Carl Fr. Ph. von Martius - História, Etnologia & Comunicação.
Giuliane de Alencar & Ubiracy de Souza Braga
“Von Martius não foi o único a fazer uma
proposta de regionalização do Brasil”. Julia Kovensky
Carl Friedrich Philipp von Martius
(1794-1868) chegou ao Brasil há 200 anos como um dos integrantes da Missão Austríaca em companhia da
imperatriz Leopoldina por ocasião de seu casamento com dom Pedro I. A missão
austríaca de 1817 trouxe um conjunto de sábios e artistas destacados. Compunham
o séquito da arquiduquesa os zoólogos Johan Baptiste Von Spix e Johann
Natterer; os botânicos Karl Friedrich Philipp von Martius, Johann Sebastian
Mikan e Johann Emanuel Pohl, além do pintor Thomas Ender. A expedição fica meio
ano na província do Rio de Janeiro para preparar a viagem, tendo contratada uma
equipe de apoio, composta de guias, tropeiros, escravos e índios, que
viabilizariam a parte técnica e operacional da expedição. A aventura do jovem
botânico alemão percorreu mais de 10 mil km do Brasil por assim dizer inóspito. Esse trabalho
resultou na obra Reise in Brasilien (“Viagem
pelo Brasil”), concluída pelos cientistas em 1831, além da Flora Brasiliensis, conduzida por Von Martius até sua morte (1868) e dando continuidade por 65 cientistas até a publicação, em 1906. - “A FloraBrasiliensis ainda é a maior obra de flora já feita no mundo, com o
maior número de espécies e gêneros descritos”, afirma Rafaela Forzza,
pesquisadora e curadora do Herbário do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. - “Até
hoje nenhum botânico brasileiro trabalha sem ela”.
O
Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, ou apenas Jardim
Botânico do Rio de Janeiro, é um instituto de pesquisas e jardim botânico
localizado no bairro do Jardim Botânico, na zona sul do município do Rio de
Janeiro. Representa uma das mais belas e bem preservadas áreas verdes da
cidade, exemplo da diversidade da flora brasileira e estrangeira. Nele podem
ser observadas cerca de 6 500 espécies, distribuídas por uma área de 54
hectares, ao ar livre e em estufas. A instituição é responsável pela
coordenação da Lista de Espécies da Flora do Brasil e pela avaliação de
risco de extinção destas espécies. A instituição abriga, ainda, monumentos de
valor histórico, artístico e arqueológico e a mais completa biblioteca do país
especializada em botânica, com mais de 32 000 volumes e o maior herbário do
Brasil, que possui 600 mil amostras desidratadas, número de 2014, com uma média
de 20 mil novas amostras incorporadas anualmente, informatizadas e disponíveis na página da instituição. A
sua origem remonta à transferência da corte portuguesa para o Brasil, entre
1808 e 1821. A corte fixou-se no Rio de Janeiro, desde 1763 sede do Brasil, uma colônia portuguesa,
e agora alçada à condição de sede do império português, propiciando-lhe
diversas oportunidades e melhorias.
Dentre essas destaca-se a implantação de
uma fábrica de pólvora na sede do antigo Engenho da Lagoa, de
propriedade de Rodrigo de Freitas, cujas ruínas dos muros integram os limites
da instituição. Por decreto real de 13 de junho de 1808, o príncipe-regente Dom
João, em nome de sua mãe “incapacitada” - Dona Maria I -, “manda tomar
posse do engenho e terras denominadas da Lagoa Rodrigo de Freitas”, para criar o Jardim de Aclimação, com a finalidade de “aclimatar as
plantas de especiarias oriundas das Índias Orientais: noz-moscada, canela e
pimenta-do-reino”. No
mesmo ano, a 11 de outubro, recebeu o nome de Real Horto, e no dia
seguinte em 12 de outubro, o Príncipe-regente assinou um decreto real criando o
cargo de feitor para a fazenda da Lagoa. Os primeiros exemplares de plantas que
o integraram vieram do Jardim La Pamplemousse, nas ilhas Maurício, pelas mãos
de Luiz de Abreu Vieira e Silva, que os ofereceu ao Príncipe-regente. Entre
eles encontrava-se a chamada “Palma Mater”. A sua direção foi inicialmente entregue ao
general Carlos Antônio Napion (1808) e, em seguida, ao brigadeiro dom João
Gomes da Silveira Mendonça, marquês de Sabará, que o dirigiu de 1808 a 1819. Em
1810, o prussiano Kancke transformou-o em uma estação experimental, recebendo,
nessa função, mais de 800 000 réis por ano. Nos viveiros, já havia mudas de
cânfora, nogueira, jaqueira, cravo-da-índia e outras plantas do Oriente.
