Ubiracy de Souza Braga
“Achamos que é totalmente utópico e falso dizer que vai se administrar uma crise”. Maria Luiza Fontenele
O
socialismo, como já se disse alhures, não é uma ideia exótica no Brasil (cf. Löwy, 1989; Marchi, 1989; Mainwarring, 2004). A unidade de proximidade e de distância que contêm cada relação
entre os seres humanos, segundo Simmel, basicamente no ensaio: The Stranger (1970) pode ser o mais resumidamente possível assim formulada: - “A distância
nas relações significa que o próximo está remoto, e o ser estrangeiro ou o
estranho, contudo, seria aquele que se encontra mais perto do que distante”.
Porque é um elemento natural de relações completamente positivas e, também,
porque é uma forma de interação específica. O estrangeiro, contudo, é também um elemento do grupo, não mais
diferente que os outros e, ao mesmo tempo, distinto do que consideramos como o
“inimigo interno”. É um elemento do qual a posição imanente e de membro
compreendem, ao mesmo tempo, um exterior e um contrário. A noção do estranho,
agora, como momentos do rechaço e da dissociação, forma aqui, agora, uma
relação social de um com outro, e a unidade desta interação pode ser sugerida
pelas regulações societárias, não obstante e de maneira nenhuma com um
significado único. Na história inteira da economia aparecem estrangeiros, por
toda parte, como comerciantes, ou os comerciantes como estrangeiros.
A
posição de estrangeiro, no entanto,
se intensifica fixamente na consciência, se alguém liga o estranho a sua
atividade. A atividade, desta forma, se fixa nele. Em inumeráveis casos,
também, isto só será possível, se o estranho viver no comércio como
intermediário. O estrangeiro por sua
natureza não é proprietário do solo, e o solo não é somente compreendido no
sentido territorial, físico, neste caso, mas, também, como uma substância
delongada da vida, que não se fixa em um espaço específico, ou em um lugar
ideal do perímetro social. Nas relações mais íntimas de pessoa a pessoa,
também, todas as atrações e significâncias possíveis no cotidiano das
experiências simbolizadas podem revelar o estrangeiro. O estrangeiro é sentido,
então, precisamente, como um estranho. Este é um processo que ocorre no
interior de um grupo circunscrito, que vivencia a síntese da proximidade e da
distância, e que constitui e estabelece a posição formal do estrangeiro no
socialmente circunscrito. O estrangeiro é visto e sentido, como alguém
absolutamente móvel. Como sujeito surge
através de cada contato específico e, singularmente, não se encontra vinculado
organicamente a nada e a ninguém, em tempo e espaço, em relação aos
estabelecidos parentais, locais e profissionais.
De
outro lado, a expressão para esta constelação de significados encontra-se na
objetividade do estrangeiro. Porque este não é determinado a partir de uma
origem específica para os componentes singulares de um condicionamento social,
ou para as tendências unilaterais de um grupo social determinado pela cultura.
Vai além, faz frente a estes com uma atitude particular “objetiva”, simmeliana que
significa não uma simples distância e indiferença, mas um fato social especial
da distância e da proximidade. Fato especial dado pela relação ambígua entre
insensibilidade e envolvimento. Esta objetividade não seria de forma alguma uma
“não participação”, que se encontraria, possivelmente, para além ou aquém do
comportamento subjetivo e objetivo. Enfatiza um tipo positivo especial de
participação, como uma espécie utilitária de observação abstrata ainda não
significada, através da qual o espírito parecia equivaler a uma passiva tabula
rasa por meio da qual os fatos inscreveriam suas qualidades.
