Torquato Neto - Artistas, Politica, Repressão Militar & Suicídio.
Ubiracy de Souza Braga
“Você me ama, mas de repente a madrugada mudou, e
certamente aquele trem já passou!”.
Torquato Neto
Torquato Neto era o único filho do
defensor público Heli da Rocha Nunes (1918 - 2010) e da professora primária
Maria Salomé da Cunha Araújo (1918 - 1993). De Teresina, mudou-se para Salvador
aos 16 anos para os estudos secundários, onde foi contemporâneo de Gilberto Gil
no Colégio Marista Nossa Senhora da Vitória e como assistente no filme Barravento, o primeiro longa-metragem dirigido por Glauber Rocha. É um filme de 1962, do gênero drama. A história social acompanha a vida um ex-pescador que volta à aldeiazinha em que foi criado para tentar livrar o povo do domínio da religião. Filmagens ocorreram na praia do Buraquinho em Itapuã na Bahia. Torquato envolveu-se ativamente na cena soteropolitana, onde
conheceu, e tornou-se amigo, além de Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa e Maria Bethânia. Em
1962, mudou-se para o Rio de Janeiro para estudar jornalismo na pioneira Universidade do
Estado da Guanabara (UEG), mas nunca chegou a se formar. Trabalhou para
diversos veículos de comunicação de massa da imprensa carioca, com colunas sobre cultura
nos jornais Correio daManhã, Jornal dos Sports e Última
Hora.
A hermenêutica tradicional se refere
ao estudo da interpretação de textos escritos, especialmente nas áreas de
literatura, religião e direito. A hermenêutica moderna ou contemporânea engloba
não somente textos escritos, mas também tudo que há no processo interpretativo.
Isso inclui formas verbais e não verbais de comunicação, assim como aspectos
que afetam a comunicação, como proposições, pressupostos, o significado e a
filosofia da linguagem e a semiótica. Não tem a pretensão de eternizar o homem,
mas possibilitar ao homem se aproximar da vida, por meio de conexões que
integram, aproxima e relaciona os homens. A teoria compreensiva tem uma
importância ética ímpar para o mundo contemporâneo. A base para esse nexo em que se dá a relação
da vivência é a categoria do
significado. Tal categoria corresponde a um apoio sólido que aparece como uma
unidade de conjunto onde age o pensamento, os sentimentos e a vontade.
Considerando que há um balanço parte e todo no nexo da vivência, nada mais é do
que a integração num todo que nos remete ao significado contido na relação
parte-todo que encontra na vivência seu fundamento compreensivo.
É
neste sentido que Wilhelm Dilthey (1966) considera que vida e a mudança dos
seus principais momentos estruturais fazem que a concepção do mundo sempre e em
toda a parte se expresse em oposições, embora sobre um fundo comum. Portanto é na
arte, na religião e no pensamento que encarnam os ideais que atuam na
existência de um povo. Por conseguinte, toda a mundividência é produto da história.
A historicidade revela-se como uma
propriedade fundamental da consciência humana. Os sistemas filosóficos não
constituem uma exceção. Como as religiões e as obras de arte, contêm uma visão
da vida e do mundo, inserida na vitalidade das pessoas que os produziram e em
consonância com as épocas em que vieram à luz do dia; traduzem uma determinada
atitude afetiva, caracterizam-se pela imprescindível energia lógica, porque o
filósofo procura trazer a imagem do mundo à clara consciência e ao mais estrito
urdimento cognitivo. A síntese da reflexão teórica e de aperfeiçoamento dos
conceitos, que gera uma circunspecção potenciada, é que reside o valor prático
da atitude filosófica.
