quinta-feira, 7 de junho de 2018

Carl Fr. Ph. von Martius - História, Etnologia & Comunicação.

                                                                                                     Giuliane de Alencar & Ubiracy de Souza Braga

Von Martius não foi o único a fazer uma proposta de regionalização do Brasil”. Julia Kovensky

                
                                    
            Carl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868) chegou ao Brasil há 200 anos como um dos integrantes da Missão Austríaca em companhia da imperatriz Leopoldina por ocasião de seu casamento com dom Pedro I. A missão austríaca de 1817 trouxe um conjunto de sábios e artistas destacados. Compunham o séquito da arquiduquesa os zoólogos Johan Baptiste Von Spix e Johann Natterer; os botânicos Karl Friedrich Philipp von Martius, Johann Sebastian Mikan e Johann Emanuel Pohl, além do pintor Thomas Ender. A expedição fica meio ano na província do Rio de Janeiro para preparar a viagem, tendo contratada uma equipe de apoio, composta de guias, tropeiros, escravos e índios, que viabilizariam a parte técnica e operacional da expedição. A aventura do jovem botânico alemão percorreu mais de 10 mil km do Brasil por assim dizer inóspito. Esse trabalho resultou na obra Reise in Brasilien (“Viagem pelo Brasil”), concluída pelos cientistas em 1831, além da Flora Brasiliensis, conduzida por Von Martius até sua morte (1868) e dando continuidade por 65 cientistas até a publicação, em 1906. - “A Flora Brasiliensis ainda é a maior obra de flora já feita no mundo, com o maior número de espécies e gêneros descritos”, afirma Rafaela Forzza, pesquisadora e curadora do Herbário do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. - “Até hoje nenhum botânico brasileiro trabalha sem ela”.
            O Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, ou apenas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, é um instituto de pesquisas e jardim botânico localizado no bairro do Jardim Botânico, na zona sul do município do Rio de Janeiro. Representa uma das mais belas e bem preservadas áreas verdes da cidade, exemplo da diversidade da flora brasileira e estrangeira. Nele podem ser observadas cerca de 6 500 espécies, distribuídas por uma área de 54 hectares, ao ar livre e em estufas. A instituição é responsável pela coordenação da Lista de Espécies da Flora do Brasil e pela avaliação de risco de extinção destas espécies. A instituição abriga, ainda, monumentos de valor histórico, artístico e arqueológico e a mais completa biblioteca do país especializada em botânica, com mais de 32 000 volumes e o maior herbário do Brasil, que possui 600 mil amostras desidratadas, número de 2014, com uma média de 20 mil novas amostras incorporadas anualmente, informatizadas e disponíveis na página da instituição. A sua origem remonta à transferência da corte portuguesa para o Brasil, entre 1808  e 1821. A corte fixou-se no Rio de Janeiro, desde 1763 sede do Brasil, uma colônia portuguesa, e agora alçada à condição de sede do império português, propiciando-lhe diversas oportunidades e melhorias. 
           Dentre essas destaca-se a implantação de uma fábrica de pólvora na sede do antigo Engenho da Lagoa, de propriedade de Rodrigo de Freitas, cujas ruínas dos muros integram os limites da instituição. Por decreto real de 13 de junho de 1808, o príncipe-regente Dom João, em nome de sua mãe “incapacitada” - Dona Maria I -, “manda tomar posse do engenho e terras denominadas da Lagoa Rodrigo de Freitas”, para criar o Jardim de Aclimação, com a finalidade de “aclimatar as plantas de especiarias oriundas das Índias Orientais: noz-moscada, canela e pimenta-do-reino”. No mesmo ano, a 11 de outubro, recebeu o nome de Real Horto, e no dia seguinte em 12 de outubro, o Príncipe-regente assinou um decreto real criando o cargo de feitor para a fazenda da Lagoa. Os primeiros exemplares de plantas que o integraram vieram do Jardim La Pamplemousse, nas ilhas Maurício, pelas mãos de Luiz de Abreu Vieira e Silva, que os ofereceu ao Príncipe-regente. Entre eles encontrava-se a chamada “Palma Mater”.  A sua direção foi inicialmente entregue ao general Carlos Antônio Napion (1808) e, em seguida, ao brigadeiro dom João Gomes da Silveira Mendonça, marquês de Sabará, que o dirigiu de 1808 a 1819. Em 1810, o prussiano Kancke transformou-o em uma estação experimental, recebendo, nessa função, mais de 800 000 réis por ano. Nos viveiros, já havia mudas de cânfora, nogueira, jaqueira, cravo-da-índia e outras plantas do Oriente.