O
socialismo cristão é uma tendência dentro do cristianismo que interpreta por meio das Escrituras,
tanto no Antigo Testamento quanto no Novo Testamento,
que o modelo de sociedade socialista é o que mais se aproxima do modelo de
sociedade que preze pelo amor, caridade e demais ensinamentos de Jesus, ao
passo que o modelo de organização capitalista valoriza princípios opostos ao
cristianismo como acumulação de capital e meios de produção, de modo que a fé
demanda uma opção consciente pelo socialismo. Em termos políticos, os
socialistas cristãos formam um grupo extremamente heterogêneo que se insere
desde a esquerda à centro-esquerda, com a compreensão de que toda a Cristandade
não pode deixar de buscar o sentido social do ensinamento. O socialismo religioso
é uma compreensão da representação do socialismo que se coloca como uma opção
de organização social que permite aos
cristãos viverem em comunhão.
Historicamente
o movimento religioso-socialista dentro
da igreja representa um movimento minoritário de grande importância,
principalmente para o desenvolvimento da social democracia, no combate aos
grupos fascistas e na redemocratização em países como Portugal e Brasil, além
de trazer à tona a discussão da relação entre a Igreja e os trabalhadores e da
igreja e o socialismo. A base do que representa hoje o “socialismo cristão”,
foi iniciado no século XIX, fundamentado pela reflexão das ideias comunistas de
Marx como uma tentativa de resposta às desigualdades que surgiram a partir de
uma exploração desumana provocada pela quebra da livre concorrência a partir do
desaparecimento de leis institucionais conservadoras, que permitiram o
crescimento do truste e o surgimento
dos grandes monopólios; além de um Estado despreparado para respostas sociais
em prol dos mais desfavorecidos. Seus adeptos consideram que o cristianismo é naturalmente uma forma de socialismo. A fé cristã
o vê como um sistema injusto e de consequências funestas. O que se entende por
socialismo marxista, influenciado pelas ideias de Marx, representava a vontade
de se criar um Estado laico.
Outro aspecto importante se
relaciona com a questão entre família e Estado. No modelo socialista, a
educação familiar perderia espaço para um sistema educacional igualitário a
todos; a propriedade privada e o direito a herança deixariam de existir, estes
bens, no entanto, passariam a ser de controle estatal. O cristianismo considera
estes princípios como uma violação do direito da família e uma tentativa de
abolir a autoridade paterna; afirma, ainda, que indivíduo, as famílias, as
associações têm direito de possuir bens de raiz, bens móveis e bens produtivos;
e o Estado em tese, não pode açambarcar estes bens para si. Segundo as
tradições judaico-cristãs, os homens têm o direito e o dever de proverem às
suas necessidades, e o Estado não pode arvorar-se em providência e suprimir
este direito ou substituir se a este dever. O socialismo de representação
ideológica cristã é comumente denominado pelos católicos de “Movimento Social
Cristão”, quando teve a sua progênie em meados do século XIX, nas obras de
vários doutrinários cristãos tais como: Ozanan, Montalembert, Henri de Saint
Simon, Lamennais, Albert de Mun, Frederick Denison Maurice, Charles Kingsley,
Thomas Hughes, Frederick James Furnivall, Adin Ballou e Francis Bellamy. Escritores que propunham um socialismo novo, baseado nos ideais do cristianismo,
oposto à luta de classes e ao ateísmo, mas preocupado com as reivindicações das
classes trabalhadoras, propondo um
governo justo e uma sociedade equilibrada. Este novo socialismo, afastado das
ideias de Marx, defende as organizações sindicais, as lutas dos trabalhadores
em prol de melhores condições de trabalho e de vida e a justiça social.
Escritores
estes que propunham um socialismo novo, baseado nos ideais do cristianismo,
oposto à luta de classes e ao ateísmo, mas preocupado com as reivindicações das
classes pobres e trabalhadoras, propondo um governo mais justo e uma sociedade
mais equilibrada. Este novo socialismo, afastado do materialismo marxista,
defende as organizações sindicais, as lutas dos trabalhadores em prol de
melhores condições de trabalho e de vida e a justiça social. O Magistério da
Igreja Católica condenou qualquer forma de socialismo por meio da encíclica
“Rerum Novarum” do Papa Leão XIII (1891), em que se opôs ao socialismo de Pierre-Joseph
Proudhon, ao marxismo ou o chamado “socialismo científico”, opondo-se também a
exploração efetiva do trabalho. Era uma Carta Aberta a todos os bispos, sobre
as condições sociais das classes trabalhadoras em que as ideias
distributivistas de Wilhelm Emmanuel von Ketteler e Edward Manning tiveram
grande influência na sua composição. Os limites conservadores do catolicismo
recusam a luta de classes, e a não intervenção do Estado para permitir o
desenvolvimento econômico criado pela industrialização e promover a colaboração
entre patrões e empregados de forma livre, criando justiça social e
distribuição equitativa da riqueza produzida. Pretendia uma resposta cristã
para a questão social, alternativa à corrente dominante da Associação Internacional dos Trabalhadores, reconhecida como “Internacional
Socialista”.