Torquato Neto trabalhava como um
agente cultural e polemista defensor das manifestações artísticas de vanguarda,
como a Tropicália, o cinema marginal
e a poesia concreta, circulando no meio cultural efervescente da época, ao lado
de amigos como os poetas Décio Pignatari, Augusto e Haroldo de Campos, o
cineasta Ivan Cardoso e o artista plástico Hélio Oiticica. Nesta época, Torquato passou a ser visto como
um dos participantes do movimento Tropicalismo
(cf. Veloso, 2003) tendo escrito o breviário “Tropicalismo para principiantes”,
no qual defendeu artisticamente a necessidade de criar um pop genuinamente brasileiro: - “Assumir completamente tudo o que a
vida dos trópicos pode dar, sem preconceitos de ordem estética, sem cogitar de
cafonice ou mau gosto, apenas vivendo a tropicalidade e o novo universo que ela
encerra, ainda desconhecido”. Torquato também foi um importante letrista de
canções icônicas do movimento tropicalista. No final da década de 1960, com o
AI-5 (Ato Institucional n° 5) representando o quinto Ato de uma série emitido
pelo regime militar brasileiro nos anos seguintes ao golpe militar de 1° de
abril de 1964, e o exílio dos amigos e parceiros Gil e Caetano, viajou pela
Europa e Estados Unidos da América (EUA) com a sua esposa, Ana Maria Silva de
Araújo Duarte, morando em Londres brevemente. De volta ao Brasil, no início dos
anos 1970, Torquato sentindo-se angustiado começou a se isolar, sentindo-se
alienado pelo sistema repressivo do regime militar. Não por acaso, passou por
uma série de internações para tratar do alcoolismo e rompeu com diversas
amizades.
- Caetano havia chegado a Teresina
para um show. Estava muito triste. Retornava pela primeira vez à cidade onde
havia nascido um de seus principais parceiros na Tropicália e seu grande amigo, o poeta Torquato Neto, meu primo,
que havia se suicidado em 1972, escreveu o jornalista, poeta e escritor piauiense
Paulo José Cunha. Foi a partir desse momento que começou a ser escrita a
história das entrelinhas de Cajuína,
música composta por Caetano Veloso e gravada em 1979 para o disco: CinemaTranscendental. Oito versos de um xote um tanto melancólico que se
questiona sobre a efemeridade da vida, de belezas e mistérios do ecúmeno. A
canção começou a ser composta por Caetano quando chegou a Teresina (PI) com a
turnê Muito e recebeu no hotel a
visita de Dr. Heli Nunes, o pai de Torquato. Aquela era a primeira vez que o
encontrava após o trágico fim do amigo. - “Senti uma dureza de ânimo dentro de
mim. Me senti um tanto amargo e triste mas pouco sentimental”, rememorou Caetano
Veloso, que não havia chorado no momento em que recebeu a notícia da morte
súbita de Torquato Neto. Foi apenas ao se encontrar com Dr. Heli, anos depois
do ocorrido, que sua “dureza amarga se desfez”, como traduziu o próprio cantor e
compositor baiano.
O AI-5, sobrepondo-se à Constituição
de 24 de janeiro de 1967, bem como às Constituições estaduais, dava poderes
extraordinários ao Presidente da República e suspendia várias garantias
constitucionais. Redigido em 13 de dezembro de 1968 pelo então Ministro da
Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, o AI-5 entrou em vigor durante o governo
do presidente Marechal Arthur da Costa e Silva (1967-1969) e teve como pretexto
institucional e político a contenção da escalada de violência urbana, a
contenção de praticas considerada subversiva pelo regime militar como a adesão
ao Partido Comunista Brasileiro (PCB)
e a divulgação de materiais sobre o comunismo assim como o combate à luta
armada da esquerda – nesse momento alijada do processo político – pelo poder.
Contudo, uma das primeiras medidas foi o fechamento do Congresso Nacional até
21 de outubro de 1969. Nascido em Taquari, no interior do Rio Grande do Sul,
Costa e Silva era marechal do Exército Brasileiro quando assumiu a presidência
da República e já havia ocupado o Ministério da Guerra no governo anterior, do
marechal Castelo Branco. Muitos críticos do regime militar golpista atribuíram
o ato como represália ao discurso do deputado Márcio Moreira Alves (1972) na
Câmara dos Deputados, em 2 de setembro de 1968. No discurso, o deputado propôs um boicote ao militarismo, pois “quando
não será o Exército um valhacouto de torturadores?” e solicitou ao povo
brasileiro que ninguém participasse das comemorações do dia 7 de setembro. Além
de sugerir uma greve Lisístrata para as esposas dos militares enquanto a democracia
não fosse restabelecida.