Em
termos administrativos, o alvará de 1º de março de 1811 “Cria a Real Junta de
Fazenda dos Arsenais, Fábricas, e Fundição da Capitania do Rio de Janeiro e uma
Contadoria dos mesmos Arsenais (...) dirigindo também um estabelecimento de um
jardim botânico da cultura em grandes plantas exóticas que mando que se haja de
formar na dita fazenda da Lagoa (...)”. No ano seguinte (1812), chegaram, ao
Real Horto, as primeiras mudas de chá Camellia sinensis, planta denominada
anteriormente como Tea viridis, enviadas de Macau pelo senador daquela colônia
portuguesa no Extremo Oriente, Dom Rafael Botado de Almeida. Visando dinamizar
essa cultura, em 1814 o Príncipe-regente faz trazer para trabalhar no jardim um
grupo de cerca de 300 chineses. O decreto real de 11 de maio de 1819 anexa o
Real Horto ao Museu Real, criado no ano anterior, por decreto real de 6 de
junho de 1818. Pelo Decreto Real de 22 de fevereiro de 1822, a
instituição, que, desde 1808, se encontrava subordinada ao Ministério dos
Negócios da Guerra, passou para a alçada do Ministério dos Negócios do Reino. O
Decreto Real de 11 de maio de 1819 anexa o Real Horto ao Museu Real, criado no
ano anterior, por decreto real de 6 de junho de 1818. Pelo decreto real de 22
de fevereiro de 1822, a instituição, que, desde 1808, se encontrava subordinada administrativamente ao Ministério dos Negócios da Guerra, passou para a alçada do Ministério dos
Negócios do Reino.
Com
a proclamação da República brasileira (1889), no ano seguinte passou a ser
denominado como Jardim Botânico. A partir de então, receberia diversos
visitantes ilustres, como Albert Einstein (1925) e a rainha Isabel II do Reino
Unido em novembro de 1968, entre outros, transformando-se em cartão-postal da
cidade. Entre os nomes de pesquisadores que lhe estão ligados destaca-se o de
Manuel Pio Correia (1874-1934), um botânico português. Naturalista,
botânico, geólogo e pesquisador, nascido na cidade do Porto, em Portugal, filho
do editor e livreiro Ignacio Corrêa, dedicou-se ao estudo da Botânica aplicada,
ressaltando aspectos científicos, econômicos e industriais das plantas. Membro
de mais de uma dezena de instituições científicas. Os trabalhos desenvolvidos
por este naturalista deram origem a importantes publicações, dentre as quais os
seis volumes do Dicionário das Plantas Úteis do Brasil e das Exóticas
Cultivadas (1926) pelo Ministério da Agricultura. Sua
bibliografia completa inclui cerca de 150 trabalhos. Quando faleceu, era
pesquisador do Museu de História Natural de Paris.