A
encíclica critica fortemente a falta de princípios éticos e valores morais na
sociedade progressivamente laicizada de seu tempo, uma das grandes causas dos
problemas sociais. O documento papal refere alguns princípios que deveriam ser
usados na procura de justiça na vida social, económica e industrial, como por
exemplo, a melhor distribuição de riqueza, a intervenção do Estado na economia
a favor dos mais pobres e desprotegidos e a caridade do patronato à classe
operária. A encíclica veio completar outros trabalhos de Leão XIII durante o
seu papado - Diuturnum, sobre a
soberania política; Immortale Dei,
sobre a constituição cristã dos Estados e Libertas, sobre a liberdade humana -
para modernizar o pensamento social católico e da sua hierarquia. Pelos
sucessores no papado foi denominada de “Carta Magna” do “Magistério Social da
Igreja” e com ela deu-se início à sistematização do pensamento católico, passado
ser o pilar da doutrina social da Igreja a que assistimos.
O
que transforma estas analogias puramente virtuais em relação dinâmica de
afinidade eletiva é uma conjuntura histórica determinada, uma constelação
peculiar de eventos que se dá a partir do final dos anos 50. Por um lado
trata-se de uma conjuntura mundial: a crise e renovação teológica do
catolicismo europeu no pós-guerra, a eleição de João XXIII em 1958 e sua
convocação de um novo Concílio, visando o aggiornamento da doutrina e das
práticas da Igreja. Paralelamente, se desenvolve uma crise do marxismo (burocraticamente)
institucional, com o XX Congresso do PCUS e a denúncia do
stalinismo. Estes eventos sociais vão criar condições favoráveis para um
relacionamento mais aberto entre cristianismo e marxismo, mas suas
consequências na Europa não irão (com algumas exceções, sobretudo na França)
mais além de um diálogo entre dois blocos políticos e culturalmente opostos. A
esquerda cristã brasileira, tal como aparece nos anos 1960 na JUC, na JEC e na
AP é a primeira forma que toma, na América Latina, a articulação entre fé
cristã e política marxista - não como fenômeno individual, excepcional, mas
como corrente com uma base social ampla. É interessante observar que este
processo não é o resultado nem do Concílio Vaticano II, nem das comunidades de
base, nem da teologia da libertação e tampouco do golpe militar de 1° de abril
de 1964: ele é bem anterior a todos estes eventos que usualmente são
considerados como causas da evolução da Igreja no Brasil e na América Latina e
que sem dúvida jogarão um papel importante numa etapa posterior (cf. Löwy,
1989).