Na Antiguidade grega, as comédias
eram vistas pelas classes cultas como um gênero popular menor, que nada
acrescentava ao espírito. Entretanto, a genialidade do poeta ateniense Aristófanes
conseguiu suplantar o descaso com que as peças cômicas eram vistas pelos
eruditos - aqueles que, justamente, determinavam e registravam o que iria
passar à posteridade -, e várias das suas comédias chegaram até nós. Historicamente
oriunda de uma época em que as mulheres não subiam ao palco, assim como não
eram autorizadas entre o público do teatro, Lisístrata
é um retrato de seu tempo e da civilização ocidental. Um retrato bem-humorado,
no entanto: inversões de papéis e situações absurdas e “carnavalizadas” marcam
o texto. Nas entrelinhas desta obra-prima do pai da comédia, o que se vê é a
discussão de temas tão sérios quanto atuais, como o a paz e a democracia, o
amor à pátria e o preço da guerra. Em meio a uma guerra que se prolonga,
ceifando a vida dos homens e filhos de Atenas e esvaziando os cofres públicos,
as mulheres gregas, lideradas por Lisístrata, decidem fazer o que está ao seu
alcance: negar os deveres matrimoniais aos seus maridos, até que estes assinem
um acordo de paz. De quebra, elas se apoderam do erário público – recurso
fundamental para financiar as incursões guerreiras. Nas entrelinhas desta obra-prima
daquele que é considerado o pai da comédia, o que se vê é a discussão de temas
tão sérios quanto atuais, como o a paz e a democracia, o amor à pátria e obviamente
o preço da guerra.
O corpo, notoriamente, percorre a história da ciência e da filosofia. De Platão a Bergson, passando por Descartes, Espinosa, Merleau-Ponty, Freud, Marx, Nietzsche, Weber e principalmente Michel Foucault, a definição de corpo demonstra um puzzle. Quase todos reconhecem a profusão da visão dualista de Descartes, que define o corpo como uma substância extensa em oposição à substância pensante. Podemos perceber que seguindo este modo de compreensão, sobretudo com o advento da modernidade, o corpo foi facilmente associado a uma máquina. O corpo foi pensado como um mecanismo elaborado por determinados princípios que alimentam as engrenagens desta máquina promovendo o seu bom funcionamento. Isto quer dizer que através dos exercícios de abstinência e domínio que constituem a ascese necessária, o lugar atribuído ao conhecimento de si torna-se mais importante: a tarefa de se pôr à prova, de se examinar, de controlar-se numa série de exercícios bem definidos, coloca a questão da verdade – da verdade do que se é, do que se faz e do que é capaz de fazer – no cerne da constituição do sujeito moral. E, finalmente, o ponto de chegada dessa elaboração é ainda e sempre definido pela soberania do indivíduo sobre si mesmo. Neste aspecto Michel Foucault (2014) nos adverte sobre a questão abstrata da analítica do poder que se constitui o marco histórico e pontual de “docilidade dos corpos”.
Para ele o soldado é, antes de tudo, alguém que se reconhece de longe; que leva os sinais naturais de seu vigor e coragem, as marcas também de seu orgulho: seu corpo é o brasão de sua força e de sua valentia: e se é verdade que deve aprender aos poucos o ofício das armas – essencialmente lutando – as manobras como a marcha, as atitudes como o porte da cabeça se originam, em boa parte, de uma retórica corporal de honra. Eis como ainda no início do século XVIII se descrevia a figura ideal do soldado. Mas na segunda metade deste século, o soldado se tornou algo que se fabrica; de uma massa informe, de um corpo inapto, fez-se a máquina de que se precisa; corrigiram-se aos poucos as posturas: lentamente uma coação calculada percorrer cada parte do corpo, assenhoreia-se dele, dobra o conjunto, torna-o perpetuamente disponível, e se prolonga, em silêncio, no automatismo dos hábitos; em resumo, foi “expulso o camponês” e lhe foi dada a “fisionomia de soldado”. Ipso facto, houve, durante a época clássica, uma descoberta do corpo como objeto e alvo de poder. Encontraríamos facilmente sinais dessa grande atenção dedicada então ao corpo que se manipula, modela-se, treina-se, que obedece, responde, torna-se hábil ou cujas forças multiplicam o “homem-máquina”.