                                  

Em termos administrativos, o alvará de 1º de março de 1811 “Cria a Real Junta de Fazenda dos Arsenais, Fábricas, e Fundição da Capitania do Rio de Janeiro e uma Contadoria dos mesmos Arsenais (...) dirigindo também um estabelecimento de um jardim botânico da cultura em grandes plantas exóticas que mando que se haja de formar na dita fazenda da Lagoa (...)”. No ano seguinte (1812), chegaram, ao Real Horto, as primeiras mudas de chá Camellia sinensis, planta denominada anteriormente como Tea viridis, enviadas de Macau pelo senador daquela colônia portuguesa no Extremo Oriente, Dom Rafael Botado de Almeida. Visando dinamizar essa cultura, em 1814 o Príncipe-regente faz trazer para trabalhar no jardim um grupo de cerca de 300 chineses. O decreto real de 11 de maio de 1819 anexa o Real Horto ao Museu Real, criado no ano anterior, por decreto real de 6 de junho de 1818. Pelo Decreto Real de 22 de fevereiro de 1822, a instituição, que, desde 1808, se encontrava subordinada ao Ministério dos Negócios da Guerra, passou para a alçada do Ministério dos Negócios do Reino. O Decreto Real de 11 de maio de 1819 anexa o Real Horto ao Museu Real, criado no ano anterior, por decreto real de 6 de junho de 1818. Pelo decreto real de 22 de fevereiro de 1822, a instituição, que, desde 1808, se encontrava subordinada administrativamente ao Ministério dos Negócios da Guerra, passou para a alçada do Ministério dos Negócios do Reino.  

Com a proclamação da República brasileira (1889), no ano seguinte passou a ser denominado como Jardim Botânico. A partir de então, receberia diversos visitantes ilustres, como Albert Einstein (1925) e a rainha Isabel II do Reino Unido em novembro de 1968, entre outros, transformando-se em cartão-postal da cidade. Entre os nomes de pesquisadores que lhe estão ligados destaca-se o de Manuel Pio Correia (1874-1934),  um botânico português. Naturalista, botânico, geólogo e pesquisador, nascido na cidade do Porto, em Portugal, filho do editor e livreiro Ignacio Corrêa, dedicou-se ao estudo da Botânica aplicada, ressaltando aspectos científicos, econômicos e industriais das plantas. Membro de mais de uma dezena de instituições científicas. Os trabalhos desenvolvidos por este naturalista deram origem a importantes publicações, dentre as quais os seis volumes do Dicionário das Plantas Úteis do Brasil e das Exóticas Cultivadas (1926) pelo Ministério da Agricultura. Sua bibliografia completa inclui cerca de 150 trabalhos. Quando faleceu, era pesquisador do Museu de História Natural de Paris.

O Jardim Botânico do Rio de Janeiro encontra-se tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional desde 1937. Em 1991, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura (UNESCO) considerou-o como Reserva da Biosfera. Naquele momento, quando o jardim passava por dificuldades de manutenção e conservação, um grupo de empresas públicas e privadas formou-se para auxiliá-lo. Como resultado das parcerias, em 1992 o orquidário e a estufa de violetas foram renovados, além de procedida uma limpeza no lago. Em 1995, foi construído o Jardim Sensorial, com plantas aromáticas e placas indicadoras em braile, permitindo a visitação por portadores de deficiência visual. Posteriormente, uma nova estufa para as bromélias foi construída. No início do século XXI, o muro do jardim na rua Pacheco Leão foi demolido, dando lugar a uma grade, melhorando a sua integração tornando transparente a visibilidade paisagística no bairro. Como reconhecimento pela importância científica, foi rebatizado como Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, em 1998, ficando afeto ao Ministério do Meio Ambiente. Em 2002, tornou-se uma autarquia federal.  


