terça-feira, 26 de junho de 2018

João Carlos Martins - Regência, Disciplina & Ventura de Superação.

                                                                                                                                 Ubiracy de Souza Braga                                                                                            
                    Esperar o futuro é dizer não ao seu presente. João Carlos Martins

                                                                        
            Se ainda nos importa saber, “quem somos” em termos de individualização das referências, para isso Sócrates recorria a duas ideias, uma contida na frase do Apolo délfico, “conhece-te a ti mesmo” (gnōthi sauton), outra relatada por Platão e repetidas vezes por Aristóteles: - “É melhor estar em desacordo com o mundo inteiro do que, sendo um, estar em desacordo comigo mesmo”. Na modernidade ocidental posta em foco pela descoberta em que a dialética hegeliana também representa a passagem da consciência para a autoconsciência, passagem que é feita pela categoria do desejo freudiano irradiado na (in) consciência do homem. O espírito, dizia Hegel, não pode conhecer-se diretamente. É preciso que negue previamente, que saia de si e se torne “estranho a si mesmo”, exteriorizando-se e produzindo sucessivamente todas as formas do real – quadros do pensamento, natureza, história. Depois que reverta à origem, alcançando assim o conhecimento verdadeiro, a filosofia do espírito absoluto. Afastando-se de si, exteriorizando-se, para voltar depois a si mesma, a Ideia triunfa do que a limitava, afirmando-se na negação das suas negações sucessivas. Hegel demonstra como a consciência se eleva, pouco a pouco, desde as formas elementares da sensação até à ciência, identificada comparativamente, com a racionalidade da religião – tal como o valor absoluto da religião cristã se integra na verdade do saber na esteira da vida.  
          Se levarmos a sério a percepção central em Hegel (2007) de que toda reflexão, e isso significa também toda investigação do objeto, no campo da filosofia e da realidade, pressupõe inevitavelmente categorias lógicas, não poderemos deixar de reconhecer que a Fenomenologia do Espírito implica algum tipo de lógica, a qual se legitima a si mesma, e que pressupõe aquelas outras formas de consciência e sua destruição em um sentido histórico-psicológico, assim como histórico-sociológico, não em um sentido teórico de validade para Hegel, segundo o qual “o objetivo de uma introdução à filosofia só poderia se aclarar esses pontos de vista objetivo da filosofia”. A filosofia também tem a tarefa de conduzir a consciência ainda não formada filosoficamente pelo caminho que a ela conduz, e lhe facilitar o elemento, que não lhe é dado imediatamente, no qual ela se movimenta como ciência pura, em que a forma pronta da filosofia hegeliana está dada em torno da Lógica e a Enciclopédia. Somente aqui ausência de pressupostos e fundamentação do método foram realizados de maneira pura.  



            Para o que nos interessa, o conceito de “civilização” refere-se a uma grande variedade de fatos; ao nível da tecnologia, ao tipo de maneiras, ao desenvolvimento dos conhecimentos específicos, às ideias religiosas e aos costumes. Pode referir-se ao tipo de habitações ou à maneira como homens e mulheres vivem juntos, à forma de punição determinada pelo sistema judiciário, como é historicamente representado de forma autoritária no caso político brasileiro ou ao modo como são preparados os alimentos. Rigorosamente falando, nada há que não possa ser feito de forma “civilizada”. Daí ser sempre difícil sumariar em algumas palavras tudo o que se pode descrever como civilização. Mas se examinarmos o que realmente constitui a função geral do conceito e que qualidade comum leva todas as várias atitudes e atividades humanas a serem descritas como civilizadas, partimos de uma descoberta muito simples: este conceito expressa a consciência que o Ocidente tem de si mesmo. Poderíamos até dizer: a consciência nacional. Com essa palavra, resultado do processo civilizatório, a sociedade ocidental procura descrever o que lhe constitui o caráter especial e aquilo de que se orgulha: o nível de sua tecnologia, a natureza de suas maneiras, o desenvolvimento de sua cultura científica e visão do mundo, e claro, muito mais do que isso.
Civilização, porém, não significa a mesma representação para diferentes nações ocidentais. A palavra pela qual os alemães se interpretam, mais do que qualquer outra expressa-lhes o orgulho em suas próprias realizações e no próprio ser, é Kultur. Tal conceito dá ênfase especial a diferenças nacionais e à identidade particular dos grupos. Principalmente em virtude disto, o conceito adquiriu em campos como a pesquisa etnológica e antropológica uma significação muito além da área linguística alemã e da situação em que se originou o conceito. Mas esta situação historicamente determinada é aquela de um povo que, de acordo com os padrões ocidentais, conseguiu apenas muito tarde a unificação política e a consolidação e de cujas fronteiras, durante séculos ou mesmo até o presente, territórios repetidamente se desprenderam ou ameaçaram se separar. Enquanto o conceito de civilização inclui a função de dar expressão a uma tendência continuamente expansionista de grupos colonizadores, o conceito de Kultur reflete a consciência de si mesma de uma nação que teve de buscar e constituir incessante e novamente suas fronteiras, tanto no sentido político como espiritual, e repetidas vezes perguntar a si mesma: - “Qual é, realmente, nossa identidade?
             O piano foi inventado por Bartolomeo Cristofori (1655-1731) da Itália. Cristofori estava insatisfeito com a falta de controle que os músicos tinham acima do nível de volume do clavecino. Ele reconheceu que a alteração do mecanismo de dedilhamento com um martelo criaria o piano moderno no ano de 1709. Na verdade, o instrumento foi primeiro denominado “clavicembalo col piano e forte”. Melhor dizendo, literalmente, um clavecino que pode tocar ruídos suaves e altos. Isso foi reduzido para o nome comum reconhecido na modernidade: “piano”. Gottfried Silbermann, especialista na construção de órgãos, continuou o trabalho que Cristofori começou. Ele estudou os modelos de Cristofori e os melhorou tecnicamente. Depois de 1747, Johann Sebastian Bach tocou uma de suas obras históricas para Frederick, o Grande dedicada ao rei no piano de Silbermann. Um homem que contribuiu significativamente para a indústria de piano alemã foi Johann Andreas Stein (1728-1792). Stein melhorou o mecanismo do piano Silbermann e desenvolveu o que mais tarde seria chamado de “mecanismo de ação vienense”, um novo sistema que foi usado por muitos anos e ganhou muita popularidade. Este novo piano caracterizou-se na história técnica e social do ponto de vista tecnológico pela qualidade sonora intensa e uma mesa de som que respondeu bem ao toque estético do pianista. Mozart se apaixonou por estes aspectos do novo instrumento no qual ele escreveu muitas obras renomadas para piano.
         João Carlos Martins começou seus estudos ainda menino, no dia em que seu pai  comprou um piano, com a professora Aida de Vuono. Aos oito anos, seu pai o inscreveu em um concurso para executar obras de Bach, vencendo-o. Começou a estudar no Liceu Pasteur e, com 11 anos, já estudava piano por seis horas diárias. Teve, no Liceu, aula com o maior professor de piano da época - um russo radicado no Brasil, chamado José Kliass, e venceu então o concurso da Sociedade Brito de São Petersburgo. Seus primeiros concertos chamaram a atenção da crítica musical mundial. Foi escolhido no Festival Casals, dentre inúmeros candidatos das três Américas para dar o Recital Prêmio em Washington. Aos vinte anos estreou no Carnegie Hall, patrocinado por Eleanor Roosevelt. Tocou com as maiores orquestras norte-americanas e gravou a obra completa de Bach para piano. Foi ele quem inaugurou a casa Glenn Gould Memorial em Toronto. O Carnegie Hall é uma sala de espetáculos em Midtown Manhattan, na cidade de Nova Iorque, localizada no número 881 da Sétima Avenida. 
Construída a mando do filantropo Andrew Carnegie em 1890, é uma das mais famosas salas de espectáculos dos Estados Unidos para concertos de música clássica e popular, reconhecido pela sua beleza, história da técnica e da acústica. O Carnegie Hall tem o seu próprio programa, desenvolvimento e departamentos de marketing e apresenta mais de 100 performances a cada estação. É igualmente alugado por grupos de artistas. Não tem companhia residente, todavia, a Filarmónica de Nova Iorque foi residente até 1962. O único outro Carnegie Hall no país, situa-se em Lewisburg. Este foi mandado construir por Andrew Carnegie em 1902, reconstruindo um edifício, naquela época arruinada por um extraordinário incêndio. O edifício foi originalmente usado como uma escola feminina, mas foi posteriormente convertido num espaço dedicado à música e à arte. Contudo não é tão reconhecido como o homónimo espaço de Nova Iorque. Mas certamente este é também o nome de outro espaço financiado por Andrew Carnegie, desta feita, na Escócia, em Dunfermline, mas menor e menos célebre. O local foi designado, em 15 de outubro de 1966, um edifício reconhecido do Registro Nacional de Lugares Históricos como, em 29 de dezembro de 1962, um Marco Histórico Nacional.
Desnecessário dizer que o cineasta Mauro Lima incluiu mais uma biografia em seu currículo como diretor. Depois de filmes emocionantes como “Meu Nome Não É Johnny” e “Tim Maia”, ele dirige o espetacular “João, o Maestro”, baseado na história social de João Carlos Martins. O longa-metragem narra a trajetória do artista desde a infância até o momento em que ele se torna maestro, após superar problemas de saúde e largar a prestigiada carreira de pianista. Por sua projeção internacional como pianista, o brasileiro João Carlos Martins já deveria ter sido objeto de análise de uma cinebiografia há tempos. Além da vocação e talento reconhecido mundialmente, João Carlos Martins protagonizou em sua vida passagens de uma dialética de trabalho, que nem o mais criativo roteirista poderia imaginar do ponto de vista individual (o sonho) e coletivo (os mitos, os ritos, os símbolos). Foram muitos problemas relacionados à saúde iniciados já na infância, e tantos outros correlatos ao longo de sua vida pessoal e artística, causados por acidentes às vezes corriqueiros, mas que fizeram estragos psicofísicos profundos. E João Carlos Martins transformou infortúnios em força dialetizadora para superação. “João: o maestro”, com roteiro e direção de Mauro Lima, investe nesse aspecto através de uma ética da solidariedade, propondo um debate sobre quais são as relações tanto no plano social como interpessoal entre paixão e obsessão. Mauro Lima acerta em esmiuçar essa ideia, de forma que cada espectador chegará à sua própria interpretação.
Consagrado como um dos maiores pianistas do mundo, João nasceu em São Paulo, em 1940. Aos oito anos, iniciou os estudos de piano. Aos 20 anos, estreou no Carnegie Hall, em Nova York, com os ingressos esgotados para todas as suas apresentações. - Acima das expectativas, João tornou-se um dos maiores intérpretes de Bach do século XX. “Hoje, sou maestro há 12 anos com mais de 1.500 concertos como regente. Sempre digo que a música venceu”. Em uma obra cinematográfica tão envolvente quanto a própria vida do músico, os atores Alexandre Nero, Rodrigo Pandolfo e Davi Campolongo interpretam João Carlos Martins em três fases distintas da vida. Todos tiveram necessariamente aulas de comportamento e piano para trazer a fidelidade necessária à personalidade do maestro. Hoje, dedicado à regência, o maestro e pianista João Carlos Martins tem o privilégio de participar da produção do longa-metragem sobre a sua vida. - “Entre tantos altos e baixos, hoje sinto uma emoção muito grande em ter dois documentários estrangeiros sobre minha carreira, ter sido enredo de Escola de Samba, e de agora ter minha vida contada em um filme enquanto ainda estou vivo”. Depois de diversas produções internacionais, o cinema nacional narra a conturbada vida social de um dos maiores nomes da música erudita contemporânea.