O grande livro do homem-máquina foi descrito simultaneamente em dois registros: no anátomo-metafísico, cujas primeiras páginas haviam sido escritas por Descartes e que os médicos, os filósofos continuaram; o outro, técnico-político, constituído por um conjunto de regulamentos militares, escolares, hospitalares e por processo empíricos e refletidos para controlar ou corrigir as operações do corpo. Dois registros bem distintos, pois se tratava ora de submissão e utilização, ora de funcionamento e de explicação: corpo útil, corpo inteligível. E, entretanto, de um ao outro, pontos de cruzamento. “O homem-máquina” de Julien Offray La Metrie (1709-1751) é ao mesmo tempo uma redução materialista da alma e uma teoria geral do adestramento, no centro dos quais reina a noção de “docilidade” que une ao corpo analisável o corpo manipulável. Em sua significação específica é dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado. Contudo, os famosos autômatos, por seu lado, não eram apenas uma maneira de ilustrar o organismo; eram também bonecos políticos, modelos reduzidos de poder: obsessão de Frederico II, rei minucioso das pequenas máquinas, regimentos bem treinados e dos longos exercícios.
Para Foucault metodologicamente a questão a responder é a seguinte: Nesses esquemas de docilidade, em que o século XVIII teve tanto interesse, o que há de tão novo? Não é a primeira vez, certamente, que o corpo é objeto de investimentos tão imperiosos e urgentes; em qualquer sociedade, o corpo está preso no interior de poderes mito apertados, que lhe impõem limitações, proibições ou obrigações. Muitas coisas, entretanto, são novas nessas técnicas. A escala, em primeiro lugar, do controle; não se trata de cuidar do corpo, massa, grosso modo, como se fosse uma unidade indissociável, mas de trabalha-lo detalhadamente; de exercer sobre ele uma coerção sem folga, de mantê-lo ao mesmo nível prático da mecânica – movimentos, gestos, atitudes, rapidez: poder infinitesimal sobre o corpo ativo. O objeto, em seguida, do controle: não, ou mais, os elementos significativos do comportamento ou a linguagem do corpo, mas a economia, a eficácia dos movimentos, sua organização interna; a coação se faz mais sobre as forças que sobre os sinais; a única cerimônia que realmente importa é a do exercício. A modalidade, enfim, implica uma coerção ininterrupta, constante, que vela sobre os processos da atividade mais que sobre seu resultado e se exerce de acordo com uma codificação que esquadrinha ao máximo o tempo, o espaço, os movimentos.
Esses métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade, são o que podemos chamar disciplinas. Muitos processos disciplinares existiam há muito tempo: nos conventos, nos exércitos, nas oficinas também. Mas as disciplinas se tornaram no decorrer dos séculos XVII e XVIII fórmulas gerais de dominação. Diferentes da escravidão, pois não se fundamentam numa relação de apropriação dos corpos; é até a elegância da disciplina dispensar essa relação custosa e violenta obtendo efeitos de utilidade pelo menos igualmente grandes. Mas também ocorre que são diferentes também da domesticidade, que é uma relação social de dominação constante, global, maciça, não analítica, ilimitada e estabelecida sob a forma de vontade de poder singular do patrão, sendo quase seu “capricho”. Diferentes da vassalidade que é uma relação de submissão altamente codificada, mas longínqua e que se realiza menos sobre as operações do corpo que sobre os produtos do trabalho e as marcas rituais de obediência. Diferentes do ascetismo e das “disciplinas” de tipo monástico, que têm por função realizar renúncias mais do que aumentos de utilidade e obediência, têm como fim um aumento do domínio de cada um sobre seu próprio corpo.
O momento histórico das disciplinas é o momento em que nasce uma arte do corpo humano, que visa não unicamente o aumento de suas habilidades, nem tampouco aprofundar sua sujeição, mas a formação de uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto uma política das coerções que são um trabalho sobre o corpo, uma manipulação calculada de seus elementos, de seus gestos, de seus comportamentos. O corpo humano entra numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe. Uma “anatomia política”, que é também igualmente uma “mecânica do poder”, está nascendo; ela define como se pode ter o domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente para que façam o que se quer, mas ara que operem como se quer, com as técnicas segundo a rapidez e a eficácia que se determina. A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos dóceis. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência). Em uma palavra: ela associa o poder do corpo; faz dele por um lado uma “aptidão”, uma “capacidade” que ela procura aumentar; e inverte por outro lado a energia, a potência que poderia resultar, e faz dela uma relação de sujeição estrita.