Maria
Luíza Menezes Fontenele nasceu em Quixadá em 27 de novembro de 1942. Inscreve
sua história política nesta conjuntura política coronelista. Foi a primeira mulher a ser eleita prefeita
de capital no estado brasileiro, além de ser a primeira prefeita de capital
eleita pelo Partido dos Trabalhadores
(PT). Filha de Diva Menezes Fontenele e Antonino Fontenele, Maria Luiza Menezes
iniciou sua militância no movimento estudantil secundarista, tendo integrado a Juventude Estudantil Católica (JEC) do
Centro Liceal dos Estudantes cearenses. Posteriormente, como aluna do curso de
Serviço Social da Universidade Federal do Ceará (UFC), atuou na comunidade do
Pirambu (Fortaleza) e foi vice-presidente do Diretório Acadêmico da Escola de
Serviço Social. Graduou-se em 1965 no curso de Serviço Social e foi Chefe do
departamento de Ação Comunitária da Fundação de Serviço Social de
Fortaleza. Em 1967, tornou-se professora
da UFC. Concluiu o curso de mestrado em Sociologia, na Universidade Vanderbilt,
nos Estados Unidos da América, em 1973. Como deputada estadual eleita pelo MDB
(1979-1982), reeleita posteriormente pelo PMDB (1983-1986), foi Relatora do Estatuto do Magistério. Participou
da oposição à ditadura militar e do Movimento
Feminino pela Anistia aos presos
políticos e perseguidos por crimes ditos políticos.
Em 1986, concorrendo por um partido de oposição de
esquerda que dava os seus primeiros passos (o PT), foi a primeira mulher a ser
eleita prefeita de uma capital. Na campanha, as pesquisas apontavam Paes de
Andrade em primeiro lugar, com 50% das intenções de voto, e Lúcio Alcântara, em
segundo lugar, com 21%. A então jovem professora do curso de Ciências Sociais
da Universidade Federal do Ceará (UFC) aparecia na terceira posição, com 10%. O
resultado da eleição surpreendeu a todos, inclusive o PT, que sequer possuía um
projeto consistente para a cidade, dada a descrença na vitória. Maria Luiza
assumiu uma prefeitura endividada, com uma folha de pagamento do tamanho da
receita do município e uma política fiscal que concentrava ainda mais que hoje
os recursos nas mãos da União e dos Estados. Sem dinheiro, sem apoio do então
governador, Tasso Jereissati, e com um discurso socialista, ela enfrentou uma
greve geral dos servidores municipais e grande insatisfação popular. Terminou
sua péssima administração em meio a desentendimentos com o PT e com as ruas de
Fortaleza tomadas pelo lixo. Em 1987, foi expulsa do partido e filiou-se ao
PSB.
Em 1990 foi eleita deputada federal pelo PSB. Durante seu
mandato (1991-1995) participou, no Congresso Nacional, da elaboração da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação. Também integrou a Comissão Parlamentar de
Inquérito que investigou a prostituição infantil no Brasil. Defendeu a educação
pública de qualidade, a reforma agrária e a reforma urbana. Em 1993, deixou o
PSB e filiou-se ao PSTU, partido que integrou até 1998 etc. Professora
aposentada da UFC continua a participar do movimento social do Ceará. É uma das
fundadoras da União das Mulheres Cearenses (UMC) e do Grupo Crítica Radical, que criou, juntamente com Rosa
Maria Ferreira da Fonseca, Jorge Paiva e Célia Zanetti. O grupo atua em várias
frentes, em campanhas contra a violência, contra a criminalização dos
movimentos sociais e pelo direito à memória e à verdade sobre torturas, mortes
e desaparecimentos do período da ditadura militar. O grupo prega o boicote às
eleições, como protesto contra o establishment político brasileiro.
Em 2011, Maria Luíza viajou para a Nova York para seguir o Occupy Wall
Street, o movimento
populista norte-americano do século (cf. Hicks, 1961).
Em
27 de outubro de 1935, o Papa Pio XI nascido, Ambrogio Damiano Achille Ratti,
em 31 de maio de 1857, foi o 259º bispo de Roma e Papa da Igreja católica de
1922 até sua morte em 10 de fevereiro de 1939. Enviou uma carta ao Cardeal Dom
Sebastião Leme (1882-1942) e aos Bispos do Brasil, na qual afirmava que devido
à escassez do clero, a Ação Católica (AC) seria necessária, pois sua primeira
tarefa seria a formação para que existisse uma “unidade orgânica”, com
coordenações em todas as associações; e que o objetivo da AC seja fazer de cada
indivíduo um apóstolo de Cristo no ambiente social onde estivesse. Portanto
deveriam ser organizadas semanas de estudo e oração necessárias para a formação
de militantes entre os jovens estudantes e operários; para que a AC pudesse ser
o “exercício pacífico de Cristo, exército de justiça, amor e paz”. Ipso facto,
sua intenção era que os leigos se tornassem o “braço estendido” da Igreja
Católica na sociedade como apostolado subordinado ao poder do clero.