Do ponto de vista teórico-metodológico e técnico-metodológico o mecanismo de ação do piano que leva aos martelos tocarem as cordas quando uma tecla é pressionada é chamada de “mecanismo de ação”. Quando alguém faz discurso sobre a história do mecanismo de ação do piano, mencionar o mecanismo de repetição, com a chamada “fuga dupla” inventada por Sébastien Érard da França é indispensável. Este mecanismo permite ao pianista rapidamente repetir uma nota sem ter que liberar completamente a tecla. Até a introdução deste mecanismo, quando uma tecla for pressionada, o martelo geralmente sobe e é firmado, e não está pronto para a próxima tecla até retroceder a sua posição de repouso. A invenção sincrônica de Erard tornou possível preparar para a próxima tecla mesmo se o martelo não estiver completamente retrocedido à sua posição de repouso. É dito que Erard apresentou um protótipo deste mecanismo para Beethoven em 1803, e isso ajudou o grande compositor a compor novas obras. Este mecanismo tem sido transmitido de uma forma mais refinada nos mecanismos de ações contemporâneos. 
            Johann Sebastian Bach nascido numa família de longa tradição musical, cedo demonstrou possuir talento e logo se tornou um músico completo. Estudante incansável, adquiriu um vasto conhecimento da música europeia de sua época e das gerações anteriores. Desempenhou vários cargos em cortes e igrejas alemãs, mas suas funções mais destacadas foram a de “Kantor” da Igreja de São Tomás e Diretor Musical da cidade de Leipzig, onde desenvolveu a parte final e mais importante de sua carreira. Antigamente, correspondia ao papel de mestre do coro ou cantor de salmos e responsórios nos templos principais, especialmente em catedrais. Esta posição também existia dentro de alguns mosteiros. Absorvendo o repertório de música contrapontística germânica como base de seu estilo, recebeu mais tarde a influência italiana e francesa, através das quais sua obra se transformou, realizando uma síntese original de uma multiplicidade de tendências. Praticou quase todos os gêneros musicais conhecidos em seu tempo, com a notável exceção da ópera, embora suas cantatas maduras revelem bastante influência desta que foi uma das formas mais populares do período Barroco.
            Sua habilidade ao órgão e ao cravo foi amplamente reconhecida enquanto viveu e se tornou lendária, sendo considerado o maior virtuoso de sua geração e um especialista na construção de órgãos.  As unidades de geração desenvolvem perspectivas, reações e posições políticas e afetivas diferentes em relação a um mesmo dado problema. O nascimento em um contexto social idêntico, mas em um período específico, faz surgirem diversidades nas ações dos sujeitos. Outra característica é a adoção ou criação de estilos de vida distintos pelos indivíduos, mesmo vivendo em um mesmo âmbito social. Em outras palavras: a unidade geracional constitui uma adesão mais concreta em relação àquela estabelecida pela conexão geracional. Mas a forma como grupos de uma mesma conexão geracional lidam com os fatos históricos vividos, por sua geração, fará surgir distintas unidades geracionais no âmbito da mesma conexão geracional no conjunto da sociedade. Também tinha grandes qualidades como maestro, cantor, professor e violinista, mas como compositor seu mérito só recebeu aprovação limitada e nunca foi exatamente popular, ainda que vários críticos que o conheceram o louvassem como grande. A maior parte de sua música caiu no esquecimento após sua morte, mas sua recuperação iniciou no século XIX e desde então seu prestígio não cessou de crescer. Na apreciação contemporânea Bach é tido como o maior nome da música barroca, e muitos o veem como o maior compositor de todos os tempos, deixando muitas obras que constituem a consumação de seu gênero e talento musical.
            Alguns pianistas têm uma única escolha quanto á decisão de estudar música para o piano. O número de executantes que apresentam e enfrentam problemas relativos ao trabalho manual com os teclados, como contraturas, tendinites, fadigas, deterioração de nervo ou nervos, acidentes, stress, distonia focal, lesões diversas etc., é tragicamente alto e considera-se tal situação o resultado normal e previsível da atividade manual e psicofísica. Nos Estados Unidos da América e Europa existem periódicos especializados sobre o assunto. Médicos especializados em pianistas e violinistas são cada vez mais  atuantes nas grandes cidades de perímetro urbano. Na tese de doutorado em música de Helder de Araújo, intitulada: “A Composição Brasileira de Piano para a Mão Esquerda” (2009), um estudo histórico e sociológico fascinante sobre as composições investigadas exclusivamente para o pianista com o uso exclusivo da mão esquerda, o autor resgata a história social da pianista Sigrid Nepomuceno (1897-1986), intérprete de obras para a mão esquerda, como principal estímulo ao fator composicional e fundamental em relação ao surgimento de obras no Brasil, em análise comparada ao pianista João Carlos Martins, igualmente importante em situação do problema físico de ambos, que não pode ser suficientemente valorizada, como fonte de motivação composicional de João Carlos  Martins que perdeu o movimento da mão direita.
              O que ocorre é que passou a dedicar-se até 2002, exclusivamente, ao repertório de mão esquerda. Neste período, Helder de Araújo ensaiou durante cerca de um ano com João Carlos Martins, a dois pianos. João Carlos Martins com 20 e poucos anos fora considerado um dos pianistas brasileiros mais talentosos e aclamados do mundo ocidental, sendo, notoriamente, referido o melhor interprete de Johann Sebastian Bach da sua geração, tendo em vista que já tocou em orquestras de quase  todo o hemisfério ocidental. Aos 28 anos, fez a sua primeira apresentação no Carnegie Hall, em Nova York, nos Estados Unidos. Ipso facto quando o pianista e maestro já havia se apresentado no Carnegie Hall e inaugurado Glenn Gould Memorial, em Toronto, se viu privado de realizar seu fecundo trabalho. Em 1965, vivia em Nova Iorque, oportunidade em que foi convidado para integrar o time profissional da Portuguesa em um jogo treino realizado no Central Park. Mas toda felicidade e dialeticidade por jogar pelo seu time de coração se transformou em desespero em apenas a decorrência preciosa de um segundo. Uma jogada isolada, num lance tido como normal, proporcionou uma queda aparentemente boba, mas que fez uma perfuração na altura do cotovelo que infelizmente atingiu o nervo ulnar.  