        Desconhecido pela etnografia, mas que marcaria um importante acontecimento teórico e prático na história da escrita e da representação da filologia para o conhecimento da flora nacional, então representada de forma exótica e quase inatingível no âmbito do imaginário individual (o sonho) e coletivo (os mitos, os ritos, os símbolos). Formado em medicina, entretanto, dedicou-se às ciências naturais.
  Desnecessário dizer que as “ciências naturais” constituem uma classificação que abarca as áreas da ciência que visam a estudar a natureza em seus aspectos mais gerais e fundamentais, isso é, o universo como um todo, que é entendido como regulado por regras ou leis de origem natural e com validade universal, fazendo-o de forma a focar-se nos aspectos físicos e não no homem ou em aspectos comportamentais. Além do uso tradicional, a expressão ciências naturais é por vezes usada no dia-a-dia como sinônima de história natural. Neste sentido, “ciência natural” pode estar subentendendo biologia e talvez alguma das chamadas ciências da Terra, em oposição às ciências físicas, como astronomia, física e química. Em tempos medievais, o estudo natureza era reconhecido como filosofia natural. No final destes tempos e início da modernidade, a interpretação filosófica da natureza foi sendo substituída por uma aproximação científica através da utilização do método indutivo.
             A Filosofia da natureza é a expressão usada para descrever o estudo da natureza, tanto do ponto de vista que chamamos científica ou empírica, tanto do ponto de vista metafísico, de uma ciência geral de movimento e mudança, o movimento sendo entendido como qualquer tipo de mudança, como mudança de qualidade ou de lugar. Como o nome sugere a filosofia natural é interessada com esses movimentos e mudanças que ocorrem naturalmente, tal como geração, crescimento, e movimentos espontâneos como do coração e digestão, a queda de corpos e os movimentos circulares das esferas celestes. Num sentido mais restrito ela se destinava a todo o trabalho de análise e síntese de experiências comuns adicionados aos argumentos relativos à descrição e compreensão da natureza. O termo ciência, emergirá só mais tarde, depois de Galileu, Descartes e Newton e para o desenvolvimento de uma investigação experimental independente e de natureza matemática, governada por um método.
            Na literatura a influência do extraordinário Goethe, formando um ambiente que mais tarde ele denominaria, com argúcia, seu “bom treinamento intelectual pré-escolar”. Ipso facto Viena na virada para o século XX viveu momentos e circunstâncias díspares de decadência e inovação, unidade e multiplicidade, cosmopolitismo e provincianismo, propiciando o florescimento de criatividade tal que a vida cultural e política posterior seriam marcadas por seus traços de gênio e de bom humor, culpa e redenção, angústia e beleza. Os sábios eram pensadores de fora do ambiente filosófico acadêmico cuja obra Wittgenstein lera ainda bem moço, como Karl Kraus, o “feroz crítico” da cultura e da linguagem do final do Império Habsburgo que lhe causou forte impressão, por sua insistência na integridade pessoal. Sua obra inseria-se no âmbito da crise da linguagem, quando a preocupação geral referia-se à autenticidade da expressão simbólica na arte e na vida pública.