O
núcleo inicial da ACB era o Centro Dom
Vital (CDV), fundado em 1922, que reunia parte da intelectualidade católica
conservadora e defendia um nacionalismo de direita. Durante a década de 1920, o
CDV era dirigido por Jackson de Figueiredo. O Centro Dom Vital (CDV) é uma associação brasileira de católicos
leigos de caráter nacional, sediada na cidade do Rio de Janeiro. No âmbito
intelectual, constitui-se numa das mais influentes agremiações culturais
brasileiras do século XX. Entre seus mais famosos e atuantes membros históricos
estiveram Jackson de Figueiredo, Alceu Amoroso Lima, Gustavo Corção e Heráclito
Sobral Pinto. Criado em 1922 sob a liderança de Jackson de Figueiredo, liderou
a intelectualidade leiga católica brasileira até o início da década de 1960.
Quando de sua fundação, foi instituição pioneira na adoção de um modelo de
organização católica leiga não estritamente ligada a uma ordem ou congregação
particular da Igreja, e diverso das tradicionais confrarias (ordens terceiras e
irmandades). Seus propósitos principais são o fortalecimento do apostolado e a
formação entre leigos, bem como a intervenção na esfera de ação cultural
secular, e não mais, como para as confrarias, algum culto ou devoção
particular.
Entre
seus princípios estatutários encontra-se a “comunhão e estrita observância da
orientação doutrinária do magistério da Igreja”. A eleição de seu presidente e
diretoria realiza-se periodicamente entre os associados, sendo a seguir
submetida à chancela do Arcebispo do Rio de Janeiro. O CDV dedica-se ainda
hoje, depois de muitas renovações, à difusão da fé e à evangelização da cultura
no Brasil, assim como à promoção de debates culturais e religiosos. Edita a
prestigiada revista A Ordem, onde escreveram grandes nomes das
letras e da alta intelectualidade brasileiras. Promovem periodicamente
palestras, ciclos de conferências, cursos de variados gêneros e organiza um
cineclube próprio. Possui acervo e biblioteca, com publicações, documentos,
fotos e materiais diversos, relacionados à história e às atividades do Centro
Dom Vidal.
Na
década de 1930, o CDV apoiou os integralistas, o movimento fascista brasileiro.
Jackson de Figueiredo foi sucedido por Alceu Amoroso Lima, que, no início era
um conservador, mas depois seria um intelectual católico de esquerda. Outro
importante integrante da ACB foi Dom Hélder
Câmara, que, em 1947, foi nomeado como assistente daquela entidade. Quando
jovem foi um admirador do populismo fascista, mas renegaria essa ideologia, e,
cada vez mais sensibilizado pela problemática social, se tornou um símbolo do
clero progressista. Outra vertente inicial foi a Juventude Feminina Católica,
reconhecida em 1932. A Ação Católica (cf.
Oliveira, 1983; Dale, 1985) tem os significados de apostolado católico geral e
apostolado social. Pio XI vai procurar concretizá-la oficialmente, em 1935, de
modo especial comparativamente na Itália e no Brasil, como indicam estudos
nesta direção, como organização distinta das outras organizações católicas em
geral, contando ademais com outras auxiliares, e comportando uma estrutura
própria e metodologia correspondente, a qual visava à colaboração ou
participação inclusiva do leigo no
apostolado da hierarquia da Igreja.
