilização colonizadora europeia.
            Isabel Allende nasceu em 2 de agosto de 1942, em Lima, no Peru, onde o seu pai diplomata se encontrava em trabalho. No entanto, a sua nacionalidade é chilena, tendo-se tornado cidadã norte-americana em 2003. É filha de Tomás Allende, funcionário diplomático e primo-irmão do socialista Salvador Allende, e de Francisca Llona, “Dona Panchita”. Aos três anos de idade, com a separação de seus pais, regressou ao Chile junto com a su mãe e irmãos. Permaneceu no país até 1953, ano em que se transladaram para Bolívia, primeiro, e em seguida a Beirute, Líbano, junto com o segundo marido de sua mãe, o diplomata Ramón Huidobro. Cinco anos mais tarde, em 1958, a jovem Isabel voltou a estabelecer-se en Chile, onde se iniciou trabalhando para a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), importante organismo político das Nações Unidas, e se casou com Miguel Frías, com quem teve dois filhos, Paula e Nicolás. A relação de Isabel Allende como escritora começou em 1967, com seu trabalho jornalístico na chilena revista Paula, de circulação semanal, tendo como escopo temas relacionados com a mulher, tais como: moda, beleza, cozinha etc. Nesta publicação dirigida a mulheres formou parte da equipe editorial, redigiu reportagens, realizou entrevistas e teve sua própria coluna de humor, chamada “Los impertinentes”.
            Por parte de seu pai, Tomás Allende tem descendência castelhana e francesa. Aos três anos de idade, Isabel Allende chega ao Chile. Vem a bordo do Aconcágua, procedente de Lima no Peru, junto a sua mãe e a seu irmão Juan que se encontra enfermo e não tem mais de dois meses de vida, enquanto que Margara, a criada carrega a Pancho de um ano e meio. A 6.962 metros de altitude, o Aconcágua mostra a sua imponência e desafia aventureiros. Pico mais alto do mundo fora do Himalaia, o maior gigante da Cordilheira dos Andes faz disparar o coração de quem cruza a fronteira entre  Chile e Argentina sem conseguir ficar alheio a tanta imensidão e beleza. Sem que Isabel soubesse, sua mãe veio fugindo do abandono e do desamor de seu esposo, Tomás Allende, secretario da embaixada do Chile em Lima, cujo misterioso desaparecimento parece estar ligado a rumores de um escândalo entre funcionários diplomatas do alto escalão. A mãe de Isabel, Francisca LLona Barros, reconhecida por todos por Panchita, “mulher de grande beleza e dotes artísticos”, se casou com Allende contra a vontade de seu pai. A menina contará depois no ensaio etnográfico Paula (cf. Allende, 2016) os primeiros sentimentos de responsabilidade que se despertam nela como meio de apaziguar a dor de sua sofrida mãe. Entre ambas existe um laço estreito de compreensão que os anos conseguem juntá-las, aumentando o amor e o respeito quase sagrado na literatura, e a necessidade de compartilhar a obra de Isabel e uma secreta cumplicidade para compartilharem juntos momentos certamente felizes, mas também muito tristes.    
Bombardeio do Palácio de La Moneda.
Durante esta época participou na televisão e em outros meios de escritores como a revista infantil Mampato, é uma história chilena pertencente aos géneros de aventuras e ficção, criada por Eduardo Armstrong e o ilustrador Oskar, e desenvolvida principalmente por Themo Lobos, que dirigiu entre os anos 1973 e 1974 - e escreveu as obras de teatro El embajador (1971), La balada del medio pelo (1973) e La casa de los siete espejos (1975). Isabel Allende é considerada uma das principais revelações da literatura latino-americana da década de 1980. O seu livro mais editado foi La Casa dos los Espíritus (1982), que ganhou reconhecimento internacional de público e crítica. O filme A Casa dos Espíritos (1993), foi realizado por Bille August, com Jeremy Irons, Meryl Streep, Winona Ryder e Antonio Banderas, com parte das filmagens ocorrida em Lisboa e no Alentejo, em Portugal. Sua obra é marcada pela ditadura militar en Chile, en 1975. Isabel Allende decidiu abandonar o país junto com a sua família rumou a Venezuela, nação onde residiu por 13 anos. Alí empreendeu sua carreira como novelista com a publicação de La Casa de los Espíritus em 1982, uma das principais referências do realismo mágico no contexto do boom latino-americano, representando uma bem sucedida adaptação para o cinema. Apresenta o mimetismo sociológico com algumas diferenças com relação ao enredo do livro, como a fusão de personagens e a omissão calculada de alguns fatos sociais e políticos. No entanto, em nada diminuem a versão fílmica. Pelo contrário, essa lapidação do romance para a telona só evidencia o talento do diretor Bille August e sua preocupação de fazer um trabalho à altura da obra literária.