Se a exploração econômica separa a força e o produto do trabalho, a coerção disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma aptidão aumentada e uma dominação acentuada. Entendida como consumo cultural, a prática do culto ao corpo situa-se como preocupação geral de mobilidade social, que perpassa a estratificação de classes sociais e faixas etárias, apoiada num discurso clínico difuso que se refere tanto a questão estética, quanto a preocupação alimentar com a saúde. Nas sociedades contemporâneas há uma crescente apropriação do corpo, com a dieta alimentar e o consumo excessivo de cosméticos, impulsionados pelo processo de massificação da propaganda/consumo a desde o desenvolvimento econômico dos anos 1980, onde o corpo ganha mais espaço, principalmente nos meios midiáticos. Nesse sentido, as fábricas de imagens estéticas do vencedor da chamada indústria cultural, como o cinema, televisão, publicidade, revistas etc., têm contribuído para isso. Ipso facto, nos leva a pensar que a imagem da eterna fonte de juventude, associada ao corpo perfeito e ideal, ao sucesso na educação, no trabalho e na vida amorosa atravessa as etnias e classes sociais, compondo de maneiras diferentes diversos estilos de vida.
Em
julho de 1971, escreveu ao Hélio Oiticica: - “O chato, Hélio, aqui, é que
ninguém mais tem opinião sobre coisa alguma. Todo o mundo virou uma espécie de
Capinam (esse é o único de quem eu não gosto mesmo: é muito burro e mesquinho),
e o que eu chamo de conformismo geral é isso mesmo, a burrice, a queimação de
fumo o dia inteiro, como se isso fosse curtição, aqui é escapismo, vanguardismo
de Capinam que é o geral, enfim, poesia sem poesia, papo furado, ninguém está
em jogo, uma droga. Tudo parado, odeio”. Torquato se matou um dia depois de seu
28º aniversário, em 1972. Depois de voltar de uma festa, trancou-se no banheiro
e abriu o gás. Sua mulher dormia em outro aposento da casa. O escritor foi
encontrado na manhã seguinte pela empregada da família, Maria das Graças, que
mais tarde adotou o nome de Gal, sugerido pela própria Gal Costa, sua homônima,
frequentadora assídua da casa de Torquato.
Historicamente
há dois tipos de causas extrasociais às quais se pode atribuir a priori uma influência sobre a taxa de
suicídios: as disposições orgânico-psíquicas e a natureza do meio físico.
Poderia ocorrer que, na constituição individual
ou pelo menos, na constituição de uma classe importante de indivíduos, houvesse
uma propensão, de intensidade variável conforme os países, que arrastasse
diretamente o homem ao suicídio; por outro lado, o clima, a temperatura, etc.,
poderiam pela maneira como agem sobre o organismo, ter diretamente os mesmos
efeitos. As hipóteses, em todo caso, sustentadas pelo sociólogo Émile Durkheim
(2013: 19; 394 e ss.) e validadas para os dias atuais é que grande número de
mortes voluntárias não entram em nenhuma dessas categorias; a maioria delas tem
motivos que não deixam de ter fundamento na realidade.
Enfim,
a indignação social é de tal energia que muitas vezes ela só satisfaz com a
expiação suprema. Para nós, se a vitima é um desconhecido ou um indiferente, se
o autor do crime não vive nas proximidades e, portanto, não constitui uma
ameaça pessoal para nós, embora achando que o ato seja punido, nossa emoção não
é suficiente para sentirmos uma verdadeira necessidade de vingança. Não daremos
um apsso para descobrir o culpado; até nos recusaremos a entrega-lo. A coisa só
muda de aspecto quando a opinião pública se apropria do assunto. Então
nos tornamos mais exigentes e mais ativos. Mas é a opinião pública que fala por
nossa boca; agimos sob a pressão da coletividade, não mais como indivíduos.
Ipso facto, com maior frequência, até, a distância entre a opinião social e
suas repercussões individuais é ainda mais considerável. Na maioria dos
indivíduos força suficiente para se opuser aos atos que o ofendessem, pois, o
horror pelo sangue humano está hoje arraigado com bastante profundidade nas
consciências em geral para evitar a eclosão de ideias homicidas.
Se
a consciência comum não é outra coisa que não a consciência mais geral, ela não
pode se elevar acima do nível vulgar. Mas, então, de onde provêm esses
preceitos elevados e claramente imperativos que a sociedade se esforça por
inculcar em suas crianças e cujo respeito ela impõe a seus membros. Não é sem
razão que as religiões e seguindo-se a elas, tantas filosofias consideram que a
moral só pode ter sua plena realidade em Deus. É que seu esboço pálido e muito
incompleto contido pelas consciências individuais não pode ser visto como seu
tipo original. Ele faz antes o efeito de uma reprodução infiel e grosseira cujo
modelo, portanto, deve existir em algum lugar fora dos da estrutura psíquica/pensamento dos indivíduos. Por isso,
com seu simplismo comum, a imaginação popular o realiza em Deus. A ciência, sem
dúvida, não pode se deter nessa concepção.
