terça-feira, 6 de junho de 2017

Goldie Hawn - Anacorese das Borboletas na Arte Cinematográfica.

                                                                                                    Ubiracy de Souza Braga

         “E ela não passava de uma mulher... inconstante e borboleta”. Clarice Lispector
             
                        
Adaptado a partir da peça teatral Butterflies are free de Leonard Gershe, “Liberdade para as borboletas” (1972) é um filme que retrata o surgimento de um romance pós-moderno entre Don Baker, um rapaz que tenta ser independente, se afastando da mãe superprotetora e Jill, sua vizinha liberal, que não sabe ao certo que nenhum vento ajuda a quem não sabe a que porto quer chegar. Trata-se de um jovem músico cego que decide morar sozinho. Aluga um apartamento em São Francisco e envolve-se com uma bela vizinha, atriz. Não é a mãe do rapaz que cria um puzzle na relação que se constrói passo a passo, mas as exigências da profissão como obstáculo para o relacionamento de ambos. São Francisco tornou-se o centro da contracultura, ao longo da década de 1950, e na década de 1960, o centro da chamada cultura hippie. Além disso, a cidade encontra-se no contexto das sociedades ocidentais em que a autonomia e a liberdade estão associadas ao período de transição para a idade adulta. A contracultura pode influenciar o modo como os jovens representam e antecipam o que é ser adulto, na vida individual e coletiva, claramente quando a literatura sugere que as representações do papel de adulto adquirem na modernidade uma configuração própria.
A pós-modernidade é um conceito da sociologia histórica que designa a condição sociocultural e estética dominante no capitalismo após a queda do Muro de Berlim (1989), a “revolução retificada” (cf. Habermas, 1990) da União Soviética e a crise das ideologias nas sociedades ocidentais no final do século XX, com a dissolução da referência à razão como uma garantia de possibilidade de compreensão do mundo através de esquemas totalizantes. O uso do termo se tornou corrente embora haja controvérsias quanto ao seu significado e a sua pertinência. Algumas escolas de pensamento situam sua origem no alegado esgotamento do projeto moderno, que dominou a estética e a cultura até final do século XX. Em A Condição Pós-Moderna, François Lyotard caracteriza a pós-modernidade como uma decorrência da morte das “grandes narrativas” totalizantes, fundadas na crença no progresso e nos ideais iluministas de igualdade, liberdade e fraternidade. Outros, porém, afirmam que a pós-modernidade seria apenas uma extensão da modernidade, período em que, segundo Walter Benjamin, ocorre a perda da aura do objeto artístico em razão do que ele nomeou “a obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”, em múltiplas formas: cinema, fotografia, vídeo, etc.


           
Para o crítico marxista norte-americano Frederic Jameson, a pós-modernidade representa a “lógica cultural do capitalismo tardio”, correspondente à chamada terceira fase do capitalismo, conforme o esquema proposto por Ernest Mandel. Outros autores preferem evitar o termo. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, um dos principais popularizadores do termo pós-modernidade no sentido de forma póstuma da modernidade, prefere usar a expressão “modernidade líquida” - uma realidade ambígua, multiforme, na qual, como na clássica expressão do manifesto comunista, de Marx  & Engels “tudo o que é sólido se desmancha no ar”. O filósofo francês Gilles Lipovetsky prefere o termo “hipermodernidade”, por considerar não ter havido de fato uma ruptura com os tempos modernos chaplinianos - como o prefixo “pós” dá a entender. Segundo Lipovetsky, os tempos atuais são modernos, com uma exacerbação de certas características das sociedades modernas, tais como o individualismo, o consumismo, a ética hedonista, a fragmentação do tempo e do espaço. Já o filósofo alemão Jürgen Habermas relaciona o conceito de pós-modernidade a tendências políticas e culturais neoconservadoras, determinadas a combater os ideais iluministas. A perspectiva individualista do “Flower Power” contraria as transformações estruturais dos sistemas de ensino e de formação que no processo civilizatório induzem também a períodos mais longos de coabitação entre pais e filhos adultos, facilitados por mudanças culturais, que permitem aos jovens pela via geracional optar pela “coabitação entre gerações”.