             Contudo, segundo Freitas (2010) no caso da produção fílmica de Isabel Allende: Casa dos Espíritos trata-se de produção híbrida na qual “a latinidade se acha quase ausente”. Indagado por um repórter sobre o porquê de um diretor dinamarquês filmando um livro sul-americano numa produção alemã, usar a língua inglesa, Bille August justifica: - o filme está orçado em 25 milhões de dólares e ninguém no mundo financiaria esta cifra para um filme espanhol. Acrescenta que Hamlet é uma história dinamarquesa e foi filmado em inglês. Pondera ainda o premiado diretor: - Quem assistiria a “O Último Imperador” se fosse rodado em chinês? O diretor bem que se interessou por penetrar num universo sulamericano de amores proibidos, vingança, misticismo, opressores e oprimidos e de golpes militares, entretanto, o filme ao que parece, não contém o “sabor latino” do livro. Esta circunstância levou alguns integrantes de origem hispânica, residentes nos Estados Unidos, a organizarem um protesto contra a ausência de profissionais étnicos no elenco técnico e artístico de La Casa de los Espíritus. Eles pediram à considerável parcela latina de 39 milhões de pessoas do público norte-americano que não assistissem ao filme. Os dados estatísticos do Census Bureau (2005), os latino-americanos residentes representavam em torno 13,4% da população do país, constituindo o segundo grupo étnico socialmente.   
      Quando o filme foi divulgado simultaneamente no Brasil e nos Estados Unidos da América, a crítica especializada considerou a parte técnica de primeira qualidade: o desenho de produção, o guarda-roupa, a fotografia e a música. Por outro lado, julgou que o elenco, apesar de grandes nomes, não é coeso, considerando a superioridade das atrizes sobre os atores. A censura maior recaiu sobre o roteirista-diretor “considerado despreparado para trabalhar sobre um texto que aborda o contexto latino-americano”. Em entrevista à imprensa concedida por ocasião da edição do filme em Santiago do Chile, Isabel Allende, depois de afirmar que gostou da adaptação, embora achasse impregnado de um tom melancólico escandinavo “pediu que não se comparasse livro e filme, pois eram coisas diferentes”. O filme começa e termina com a mesma cena: Esteban Trueba, um jovem decidido e ambicioso, pretende fazer fortuna, já velho chega à casa da fazenda “Las Tres Marías” com a filha Blanca e a neta Alba pela mão - a mesma estrutura circular do livro. Alba começa a narrativa e não a interrompe em nenhum momento. Bille August afirmou que a leitura do livro “teve o mesmo encantamento de um menino diante de uma sala cheia de brinquedos”. Pensou em fazer o filme, mas não sabia por onde começar. Entendeu que a mensagem interpelada no âmbito do livro “era a habilidade em perdoar e a recusa à vingança”. Direcionou o seu trabalho, mas omitiu muitos elementos importantes da obra-tema. 
             
Na análise comparada estabelecida entre literatura e filme segundo a interpretação de Freitas (2010) duas questões parecem justificar para a analista, a expressão “transmutação” em seu estudo, quando alude por um lado, que a omissão mais surpreendente é a da Casa da Esquina - a verdadeira casa dos espíritos da incrível invenção de Isabel Allende. Foi mandado construir por Esteban para ser a residência do casal. Tinha todo o luxo e riqueza imagináveis. Transformou-se, depois que Esteban ficou na fazenda e Clara com os filhos na casa, “em um mundo encantado onde tudo ocorria”. Clara acolhia pessoas, dirigia reuniões com rosa cruzes, espiritualistas, adventistas do sétimo dia, grupos de tarô. Os filhos punham em prática suas excentricidades: aulas de artesanato para as crianças com necessidades especiais, repetidas tentativas frustradas de imitar a mãe em seus poderes, no estudo e na prática de crenças estranhas. E, por outro, quando o roteirista acentuou o drama e omitiu o humor, como elemento do realismo fantástico, dentre muitas passagens do livro que surpreendem o leitor: Clara, quando foi agredida pelo marido, “perdeu alguns dentes e como a prótese que mandara fazer a importunava, ela pendurou-a em uma fita no pescoço e só a colocava para comer ou nas festas”.