Em Filosofia em que novo sentido devemos entendê-lo? Ora, se o saber é um instrumento,   modifica o objeto a conhecer e não nos apresenta em sua pureza; se for um meio tampouco, nos transmite a verdade sem alterá-la de acordo com a própria natureza do meio interposto. Se o saber é um instrumento, isto supõe que o sujeito do saber e seu objeto se encontram separados; por conseguinte, o Absoluto seria distinto do conhecimento: nem o Absoluto poderia ser saber de si mesmo, nem o saber poderia ser saber do Absoluto. Contra tais pressupostos a existência mesma da ciência filosófica, que conhece efetivamente, é já uma afirmação. Não obstante, esta afirmação não poderia bastar porque deixa à margem a afirmação de outro saber; é precisamente esta dualidade o que reconhecia Schelling quando opunha no Bruno o saber fenomênico e o saber Absoluto, mas não demonstrava os laços afetivos entre um e outro. Uma vez colocado a questão do saber Absoluto não se vê como é possível no saber fenomênico, e o saber fenomênico por sua parte fica igualmente cortado (separado) do Saber Absoluto. De outra parte, Hegel volta ao saber fenomênico, isto é, precisamente ao saber da consciência comum, e pretende demonstrar como aquele conduz necessariamente ao saber Absoluto, ou também que ele mesmo é um saber Absoluto que, todavia, não se deve saber como tal. O termo “idealismo alemão” é amplamente difundido, mas não há acordo sobre o que significa. Hegel, que considera Kant um idealista, inventou a noção de uma tradição idealista alemã, presente já no primeiro texto filosófico, Differenzschrift ele indica formas de idealismo nos escritos de Kant, Fichte e Schelling.

Hegel que parte da consciência comum, não podia situar como princípio primeiro uma dúvida universal que só é própria da reflexão filosófica. Por isso mesmo ele segue o caminho aberto pela consciência e a própria história detalhada de sua formação. Ou seja, a Fenomenologia vem a ser uma história concreta da consciência, sua saída a caverna e sua ascensão à Ciência. Daí a analogia que em Hegel “existe de forma coincidente entre a história da filosofia e a história do desenvolvimento do pensamento”, mas este desenvolvimento é necessário, como força irresistível que se manifesta lentamente através dos filósofos, que são “instrumentos de sua manifestação”. Assim, preocupa-se apenas em definir os sistemas, sem discutir as peculiaridades e opiniões dos diferentes filósofos. Na determinação do sistema, o que o preocupa é a categoria fundamental que determina o todo do sistema, e o assinalamento das diferentes etapas, bem como as vinculasses destas etapas que conduzem à síntese do espírito Absoluto. Para compreender o sistema hegeliano é necessário começar por uma representação, que ainda não sendo totalmente exata permite, ao ler a obra de Hegel, a seleção de afirmações e preenchimento do sistema abstrato para alcançar a transformação da representação numa noção clara e exata. Assim, temos a passagem da representação abstrata, para o conceito claro e concreto através do acúmulo de determinações. Aquilo que por movimento dialético separa e distingue perenemente a identidade e a diferença, sujeito e objeto, finito e infinito, é a alma vivente de todas as coisas, a Ideia Absoluta que é a força geradora, a vida e o espírito eterno. A Ideia Absoluta seria uma existência abstrata se a noção  de que procede não fosse mais que unidade abstrata, e não o que é, a noção que, “por um giro negativo sobre si mesma, revestiu-se novamente de forma subjetiva”.  

determinação mais simples e primeira que o espírito pode estabelecer é o Eu, a faculdade de poder abstrair todas as coisas até a sua própria vida. Chama-se idealidade, idealização, precisamente esta supressão da exterioridade. Entretanto, o espírito não se detém na apropriação, transformação e dissolução da matéria em sua universalidade, mas, enquanto consciência religiosa, por sua faculdade representativa, penetra e se eleva através da aparência dos seres até esse poder divino, uno, infinito, que conjunta e anima interiormente todas as coisas, enquanto pensamento filosófico, isto é, como seu princípio universal, a ideia eterna que as engendra e nelas se manifesta. Hegel, afirma, portanto, que o espírito finito se encontra inicialmente numa união imediata com a natureza, a seguir em oposição com esta e finalmente em identidade, porque suprimiu a oposição e voltou a si mesmo e, consequentemente, o espírito finito é a ideia, mas ideia que girou sobre si mesma e que existe por si em sua realidade.

A Ideia absoluta que para realizar-se colocou como oposta a si, à natureza, produz-se através dela como espírito, que através da supressão de sua exterioridade entre inicialmente em relação simples com a natureza, e, depois, ao encontrar a si mesma nela, torna-se consciência de si, espírito que conhece a si mesmo, suprimindo assim a distinção entre sujeito e objeto, chegando assim a Ideia a ser por si e em si, tornando-se unidade perfeita de suas diferenças, sua absoluta verdade. Com o surgimento do espírito através da natureza abre-se a história da humanidade e a história humana é o processo que medeia entre isto e a realização do espírito “consciente de si”. A filosofia hegeliana centra sua atenção sobre esse processo e as contribuições mais expressivas ocorrem precisamente nesta esfera, do espírito. Para Hegel, à existência na consciência, no espírito chama-se saber, conceito  pensante. O espírito é também isto: “trazer à existência, isto é, à consciência”. Como consciência em geral tenho eu um objeto; uma vez que eu existo e ele está na minha frente. Mas enquanto o Eu é o objeto de pensar, é o espírito precisamente isto: “produzir-se, sair fora de si, saber o que ele é”. Nisto consiste a grande diferença: o homem sabe o que ele é. Logo, em primeiro lugar, ele é real. Sem isto, a razão, a liberdade não são nada. O homem é essencialmente razão.

O homem, a criança, o culto e o inculto, são a razão. Ou melhor, a possibilidade para isto, para ser razão, existe em cada um, é dada a cada um. Entretanto, a razão não ajuda em quase nada a criança, o inculto. É uma possibilidade, embora não seja uma possibilidade vazia, mas possibilidade real e que se move em si. Assim, por exemplo, dizemos que o homem é racional, e distinguimos muito bem o homem que nasceu somente e aquele cuja razão educada está diante de nós. Isto pode ser expresso também assim: o que é em si, tem que se converter em objeto para o homem, chegar à consciência; assim chega para ele e para si mesmo. Deste modo o homem se duplica. Uma vez, ele é razão, é pensar, mas em si: outra, ele pensa, converte este ser, seu em si, em objeto do pensar. Assim o próprio pensar é objeto, logo objeto de si mesmo, então o homem é por si. A racionalidade produz o racional, o pensar produz os pensamentos. O que o ser em si é se manifesta no que é o ser por si. Todo conhecer, todo aprender, toda visão, toda ciência, toda atividade, não possui nenhum outro interesse além do que “é em si”, no seu interior, manifestar-se desde si mesmo, produzir-se, transformar-se. Nesta diferença se descobre toda a diferença na história do mundo.