O final da década de 1970 trouxe também uma nova onda de homossexuais à cidade. Em 1972, o Edifício Transamérica foi construído no centro da cidade, planejado para resistir a fortes abalos sísmicos. Outros “arranha-céus” foram construídos na cidade na década de 1970 e do começo da década de 1980, o que causou uma discussão na cidade: Muitos da população eram contra a construção de “arranha-céus”, achando que grandes edifícios arruinavam as vistas e destruíam o caráter único de São Francisco. Outras pessoas eram a favor, dizendo que a construção de arranha-céus criam empregos e fortalecem a economia da cidade. Um novo plano diretor, apoiada pela lei municipal “Downtown Plan”, limitou a altura máxima dos edifícios construídos na maior parte da cidade, e incentivava a criação de parques e outros espaços públicos abertos. Tal tipo de plano diretor tornou-se comum em muitas das cidades globais do mundo ocidental. Altos arranha-céus são permitidos apenas em uma pequena área ao sul da cidade.
Goldie Hawn é filha de um músico presbiteriano, descendente de um dos   signatários da Declaração de Independência dos Estados Unidos e de mãe judia, filha de imigrantes húngaros. Apesar de crescer no judaísmo, Goldie ia à igreja com a família e comemorava o Natal. Aos três anos começou a aprender balé e sapateado e aos quinze estreou-se nos palcos como Julieta numa produção de Romeu e Julieta de William Shakespeare. Em 1964, após deixar a faculdade para se tornar professora de balé, participou num musical como dançarina na Feira Mundial de Nova Iorque e no ano seguinte estabeleceu-se como dançarina “go-go” profissional na cidade. Na segunda metade de década de 1960, Goldie Hawn estreou em televisão, personificando diversas vezes o estereótipo cômico e machista da “loira burra e meiga”, que a tornaria famosa e em cima do qual faria três comédias românticas de sucesso nos anos seguintes na tela: “Liberdade Para as Borboletas”, “Caiu uma Moça na Minha Sopa” e “Flor de Cacto”, um trabalho de estreia no cinema, com Walter Matthau e Ingrid Bergman nos papéis principais que lhe garantiu o Óscar de melhor atriz secundária de 1969.  
No cinema a década começa com a originalidade de Robert Altman em M.A.S.H., tendo como background a “Guerra da Coréia”. Liza Minnelli ganha mais um Oscar para sua família com “Cabaret”. Francis Ford Coppola entrega o filme que mudaria a história da Sétima Arte, “The Godfather”, um dos melhores filme dos anos 1970 e um dos melhores já feitos, com Marlon Brando e Al Pacino. Vencedor de 3 Óscar nas categorias de melhor filme, melhor ator (Brando) e melhor roteiro adaptado. A primeira parte da saga da família Corleone. O aclamado diretor russo Andrei Tarkovski lança a aclamada ficção científica: “Solyaris”. O famoso cineasta Ingmar Bergman lança um dos melhores filmes da década de 1970 com “Viskningar och rop” (“Gritos e Sussurros”), filme historicamente determinado e se tornando um dos únicos filmes estrangeiros a ser indicado na categoria de Melhor Filme no Óscar, mas paradoxalmente, como se sabe, apenas ganhando na categoria de Melhor Fotografia.                       
Nos anos 1970 e 1980 Goldie Hawn consagrar-se-ia como atriz e produtora,  primeiro com o papel principal do thriller de estreia de Steven Spielberg no cinema, “The Sugarland Express” e depois, principalmente, em comédias dramáticas como “Shampoo”, “Golpe Sujo”, “Bird on a Wire” e “Private Benjamin”, também produzido por ela e que lhe deu uma indicação ao Óscar de melhor atriz de 1980. Nos anos 1990 a sua carreira entrou num compasso mais lento com sucessos de bilheteira menores, o maior deles em “The First Wives Club” com Bette Midler e Diane Keaton, em que ela também demonstra seus dotes de cantora com a banda sonora do filme. Apesar de judia por parte de mãe, Hawn converteu-se ao budismo nos anos 1970 e pratica a religião, tendo criado os seus filhos dentro das filosofias judaica e budista. Do ângulo da diversidade cultural não abre mão das suas raízes etnológicas judaicas e descreve-se como “meio judia e meio budista”, visitando a Índia anualmente e viajando a Israel, como demonstração de identificação com seu povo e com as duas religiões.