Para a alquimia, transmutação tem como representação a conversão de um elemento noutro. Este conceito é aplicado com características próprias na natureza, espontaneamente, quando elementos químicos e isótopos possuem núcleos instáveis. É neste sentido que a “cultura mestiça” (cf. Ribeiro, 2008) é representada e por definição histórica, a latino-americana é resultante da inserção ibérica da conquista e colonização, com a suplantação multiforme das culturas ameríndias, com o posterior agregado do elemento africano inclusivo às aluviões imigratórias. Dada a diversidade de membros humanos, um problema essencial tem sido e continua sendo encontrar sua identidade cultural, situação expressa na literatura ao buscar a apropriação de uma linguagem própria e a concreção de um conteúdo associado e no âmbito de um contexto político anteriormente não unificado. O conflito social se faz evidente, em certos momentos críticos da tomada de consciência: a emancipação romântica, o modernismo, a novela social e a literatura mágica até o desencadeamento de nossos dias. Ambos os recortes  têm servido como linhas de orientação metodológica para a linguagem e conteúdo de uma literatura, terrenos privilegiados em que se manifesta em forma mais evidente o conflito resultante do choque interno e externo, consciente e inconsciente de culturas.
No capítulo XIII – da Casa dos Espíritos – não por acaso intitulado - O Terror, Isabel Allende descreve-o como um dia que amanheceu ensolarado, o que era pouco usual na tímida primavera que despontava. Jaime havia trabalhado quase toda a noite e, às sete da manhã, só tinha no corpo duas horas de sono. Despertou-o a campainha do telefone, e uma secretária, com a voz ligeiramente alterada, acabou de lhe espantar a modorra. Telefonavam-lhe do palácio para informa-lo que deveria apresentar-se no escritório do companheiro presidente o mais depressa possível, não, o companheiro presidente não estava doente, não, não sabia o que estava ocorrendo, apenas tinha ordem de chamar todos os médicos da presidência. Jaime vestiu-se como um sonâmbulo e entrou em seu carro, agradecendo o fato de sua profissão lhe dar direito a uma cota semanal de gasolina, porque, não fosse assim, teria de ir até o Centro de bicicleta. Chegou ao palácio às oito e estranhou ver a praça vazia e um forte destacamento de soldados nos portões da sede do governo, todos equipados com farda de campanha, capacetes e armamentos de guerra. - Sinto muito, mas chamaram-me da presidência – alegou Jaime, mostrando sua identificação - Sou médico. O presidente veio em seu encontro, usando um capacete de combate incongruente com sua fina roupa esportiva e seus sapatos italianos. Jaime compreendeu que algo grave estava acontecendo. – A Marinha sublevou-se, doutor – explicou laconicamente. – Chegou o momento de lutar.
Jaime pegou o telefone e chamou alba para dizer-lhe que não saísse de casa e pedir-lhe que avisasse a Amanda. Nunca mais voltou a falar com ela, porque os acontecimentos se desencadearam vertiginosamente. No transcurso da hora que se seguiu chegaram alguns ministros e dirigentes políticos do governo, e começaram a s negociações telefônicas com os insurrectos para avaliar a magnitude da sublevação e procurar uma solução pacífica. Às nove e meia da manhã, porém, as unidades armadas do país estavam sob o comando de militares golpistas. Nos quartéis começaram o expurgo dos que permaneciam leais à Constituição. O general dos carabineiros ordenou á guarda do palácio que saísse, porque também a polícia acabara de aderir ao golpe. – Podem ir, companheiros, mas deixem suas armas – orientou o presidente. Os carabineiros estavam confusos e envergonhados, mas a ordem do general fora categórica. Nenhum deles se atreveu a desafiar o olhar do chefe de Estado, depositaram suas armas no pátio e saíram em fila, cabisbaixos. À porta um dos carabineiros se voltou. – Eu fico com você, companheiro presidente, declarou. Pelo visto, no meio da manhã, a situação não se resolveria com o diálogo e quase todo mundo começou a retirar-se. Só ficaram alguns mais próximos e a guarda pessoal.