          Os homens são todos racionais. O formal desta racionalidade é que o homem  seja livre. Esta é a sua natureza. Isto pertence à essência do homem. O europeu sabe de si, dizia Hegel, pois é objeto de si mesmo. A determinação que ele conhece é a liberdade. Ele se conhece a si mesmo como livre. O homem considera a liberdade como sua substância. Se os homens “falam mal de conhecer é porque não sabem o que fazem”. Conhecer-se, converter-se a si mesmo no objeto (do conhecer próprio) e o fazem relativamente poucos. Mas o homem é livre “somente se sabe que o é”. Pode-se também em geral falar mal do saber, como se quiser. Mas somente este saber libera o homem. O conhecer-se é no espírito a existência. Portanto isto é o segundo, esta é a única diferença da existência (Existenz) a diferença do separável. O Eu é livre em si, mas também por si mesmo é livre e eu sou livre somente enquanto existo como livre. A terceira determinação é que o que existe em si, e o que existe por si são somente uma e mesma coisa. Isto quer dizer a representação evolução. O em si que já não fosse em si seria outra coisa. Por conseguinte, haveria ali uma variação, mudança.

Na mudança existe algo que chega a ser outra coisa. Na evolução podemos também na dúvida falar da mudança. Mas esta mudança deve ser tal que o outro, o que resulta, é ainda idêntico ao primeiro, de maneira que o simples, o ser em si não seja exteriormente negado. É algo concreto, algo distinto. Entretanto contido na unidade, no em si primitivo. O gérmen se desenvolve assim, não muda. Se o gérmen fosse mudado desgastado, triturado, não poderia evoluir. Esta unidade do existente, o que existe, e do que é em si é o essencial da evolução. É um conceito especulativo, esta unidade do diferente, do gérmen e do desenvolvido. Ambas estas coisas são duas e, no entanto, uma. É um conceito da razão. Por isso só todas as outras determinações são inteligíveis, mas o entendimento abstrato não pode conceber isto. O entendimento fica nas diferenças, só pode compreender abstrações, não o concreto, nem o conceito. Resumindo, teremos uma única vida a qual está oculta. Mas depois entra na existência e separadamente, na multiplicidade das determinações, e que com graus distintos, são necessárias. E juntas de novo, constituem um sistema. Essa representação é uma imagem da história da filosofia. O primeiro momento era o em si da realização, e em si do gérmen etc. O segundo representa a existência, aquilo que resulta. Assim, o terceiro é a ideia/figuração de identidade de ambos, mais precisamente agora o fruto da própria evolução, o resultado de todo este movimento. Em anatomia humana, o nervo ulnar é um nervo que tem como unidade articulatória percorrer as proximidades do osso ulna.

      O ligamento lateral interno no cotovelo tem relação com o nervo ulnar. Ele é o maior nervo desprotegido do corpo humano (significando não protegido por músculo ou osso), o que faz com que lesões nele sejam comuns. Este nervo está diretamente conectado com o dedo mínimo, inervando o lado palmar desses dedos, incluindo ambas as pontas frontal e posterior, talvez chegando mesmo até o leito ungueal. Este nervo pode causar uma sensação parecida a um choque elétrico ao se golpear a parte posterior do epicôndilo medial do úmero, ou a parte inferior quando o cotovelo está flexionado. O nervo ulnar está preso entre o osso e a pele sobrejacente nesse ponto. O ato de golpear este nervo é comumente referido como “bater o osso engraçado”. Pensa-se que este nome surgiu como um trocadilho do inglês, baseado na semelhança sonora entre o nome do osso do braço superior, o úmero (“humerus”), e a palavra humor (“humorous”). De acordo com a Oxford English Dictionary, a expressão pode se referir à “sensação peculiar experimentada quando se é golpeado”.
Esse aparente “pequeno acidente” provocou atrofia em três dedos de sua mão, impossibilitando-o de tocar piano por um ano inteiro. Não desistindo da carreira musical, fez várias adaptações para continuar tocando, de 1979 a 1985, ele gravou dez primeiras gravações da obra de Bach, de vinte e uma, mesmo com todas as sequelas. Conseguiu recuperar o público, e gravar praticamente toda a obra de Bach. A recuperação foi longa, dolorosa e muito complicada, fazendo com que o maestro tocasse com dificuldade até os 30 anos. Voltou ao Brasil e tornou-se empresário de música e boxe por 7 anos, como empresário de Eder Jofre, bicampeão mundial de boxe, fonte inspiradora de sua volta triunfal ao piano. Voltou aos palcos, com grande dificuldade e depois de longos períodos de intensa fisioterapia, passou a receber boas críticas e aclamação do público. Desenvolveu “distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho” (Dort), que o fez sair do palco vezes, quando acabou se afastando novamente e começou sua fase no âmbito do trabalho de empresário ligado à esfera de ação social da política.
Tocar piano, em níveis elevados de desempenho, é análogo à desempenho de um atleta, envolvendo intenso treinamento muscular, e esse alto nível de exigência predispõe os pianistas de elite a vários riscos. Pianistas, apesar de atuarem sobre seu instrumento em posição simétrica, podem ter problemas na coluna, nos ombros, no pescoço e na articulação dos punhos, dos cotovelos e dos dedos. Como o piano é um instrumento que só permite ajustes na altura do banco, o tipo físico do músico pode favorecer o aparecimento de lesões específicas, e a escolha desse acessório pode ser determinante para a qualidade do estudo: um pianista muito alto pode ter de se curvar para ler a partitura, afetando o pescoço; um músico de estatura baixa, por sua vez, pode ter dificuldades para alcançar o pedal. A incidência de complicações neuromusculares ocupacionais em pianistas é muito elevada e as dificuldades técnicas de desempenho se demonstraram empiricamente como um fator social importante no aparecimento desses problemas. Estudos apontam que a existência de sintomas nos pianistas estudados é muito superior à encontrada em grupos de controle, chegando a 91,5% do total. Os principais são dor, principalmente no pescoço, nas costas e nos membros superiores e fadiga muscular. As causas mais comuns são os movimentos repetitivos, as posturas inadequadas ao sentar e o esforço exagerado - muitas vezes desnecessário - ao tocar o instrumento, o que abre caminho para o surgimento da síndrome conhecida como Lesões por Esforço Repetitivo (LER) que não é uma doença, mas síndrome constituída por um grupo de doenças, tais como tendinite, tenossinovite, bursite, epicondilite, síndrome do túnel do carpo, dedo em gatilho, síndrome do desfiladeiro torácico, síndrome do pronador redondo, mialgias -, que afeta músculos, nervos e tendões dos membros superiores principalmente, e sobrecarrega o sistema musculoesquelético.
Mas ter a música como prática profissional de alto nível exige dedicação extrema, traduzida, principalmente, em horas dedicadas ao estudo do instrumento, em que o corpo e a mente são exigidos até, muitas vezes, a exaustão. Tocar piano, em níveis elevados de desempenho, é análogo à desempenho de um atleta, envolvendo intenso treinamento muscular, e esse alto nível de exigência predispõe os pianistas de elite a vários riscos. Pianistas, apesar de atuarem sobre seu instrumento em posição simétrica, podem ter problemas na coluna, nos ombros, no pescoço e na articulação dos punhos, dos cotovelos e dos dedos. Como o piano é um instrumento que só permite ajustes na altura do banco, o tipo físico do músico pode favorecer o aparecimento de lesões específicas, e a escolha desse acessório pode ser determinante para a qualidade do estudo: um pianista muito alto pode ter de se curvar para ler a partitura, afetando o pescoço; um músico de estatura baixa, por sua vez, pode ter dificuldades para alcançar o pedal. A incidência de complicações neuromusculares ocupacionais em pianistas é analisada como elevada e as dificuldades técnicas de desempenho se demonstraram estatisticamente como um fator social importante no aparecimento desses problemas. Estudos apresentam dados que a existência de sintomas nos pianistas estudados é muito superior à encontrada em grupos de controle, chegando ao índice de 91,5% do total.
Neste sentido se a LER analogamente é relacionada diretamente ao tipo de atividade profissional desenvolvida por esforço repetitivo, pode ser caracterizada como:  DORT (“Distúrbio Osteomuscular Relacionado ao Trabalho”), LTC (“Lesão por Trauma Cumulativo”) ou AMERT (“Afecções Musculares Relacionadas ao Trabalho”). Para a prática profissional de alto nível de um pianista seja saudável e produtiva, muitas são as técnicas específicas utilizadas proporcionais para obter o máximo de desempenho com o mínimo esforço. Mas, apesar da maioria destes pianistas de alto nível possuírem conhecimento suficiente para evitar a lesão, muitos deles já foram vítimas da síndrome, como João Carlos Martins, por exemplo. Nas crises agudas de dor, o tratamento inclui o uso de anti-inflamatórios e repouso das estruturas musculoesqueléticas comprometidas. Nas fases mais avançadas da síndrome, a aplicação de corticoides na área da lesão ou por via oral, fisioterapia e intervenção cirúrgica são recursos terapêuticos considerados. O nervo ulnar se origina das raízes nervosas C8 a T1 e ocasionalmente carrega fibras do C7 que fazem parte do fascículo medial do plexo braquial, e descende o aspecto póstero-medial do úmero.
Ele percorre inferiormente o aspecto póstero-medial do úmero, passando por trás do epicôndilo medial (no túnel cubital) no cotovelo, onde é exposto por vários centímetros. Ele entra no compartimento anterior (flexor) do antebraço entre as cabeças umeral e ulnar do flexor ulnar do carpo, situando-se debaixo das aponeuroses do flexor ulnar do carpo, lado a lado da ulna. Ali ele abastece um músculo e meio (o flexor ulnar do carpo e a metade medial do flexor profundo dos dedos) e segue com a artéria ulnar, viajando inferiormente com ela até a parte mais profunda do músculo flexor ulnar do carpo. Depois de viajar pela ulna, o nervo ulnar entra na palma da mão pelo canal de Guyon. O nervo ulnar e a artéria passam superficialmente pelo flexor retináculo da mão, via o canal ulnar. Ele se ramifica nos ramos superficiais do nervo ulnar e profundo do nervo ulnar. O percurso através do pulso contrasta com o do nervo mediano, o qual viaja até a parte profunda do flexor retináculo da mão. O nervo ulnar pode sofrer lesões em qualquer lugar entre sua origem proximal do plexo braquial até seus ramos distais na mão. É, portanto, o nervo mais comumente da área lesionada no entorno do cotovelo. Apesar de poder ser lesionados em diversas circunstâncias, de tempo e  espaço, ele é comumente lesionado por trauma local ou impacto físico (“nervo comprimido”). Lesões no nervo ulnar em diferentes níveis causam déficits motor e sensorial específicos em diferentes profissões.