Os
estatutos apontavam para a existência de diferentes organizações ideológicas de
formação no âmbito da Juventude Católica (JC). Inicialmente a Juventude Estudantil Católica (JEC), para a mobilização da mocidade
do curso secundário; Juventude Universitária Católica (JUC), só para universitários; Juventude Operária Católica (JOC), para a mobilização da mocidade
operária. Posteriormente, principalmente durante a década de 1960, a JUC e a
JOC passariam a funcionar independentemente da Ação Católica Brasileira em determinadas conjunturas. Antes do
reconhecimento oficial, em 1935, pode-se dizer que Ação Católica nasceu e se
firmou na Itália, desde a década de 1920, com seus quatro ramos fundamentais,
segundo a idade e o sexo, insistindo na necessidade da formação como preparação para a ação, com seus círculos e semanas
de estudos. Outra vertente foi a JOC, criada na Bélgica, também da década de
1920, que tinha como objeto a influência do apostolado no meio operário e que
tinha como característica, também a formação “na ação e pela ação”, seguindo o
método: “ver, julgar e agir”, concebido pelo sacerdote belga Joseph Léon
Cardijin (1882-1967).
No
Brasil, também antes da instituição oficial do modelo italiano, em 1935, além
do Centro Dom Vital, surgiram, em diversas regiões do país, núcleos de leigos
cristãos, por exemplo, a Juventude Feminina Católica (JFC), criada sob o estímulo e a animação do Padre João
Batista Portocarrero Costa, em Recife. Em São Paulo, além da fundação da JFC,
assinalam-se, tanto na Capital, como no interior - São Carlos, Taubaté,
Jundiaí, Cruzeiro, Lorena, São José dos Campos, Piquete e Jacareí -, as
primeiras experiências da Juventude
Operária Católica (JOC e JOCF). Seções jocistas
também foram criadas no Rio Grande do Sul, em Santa Maria, Passo Fundo e Bagé.
Além de Pernambuco, Rio Grande do Sul e São Paulo, formaram-se grupos da JFC em
Minas Gerais e no Ceará. No Rio de Janeiro, pelo Centro Dom Vital (1930), Ação
Universitária Católica (AUC).
Oficializada
a Ação Católica Brasileira, os
núcleos de militantes cristãos foram se desenvolvendo de forma desigual. A Ação
Católica por meio específico (operária, estudantil, universitária, agrária e
independente), chamada também de Ação Católica Especializada, foi se firmando
cada vez mais no setor de jovens. Tanto assim que, em 1948, a Comissão
Episcopal de Ação Católica aprovava oficialmente a JOC como ramo fundamental da
ACB e como organismo de âmbito nacional, com um assistente eclesiástico e
equipe próprios, e com sede no Rio de Janeiro. Em 1943, começou a se delinear
dentro da ACB uma nova maneira de encarar a organização do laicato. Essa nova
orientação baseava-se nos princípios já difundidos na Europa do padre Josef
Léon Cardjin, para quem “era impossível promover uma reforma espiritual
profunda dos indivíduos sem uma reforma concomitante do meio em que viviam e
trabalhavam”.
A
Ação Católica Brasileira era então
dirigida por Alceu Amoroso Lima, com a participação de outros intelectuais
católicos, muitos dos quais ligados ao integralismo e à Ação Integralista Brasileira, que fora extinta em 1937 - assim como
todos os partidos políticos -, após a instauração do Estado Novo. Opondo-se à
nova orientação da ACB, o grupo liderado por Plínio Correia de Oliveira
desligou-se em 1943 da organização. No pós-guerra, com a derrota do fascismo, a
liberação da Europa e a crescente influência de pensadores católicos humanistas
- como Emmanuel Mounier, Teilhard de Chardin e Jacques Maritain - além das
visitas ao Brasil, na década de 1950, do Padre Louis Joseph Lebret (1897-1966),
dominicano francês ligado ao movimento Economia
e Humanismo, o pensamento social católico brasileiro sofreu inúmeras
transformações. Em 1947, o padre Hélder Câmara assumiu o cargo de assistente
eclesiástico da Ação Católica Brasileira. Em 1950, logo em seguida à IV Semana
Nacional de Ação Católica, celebrada em julho daquele ano, a Comissão Episcopal
de Ação Católica, estabelecia novos estatutos para a ACB, dispondo da seguinte
maneira o quadro geral: Juventude Masculina Católica, constituindo-se nos
movimentos JAC (Juventude Agrária Católica), JEC, JIC (Juventude Independente
Católica), JOC, JUC; Juventude Feminina Católica, formando a JACF, JECF, JICF,
JOCF, JUCF; Homens de Ação Católica, formado pelas quatro ligas masculinas LAC,
LIC, LOC, LUC; Senhoras de Ação Católica, formada pela LACF, LICF, LOCF, LUCF.