Dom foi criado como um “bibelô” (adorno) pela mãe, possessiva e dominadora, mas na idade adulta, resolve ir morar sozinho, num apartamento, quando sua vida totalmente organizada vai bem até a chegada da nova vizinha, o que transforma radicalmente sua vida e seus sentimentos. Don e Jill logo criam uma intensa “conexão de sentido” um com o outro, porém, com a chegada da mãe de Don, a relação pela presença materna se complica. Obviamente ela não vê com seus olhos a relação do filho com Jill, que tinha um histórico de relacionamentos curtos, pouco afetivos e complicados. O longa-metragem, de 1972, aborda com um olhar inocente temas atemporais e sentimentos inerentes aos jovens na transição para idade adulta. O diretor consegue identificar a intimidade do apartamento de Don com precisão. A câmera de move no interior do apartamento, levando o telespectador a interagir com os personagens, aliando-se ao som e a excelente direção de atores, criando um ambiente perfeitamente crível. Vale destacar a trilha sonora com fator de integração.
O nome grego para borboleta é psyque, e a mesma palavra significa alma. Psiquê, na mitologia grega, é uma divindade que representa a personificação da alma. Seu mito foi narrado nos últimos tempos da Antiguidade na história latina. Sua história é uma alegoria a alma humana, que é purificada por paixões e desgraças, e é, portanto, preparada para desfrutar da verdadeira e pura felicidade. Em obras de arte Psiquê é representada como uma donzela com asas de borboleta, uma simbologia que significa que Psiquê, como a borboleta, depois de uma vida rastejante como lagarta, flutua na brisa do dia e torna-se um belo aspecto da primavera. Não há ilustração da imortalidade da alma tão impressionante e bela como na representação social da borboleta.
Depois de uma vida rastejante e mesquinha como lagarta, passa pela fase de pupa, somente depois de estender as asas brilhantes do túmulo no qual tinha ficado, flutua na brisa do dia e torna-se um dos mais belos e delicados aspectos da primavera. Psique, é a alma humana purificada pelos sofrimentos e infortúnios, está preparada, assim, para o desfrute da verdadeira felicidade. O termo grego psyque, originalmente, tinha dois significados, como já mencionados, a alma e a borboleta, sendo que esse último simbolizava o espírito imortal. Segundo as crenças nativistas gregas populares, quando alguém morria, o espírito saía do corpo em forma de borboleta. Importante destacar que a simbologia da borboleta pode variar de lugar para lugar, de povo para povo, uma vez que sua representação está associada às diversas formas de vida, de culturas, religiões e crenças. Pela etimologia, a palavra borboleta é uma designação comum referida aos insetos lepidópteros diurnos, cujas antenas são clavadas.
Provavelmente, a palavra borboleta tem origem do latim belbellita, calcado em bellus “bom, bonito”. Mariposa, de outra parte, é uma designação geral dos lepidópteros heteróceos e apresenta hábitos noturnos. Do castelhano deriva de María e “posa”, imperativo de posar, que significa em língua portuguesa “pousar”. Os antigos gregos converteram as borboletas em símbolos da alma difundindo no Ocidente, em especial as de cor branca. Em analogia, a borboleta é a alma humana purificada pelos sofrimentos terrenos, pronta para gozar da felicidade após o túmulo da pupa. A borboleta também é considerada um símbolo de ligeireza e de inconstância. O voo da borboleta em direção ao fogo comparativamente nos remete “ao voo de Ícaro em direção ao sol”. Em algumas tradições, a chama (“flama”) também tem como significado antropológico um símbolo de purificação, de iluminação e de amor espirituais, representando a imagem do espírito e da transcendência, e, portanto, a alma do fogo (cf. Bulfinch, 1981).       
 Teatro experimental é um termo genérico que se refere a diversos movimentos estéticos do teatro ocidental, iniciados no século XX, como forma de reação às convenções que até então dominavam a criação e produção de obras dramáticas e, mais especificamente, o naturalismo. O termo mudou, com o tempo, à medida que o teatro dito mainstream adotou diversas destas formas que eram então consideradas radicais. Costuma ser usado de maneira mais ou menos equivalente ao termo teatro de vanguarda. Historicamente sob intensa expectativa, a 8 de maio de 1945, uma noite fabulosa para o teatro brasileiro, o Teatro Experimental do Negro (TEM) apresentou seu espetáculo fundador. O estreante Aguinaldo Camargo entrou no palco do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, onde antes nunca pisara um negro como intérprete ou como público, e, numa interpretação inesquecível, viveu o trágico Brutus Jones, de O` Neill. Na sua unanimidade, a crítica saudou entusiasticamente o aparecimento do TEM e do grande ator negro Aguinaldo Camargo, iguala-o em estrutura dramática a Paul Robeson, que também desempenhou o mesmo personagem nos Estados Unidos da América. Henrique Pongetti, cronista do jornal O Globo, registrou comparativamente o evento: - “Os negros do Brasil - e os brancos também - possuem agora um grande astro dramático: Aguinaldo de Oliveira Camargo. Um anti-escolar, rústico, instintivo grande ator”. 