Enfim, as mononeuropatias periféricas designam um conjunto de alterações decorrentes da compressão de apenas um dos nervos dos membros superiores e inferiores. Essas lesões podem decorrer de uma pressão interna, como, por exemplo, de uma contração muscular ou edema da bainha dos tendões ou de forças externas, como a quina de uma mesa, uma ferramenta manual ou a superfície rígida de uma cadeira, e estão incluídas no grupo LER/DORT. Entre as entidades nosológicas que acometem os membros superiores estão síndrome do túnel do carpo, síndrome do pronador redondo, síndrome do canal de Guyon, lesão do nervo cubital (ulnar), síndrome do túnel cubital, lesão do nervo radial e compressão do nervo supra-escapular. Outro grupo reúne quadros clínicos dolorosos pouco definidos, porém persistentes, que levam ao sofrimento dos trabalhadores e dificultam seu trabalho e sua vida pessoal e social.
Trata-se de quadro pouco comum, associado com exposições a movimentos repetitivos (flexão, extensão) de punhos e mãos, contusões contínuas, impactos intermitentes ou compressão mecânica na base das mãos (região hipotenar ou borda ulnar), vibrações. É um problema descrito há tempos, entre ciclistas, chamado “dedo em gatilho”, nome popular da tenossinovite estenosante. Predomina o quadro de alterações motoras, com possível paralisia de todos os músculos intrínsecos de dedos exceto os dois primeiros lumbricais e o músculo abdutor curto do polegar, inervados pelo mediano. Pode haver quadro exclusivamente sensitivo que se manifesta por formigamentos e dor nos 4º e 5º dedos. Podem ser observados quatro diferentes tipos de apresentações clínicas, de acordo com o ponto de compressão, se sobre fibras sensitivas e/ou motoras. O estabelecimento de um plano terapêutico para o portador de LER/DORT obedece a alguns pressupostos, dentre os quais se destacam a importância do diagnóstico precoce e preciso e a conveniência do afastamento dos trabalhadores sintomáticos de situações de exposição no trabalho mesmo aquelas consideradas leves. As orientações básicas para a condução de casos incluídos no grupo LER/DORT são detalhadas pelo sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo relacionadas ao trabalho.
Bibliografia geral consultada.

HELLER, Agnes, Sociologia della Vita Quotidiana. Roma: Editore Riuniti, 1975; LOYONNET, Paul, Les Gests et la Pensée du Pianist. Montreal: Louise Courteau Editrice, 1988; MANNHEIM, Karl, “El Problema de las Generaciones”. In: Revista Española de Investigaciones Sociológicas (REIS), n°. 62, pp. 193-242; 1993; BRANDEN, Nathaniel, Autoestima: como aprender a gostar de si mesmo. São Paulo: Editor Saraiva, 1995; DUBAL, David, Conversas com João Carlos Martins. São Paulo: Editora Green Forest do Brasil, 1999; GONÇALVES, Maria Dulce Ribeiro Miguens, Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dificuldades de Aprendizagem. Tese de Doutorado. Lisboa: Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, 2002; GOULD, Stephen Jay, A Falsa Medida do Homem. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2003; HEGEL, Friedrich, Fenomenologia do Espírito. 4ª edição. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2007; ARAUJO, Helder de, A Composição Brasileira de Piano para a Mão Esquerda. Tese de Doutorado em Música. Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes. Universidade de São Paulo, 2009; DURKHEIM, Émile, Da Divisão do Trabalho Social. 4ª edição. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2010; ELIAS, Norbert, O Processo Civilizador. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2011; CREPALDE, Neylson João Batista Filho, O Maestro, a Orquestra e a Racionalidade das Práticas Musicais. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2015; MARQUES, José Roberto, “Conheça o Maestro João Carlos Martins e sua História de Superação”. In: http://www.ibccoaching.com.br/23/05/2016; AMARAL, José Hérikson Dantas do, Saberes Docentes em Bandas de Música: Um Estudo Multicaso com Três Maestros no Alto Oeste Potiguar. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Música. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2017; OLIVEIRA, Carolina Andrade, O Regente-arranjador e a Circulação do Repertório de Arranjos nos Coros Brasileiros. Dissertação de Mestrado. Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2017; SILVA, Thiago Vieira, Efeitos da Prática da Matriz Djunker no Aprimoramento da Técnica Gestual de Regentes Atuantes em Brasília. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Música. Brasília: Universidade de Brasília, Brasília, 2018;  entre outros.

terça-feira, 19 de junho de 2018

Theodor Adorno - Particularidade & Forma de Moralidade de Pensar.

                                                                                                     Ubiracy de Souza Braga

                             A vida errada não pode ser vivida corretamente”. Theodor Adorno

                                                                 
        Theodor Wiesengrund Adorno provocou em muitas pessoas reações de forte antipatia. Bertold Brecht, por exemplo, achava-o pernóstico. Hannah Arendt, que o considerava presunçoso, acusou-o de ter adotado nos Estados Unidos, definitivamente o nome Adorno porque os norte-americanos tinham dificuldade para pronunciar Wiesengrund. José Guilherme Merquior descreve Adorno como “careca, gorducho e baixo” e diverte-se contando que durante um curso que ministrava em Frankfurt, entusiasmado com as passagens que lhe pareciam dialéticas, Adorno se punha na ponta  dos pés e repetia, excitado, para os alunos: - “Minhas senhoras e meus senhores, isso é muito dialético”. (“Meine damen und herren, das ist sehr dialektisch”). Talvez a própria proposta filosófica de Adorno tivesse, aos olhos da maioria das pessoas, algo de irritante e provocador. Desde a leitura de História e Consciência de Classe, de Georg Lukács, e do encontro com Walter Benjamin, na primeira metade dos anos 1920, Adorno se tornou marxista, a seu modo, pois fustigou Lukács em Notas de literatura I (cf. Adorno, 2003: 15-45), dizendo que seu erro básico se impõe em expressar diretamente a teoria.
        Todavia, quando em seu livro História e Consciência de Classe foi publicado, estava sendo organizado o Instituto de Pesquisa social, que passaria a funcionar nos anos seguintes em articulação com a Universidade de Frankfurt/Main, mas preservando sua autonomia graças ao apoio financeiro que lhe dava o comerciante e veterano socialista Herman Weil, que havia regressado muito rico da Argentina. Felix Weil, filho do patrocinador, redigiu o memorando que definia o projeto do social Instituto, e no texto do memorando já se notava o eco das concepções defendidas por Lukács em 1922: assumia-se o compromisso de empreender pesquisas voltadas para a “compreensão da vida social em sua totalidade”. Adotava-se uma perspectiva disposta a avaliar as questões presentes em cada campo da atividade na inter-relação dinâmica de umas com as outras, reconhecendo a inserção delas no processo histórico. A sede da organização foi inaugurada no campus da Universidade de Frankfurt/Main em 22 de junho de 1924. Na prática, apesar de seu elevado nível qualitativo, a produção teórica dos pesquisadores do Instituto nos anos de 1920 não se caracterizou por uma notável criatividade. Sobre a história do Instituto existe uma vasta bibliografia.