Aos poucos, movimentos sociais de influência masculinas e movimentos sociais de
influência femininas fundem-se num conjunto de práticas e saberes sociais
intitulados: JUC, JAC, JEC, JIC e JOC para moços e moças.
Em
1952, um fato político novo veio influir na atuação da ACB. Foi criada a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
- CNBB, da qual dom Hélder Câmara era o secretário-geral. De certo modo,
portanto, a CNBB brotou da ACB, e vários integrantes da CNBB haviam trabalhado
na ACB como assistentes, e ainda permaneciam em contato com a entidade. Essa
ligação estreita com a CNBB alterou a relação institucional da ACB com a
hierarquia católica, deixando de depender das diretrizes ditadas
individualmente por cada bispo para tratar com um órgão de representação
nacional, aumentando assim sua autonomia de ação. No início dos anos 1960, já
sob o pontificado de João XXIII, o Concílio Vaticano II, convocado no dia 25 de
dezembro de 1961, através da bula papal “Humanae salutis”, pelo Papa João
XXIII. Este mesmo Papa inaugurou-o, a ritmo extraordinário, no dia 11 de
outubro de 1962, realizado em 4 sessões, só terminou no dia 8 de dezembro de
1965, já sob o papado de Paulo VI, o que suscitou uma cisão ideológica da
Igreja do Brasil, em uma corrente interpretada politica e espacialmente mais à
esquerda, liderada por Dom Hélder Câmara, e outra mais à direita, ligada a Dom
Jaime de Barros Câmara e Dom Vicente Scherer.
Como
aparelho ideológico de Estado a Ação Católica contava então com cinco
organizações destinadas aos mais jovens: a Juventude
Agrária Católica (JAC), formada por jovens do campo, a Juventude Estudantil Católica (JEC), formada por jovens estudantes
do ensino médio (secundaristas), a Juventude
Operária Católica (JOC), que atuava no meio operário, a Juventude Universitária Católica (JUC),
constituída por estudantes de nível superior e a Juventude Independente Católica (JIC), formada por jovens que
não fossem abrangidos pelas organizações anteriores. As mais conhecidas são a
JEC, JOC e JUC. O crescente envolvimento do movimento estudantil na discussão
dos problemas nacionais e das chamadas reformas de base, tais como a reforma
agrária, acabou por engendrar a criação de uma organização política
desvinculada da Igreja - a Ação Popular, constituída por antigos membros da
JUC. Em 30 de abril de 1963, a CNBB pedira reformas urgentes, inserindo-se na
discussão sobre as reformas de base, lançadas pelo governo. Vale lembrar que do
ponto de vista ideológico a Igreja Católica, em seu conjunto, chegou dividida
ao golpe político-militar de 1° de abril de 1964.