As filhas do presidente foram obrigadas pelo pai a sair do palácio de governo. Tiveram de ser levadas à força, e seus gritos podiam ser ouvidos, chamando-o da rua. No interior do edifício ficaram cerca de 30 pessoas entrincheiradas nos salões do segundo andar, em meio às quais estava Jaime, imaginando estar sofrendo um pesadelo. Sentou-se numa poltrona de veludo vermelho, com uma pistola na mão, olhando-a idiotizado. Não sabia usá-la. Nem todo homem sabe usá-la. Pareceu-lhe que o tempo passava muito lentamente; em seu relógio só haviam transcorrido três horas daquele pesadelo. Ouviu a voz do presidente, que falava pelo rádio ao país. Era sua despedida. – “Dirijo-me àqueles que serão perseguidos, para dizer-lhes que não vou renunciar: pagarei com minha vida a lealdade do povo. Estarei sempre junto de vocês. Tenho fé na pátria e em seu destino. Outros homens superarão este momento, e, muito mais cedo do que se pensa, se abrirão as grandes alamedas por onde passará o homem livre, para construir uma sociedade melhor. Viva o povo! Vivam os trabalhadores! Estas serão as minhas últimas palavras. Tenho a certeza de que meu sacrifício não será em vão”.
Ele, porém, não estava disposto a exilar-se em algum lugar longínquo, em que poderia passar o resto de sua vida, vegetando com outros governantes depostos, que tivessem abandonado às pressas sua pátria. – Equivocaram-se comigo, traidores. Aqui me pôs o povo, e daqui só sairei morto – respondeu sereno. Então ouviram o rugido dos aviões, e começou o bombardeio. Quinze minutos depois ardia todo o edifício e lá dentro era impossível respirar por causa das bombas e da fumaça. O bombardeio, embora breve, deixou o palácio em ruínas. Às duas da tarde o incêndio já devorara os antigos salões, que haviam servido desde os tempos coloniais, e só ficou um punhado de homens em volta do presidente. Os militares entraram no edifício e ocuparam tudo que restara da planta baixa. Em meio ao estrondo ouviram a voz histérica de um oficial ordenando-lhe que se rendessem e descessem em fila indiana e com as mãos para o alto. No casarão da esquina, o senador Trueba abriu uma garrafa de champanha francês para celebrar a queda do regime contra o qual lutara ferozmente, sem suspeitar que naquele momento queimassem os testículos de seu filho Jaime com um cigarro importado.
Os soldados patrulhavam as ruas, nervosos, aplaudidos por muita gente que tinha desejado a derrocada do governo. Alguns, estimulados pela violência daqueles dias, detinham os homens de cabelo comprido ou barba, sinais inequívocos de seu espírito rebelde, e mandavam parar na rua as mulheres com calças compridas, para cortá-las a tesouradas, porque se sentiam responsáveis por impor a ordem, a moral e a decência. As novas autoridades afirmaram nada ter a ver com aqueles atos, nunca ter dado ordem para cortar barbas ou calças; tratava-se, provavelmente, de comunistas disfarçados de soldados para desprestigiar as Forças Armadas e torna-las odiosas aos olhos dos cidadãos, porque não estavam proibidas as barbas nem as calças compridas, embora, certamente, preferissem que os homens andassem barbeados e mantivessem o cabelo curto, e as mulheres usassem saia. Logo correu o boato de que o presidente morrera, e ninguém acreditou na versão oficial de que se suicidara. Naquele momento, ninguém sabia que as coisas iam acontecer como aconteceram. Pensava-se que a intervenção militar fosse um passo necessário organizado para a retomada de uma democracia sã.