O
Jardim Botânico do Rio de Janeiro encontra-se tombado pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional desde 1937. Em 1991, a Organização
das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura (UNESCO) considerou-o como Reserva
da Biosfera. Naquele momento, quando o jardim passava por dificuldades de
manutenção e conservação, um grupo de empresas públicas e privadas formou-se
para auxiliá-lo. Como resultado das parcerias, em 1992 o orquidário e a estufa
de violetas foram renovados, além de procedida uma limpeza no lago. Em 1995,
foi construído o Jardim Sensorial, com plantas aromáticas e placas indicadoras
em braile, permitindo a visitação por portadores de deficiência visual. Posteriormente,
uma nova estufa para as bromélias foi construída. No início do século XXI, o
muro do jardim na rua Pacheco Leão foi demolido, dando lugar a uma grade,
melhorando a sua integração tornando transparente a visibilidade paisagística no
bairro. Como reconhecimento pela importância científica, foi rebatizado como Instituto
de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, em 1998, ficando afeto ao
Ministério do Meio Ambiente. Em 2002, tornou-se uma autarquia federal.
Desconhecido pela etnografia,
mas que marcaria um importante acontecimento teórico e prático na história da
escrita e da representação da filologia para o conhecimento da flora nacional, então
representada de forma exótica e quase inatingível no âmbito do imaginário individual
(o sonho) e coletivo (os mitos, os ritos, os símbolos). Formado em medicina,
entretanto, dedicou-se às ciências naturais.Desnecessário dizer que as “ciências
naturais” constituem uma classificação que abarca as áreas da ciência que visam
a estudar a natureza em seus aspectos mais gerais e fundamentais, isso é, o
universo como um todo, que é entendido como regulado por regras ou leis de
origem natural e com validade universal, fazendo-o de forma a focar-se nos
aspectos físicos e não no homem ou em aspectos comportamentais. Além do uso
tradicional, a expressão ciências naturais é por vezes usada no dia-a-dia como
sinônima de história natural. Neste sentido, “ciência natural” pode estar
subentendendo biologia e talvez alguma das chamadas ciências da Terra, em
oposição às ciências físicas, como astronomia, física e química. Em tempos medievais, o estudo natureza era reconhecido como filosofia
natural. No final destes tempos e início da modernidade, a interpretação
filosófica da natureza foi sendo substituída por uma aproximação
científica através da utilização do método
indutivo.
A Filosofia da natureza é a expressão usada
para descrever o estudo da natureza, tanto do ponto de vista que chamamos
científica ou empírica, tanto do ponto de vista metafísico, de uma ciência
geral de movimento e mudança, o movimento sendo entendido como qualquer tipo de
mudança, como mudança de qualidade ou de lugar. Como o nome sugere a filosofia
natural é interessada com esses movimentos e mudanças que ocorrem naturalmente,
tal como geração, crescimento, e movimentos espontâneos como do coração e
digestão, a queda de corpos e os movimentos circulares das esferas celestes.
Num sentido mais restrito ela se destinava a todo o trabalho de análise e
síntese de experiências comuns adicionados aos argumentos relativos à descrição
e compreensão da natureza. O termo ciência, emergirá só mais tarde,
depois de Galileu, Descartes e Newton e para o desenvolvimento de uma
investigação experimental independente e de natureza matemática, governada por
um método.
Na literatura a influência do extraordinário
Goethe, formando um ambiente que mais tarde ele denominaria, com argúcia, seu
“bom treinamento intelectual pré-escolar”. Ipso
facto Viena na virada para o século XX viveu momentos e circunstâncias
díspares de decadência e inovação, unidade e multiplicidade, cosmopolitismo e
provincianismo, propiciando o florescimento de criatividade tal que a vida
cultural e política posterior seriam marcadas por seus traços de gênio e de bom
humor, culpa e redenção, angústia e beleza. Os sábios eram pensadores de fora
do ambiente filosófico acadêmico cuja obra Wittgenstein lera ainda bem moço,
como Karl Kraus, o “feroz crítico” da cultura e da linguagem do final do
Império Habsburgo que lhe causou forte impressão, por sua insistência na
integridade pessoal. Sua obra inseria-se no âmbito da crise da linguagem, quando a
preocupação geral referia-se à autenticidade da expressão simbólica na arte e na vida
pública.