De
um lado, os movimentos leigos da Ação
Católica, comprometidos com vários
movimentos de transformação social - Movimento
de Educação de Base (MEB), Movimento
Popular de Cultura (MPC) do
Recife, Campanha de Educação Popular
(CEPLAR) da Paraíba, etc. - destacando-se a experiência alfabetizadora de Paulo
Freire, também com forte presença de cristãos. De outro lado, as Marchas da Família com Deus pela Liberdade, nome
comum de uma série de manifestações públicas ocorridas entre 19 de março e 8 de
junho de 1964 no Brasil em resposta ao ideário comunista representado pelas
ações dos grupos progressistas e pelo discurso político em comício realizado
pelo então presidente João Goulart em 13 de março daquele mesmo ano. Na data, o
mandatário assinou dois decretos, permitindo a desapropriação de terras numa
faixa de 10 km às margens de rodovias, ferrovias e barragens e transferindo
para a União o controle de cinco refinarias de petróleo que operavam no país. Além
disso, prometeu realizar as reformas de base, uma série de mudanças
administrativas, agrárias, financeiras e tributárias, garantindo justiça
social. Com discurso insuflando, promoveu a insubordinação, incitando os
sargentos da marinha a amotinar-se nos quartéis, Goulart antecipou tanto uma
reforma urbana quanto as condições e possibilidades da implementação de um imposto
sobre grandes fortunas. Na chamada Guerra Fria e polarização
entre os Estados Unidos e a União Soviética, estas ideias foram vistas como um
passo direção do processo de concretização da revolução brasileira.
Vários
grupos sociais, incluindo precisamente o clero, o empresariado e setores
políticos diversos se organizaram em marchas,
levando às ruas mais de um (01) milhão de pessoas com o intuito de derrubar o
governo Goulart. A primeira das 49 marchas aconteceu no dia 19 de março - dia
de São José, padroeiro das famílias - em São Paulo e congregou entre 300 e 500
mil pessoas. Ela foi organizada por grupos como Campanha da Mulher pela Democracia (CAMDE), União Cívica Feminina (UCF), Fraterna
Amizade Urbana e Rural, Sociedade Rural Brasileira, dentre
outros grupos, recebendo também o apoio da Federação das Indústrias do Estado
de São Paulo (FIESP) e do controverso Instituto
de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES). Na ocasião, foi distribuído o
“Manifesto ao povo do Brasil” pedindo o afastamento de Goulart da presidência.
Após a deposição do presidente pelos militares em 1° de abril, as marchas
passaram a se chamar “Marchas da Vitória”. A maior delas, articulada pelo CAMDE
no Rio de Janeiro, levou cerca de um (01) milhão de pessoas às ruas em 2 de
abril de 1964.
Em
São Paulo, no dia 19 de março de 1964, quinhentas mil pessoas, incluindo grande
número de cristãos e de cristãs (as “marchadeiras”). Na ocasião, o Padre
Calazans, senador por São Paulo, discursou: -“Hoje é o dia de São José,
padroeiro da família... Fidel Castro é o padroeiro de Brizola”. Meses antes, o
deputado-padre Pedro Maciel Vidigal, endereçando-se aos proprietários de terras
de Minas Gerais, recomendava substituir o “amai-vos uns aos outros”, por “armai-vos
uns aos outros”. Em 2 de abril, no Rio de Janeiro, realizou-se a Marcha da
Vitória, comemorativa do golpe político-militar de 1º de abril de 1964, com o
apoio do Cardeal Jaime de Barros Câmara. A marcha ocorreu no dia 2 de abril de
1964, logo após o golpe militar, no Rio de Janeiro com cerca de 1 (um) milhão
de pessoas. A manifestação patrocinada e financiada também pelo Instituto de Pesquisas e Estudos
Sociais - IPES, pelo banqueiro e
governador mineiro Magalhães Pinto e pelo governador Carlos Lacerda saudou o
novo regime que estava assumindo o poder. Essa manifestação foi oriunda da
“Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, que foram passeatas que ocorreram
em várias capitais antes do golpe político-militar, contra o presidente eleito João Goulart e suas reformas de
cunho político progressista. O IPES, durante seu principal período de ação, era
localizado no portentoso edifício Avenida Central, na ágora comercial do Rio de
Janeiro, situado vigésimo sétimo andar, possuindo treze salas, com vista ampla
para a Baía de Guanabara. Sua estrutura, tal qual à de sua entidade-irmã, o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), equivale ao que
hoje se conhece como think tank ou “organização não governamental”
(ONG). A função do IPES era integrar os movimentos sociais
de direita para criar as bases de uma oposição que pudesse deter “o avanço do
comunismo soviético no ocidente”, e em particular, no Brasil.
Bibliografia
geral consultada.
DALE,
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