           
              Depois de 1936, o Instituto de Frankfurt deu aulas na divisão de extensão e patrocinou palestras de estudiosos europeus convidados, como Harold Laski, Morris Ginsberg e Celestin Bouglé, abertas à comunidade universitária. O mais importante, é claro, é que a visão europeia do Instituto transparecia sem seu trabalho. Como se poderia esperar, a teoria crítica foi aplicada ao problema mais proeminente da época: a ascensão do fascismo na Europa. Como assinalou Henry Pachter, muitos emigrados sem formação nem interesse político anteriores foram obrigados pelos acontecimentos a estudar o novo totalitarismo. Psicólogos como Ernest Kris examinaram a propaganda nazista, filósofos como Ernest Cassirer e a cientista política Hannah Arendt investigaram a formação do mito do Estado e as origens do totalitarismo, e romancistas como Thomas Mann escreveram alegorias da desintegração alemã. Nesse aspecto, o Instituto estava singularmente equipado para fazer uma contribuição importante. Começara a estudar os problemas da autoridade antes da emigração forçada. A teoria crítica fora desenvolvida, em particular, em resposta ao fracasso da teoria marxista tradicional (cf. Jay, 2008: 166-167) para explicar a relutância do proletariado em cumprir seu papel histórico. Uma das razões primordiais do interesse de Max Horkheimer na psicanálise rinha sido a ajuda que ela poderia fornecer para dar conta do "cimento" psicológico da sociedade. Por conseguinte, quando assumiu o projeto do Instituto em 1930, em seguida anunciou um estudo empírico sobre a mentalidade dos trabalhadores na República de Weimar.   
              Nas anotações que redigiu na segunda metade dos anos 1940 e publicou em 1951 como o título, Minima Moralia, Adorno também abordou o tema das novas formas da ideologia que apareciam nas condições da chamada “indústria cultura”. A convicção de Adorno é sempre a de que a falsidade da ideologia passa a ser perversamente mais importante à medida que ela, a ideologia, alimenta a pretensão de corresponder à realidade. E essa pretensão se fortalece ao máximo quando o sujeito é induzido a crer que alcançou uma visão global satisfatória, um conhecimento confiável no todo, do conjunto articulado das coisas compreendidas. A indústria cultural conferiu poderes avassaladores à capacidade que a ideologia dominante possui de induzir o pensamento, atenção e mesmo do olhar, a percepção, para os pontos por ela iluminados. A indústria cultural possibilitou, no século XX, a criação e o funcionamento de sociedades “totalmente administradas”, que já não precisam se empenhar em justificar suas prescrições e imposições: a massa dos consumidores tende a aceita-las passivamente, considerando-as normais, legitimadas pelo simples fato de existirem.             
            Para a ideologia dominante, “tudo é opinião”, mas algumas opiniões são falsas e outras são corretas. O poder de persuadir os indivíduos das opiniões corretas está ligado à capacidade da ideologia dominante de se apoiar em todo um vasto sistema educativo, em toda uma organização de formação cultural corrompida que é proporcionado ao amplo público consumidor. Mas eficazmente do que o conjunto das escolas, analisadas posteriormente por Pierre Bourdieu, a indústria cultural serve à multidão de produtos culturais simplificados, vulgarizados, amontoados acriticamente. Os professores se convencem de que estão ajudando seus alunos a avançar pouco a pouco na assimilação da cultura. Os alunos, massificados, lisonjeados com a semicultura, satisfazem-se com o que lhes está sendo dado, e são induzidos a preservar o que lhes parece ser o seu saber, e, portanto, o seu patrimônio cultural, reagindo contra quaisquer objeções dos eternos questionadores, sempre insatisfeitos, ou contra as investidas insensatas de uma crítica radical. A cultura nem sempre foi contraditória, por isso não devemos idealizá-la. No século XX, com a esmagadora predominância de critérios imediatistas e utilitários, esses valores críticos da cultura sofrem um brutal esvaziamento e as pessoas vão deixando de ter a capacidade de reconhecê-los, se por acaso com eles se defrontarem.
A divergência entre Adorno e Benjamin não resultava de um deles ser mais desconfiado que o outro. Ambos se recusaram a seguir a uma militância tumultuada, com elevados índices de frustração e autocríticas, concessões dolorosas feitas ao longo de mais de cinquenta. Na origem das divergências, estava a convicção de Benjamin de que, para intervir na ação, para participar ativamente na luta de classes, era preciso atuar de maneira coletiva, filiar-se ao instrumento da revolução e do partido. Uma das grandes forças dos escritos de Adorno é a sua capacidade de ligar as maiores questões metafísicas aos menores detalhes da existência humana. Como ele argumenta na introdução a Mínima Moralia, isso, em parte, é uma herança de Hegel. Do ponto de vista estético, Adorno valoriza Hegel e Beethoven, comparativamente, pela tensão que suas obras mantêm entre o individual e o global, entre a parte e o todo, mas ele suspeita que, em ambos os casos, o pequeno torna-se um mero momento no todo maior. O trabalho teórico de Adorno busca manter essa tensão dialética, como sugere a forma de Mínima Moralia. O livro é ordenado em três sequências de fragmentos, cobrindo tópicos da vida em família à história mundial, da experiência da criança no zoológico às críticas de Adorno a Hegel. Os fragmentos se mantêm juntos na forma do livro, mas não se somam entre parte e todo, em uma teoria abrangente. 

Ao conectar os detalhes aparentemente mais inocentes da vida cotidiana a absolutos morais, Adorno parece colocar em ação uma inversão paranoica das tendências totalitárias que ele discerne na sociedade contemporânea. Mas é apenas uma reformulação quando ele prefacia sua queixa quanto ao cinema, o fato social de que “não restou nada de inócuo”. No mundo cotidiano a liquidação do particular pelo universal é experimentada como sofrimento e mal-estar da civilização. Nesse cenário vão se propagar, erroneamente, cada vez mais ideias que aspiram por um vulgar impulso por transcendência. O desespero pelo que existe propaga as ideias, que em outros tempos foram contidas. Qualquer um, inclusive as pessoas que se ocupam com negócios desse mundo, considerará um desvario a ideia de que esse mundo finito de tormento infinito seja abarcado por um plano universal divino. Theodor Adorno refere-se a essa experiência da “via negativa” da “metafísica em queda” como a busca da “imediatez subjetiva intacta” ou “subjetivismo do ato puro”, experiência que nos daria o “interior dos objetos”, a redenção do materialismo por meio da metafísica que, finalmente, revelaria a aparente verdade do mundo. Que ele tenha, por outro lado, querido intensivamente ter contradito tal veredito, testemunham os 370 fragmentos que compõem o livro inacabado, nos quais Adorno trabalhou durante parcela significativa de sua vida intelectual, de 1938 até o final de sua vida, em 1969. Seu principal objetivo diria respeito à própria natureza e alcance da filosofia da música enquanto disciplina do ponto de vista do conhecimento científico.
            O livro deveria fornecer a filosofia da música, ou seja, determinar decididamente a relação da música com a lógica conceitual, no que Beethoven e Hegel são tomados como “paradigmas” em seus domínios respectivos. O problema social da forma de disjunção do interesse universal e particular seria, ao mesmo tempo, o problema da filosofia moral. Nisso, podemos seguir as ponderações de Adorno. As realidades sociais caracterizam-se pelo fato de que interesses particulares, ao nível ideológico, se colocam como interesses gerais. Os indivíduos devem representar seus interesses particulares, como se o interesse universal e o particular coincidissem. Enquanto esse estado de coisas se mantiver, encontramo-nos numa aporética situação de contradição. Por isso, a questão sobre a vida reta ou boa, refletiu Adorno, só poderia ser respondida por meio da “negação determinada” e isto, para ele, significava a práxis: nós poderíamos ainda assim tentar existir decentemente, mesmo quando o estado geral social, na condição do todo, impede-nos de fazê-lo, uma socialização heterônoma às formas socialmente sancionadas do ângulo da moral repressiva, isto é, tendo em vista as condições e possibilidades de se agir como representante da vida reta, a única que seria possível no todo falso. 