Outra expressão histórica dessa
crise representava a crítica analítica interpretativa da linguagem de Fritz Mauthner, autor que
perseguiu uma meta kantiana, a derrota da especulação metafísica, substituindo
a “crítica da razão” por uma “crítica da linguagem”, sendo sua obra mais
tributária de Hume e de Mach. Seu método, entretanto, era psicologista e
historicista: a crítica da linguagem faz parte da psicologia social. O conteúdo
da crítica era empirista, pois consideravam que a linguagem funda-se nas
sensações. Seu resultado foi cético - a razão idêntica à linguagem. Se
acreditarmos que esta última não serve para a apropriação da realidade. O
fenomenólogo Ludwig Wittgenstein, acertadamente, opõe sua própria crítica
lógica da linguagem à de Mauthner, primeiro que identificou a filosofia com a
crítica da linguagem. Os trabalhos de Ibn al-Haytham e Francis Bacon
popularizaram essa aproximação, e assim ajudando a forjar a revolução técnico-científica.
No
século XIX o estudo a ciência recebeu atenção maior dos profissionais e instituições,
e ao fazê-lo surgiu o nome moderno de ciência natural. O termo cientista foi
criado por William Whewell em 1834. Enfim, o termo ciência natural é também
usado para distinguir esses campos que usam o método científico para estudar a
natureza, das ciências sociais e ciências humanas, que usam o método científico
para estudar o comportamento e sociedade humana e das ciências formais, como a
matemática e lógica, que usam uma metodologia distinta. Como grupo, as ciências
naturais se diferenciam das ciências sociais, por um lado, e das artes
liberais, como as ciências humanas, por outro lado. Não por acaso, a biologia tende
a se interessar objetivamente com as características, classificação e
comportamento dos organismos, como as
espécies desde Charles Darwin, foram formadas e as interações acrescidas da análise social, entre cada uma e com o ambiente.
Von
Martius percorreu o Brasil durante três anos chegando até o alto Amazonas,
reunindo material que lhe permitiu publicar extensa e importante obra. De volta
à Alemanha, foi nomeado professor da Universidade de Munique (1826) e diretor
do Jardim Botânico dessa cidade (1832). Chegando ao Rio de Janeiro a 15 de
julho de 1817, iniciou imediatamente expedições científicas nos arredores da
capital. Seguiu para São Paulo e, depois, permanecendo vários meses na
província de Minas Gerais.Internou-se
no sertão, fazendo contato com índios “antropófagos” e, subindo o rio São
Francisco, chegou ao interior de Goiás. Atravessou a Bahia, Pernambuco e,
transpondo a Serra Dois Irmãos, visitou as províncias do Piauí e Maranhão. Partindo de Belém do Pará, percorreu o fabuloso rio Amazonas,
terminando a viagem em Santarém, de onde embarcou para a Europa. No decorrer
dessa viagem, reuniu cerca de 6.500 espécies de plantas, sem contar o material
etnográfico e filológico que a ele igualmente se deve. A principal coleção de
plantas está conservada no Museu Real de Munique.
Com
os dados obtidos no Brasil, Von Martius publicou também: “História Natural das Palmeiras”; “Novos Gêneros e Espécies de Plantas”; “Desenhos Selecionados das Plantas Criptogâmicas Brasileiras”; e “Sistema dos Remédios Vegetais Brasileiros”. Vale lembrar que Von Martius também contribuiu para o
estudo e pesquisa etnográfica e da linguística indígenas com as obras Contribuição
para a etnografia e a linguística da América, especialmente do Brasil e Glossário
das Línguas Brasileiras, reunindo os termos indígenas coligidos por Spix.
Ambos descreveram sua etnologia no livro Viagem
pelo Brasil, nos Anos de 1817 a 1820. De volta à Alemanha Von Martius iniciou a organização das informações, que resultou em FloraBrasiliensis, o mais abrangente levantamento da flora, com a descrição de 22.767 espécies – 19.629 brasileiras e 5.689 que
eram novas para a ciência do período histórico da etnologia – e 3.811 desenhos de plantas, suas
flores, frutos e sementes.