           Outra expressão histórica dessa crise representava a crítica analítica interpretativa da linguagem de Fritz Mauthner, autor que perseguiu uma meta kantiana, a derrota da especulação metafísica, substituindo a “crítica da razão” por uma “crítica da linguagem”, sendo sua obra mais tributária de Hume e de Mach. Seu método, entretanto, era psicologista e historicista: a crítica da linguagem faz parte da psicologia social. O conteúdo da crítica era empirista, pois consideravam que a linguagem funda-se nas sensações. Seu resultado foi cético - a razão idêntica à linguagem. Se acreditarmos que esta última não serve para a apropriação da realidade. O fenomenólogo Ludwig Wittgenstein, acertadamente, opõe sua própria crítica lógica da linguagem à de Mauthner, primeiro que identificou a filosofia com a crítica da linguagem. Os trabalhos de Ibn al-Haytham e Francis Bacon popularizaram essa aproximação, e assim ajudando a forjar a revolução técnico-científica.                   
No século XIX o estudo a ciência recebeu atenção maior dos profissionais e instituições, e ao fazê-lo surgiu o nome moderno de ciência natural. O termo cientista foi criado por William Whewell em 1834. Enfim, o termo ciência natural é também usado para distinguir esses campos que usam o método científico para estudar a natureza, das ciências sociais e ciências humanas, que usam o método científico para estudar o comportamento e sociedade humana e das ciências formais, como a matemática e lógica, que usam uma metodologia distinta. Como grupo, as ciências naturais se diferenciam das ciências sociais, por um lado, e das artes liberais, como as ciências humanas, por outro lado. Não por acaso, a biologia tende a se interessar objetivamente com as características, classificação e comportamento dos organismos,  como as espécies desde Charles Darwin, foram formadas e as interações acrescidas da análise social, entre cada uma e com o ambiente.
Von Martius percorreu o Brasil durante três anos chegando até o alto Amazonas, reunindo material que lhe permitiu publicar extensa e importante obra. De volta à Alemanha, foi nomeado professor da Universidade de Munique (1826) e diretor do Jardim Botânico dessa cidade (1832). Chegando ao Rio de Janeiro a 15 de julho de 1817, iniciou imediatamente expedições científicas nos arredores da capital. Seguiu para São Paulo e, depois, permanecendo vários meses na província de Minas Gerais.  Internou-se no sertão, fazendo contato com índios “antropófagos” e, subindo o rio São Francisco, chegou ao interior de Goiás. Atravessou a Bahia, Pernambuco e, transpondo a Serra Dois Irmãos, visitou as províncias do Piauí e Maranhão. Partindo de Belém do Pará, percorreu o fabuloso rio Amazonas, terminando a viagem em Santarém, de onde embarcou para a Europa. No decorrer dessa viagem, reuniu cerca de 6.500 espécies de plantas, sem contar o material etnográfico e filológico que a ele igualmente se deve. A principal coleção de plantas está conservada no Museu Real de Munique.
Com os dados obtidos no Brasil, Von Martius publicou também: “História Natural das Palmeiras”; “Novos Gêneros e Espécies de Plantas”; “Desenhos Selecionados das Plantas Criptogâmicas Brasileiras”; e “Sistema dos Remédios Vegetais Brasileiros”. Vale lembrar que Von Martius também contribuiu para o estudo e pesquisa etnográfica e da linguística indígenas com as obras Contribuição para a etnografia e a linguística da América, especialmente do Brasil e Glossário das Línguas Brasileiras, reunindo os termos indígenas coligidos por Spix. Ambos descreveram sua etnologia no livro Viagem pelo Brasil, nos Anos de 1817 a 1820. De volta à Alemanha Von Martius iniciou a organização das informações, que resultou em Flora Brasiliensis, o mais abrangente levantamento da flora, com a descrição de 22.767 espécies – 19.629 brasileiras e 5.689 que eram novas para a ciência do período histórico da etnologia – e 3.811 desenhos de plantas, suas flores, frutos e sementes.