A ética ou a filosofia moral se tornam uma luz que permite discernir entre aquilo que é certo ou não do ponto de vista ético. É um dos valores que não se encontra inserido no contexto de uma religião específica, mas no contexto da lei natural que rege aquilo que é conveniente para o ser humano de acordo com sua dignidade e natureza. A moral tem sua base na liberdade do ser humano através da qual uma pessoa pode realizar boas ações, mas que também tem a liberdade de praticar atitudes injustas. A reflexão moral ajuda o ser humano a tomar consciência de sua própria responsabilidade no trabalho de crescer como pessoa, tendo sempre claro o princípio da verdade e do bem. A filosofia como reflexão moral é muito importante, uma vez que a retidão no trabalho ajuda o ser humano a melhorar como pessoa e a alcançar uma vida boa. A filosofia moral mostra a responsabilidade humana em trazer esperança à sociedade que vive, uma vez que através de ações individuais exerce influência no bem comum. Esta filosofia moral toma como fundamental os princípios da conduta humana. Estas normas éticas dignificam a pessoa através de valores como mostra a superação pessoal, o amor próprio, o respeito, o princípio do dever e a busca pela felicidade. Um princípio moral essencial é lembrar que o fim nem sempre justifica os meios.
O fim do idealismo alemão, o aparecimento do materialismo, o pensamento de Friedrich Nietzsche e as teorias de Freud pareciam unir-se na luta contra a filosofia positivista que ganhava força com a industrialização: ordem e progresso unidos sob a batuta da ciência. Recorde-se que o anarquismo tinha ganhado raízes em Ascona, desde que em 1869, o célebre anarquista russo Mikhail Bakunin tinha vindo residir como refugiado político. Também pouco tempo depois começaram a chegar outros refugiados com projetos distintos, como o de fundar um convento laico com o nome de Fraternitas, por iniciativa dos teósofos Alfredo Pioda e Franz Hartmann, justamente nas montanhas de Ascona, que receberiam então, mais tarde, o nome de Monte Verità. Em 1900, sob o ambiente histórico e filosófico da Europa do período da pré-guerra, aparece a singular história da realização de uma utopia que tomou o nome de Monte Verità. Singular não só pelo seu alcance, mas também pela radicalidade das suas propostas iniciais, e pela atração que exerceu sobre inumeráveis artistas e pensadores, mas  também pelo fato da criação do “Círculo de Eranos”, o qual teve como expoentes figuras como Carl G. Jung, Rudolf Otto, Karl Kerenyi, Joseph Campbell, Mircea Eliade, Gilbert Durand, Gershim Scholem, Henry Corbin e Gerardus van der Leeuw.
Eranos é a designação dada a um encontro de pensadores dedicados aos estudos da espiritualidade que ocorreu regularmente próximo a Ascona, na Suíça, a partir de 1933. O nome, sugerido por Rudolf Otto, é derivação da palavra grega que significa “um banquete onde não existe um anfitrião a prover os convidados, mas onde todos contribuem com sua comida”. O grupo de Eranos foi fundado por Olga Froebe-Kapteyn em 1933, e as conferências ocorreram anualmente em sua propriedade desde então - às margens do Lago Maggiore, próximo a Ascona, na Suíça. Por mais de setenta anos, as reuniões serviram como ponto de contato entre intelectuais de diferentes orientações de pensamento. As conferências tinham duração de oito dias. Durante esse período, os participantes realizavam suas atividades em conjunto, vivendo de “forma comunal” e exercendo abertamente o diálogo e o debate. Dada a diversidade de pensamento, não é possível designar os encontros de Eranos como uma “escola de pensamento”, embora tenha havido uma intensa troca e partilha de questões em comum, como a hermenêutica dos símbolos e os fundamentos da possibilidade do conhecimento científico.


Horkheimer,  Adorno à direita e Habermas.
Nesses movimentos havia chefes e discípulos que utilizavam uma linguagem e um estilo específico, elemento e imagem de “sua intimidade emocional”, e celebravam certas palavras, como exemplo, gemeinshaft: a comunidade era aos seus olhos uma invocação mágica. As aspirações e valores dos wandervogel exprimiam “sua busca de alma, sua desconfiança em relação ao espírito”. Para falar do complexo de sentimentos e reações que exprime o espírito deste movimento de juventude, vale-se da expressão “busca de unidade”, que representa, em seu ponto de vista, uma regressão oriunda de um grande medo: “o medo da modernidade”. Segundo Peter Gay, as abstrações que Ferdinand Tönnies e tantos outros pensadores utilizaram revelam uma necessidade desesperada de raízes e pertença a uma determinada comunidade, constituem uma rejeição radical da razão, a que se acrescenta o apelo à ação direta ou à submissão a um chefe carismático. Observa que este conglomerado de sentimentos hostis que se fazia passar por filosofia incitou Ernst Troeltsch, a assinalar o perigo desta inclinação, a seus olhos alemã, que favorecia a “mistura de misticismo e brutalidade”.  
        À medida que a situação política na Alemanha de Weimar se deteriorava, essa teologia subterrânea era mais ou menos veladamente transfigurada em uma estrutura confessadamente marxista. Na verdade, a separação de crítica, cultura e questões de mobilização política e organização partidária, pela qual Adorno geralmente é atacado. A tarefa do intelectual não devia ser encontrar premonições de revolução nas ruínas da antiga ordem, mas lançar um ataque à nova ordem e aos movimentos que afirmavam ser capazes de transformá-la. A consistência intelectual da posição de Adorno baseia-se no repúdio de qualquer pretensão a um ponto de vista privilegiado para o intelectual como observador da sociedade. O elitismo inerente da arte, da política e da teoria da vanguarda era anátema para Adorno, e isto lança os fundamentos para a divergência entre o seu trabalho e as variedades comuns ou domesticadas da crítica marxista da ideologia. Mínima Moralia é a resposta de Adorno. Isto capacita Adorno a reformular vagas aspirações políticas e sociais de amigos em temos explicitamente morais.  
       Para um melhor dimensionamento do que se pode extrair desta frase para a interpretação do pensamento estético e filosófico de Adorno, convém ainda tematizar rapidamente o significado intrateórico de seu inacabado Beethovenbuch, cujo primeiro capítulo ela praticamente deveria introduzir, se seguirmos a ordenação proposta por Rolf Tiedemann, editor e aluno do filósofo. Dentre os projetos inacabados que Adorno gostaria de ter finalizado constituindo um momento essencial no desenvolvimento de sua obra e, por preencherem lacunas constatáveis, teria lhe conferido nova consistência, figura exemplarmente esse livro sobre Beethoven, que deveria se chamar, muitíssimo significativamente: “Beethoven: Filosofia da música”, pois salta aos olhos que Adorno não tenha escrito uma filosofia da música, mas apenas uma filosofia da nova música. As categorias, para Adorno essencialmente correlatas, de imanência e de totalidade serão, assim, essenciais para a compreensão do que Beethoven e Hegel representariam a história da música e da sua relação com a filosofia ocidental.
A relação particular do sistema beethoveniano comparativamente com o sistema hegeliano reside no fato de que a unidade do todo de pensamento deve ser compreendida apenas como uma unidade mediatizada. A forma beethoveniana é um todo integral, no qual cada momento particular só se determina a partir de sua função no todo, apenas na medida em que esses momentos particulares se contradizem e suprassumem na complexidade de apreensão do  todo. Em outros termos, poder-se-ia resumir a argumentação de forma bastante esquemática e mesmo algo violenta à sua complexidade, às seguintes teses correlatas. Arte e filosofia ocidental apresentam um desiderato interno. Manifesto, sobretudo na modernidade,  referido à autonomização. Seus discursos são traduzidos essencialmente em sua progressiva emancipação de elementos transcendentes: categorias teológicas, no caso da filosofia ou de inteligibilidade naturalizados – e de seu correlativo estabelecimento como totalidade conceitual, para a filosofia, e formal no caso das artes, dotada de sentido imanente.
Essencial para a plena consecução de tal autonomização decorreu, no caso da música, a consolidação do idioma tonal e, a ele correlato, da forma musical integral, com o advento do classicismo vienense; e no caso da filosofia, a dissolução de toda transcendência em sentido especulativo, tal como levada à cabo por Immanuel Kant que, por sua vez, se encontra nas tentativas sistemáticas do idealismo Alemão que por intermédio das interpretações de Beethoven e Hegel se concretizam tais processos. Dialética negativa é o nome que tem como representação o programa teórico que procura oferecer consistência a um pensamento que se localiza em tal lugar de enunciação. Por um lado, endossa-se enfaticamente o colapso do idealismo e de sua correlativa pretensão sistemática à totalidade, o que fará de uma dialética negativa um “antissistema” ou uma “anti-filosofia” que procura dissolver internamente todo sistema filosófico e toda filosofia da imanência; por outro lado, afirma-se simultaneamente que a filosofia só se realiza com uma visada à totalidade e à imanência radicais, o que faz da dialética negativa um antissistema que permanece fiel à sua vocação clássica e atrelada ao ideal da filosofia hegeliana. - “Por isso, a dialética negativa permanece atrelada, como seu ponto de partida, às mais elevadas categorias da filosofia da identidade”. 