Cem
anos depois da publicação do último dos 40 volumes, a obra acaba de ganhar uma
inédita versão eletrônica, cujo desenvolvimento é encabeçado pelo botânico George
Shepherd, professor do Instituto de Biologia (IB) da Universidade de Campinas, no
qual esboçaram imagens da natureza e da sociedade brasileira em três tomos,
editados em 1823, 1828 e 1831, e cuja edição brasileira, promovida pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
(IHGB), data de 1938. Tendo sido um evidente sucesso literário, o livro de Spix
e de Von Martius recebeu inúmeras edições na Europa, sendo ilustradas por
numerosos desenhos da autoria de Thomas Ender, que deixou mais de 700 aquarelas
sobre o Brasil, do próprio Von Martius, além de outros membros da expedição.
Ender também foi responsável por ilustrações para as viagens de Johann Emanuel
Pohl (1951). Muitos de seus diversos desenhos da região do Rio de Janeiro e da
província de São Paulo somente viriam a ser conhecidos após sua morte, em 1875.
A
expedição científica de Johan Baptiste von Spix e Carl Friedrich Philipp von
Martius ao Brasil, realizada entre 1817 e 1820, deu primícias das mais
relevantes num vasto leque temático, que abrange tanto as respectivas especialidades
destes viajantes naturalistas, a zoologia e a botânica, como outros campos do
saber. Essa empresa tem sido unanimemente aclamada pelo conhecimento que
produziu no âmbito da botânica, o acervo etnográfico que reuniu é atualmente
orgulho do Museu Etnográfico de Munique,
e os historiadores, que por sua vez, presentemente citam e discutem com
interesse a proposta de Von Martius sobre o tema “Como se deve escrever a
História do Brasil?”. Entre as obras do cientista na área das ciências sociais,
encontra-se o texto: “Como se deve escrever a história do Brasil”, no qual ele
propunha que o relato da história brasileira desse valor à contribuição das
três raças para a formação do país, à língua e aos costumes indígenas, à
atuação dos jesuítas e ao modo de vida colonial, entre outros aspectos. A obra demonstra
a preocupação com uma história que
levasse em conta o passado nacional, comum a todos os brasileiros. Com esse
texto, Von Martius venceu um concurso promovido em 1840 pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
(IHGB). Da zoologia e a mineralogia à linguística, a música e a vida social e
política, esses viajantes esquadrinharam e pensaram o processo civilizatório, e
os resultados foram dados a conhecer em várias dezenas de publicações editadas.
Etnograficamente
o tamanho e variedade do material coletado possibilitaram ao botânico Von
Martius, com a ajuda de especialistas de todos os países, publicar o maior
estudo já feito sobre flora de determinado país, Flora Brasiliensis, obra que
veio à luz entre 1840 a 1906, e onde são descritas e catalogadas mais de 20 mil
espécies de vegetais, dos quais mais de cinco mil pela primeira vez. Como
resultado da longa expedição ao Brasil, Martius publicou, junto com Spix, a
obra Viagem ao Brasil. Tendo sobrevivido ao zoólogo por quarenta anos, Martius
pôde, além dessa obra, dedicar ao Brasil vasta e proveitosa atividade
científica. A maior realização desse notável botânico foi a monumental Flora
Brasiliensis, que iniciou em 1840 e dirigiu até 1868. Depois de sua morte, a
obra foi continuada por outros colaboradores, sendo concluída em 1906. Em 15
volumes, com 20.773 páginas, e 3.811 gravuras, classifica 850 famílias com mais
de 8 mil espécies descritas. Contribuíram para sua publicação Fernando I,
imperador da Áustria, Luís I, rei da Baviera, e Pedro II, imperador do Brasil.