Cem anos depois da publicação do último dos 40 volumes, a obra acaba de ganhar uma inédita versão eletrônica, cujo desenvolvimento é encabeçado pelo botânico George Shepherd, professor do Instituto de Biologia (IB) da Universidade de Campinas, no qual esboçaram imagens da natureza e da sociedade brasileira em três tomos, editados em 1823, 1828 e 1831, e cuja edição brasileira, promovida pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), data de 1938. Tendo sido um evidente sucesso literário, o livro de Spix e de Von Martius recebeu inúmeras edições na Europa, sendo ilustradas por numerosos desenhos da autoria de Thomas Ender, que deixou mais de 700 aquarelas sobre o Brasil, do próprio Von Martius, além de outros membros da expedição. Ender também foi responsável por ilustrações para as viagens de Johann Emanuel Pohl (1951). Muitos de seus diversos desenhos da região do Rio de Janeiro e da província de São Paulo somente viriam a ser conhecidos após sua morte, em 1875.  
A expedição científica de Johan Baptiste von Spix e Carl Friedrich Philipp von Martius ao Brasil, realizada entre 1817 e 1820, deu primícias das mais relevantes num vasto leque temático, que abrange tanto as respectivas especialidades destes viajantes naturalistas, a zoologia e a botânica, como outros campos do saber. Essa empresa tem sido unanimemente aclamada pelo conhecimento que produziu no âmbito da botânica, o acervo etnográfico que reuniu é atualmente orgulho do Museu Etnográfico de Munique, e os historiadores, que por sua vez, presentemente citam e discutem com interesse a proposta de Von Martius sobre o tema “Como se deve escrever a História do Brasil?”. Entre as obras do cientista na área das ciências sociais, encontra-se o texto: “Como se deve escrever a história do Brasil”, no qual ele propunha que o relato da história brasileira desse valor à contribuição das três raças para a formação do país, à língua e aos costumes indígenas, à atuação dos jesuítas e ao modo de vida colonial, entre outros aspectos. A obra demonstra a preocupação com uma história que levasse em conta o passado nacional, comum a todos os brasileiros. Com esse texto, Von Martius venceu um concurso promovido em 1840 pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Da zoologia e a mineralogia à linguística, a música e a vida social e política, esses viajantes esquadrinharam e pensaram o processo civilizatório, e os resultados foram dados a conhecer em várias dezenas de publicações editadas.  
Etnograficamente o tamanho e variedade do material coletado possibilitaram ao botânico Von Martius, com a ajuda de especialistas de todos os países, publicar o maior estudo já feito sobre flora de determinado país, Flora Brasiliensis, obra que veio à luz entre 1840 a 1906, e onde são descritas e catalogadas mais de 20 mil espécies de vegetais, dos quais mais de cinco mil pela primeira vez. Como resultado da longa expedição ao Brasil, Martius publicou, junto com Spix, a obra Viagem ao Brasil. Tendo sobrevivido ao zoólogo por quarenta anos, Martius pôde, além dessa obra, dedicar ao Brasil vasta e proveitosa atividade científica. A maior realização desse notável botânico foi a monumental Flora Brasiliensis, que iniciou em 1840 e dirigiu até 1868. Depois de sua morte, a obra foi continuada por outros colaboradores, sendo concluída em 1906. Em 15 volumes, com 20.773 páginas, e 3.811 gravuras, classifica 850 famílias com mais de 8 mil espécies descritas. Contribuíram para sua publicação Fernando I, imperador da Áustria, Luís I, rei da Baviera, e Pedro II, imperador do Brasil.
Já numa primeira aproximação às principais publicações realizadas por Martius permite verificar que nos encontramos diante de uma obra com indícios um conteúdo estético. Seja no âmbito do Atlas de Viagem pelo Brasil (1817-1820), na História Naturalis Palmarum (1823-1850) ou na monumental Flora Brasiliensis (1840-1906), salta à vista que a utilização de imagens é muito mais do que um simples complemento ao texto. As ilustrações oferecem uma informação a mais, elas contribuem a compor um discurso de abrangência maior que o das rigorosas e unívocas formulações científicas. É através de construções poéticas, sejam estas em linguagem verbal ou visual, em literatura ou em imagens plásticas, que Martius procura descobrir e por ao alcance dos  leitores uma compreensão abrangente do mundo, fundada tanto no saber sistemático, como na intuição estética. O cientista de Munique contribuiu de forma contundente na constituição da identidade brasileira, não só com estudos do espaço antrópico e sua história, mas a partir da interpretação da natureza desse vasto império.