Não
se pode, portanto, sem fazer mau uso das palavras, considerar todo suicida um
louco. Mas de todos os suicídios o que pode parecer mais difícil de discernir
do que se observam nos homens são os de “espírito melancólico”; pois, com muita
frequência, o homem normal que se mata também se encontra num estado de
abatimento e de depressão, exatamente como o alienado. Mas sempre há entre eles
a diferença essencial de que o estado do primeiro e o ato resultante dele não
deixam de ter causa objetiva, ao passo que, no segundo, não têm nenhuma relação
com as circunstâncias exteriores. Para Durkheim, nas situações de degredo, como
ocorre nas prisões e nos regimentos há um estado coletivo que inclina os
soldados e os detentos ao suicídio diretamente quanto o pode fazer a mais violenta
das neuroses. O exemplo representa a causa ocasional que faz manifestar-se o
impulso; mas não é aquele que o cria, e, se o impulso não existisse, o exemplo
seria inofensivo. Uma observação pode servir de corolário a essa conclusão.
Comumente,
quando se fala em tendências ou em paixões coletivas, afirma Durkheim, inclinamo-nos
a ver nessas expressões apenas metáforas e maneiras de falar, que anda designam
de real a não ser uma espécie de média entre certo número de situações
individuais. Recusamo-nos a vê-las como coisas,
como forças sui generis que dominam
as consciências particulares. No entanto, é essa sua natureza, e isso a
estatística do suicídio mostra claramente. Os indivíduos que compõem uma
sociedade mudam de um ano para ano para outro; no entanto, o número de suicidas
é o mesmo, enquanto a própria sociedade não muda. Em todos os países, a vida
coletiva evolui segundo o mesmo ritmo ao longo do ano; cresce de janeiro a
julho, aproximadamente, para decrescer em seguida. Embora os membros de
diversas sociedades europeias pertençam a tipos médios muito diferentes uns dos
outros, as variações sazonais e mesmo mensais dos suicídios ocorrem em todos os
lugares segundo a mesma lei.
Também,
seja qual for a diversidade dos humores individuais, a relação entre a
disposição das pessoas casadas para o suicídio e a dos viúvos e viúvas é
exatamente a mesma nos mais diferentes grupos sociais, unicamente porque, em
toda parte, o estado moral da viuvez mantém a mesma relação com a constituição
moral própria do casamento. As causas que fixam assim o contingente de mortes
voluntárias para uma sociedade ou uma determinada parte da sociedade devem,
portanto, ser independentes dos indivíduos, pois conservam a mesma intensidade
sejam quais forem os indivíduos particulares sobre os quais exerce sua ação.
Dir-se-á que é o gênero de vida que, sempre o mesmo, produz sempre os mesmos
efeitos sociais específicos. Mas um gênero de vida é alguma coisa,
cuja constância precisa ser explicada. Se se mantém invariável ao
passo que mudanças se produzem entre aqueles que o praticam, é
impossível que toda a sua realidade dependa absolutamente deles.
Foi
pensando na morte do amigo Torquato Neto que Caetano Veloso escreveu a canção
Cajuína, incluída no disco CinemaTranscendental (1979). Os versos da
canção relatam o encontro de Caetano com o pai de Torquato, em Teresina, algum
tempo depois da morte do poeta. Na década de 1980, a partir de 1984, as
gerações mais recentes puderam apreciar o talento poético de Torquato Neto
através do seu poema, Go Back (1971), que, naquele ano, recebeu a primeira
gravação musical do grupo Titãs, com
música feita pelo tecladista e um dos cantores do grupo, Sérgio Britto. A
popularidade da canção seria consagrada em 1988, quando os Titãs deram um
arranjo ainda mais vigoroso à música. Go Back é a faixa-título do disco
gravado em Montreux, na Suíça. Na madrugada do dia 27 de setembro de 2010, seu
pai, o defensor público Dr. Heli Rocha Nunes, morreu aos 92 anos de idade, em
Teresina, após uma parada cardíaca. A família aguardou a chegada do único filho
do poeta piauiense, Thiago de Araújo Nunes, piloto de avião para realizar o
sepultamento do avô.