Desde os anos 1960 e de anos anteriores, quando era ligado à cultura beat, Haight-Ashbury era procurado como moradia de pessoas fora de casa que não tinham condições de morar em locais mais nobres do norte da cidade, e ali encontravam imóveis e aluguéis mais baratos numa área menos densamente povoada. Desde esta época, o lugar e a cidade de São Francisco tornaram-se a referência física do movimento hippie e da chamada contracultura. São Francisco e The Haight ganharam reputação como centro de uma cultura de drogas ilegais, notadamente maconha e LSD, além de outras drogas alucinógenas. Em 1967, a área ganhou fama internacional como o paraíso de drogados e habitat natural de diversos músicos e grupos de rock`n`roll psicodélico da época, como Janis Joplin, Jefferson Airplane e Grateful Dead, cujos integrantes viviam há pouca distância da famosa interseção e que eternizaram a cena local urbana em diversas canções. Grupos performáticos de teatro de rua e todo tipo de cultura underground também faziam parte do clima de comunicação efervescente da área.   
Bibliografia geral consultada.
NOGUEZ, Dominique, Éloge du Cinema Experimental. Paris: Centre Georges Pompidou, 1979; BAUDRILLARD, Jean, Simulacres et Simulation. Paris: Éditions Galilée, 1981; HABERMAS, Jürgen, “What Does Socialism Mean Today?  The Rectifying Revolution and the Need for New Thinking on the Left”. In: New Left Review, n° 183, Sept./Oct. 1990; LYOTARD, Jean François, O Pós-Moderno. 4ª edição. Rio de Janeiro: José Olympio, 1993; PARAIRE, Philippe, O Cinema de Hollywood. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1994; KEHL, Maria Rita, A Mínima Diferença: os dois lados do cinema. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1995; KAPLAN, Elizabeth Ann, A Mulher e o Cinema: os dois lados da câmera. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1995; BROOK, James; CARLSSON, Chris; PETERS, Nancy Joyce, Reclaiming San Francisco: History, Politics, Culture.  University of California Press, 1998; TASKER, Yvone, Working Girls: gender and sexuality in popular cinema. New York: Routledge, 2000; NASCIMENTO, Abdias do, “Teatro Experimental do Negro: Trajetória e Reflexões”. In: Estud. av. vol.18 n° 50. São Paulo Jan./Abr. 2004; MORETTI, Franco, Signos e Estilos da Modernidade: Ensaio sobre a Sociologia das Formas Literárias. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2007; BÜRGER, Peter, Teoria da Vanguarda. São Paulo: Editor Cosac Nayfy, 2008; ANDERSON, Benedict, Comunidades Imaginadas. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2008; ALBERA, Francis, La vanguardia en el cine. 1ª edicíón. Buenos Aires: Ediciones Manantial, 2009; CAMÊLO, Polyanna, O Beijo Invisível do Onírico: Na Linguagem Imaginária de Andara. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Letras. Centro de Artes e Comunicação. Departamento de Pós-Graduação em Letras Linguística. Recife: Universidade de Fedral de Pernambuco, 2010; LIMA, Cecília Almeida Rodrigues, Da Bond Girl à Comédia Romântica: Identidades Femininas no Cinema de Hollywood. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação. Universidade Federal de Pernambuco, 2010; Artigo: “O Barata Ribeiro 200 com pós-escrito de Yvonne Maggie e comentários de Anthony Leeds”. In: https://aa.revues.org/2012; CARNEIRO, Cesar Felipe Pereira, Recriações de Otelo nos Palcos Brasileiros: Do Globe Theatre ao Barracão Encena. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Letras. Setor de Ciências Humanas. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2015;  entre outros.

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