Von Martius conheceu pessoalmente a Johann Wolfgang von Goethe em setembro de 1824, em Weimar. O naturalista e o poeta estabeleceram uma relação cordial, que transparece na correspondência que mantiveram durante seis anos; esta evidencia como Goethe acolheu Von Martius no âmbito das suas afinidades eletivas. O botânico compartilhou com o poeta as meditações complexas sobre a sua compreensão dos fenômenos naturais, em especial do mundo das plantas, e lhe enviou os cadernos da sua Historia Naturalis Palmarum, à medida que estes iam sendo publicados. E Goethe acusava rapidamente o recebimento destas missivas, e claro, cordialmente, sempre com comentários elogiosos. Por sua vez, Goethe escreveu, em 1824, uma resenha de várias páginas sobre os dois primeiros fascículos da história das palmeiras, publicados em 1823. O poeta ofereceu uma breve descrição dos dois cadernos e das 49 pranchas que contêm, chamando a atenção para as duas técnicas que foram utilizadas na elaboração das gravuras: a utilização da água-forte para as pranchas dedicadas à anatomia das plantas e litografia para as vistas das palmeiras no seu hábitat natural - vale dizer, as representações sociais adquiridas no processo de apropriação  da paisagem.
No filme: Les Beaux Jours d’Aranjuez (2016), o cineasta Wim Wenders, dá forma às folhas e ao céu, dá forma à peça de Peter Handke, um exemplo sóbrio de como se pode oferecer densidade ao texto.  O desejo de ver e de tornar visível, bem como o seu fundamento – a crença na possibilidade de que a imagem possa servir como prova da existência – é um motivo recorrente em outros filmes de Wenders, em: “Alice in den Städten” (1974), que tira um retrato a Philip Winter (Rüdiger Vogler) e que lhe oferece, para que Philip saiba “como é que se parece”. Ou do périplo de Sam Farber (William Hurt), em: “Bis ans Ende der Welt” (1991), para demonstrar caras e lugares do mundo inteiro à mãe cega. Poder entrever numa tela a luz de uma estação, como se aquele dia estivesse diante de nós, é algo apreciável, pelo menos para aqueles que às vezes, não se contêm e dizem de um filme que “é muito bonito”. Belos eram os dias de Aranjuez e belas são as cores deste filme. Belas são as suas faces, os seus olhos e belo é o verde das folhas visíveis. As origens do Palácio Real de Aranjuez remontam ao reinado de Filipe II, monarca que propôs edifica-lo, em 1561, sendo os planos definitivos da autoria de Juan Bautista de Toledo, o arquiteto do El Escorial. Quando Toledo faleceu, em 1567, o seu discípulo Juan de Herrera foi encarregado de rematar a obra. Depois da conclusão de uma parte do palácio, o projeto foi abandonado até ao reinado de Filipe V, o primeiro rei da Casa de Bourbon. Poucos anos depois de se concluir o projeto segundo os planos originais, o palácio sofreu um incêndio. Foi então que o filho de Filipe V, Fernando VI encarregou o arquiteto e pintor italiano Santiago Bonavía que atuou na Espanha durante o século XVIII,   da sua reconstrução, o qual respeitou a estética do edifício, apenas introduzindo algumas alterações que ainda hoje são visíveis.