Já
numa primeira aproximação às principais publicações realizadas por Martius
permite verificar que nos encontramos diante de uma obra com indícios um
conteúdo estético. Seja no âmbito do Atlas
deViagem pelo Brasil (1817-1820),
na História NaturalisPalmarum (1823-1850) ou na monumental Flora Brasiliensis (1840-1906), salta à
vista que a utilização de imagens é
muito mais do que um simples complemento ao texto. As ilustrações oferecem uma
informação a mais, elas contribuem a compor um discurso de abrangência maior
que o das rigorosas e unívocas formulações científicas. É através de
construções poéticas, sejam estas em linguagem
verbal ou visual, em literatura ou em imagens
plásticas, que Martius procura descobrir e por ao alcance dos leitores uma compreensão abrangente do mundo,
fundada tanto no saber sistemático, como na intuição estética. O cientista de Munique contribuiu de forma contundente na constituição da
identidade brasileira, não só com estudos do espaço antrópico e sua história,
mas a partir da interpretação da natureza desse vasto império.
Von Martius
conheceu pessoalmente a Johann Wolfgang von Goethe em setembro de 1824, em
Weimar. O naturalista e o poeta estabeleceram uma relação cordial, que
transparece na correspondência que mantiveram durante seis anos; esta evidencia
como Goethe acolheu Von Martius no âmbito das suas afinidades eletivas. O botânico compartilhou com o poeta as
meditações complexas sobre a sua compreensão dos fenômenos naturais, em
especial do mundo das plantas, e lhe enviou os cadernos da sua Historia Naturalis Palmarum, à medida
que estes iam sendo publicados. E Goethe acusava rapidamente o recebimento
destas missivas, e claro, cordialmente, sempre com comentários elogiosos. Por
sua vez, Goethe escreveu, em 1824, uma resenha de várias páginas sobre os dois
primeiros fascículos da história das palmeiras, publicados em 1823. O poeta ofereceu
uma breve descrição dos dois cadernos e das 49 pranchas que contêm, chamando a
atenção para as duas técnicas que foram utilizadas na elaboração das gravuras:
a utilização da água-forte para as pranchas dedicadas à anatomia das plantas e
litografia para as vistas das palmeiras no seu hábitat natural - vale dizer, as representações sociais adquiridas no
processo de apropriação da paisagem.
No
filme: Les Beaux Jours d’Aranjuez (2016), o cineasta Wim Wenders, dá forma às
folhas e ao céu, dá forma à peça de Peter Handke, um exemplo sóbrio de como se
pode oferecer densidade ao texto.O
desejo de ver e de tornar visível, bem como o seu fundamento – a crença na
possibilidade de que a imagem possa servir como prova da existência – é um
motivo recorrente em outros filmes de Wenders, em: “Alice in den Städten”
(1974), que tira um retrato a Philip Winter (Rüdiger Vogler) e que lhe oferece,
para que Philip saiba “como é que se parece”. Ou do périplo de Sam Farber
(William Hurt), em: “Bis ans Ende der Welt” (1991), para demonstrar caras e
lugares do mundo inteiro à mãe cega. Poder entrever numa tela a luz de uma
estação, como se aquele dia estivesse diante de nós, é algo apreciável, pelo
menos para aqueles que às vezes, não se contêm e dizem de um filme que “é muito
bonito”. Belos eram os dias de Aranjuez e belas são as cores deste filme. Belas
são as suas faces, os seus olhos e belo é o verde das folhas visíveis. As
origens do Palácio Real de Aranjuez remontam ao reinado de Filipe II, monarca
que propôs edifica-lo, em 1561, sendo os planos definitivos da autoria de Juan
Bautista de Toledo, o arquiteto do El Escorial. Quando Toledo faleceu, em 1567,
o seu discípulo Juan de Herrera foi encarregado de rematar a obra. Depois da
conclusão de uma parte do palácio, o projeto foi abandonado até ao reinado de
Filipe V, o primeiro rei da Casa de Bourbon. Poucos anos depois de se concluir
o projeto segundo os planos originais, o palácio sofreu um incêndio. Foi então
que o filho de Filipe V, Fernando VI encarregou o arquiteto e pintor italiano Santiago Bonavía que atuou na Espanha durante o século XVIII, da
sua reconstrução, o qual respeitou a estética do edifício, apenas
introduzindo algumas alterações que ainda hoje são visíveis.