O
suicídio é um fenômeno complexo, estudado por várias disciplinas científicas
que o percebem de forma, às vezes, antagônica, outras complementares. De
maneira geral, a psiquiatria tem analisado o suicídio como um fenômeno
individual enquanto que as ciências sociais percebem-no como um comportamento
coletivo. Historicamente a atitude da sociedade em relação ao suicídio variou
da admiração à hostilidade, punição, irracionalismo e até superstição. As taxas
internacionais de suicídio variam em torno de 10-15 por 100.000. Em alguns
países do leste europeu, Escandinávia, Japão, as taxas chegam a 25 por 100.000.
Nos Estados Unidos América que, se colocam entre as taxas internacionais, entre
1970 e 1980, houve mais de 230.000 suicídios, aproximadamente 1 em cada 20
minutos. No Brasil, as mortes por suicídios, embora subestimadas, são de baixas
magnitudes quando comparadas a outras regiões, porém mostram-se crescentes na
faixa do adulto jovem, principalmente no sexo masculino. A frequência do
suicídio entre as patologias é bastante variável; por exemplo, a depressão pode
ser responsável por 45% a 70 % dos suicídios. É um dos países que apresenta o
menor número de suicidas, ou talvez nossa tentativa de suicídios seja bem maior
do que os sucessos. Um dos objetivos da OMS é reverter a cifra de mais de 1
(um) milhão de pessoas que tiram a própria vida por ano. O plano para
esta meta é a promoção do dia InternacionaldePrevençãoaoSuicídio, promovido pela Organização
Mundial de Saúde. Projeta-se este número a 1,5 milhão em 2020,
mas estatisticamente o suicídio corresponde a mais da ½ das
mortes violentas na Terra.
Bibliografia
geral consultada.
TORQUATO NETO, Os Últimos Dias de Paupéria. Org. por Ana Maria Silva Duarte e Waly Salomão. Rio de Janeiro: Editor Max Limonad, 1984; Idem, Torquatália - do Lado de Dentro. Obra Reunida de Torquato Neto (vol. 1). Org. Paulo Roberto Pires. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2005; Idem, Torquatália - Geleia Geral. Obra Reunida de Torquato Neto (vol. 2). Org. Paulo Roberto Pires. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2005; VAZ, Toninho, Pra mim
Chega - A Biografia de Torquato Neto. São Paulo: Editora Casa Amarela, 2003; ALENCAR CASTELO BRANCO, Edwar, Todos os Dias de Paupéria: Torquato Neto e uma Contra-História da Tropicália. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em História. Departamento de História. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2004; DUARTE, Adriane
da Silva, Aristófanes. Duas Comédias:
Lisístrata e As Tesmoforiantes. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2005; VELOSO,
Caetano, Tropical Truth: A Story of Music
and Revolution in Brazil. Nova York: Da Capo Press, 2003; KRUEL, Kenard, Torquato Neto ou a Carne Seca é Servida. 2ª
edição. Teresina: Editor Zodíaco, 2008; GALDINO, Roberto Carlos, A Porta da Saída: A Poética das Canções de Torquato Neto. Dissertação de Mestrado. Instituto de Estudos da Linguagem. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2008; ANDRADE, Rodrigo de, Torquato Neto: Uma Poética da Contracultura. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Letras. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Passo Fundo: Universidade de Passo Fundo, 2008; LAGE, Patrícia Rodrigues Alves, A Poética de Torquato Neto: Tradição, Ruptura
e Utopia. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários. São Paulo: Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, 2010; OLIVEIRA, Vitor Hugo Abranches de, Você Olha nos Meus Olhos e Não Vê Nada/É Assim Mesmo que Eu Quero Ser Olhado - Trajetória e Marginalidade na Obra Musical de Torquato Neto. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2011; CALIXTO, Fabiano Antônio, Um Poeta Não se Faz com Versos: Tensões Poéticas na Obra de Torquato Neto. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Teoria Literária e Literatura Comparada. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo; Universidade de São Paulo, 2012; OLIVEIRA, Aline
Rocha de, Poéticas Errantes: Experiência Urbana em Andrés Caicedo e Torquato
Neto. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Estudos de Literatura.
Instituto de Letras. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2016;SOARES, Valéria, “Memória
UESPI: Poeta Torquato Neto, o Expoente de Ideais”. In: https://www.uespi.br/23/02/2017; entre outros.
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