Na Europa, a intervenção humana para organizar a natureza era reconhecida como “arte dos jardins”,até aproximadamente meados do século XIX. Esta atividade intelectual criadora consistia principalmente na representação gráfica da paisagem, posteriormente identificada como paisagismo, que significava uma visão paisagística do ambiente humano, portanto, uma noção mais ampla do que “jardim”. A concepção ocidental de paisagem foi formulada na Europa, mas também teve influências recebidas das experiências que povos do Mediterrâneo, Oriente Médio e Extremo Oriente tiveram com seu próprio ambiente. Na metade do século XIX, estudos de vegetação para análise da paisagem trabalhavam com tipologias de unidades de vegetação e eram retomadas em uma tipologia maior de unidades paisagísticas. Em níveis diferentes, de tempo e espaço, as unidades paisagísticas foram assimilando progressivamente componentes físicos e evidentemente, com o surgimento da sociologia, sociais. Entre os geógrafos há um consenso de que a paisagem, embora tenha sido estudada com ênfases diferenciadas, resulta da relação dinâmica de elementos físicos, biológicos e antrópicos. E que ela não é apenas um fato natural, mas social, pois inclui a existência humana. Tanto a escola alemã, como a francesa, dão ênfase a aspectos diferentes da paisagem. A geografia alemã tem herança naturalista, desde o barão Alexander von Humboldt (1769-1859); a francesa, por outro lado, desenvolveu observações empíricas quanto à região, formada pelas culturas e sociedades em cada espaço de forma natural.
Depois de uma breve descrição das 10 vistas de conjuntos paisagísticos contidos nestas duas primeiras entregas, o poeta anota que, nos seus comentários, dedicará particular atenção ao aspecto estético, e imediatamente se justifica com uma interessante observação: “podemos afirmar que é precisamente isto o que constitui um complemento aos ganhos da viagem, que obtiveram estes homens notáveis. O que chama de complemento aos ganhos da viagem (cf. Diener, 2011) - quanto empreitada naturalista – é a apreensão sensível e intuitiva do fenômeno natural, que vai além da mera coleta de amostras e do registro científico”. É neste sentido que a constituição iconográfica da História Naturalis Palmarum passou a ser reconhecida precisamente por ter materializado uma forma de representação científica botânica que se estrutura além da ilustração dos aspectos fito-morfológicos, pois incluiu também o registro do hábitat da planta, o que por sua vez, ela contribui a configurar. É claro que este procedimento traduz comparativamente os avanços nos conceitos elaborados por Alexander von Humboldt na elaboração da obra Geografia das Plantas (Tübingen, 1807), princípios estes que o cientista de Berlim traspassou aos “artistas viajantes”, impulsionando-os a percorrer algumas das mais diversas regiões do planeta com o propósito de registrar a natureza empiricamente, mas de forma claramente integradora. Mas o horizonte artístico de Von Martius ganhou, decisivamente, no diálogo com Wolfgang Goethe, uma dimensão inovadora a mais. 
Esta diz respeito a uma persistente ênfase aos elementos intuitivos, às associações livres de idéias e ao empenho por apreender e representar o universo em linguagem simbólica, tanto em composições visuais como em formulações poéticas. A relação cooperativa francamente amistosa, que havia surgido entre estes dois homens, foi o que permitiu que o cientista se sentisse à vontade para comentar aspectos da sua sensibilidade na apreensão da América e do mundo natural. Mesmo nos dias de hoje, com o absoluto predomínio global de instituições que mantêm intercâmbio científico intercontinental, com informação em tempo real e prestigiosas instituições de pesquisas nas Américas, Europa e Ásia, não é fácil manter esta relação cooperativa que poderia se manter através dos jogos de linguagens e assim por diante. Enfim, Von Martius certamente entusiasmou-se, segundo Erwin Theodor, pelo empreendimento que lhe ocupou boa parte do tempo entre 1828 e 1831, anos em que redigiu o terceiro volume da sua Viagem pelo Brasil. Na exploração do Amazonas, entre 1819 e 1820, havia entrado em contato com os índios, coletando informações de muitas tribos, como seu caráter antropológico, etnológico e a distinção de suas culturas. Trabalhos esparsos, independentes, revelam interesses mais amplos e multiformes.