Na
Europa, a intervenção humana para organizar a natureza era reconhecida como “arte
dos jardins”,até aproximadamente meados do século XIX. Esta atividade intelectual
criadora consistia principalmente na representação gráfica da paisagem, posteriormente
identificada como paisagismo, que significava uma visão paisagística do ambiente
humano, portanto, uma noção mais ampla do que “jardim”. A concepção ocidental
de paisagem foi formulada na Europa, mas também teve influências recebidas das
experiências que povos do Mediterrâneo, Oriente Médio e Extremo Oriente tiveram
com seu próprio ambiente. Na metade do século XIX, estudos de vegetação para
análise da paisagem trabalhavam com tipologias de unidades de vegetação e eram
retomadas em uma tipologia maior de unidades paisagísticas. Em níveis diferentes,
de tempo e espaço, as unidades paisagísticas foram assimilando progressivamente
componentes físicos e evidentemente, com o surgimento da sociologia, sociais. Entre os geógrafos há um
consenso de que a paisagem, embora tenha sido estudada com ênfases diferenciadas,
resulta da relação dinâmica de elementos físicos, biológicos e antrópicos. E
que ela não é apenas um fato natural, mas social, pois inclui a existência
humana. Tanto a escola alemã, como a francesa, dão ênfase a aspectos diferentes
da paisagem. A geografia alemã tem herança naturalista, desde o barão Alexander von Humboldt (1769-1859); a francesa, por outro lado, desenvolveu observações empíricas quanto à região, formada pelas culturas e sociedades em
cada espaço de forma natural.
Depois
de uma breve descrição das 10 vistas de conjuntos paisagísticos contidos nestas
duas primeiras entregas, o poeta anota que, nos seus comentários, dedicará
particular atenção ao aspecto estético, e imediatamente se justifica com uma
interessante observação: “podemos afirmar que é precisamente isto o que
constitui um complemento aos ganhos da viagem, que obtiveram estes homens notáveis.
O que chama de complemento aos ganhos da
viagem (cf. Diener, 2011) - quanto empreitada naturalista – é a apreensão sensível e intuitiva do fenômeno natural, que vai além da mera coleta de
amostras e do registro científico”. É neste sentido que a constituição
iconográfica da História Naturalis Palmarum
passou a ser reconhecida precisamente por ter materializado uma forma de representação científica botânica que se
estrutura além da ilustração dos aspectos fito-morfológicos, pois incluiu
também o registro do hábitat da
planta, o que por sua vez, ela contribui a configurar. É claro que este
procedimento traduz comparativamente os avanços nos conceitos elaborados por
Alexander von Humboldt na elaboração da obra Geografia das Plantas (Tübingen, 1807), princípios estes que o
cientista de Berlim traspassou aos “artistas viajantes”, impulsionando-os a
percorrer algumas das mais diversas regiões do planeta com o propósito de registrar a
natureza empiricamente, mas de forma claramente integradora. Mas o horizonte artístico de Von
Martius ganhou, decisivamente, no diálogo com Wolfgang Goethe, uma dimensão inovadora a mais.
Esta
diz respeito a uma persistente ênfase aos elementos intuitivos, às associações
livres de idéias e ao empenho por apreender e representar o universo em
linguagem simbólica, tanto em composições visuais como em formulações poéticas.
A relação cooperativa francamente amistosa, que havia surgido entre estes dois
homens, foi o que permitiu que o cientista se sentisse à vontade para comentar
aspectos da sua sensibilidade na apreensão da América e do mundo natural. Mesmo
nos dias de hoje, com o absoluto predomínio global de instituições que mantêm
intercâmbio científico intercontinental, com informação em tempo real e
prestigiosas instituições de pesquisas nas Américas, Europa e Ásia, não é fácil
manter esta relação cooperativa que poderia se manter através dos jogos de
linguagens e assim por diante. Enfim, Von Martius certamente entusiasmou-se,
segundo Erwin Theodor, pelo empreendimento que lhe ocupou boa parte do tempo
entre 1828 e 1831, anos em que redigiu o terceiro volume da sua Viagem pelo
Brasil. Na exploração do Amazonas, entre 1819 e 1820, havia entrado em contato
com os índios, coletando informações de muitas tribos, como seu
caráter antropológico, etnológico e a distinção de suas culturas. Trabalhos
esparsos, independentes, revelam interesses mais amplos e multiformes.