É neste sentido que o viver correto seria impossível, não tanto porque a sociedade, de certa maneira, é inerentemente má, mas porque a natureza do certo e do errado é tal que nunca podemos dizer como confiança que um eclipsou o outro. Parte do contraponto que podemos sentir ao uso que Adorno faz da ideia de liberdade é que a maneira como geralmente pensamos sobre liberdade evoluiu para evitar justamente esse tipo de conflito: uma tendência encontrada não apenas no nosso cotidiano do termo, mas também nas tendências predominantes na teoria política liberal. Quando usamos a palavra “liberdade” tendemos a querer dizer que nenhuma limitação física ou jurídica nos impede de agir segundo nossos desejos ou, vendo pelo outro lado, segundo a capacidade jurídica ou física de realizar muitas ações desejadas. Em termos políticos, este é o famoso contraste entre liberdades positivas e negativas: a liberdade como um conjunto de direitos que detemos como cidadão; a liberdade como um conjunto de restrições ao que os outros, ou o Estado, como ocorre no julgamento político do líder sindical e ex-presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva impõem. A liberdade, em todos os sentidos, está intimamente ligada à ideia do indivíduo. Os indivíduos detêm direitos como cidadão ou são protegidos contra a violação de suas liberdades. A autonomia do indivíduo é  presumida ao invés de provada. Ao rejeitar nossa interdependência mútua frente aos outros e o mundo que nos sustenta, a moralidade torna-se mera justificativa para a continuação da Bellum omnium contra omnes, que Adorno, seguindo Hobbes, supõe como estado de natureza.
Uma filosofia moral liberal, que parte do homem como indivíduo autônomo e independente, simplesmente não é uma filosofia moral, porque segundo Adorno (1989) a moralidade é um dos aspectos da cultura que nos permite suspender tal violência. Adorno segue uma tradição alternativa, exemplificada melhor na obra de Rousseau e Hegel, pensadores para quem a liberdade para um não tem significado sem a liberdade para o todo. A antipatia do indivíduo para com uma ordem social que ele sente como imposta a ele é uma consequência da natureza irreconciliada da sociedade, igualmente exibida na antinomia filosófica de sujeito e objeto. Portanto, Adorno não nega a experiência subjetiva da alienação, de ser colocado contra uma totalidade social que não parece corresponder aos nossos interesses e desejos. Pois, tanto o pensamento político liberal, como a experiência individual na sociedade tem de ser explicada, não como uma forma solucionada de uma síntese superior, mas como um problema insuperável. A liberdade deixa à altura sua promessa de reconciliação social: uma promessa que nos permite criticar não apenas a não liberdade social, mas também a liberdade parcial hipostasiada nas filosofias liberais que justificam a liberdade dos indivíduos. 

As sugestões autoritárias da insistência na autonomia moral como submissão ou respeito à lei derivam da experiência de leis como exteriores ao indivíduo. A discussão adorniana não pretende solucionar este puzzle ou mesmo sua condição de liberdade. A concepção da personalidade como estrutura é a melhor salvaguarda contra a inclinação a atribuir as tendências persistentes no indivíduo a algo inato ou básico ou racial que existe dentro dele. A alegação nazista segundo a qual são os traços naturais e biológicos que decidem o modo de ser global de uma pessoa não seria um expediente político tão bem sucedido se não fosse possível apontar as numerosas instâncias de fixação relativa na conduta humana e desafiasse aqueles que pensam poder explicá-las em qualquer outra base que não a biológica. Privados do entendimento da personalidade como estrutura, os autores cuja abordagem descansa na premissa de que a capacidade humana de responder e se adaptar à situação social existente é infinita em nada ajudaram, no tocante à matéria, ao referir-se às tendências persistentes com as quais eles não concordam como confusão,  psicose ou o [próprio] mal, sob um ou outro nome. Obviamente, existe alguma base para descrever como patológicos os padrões  de conduta que não se conformam às respostas tidas como mais comuns e, aparentemente, mais regulares aos estímulos do momento. Porém isso é usar o termo patológico no sentido muito estreito de desvio da média encontrada em um contexto social particular e, o que é pior, sugerir que tudo aquilo que existe na estrutura da personalidade pode ser posto sob esse título. Realmente a personalidade abarca variáveis amplas disseminadas na população e que possuem relações regulares umas com as outras.

Os padrões de personalidade que têm sido desprezados como patológicos, porque não estão de acordo com as tendências manifestas mais comuns, ou mesmo com a maioria dos ideais dominantes existentes na sociedade, revelam-se à luz de uma investigação mais detalhada não ser senão exageros de algo que é quase universal no plano subjacente a essa sociedade. O que é patológico hoje pode se tornar a tendência dominante de amanhã, com a mudança das condições sociais. Parece claro então que uma abordagem adequada dos problemas que temos pela frente precisa levar em conta ao mesmo a fixidez e flexibilidade [da personalidade]; precisa ver as duas coisas não como categorias mutuamente exclusivas, mas como extremos de um mesmo contínuo, ao longo do qual as características humanas podem ser colocadas; e, por fim, precisa nos dar a base para entender as condições que favorecem um ou outro extremo. Personalidade é um conceito para dar conta de uma permanência relativa. Porém podemos enfatizar mais uma vez que ele designa,  sobretudo, em potencial;  é a prontidão para conduta antes  que a própria conduta. Embora consista em disposições para se conduzir de certo modo, a conduta realmente verificada vai depender da situação  objetiva. Onde a preocupação é com as tendências antidemocráticas, a delimitação das condições para expressão individual requer um entendimento da organização global da sociedade. Afirma-se há algum tempo que a estrutura da personalidade pode ser tal que torna o indivíduo suscetível à propaganda antidemocrática. Pode-se agora perguntar quais são as condições sob as quais tal propaganda poderia, aumentando seu grau e volume, vir a dominar a imprensa e o rádio e excluir os estímulos ideológicos contrários, de modo que o que agora jaz em potencial se tornasse efetivamente manifesto. A resposta não deve ser procurada em qualquer personalidade singular, nem nos fatores de personalidade existentes na massa da população, mas nos processos em ação na sociedade. Atualmente parece bem entendido que se a propaganda antidemocrática vai ou não se tornar uma força dominante neste país depende fundamentalmente da situação da maior parte dos interesses econômicos mais poderosos; se eles, seja ou não através de um plano consciente, farão uso desse expediente para manter seu status dominante; e essa é uma matéria sobre a qual a grande maioria das pessoas teria pouco a dizer.

Bibliografia geral consultada.
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