Ao seu privilegiado talento convinha o gênero do romance, surpreendendo sua habilidade fabulatória no ensaio: Viagem pelo Brasil, onde aparece o seguinte trecho: - “Como este relatório de viagem pretende ser também um espelho da nossa vida íntima e ao amigo leitor não deseja só oferecer notícias objetivas de nossas observações, seja permitido ao editor inserir aqui uma folha do seu diário, testemunho de fato diferente da formação acostumada, da disposição de espírito e da compreensão daquele aspecto inesquecível”. E eis o início da descrição de um dia nos trópicos. - Compreendo melhor o que é o historiador da natureza. Diariamente lanço-me na meditação do grande e indescritível quadro da natureza e, embora esteja fora de meu alcance compreender sua finalidade divina, ele me enche de deliciosas emoções. São três horas da manhã; levanto-me da rede porque não consigo mais dormir de excitação; abro as venezianas e olho para esta noite escura e solene. Magníficas brilham as estrelas, e o rio resplandece com o reflexo da lua poente. Como tudo que é quieto e misterioso em torno de mim! Ando com o lampião para a fresca varanda e contemplo os meus queridos amigos, as árvores e arbustos ao redor da casa. Alguns estão dormindo com as folhas bem dobradas, outros, porém, que descansam de dia se elevam tranquilos na noite sossegada; poucas flores estão abertas, só vocês, perfumadas sabem de Paulínias, saudais o caminhante com a mais delicada fragrância, e você, altiva e sombria mangueira, cuja copa folhuda me protege contra o sereno noturno. Por mais de duas páginas segue o registro do que Martius nota a “sequência dos sempre idênticos fenômenos naturais”.  
Bibliografia geral consultada.

LACOMBE, Américo Jacobina, Cartas de Karl Friedrich Philipp von Martius a Paulo Barbosa da Silva. Rio de Janeiro: Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, 1991; MARTIUS, Carl Friedrich Philip von; SPIX, Johann Baptiste von, Viagem pelo Brasil (1817-1820). Belo Horizonte: Editora Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1981; Idem, Frei Apolônio - Um Romance do Brasil. Introdução e apresentação de Erwin Theodor. São Paulo: Editora Brasiliense, 1992; Idem, A Viagem de von Martius: Flora Brasiliensis. Vol. 1. Rio de Janeiro: Editora Index, 1996; FITTKAU, Ernst Josef, “Johann Baptist Ritter von Spix: primeiro zoólogo de Munique e pesquisador no Brasil”. In: Hist. cienc. Saude. Rio de Janeiro, vol. 8, supl. pp. 1109-1135, 2001; SCHELLING, Friedrich, Las Edades del Mundo. Madrid: Ediciones Akal, 2002; ASSIS JUNIOR, Heitor de, Relações de Von Martius com Imagens Naturalísticas e Artísticas do Século XIX. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2004; KOVENSKY, Julia, “Iconografia”. In: Um Guia para o Instituto Moreira Sales. Rio de Janeiro: Editora Instituto Moreira Sales, 2008; DIENER, Pablo, “Nação e Natureza na Obra sobre o Brasil de C. F. Ph. Von Martius”. In: XVI Congresso Internacional de AHILA: El Nacimiento de la Libertad en la Península Ibérica y Latinoamérica. San Fernando, Espanha, 6-9 de setembro de 2011; DIENER, Pablo & COSTA, Maria de Fátima (Org.), Um Brasil para Martius. Rio de Janeiro: Fundação Miguel de Cervantes, 2012; REINALDO, Gabriela, “O Começo do Terrível - O Legado de Von Martius entre a Ciência e a Ficção na Representação da Natureza Brasileira”. In: Visualidades. Vol. 12, n° 2, pp. 113-141, jul./dez, 2014; GOBBI, Nelson, “Mostra revela como as obras de Von Martius ajudaram a criar a imagem de Brasil”.  In: https://oglobo.globo.com/03/02/2017; CAMPOS, Pedro Moacyr, “Um Naturalista e a História”. In: Revista de História, 43, n° 87 (2017): 241-248; UCHÔA, Raphael Bezerra da Silva, A Ruína dos Povos: Raça Americana e Saber Selvagem na Ciência de Carl F. Ph. von Martius (1794-1868). Tese de Doutorado. Programa de Estudos Pós-Graduados em História da Ciência. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2018;  entre outros.

Nenhum comentário:

Postar um comentário