Enfim, de uma penada os militares mudaram a história, apagando os episódios, as ideologias e as personagens que o regime desaprovara. Adequaram os mapas, por que não havia nenhuma razão para por o Norte em cima, tão longe da pátria benemérita, se se podia por embaixo, onde ficava mais favorecido, e, de passagem, pintar com azul da Prússia vastas margens de águas territoriais até os limites da Ásia e da África, e se apoderaram de terras longínquas nos livros de geografia, retraçando as fronteiras impunemente, até que os países irmãos perderam a paciência, gritaram nas Nações Unidas e ameaçaram com tanque de guerra e aviões de caça. A censura, que a princípio só atingiu os meios de comunicação massivos, logo se estendeu aos textos escolares, às letras das canções, aos roteiros dos filmes e às conversas privadas. Havia palavras proibidas por decreto militar, como o uso da palavra companheiro, e outras que não se diziam por precaução, apesar de nenhum decreto tê-las eliminado do dicionário, como liberdade, justiça, sindicato. O golpe de Estado deu-lhes a oportunidade de por em prática o que tinha aprendido nos quartéis, a obediência cega, o manejo das armas e outras artes que os soldados podem dominar quando aplacam os escrúpulos do coração.  
A contradição se evidencia, por um lado, através do extermínio das etnias por parte dos conquistadores ingleses, hispânicos e portugueses, e por outro lado, devido à  transfiguração da cultura ocidental cristã caracterizada pelo domínio castellano-español, assim como no caso português, durante a colonização do Brasil, condicionando o problema da criação e autonomia das letras e artes latino-americanas. Nas Américas, são representados pelo México, Guatemala e pelos povos do Altiplano Andino; sobreviventes da herança das populações Astecas e Maia, os primeiros, e da civilização Incaica, os últimos. Os dois núcleos de povos das Américas, como povos conquistados e subjugados, sofreram um processo de compulsão europeizadora muito mais violento do que resultou ordinária sua complexa transfiguração étnica. Seus perfis étnicos nacionais conformam perfis neo-hispânicos metidos nos descendentes da antiga sociedade, mestiçados com europeus e negros. Os demais povos sobreviventes apenas coloriram sua figura étnico-cultural nas Américas, “a etnia neo-européia é que se tinge com as cores das antigas tradições culturais, tirando delas características que as singularizam”.
Vale lembrar, segundo a etnologia consagrada de Darcy Ribeiro, que nenhum dos povos assimilados constitui uma nacionalidade multiétnica. Em todos os casos o processo de formação foi violento para compelir a fusão das matrizes originais em novas unidades. Somente o Chile, por sua formação peculiar, guarda no contingente Araucano, os Mapuches  nome que os espanhóis lhes deram, mas que eles não reconhecem como próprio e percebido como pejorativo, representando uma micro-etnia diferenciada da nacional, historicamente reivindicante do direito de ser ela própria, ao menos como modo diferenciado de participação na sociedade nacional. Os chilenos e os paraguaios contrastam igualmente com os miscigenados Povos-Novos pela ascendência indígena de sua população e pela ausência do contingente negro escravo, bem como do sistema de plantation, que tiveram papel tão saliente comparativamente, na formação de brasileiros, antilhanos, colombianos e venezuelanos. Estes formam, com a matriz étnica dos rio-platenses, uma nova variante étnica pela confluência de contingentes díspares em suas características concretas raciais, culturais e linguísticas.
Estes contingentes básicos, embora exercendo papéis distintos, entraram a mesclar-se e a fundir-se culturalmente com maior intensidade do que em qualquer outro tipo de conjunção, chamado a exercer os papéis de liderança por força das condições de dominação impostas aos demais. Do negro, nela engajado como braço escravo; do índio, também escravizado ou tratado como mero obstáculo a erradicar, foi surgindo uma população distinta, nova, mestiça que fundia aquelas matrizes nas mais variadas proporções. Etnograficamente os Povos-Novos surgem hierarquizados, como os Povos-Testemunho, pela distância social que separa a sua camada senhorial de fazendeiros, mineradores, comerciantes, funcionários coloniais e clérigos da massa escrava engajada na produção. Constituíam-se de rudes empresários, senhores de suas terras e de seus escravos, forçados a viver junto a seu negócio e a dirigi-lo pessoalmente com a ajuda de uma pequena camada intermédia, de técnicos, capatazes e sacerdotes. Onde a empresa prosperou nas zonas açucareiras e mineradoras do Brasil e das Antilhas, puderam dar-se ao luxo de residências senhoriais e tiveram de alargar a camada intermédia, dos engenhos como das vilas costeiras, incumbidas do comércio exterior.
Bibliografia geral consultada.
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