sexta-feira, 22 de julho de 2016

À Primeira Vista – Visão ou Realidade na Questão de Interpretação.

                                                                                                             Ubiracy de Souza Braga*
                                                                                                 
                                           “Tudo o que se pensa ou é afeto ou aversão”. Robert Musil

                               

A realidade é “tudo o que existe”. Em sentido mais livre, o termo inclui tudo o que é, seja ou não perceptível, acessível ou entendido pela filosofia, ciência, arte ou qualquer outro sistema de análise. O real é tido como aquilo que existe fora ou dentro da mente. A ilusão quando existente é real e verdadeira em si mesma. Ela não nega sua natureza. Ela diz sim a si mesma. A realidade interna ao ser, seu mundo das ideias, imaginário, idealizado no sentido de tornar-se ideia, e ser ideia, pode - ou não - ser existente e real também no mundo externo. O que não nega a realidade da sua existência enquanto ente imaginário, idealizado. Quanto ao externo - o fato de poder ser percebido só pela mente - torna-se sinônimo de interpretação da realidade, de uma aproximação com a verdade. A relação íntima entre realidade e verdade, o modo em como a mente apreende a realidade, está no cerne da questão da imagem como representação sensível do objeto e da ideia do objeto como interpretação mental. Ter uma mente tranquila em meio à agitação e aos estímulos que estamos expostos na modernidade contemporânea não é uma atividade  que pode parecer um luxo.
Marx só pôde se tornar Marx fundando uma teoria da história e uma filosofia da distinção histórica entre ideologia e ciência e que em última análise essa fundação se tenha consumado na dissipação do que se chama “mito religioso da leitura”.  Mas é possível afirmar que na cultura da história humana nosso presente corre o risco de aparecer um dia como que assinalado pela provação mais dramática e mais laboriosa possível. A descoberta e o aprendizado do sentido dos atos mais “simples” da existência: ver, escutar, falar, ler. Não é à psicologia que devemos estes conceitos perturbadores, mas a homens como Karl Marx, Friedrich Nietzsche e Sigmund Freud. Depois de Freud é que começamos a suspeitar do quer-dizer o escutar, e, portanto o falar (e o calar) e o que quer-dizer do falar e do escutar revela, sob a inocência do falar e do escutar, a profundidade de uma fala inteiramente diversa, a fala do inconsciente. Freud refere-se aos aspectos que compõem um estado instintivo humano e que acaba por se tornar inibido em prol da convivência em comunidade. A inibição destes aspectos sociológicos que são instintivos, consiste numa privação de características que são inatas aos homens. Ipso facto, esta própria privação, acaba por consistir em determinados descontentamentos.