Ao
seu privilegiado talento convinha o gênero do romance, surpreendendo sua
habilidade fabulatória no ensaio: Viagem
pelo Brasil, onde aparece o seguinte trecho: - “Como este relatório de
viagem pretende ser também um espelho da nossa vida íntima e ao amigo leitor
não deseja só oferecer notícias objetivas de nossas observações, seja permitido
ao editor inserir aqui uma folha do seu diário, testemunho de fato diferente da
formação acostumada, da disposição de espírito e da compreensão daquele aspecto
inesquecível”. E eis o início da descrição de um dia nos trópicos. - Compreendo
melhor o que é o historiador da natureza. Diariamente lanço-me na meditação do
grande e indescritível quadro da natureza e, embora esteja fora de meu alcance
compreender sua finalidade divina, ele me enche de deliciosas emoções. São três horas da manhã; levanto-me da rede
porque não consigo mais dormir de excitação; abro as venezianas e olho para
esta noite escura e solene. Magníficas brilham as estrelas, e o rio resplandece
com o reflexo da lua poente. Como tudo que é quieto e misterioso em torno de
mim! Ando com o lampião para a fresca varanda e contemplo os meus queridos
amigos, as árvores e arbustos ao redor da casa. Alguns estão dormindo com as
folhas bem dobradas, outros, porém, que descansam de dia se elevam tranquilos
na noite sossegada; poucas flores estão abertas, só vocês, perfumadas sabem de
Paulínias, saudais o caminhante com a mais delicada fragrância, e você, altiva
e sombria mangueira, cuja copa folhuda me protege contra o sereno noturno. Por
mais de duas páginas segue o registro do que Martius nota a “sequência dos
sempre idênticos fenômenos naturais”.
Bibliografia geral consultada.
LACOMBE, Américo
Jacobina, Cartas de Karl Friedrich Philipp von Martius a Paulo Barbosa da
Silva. Rio de Janeiro: Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, 1991;
MARTIUS, Carl Friedrich Philip von; SPIX, Johann Baptiste von, Viagem pelo
Brasil (1817-1820). Belo Horizonte: Editora Itatiaia; São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 1981; Idem, Frei Apolônio - Um Romance do Brasil.
Introdução e apresentação de Erwin Theodor. São Paulo: Editora Brasiliense,
1992; Idem, A Viagem de von Martius: Flora Brasiliensis. Vol. 1. Rio de
Janeiro: Editora Index, 1996; FITTKAU, Ernst
Josef, “Johann Baptist Ritter von Spix: primeiro zoólogo de Munique e
pesquisador no Brasil”. In: Hist. cienc. Saude. Rio de Janeiro, vol. 8,
supl. pp. 1109-1135, 2001; SCHELLING, Friedrich, Las Edades del Mundo.
Madrid: Ediciones Akal, 2002; ASSIS JUNIOR, Heitor de, Relações de Von
Martius com Imagens Naturalísticas e Artísticas do Século XIX. Dissertação
de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História. Campinas: Universidade
Estadual de Campinas, 2004; KOVENSKY, Julia, “Iconografia”. In: Um Guia para
o Instituto Moreira Sales. Rio de Janeiro: Editora Instituto Moreira Sales,
2008; DIENER, Pablo, “Nação e Natureza na Obra sobre o Brasil de C. F. Ph. Von
Martius”. In: XVI Congresso Internacional de AHILA: El Nacimiento de
la Libertad en la Península Ibérica y Latinoamérica. San Fernando, Espanha,
6-9 de setembro de 2011; DIENER, Pablo & COSTA, Maria de Fátima (Org.), Um
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