                                    
            Vale lembrar a tese segundo a qual a corpolatria é uma espécie de patologia da modernidade. Ela se caracteriza pela preocupação de “cuidados extremos com o corpo”, não exatamente no sentido da saúde ou de presumida falta dela, como no caso da hipocondria, mas particularmente no sentido narcisístico de sua aparência diante de um espelho em que se torna obsedante, incapaz de satisfazer-se com ela, sempre achando que pode e deve aperfeiçoá-la. A corpolatria se manifesta como exagero no recurso às cirurgias plásticas, gastos excessivos com roupas e tratamentos estéticos, abuso do fisiculturismo, entendido como musculação, uso de anabolizantes, etc. como temos na relação fútil entre aqueles que enformam a classe média com relação ao consumo em geral de tudo aquilo que envolve o seu corpo. O globo ocular recebe este nome por ter a forma de um globo, que por sua vez fica acondicionado dentro de uma cavidade óssea e protegido pelas pálpebras. Possuem em seu exterior seis músculos que são responsáveis pelos movimentos oculares, e também três camadas concêntricas aderidas entre si com a função de visão, nutrição e proteção. A camada externa é constituída pela córnea e a esclera e serve para proteção. A camada média ou vascular é formada pela íris, a coroide, o cório ou uvea, e o corpo ciliar a parte vascular. A camada interna é constituída pela retina que é a parte nervosa.
          Reconhecer a verdade é vê-la com os “olhos da alma”, ou, com os “olhos da inteligência” no sentido acadêmico. Assim como o Sol dá sua luz aos olhos e às coisas para que haja “mundo visível”, assim também a ideia suprema, a ideia de todas as ideias, o Bem (isto é, a perfeição em si mesma) dá à alma e às ideias sua bondade (sua perfeição) para que haja “mundo inteligível”. Assim como os olhos e as coisas participam da luz, assim também a alma e as ideias participam da bondade (ou perfeição) e é por isso que a alma pode conhecer as ideias. E assim como a visão é passividade e atividade do olho, assim também o conhecimento é passividade e atividade da alma: passividade, porque a alma precisa receber a ação das ideias para poder contemplá-las; atividade, porque essa recepção e contemplação constituem a própria natureza da alma. Assim como na treva não há visibilidade, assim também na ignorância não há verdade. A e a são para a alma o que a cegueira é para os olhos e a escuridão é para as coisas: são privações de visão e privação de conhecimento.
A realidade significa o ajuste que fazemos entre a imagem e a ideia da coisa, entre verdade e verossimilhança. O problema da realidade é matéria presente em todas as ciências e, com particular importância, nas ciências que têm como objeto de estudo o próprio homem: a antropologia e todas as disciplinas que nela estão implicadas: a filosofia, a psicologia, a semiologia e muitas outras, além das técnicas e das artes visuais. Na interpretação ou representação do real, enquanto verdade subjetiva ou crença, a realidade está sujeita ao campo das escolhas, isto é, determinado, por ser um fato social, ato ou uma possibilidade, algo adquirido a partir dos sentidos e do conhecimento adquirido. Dessa forma, a constituição das coisas e as nossas relações dependem de um intrincado contexto, que ao longo da existência cria a lente entre a aprendizagem e o desejo: o que vamos aceitar como real na vida social? A realidade é construída socialmente pelo sujeito consciente; ela não é dada pronta para ser descoberta.      
            A visão já não é então o fato social de uma pessoa individual, dotada da faculdade de “ver” a qual é exercida quer da atenção, quer da distração; a vista é o fato de suas condições estruturais, a vista é a relação de reflexão imanente do campo da problemática sobre seus objetos e seus problemas. A visão perde então seus privilégios religiosos da “leitura sagrada”: ela nada mais é que a reflexão da necessidade imanente que liga o objeto ou o problema às suas condições de existência, que têm a ver com as condições de sua produção. A rigor, não é mais o olho (olho do espírito) de uma pessoa que vê o que existe no campo definido por uma problemática teórica: é esse próprio campo que se vê nos objetos ou nos problemas que ele define, sendo a visão apenas a reflexão necessária do campo em seus objetos. Vale lembrar que o drama “À Primeira Vista” do cineasta Irwin Winkler  é um filme baseado no ensaio: “Ver e Não Ver” do neurologista Oliver Sacks, autor extraordinário com reconhecimento literários de vários best-sellers, incluindo coleções de estudos de casos de pessoas com distúrbios neurológicos.
             Em 1966 começou a trabalhar como neurologista, no Hospital Berth Abraham, no Bronx, em Nova Iorque. Na ocasião, conheceu um grupo de pacientes que se caracterizavam por estar há décadas num estado catatônico, incapazes de fazer qualquer tipo de movimento. Constatou que esses pacientes eram os sobreviventes de uma grande epidemia da doença do sono que assolou o mundo entre 1916 e 1927.  No ensaio: Ver e Não Ver, o personagem Virgil com 50 anos, era praticamente cego, sendo portador de uma doença hereditária que acabava aos poucos com sua retina. Amy era sua noiva e desejava que no dia do casamento que ele pudesse ver tudo que lhe acontecia. Um filme honesto, com excelentes interpretações com destaque para o ator Val Kilmer, com um roteiro adaptado com maestria, para não falarmos na boa edição e trilha sonora com destaque para a pianista jazzista Diana Krall, que dispensa comentários e tem uma pequena participação no filme. É baseado em artigo no jornal The New Yorker pelo neurocientista Oliver Sacks.    
        Na prática, o semáforo funciona assim: quando o sinal verde para pedestres é ligado, o equipamento emite um som com uma frequência específica, que muda quando o farol está prestes a fechar novamente. O sinal é completamente interrompido quando o semáforo fica vermelho. A CET tem dois anos para concluir a instalação dos equipamentos, mas antes diz que está fazendo um estudo técnico. Segundo João Álvaro de Moraes Felipe, especialista em orientação e mobilidade da Instituição Laramara, Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual, organização não-governamental que tem sede no bairro de Campos Elíseos, na região central da capital paulista. Os semáforos sonoros condicionaram os motoristas a pararem para deixar os cegos passarem. O equipamento foi instalado há quase 20 anos na Rua Conselheiro Brotero, em frente ao Laramara. Nesse período, não há registros de acidentes. Os sinais dão a possibilidade de o cego atravessar a rua sem pedir ajuda. O direito de sir e vir e ser independente em tese, deveria ser garantido por um conjunto de práticas sociais em torno do Estado, mas isto está infinitamente longe de acontecer.  
            Ora, entendemos que à fala pertence aquilo sobre o que se fala. A fala dá indicações sobre algo e isso numa determinada perspectiva condicionada socialmente. A fala retira o que ela diz como essa fala daquilo sobre que fala como tal. Na fala, enquanto processo social de comunicação, isso é o que se torna acessível à co-presença dos outros, na maior parte das vezes, através da verbalização da língua.  O que no apelo da consciência constitui o referido da fala, ou seja, o interpelado? Manifestamente a própria presença. Essa resposta é tão indiscutível quanto indeterminada. Mesmo que o apelo tivesse uma meta tão vaga, ele ainda seria para a presença um motivo de prestar atenção a si mesma. Pertence à presença, no entanto, de modo essencial, que, com a abertura de seu mundo, ela está aberta para si mesma, de tal modo que ela sempre já se compreende. O apelo alcança a presença nesse movimento de sempre já se ter compreendido na cotidianidade mediana das ocupações. O impessoalmente si mesmo do ser-com com os outros é também alcançado pelo apelo.
           A interpretação existencial da consciência deve expor um testemunho de seu poder-ser mais próprio que está sendo na própria presença. Amy é uma arquiteta que frequenta o Spa onde Virgil trabalha como massagista. Ela nem desconfia que Virgil não enxerga. Os dois tornam-se amigos e logo iniciam um relacionamento, pois percebem que estão completamente apaixonados um pelo outro. Além de encontrar um grande amor, o rapaz começa a acreditar que poderá, depois de anos, ter a visão de volta. A arquiteta começa uma busca incansável por médicos especialistas no assunto, até que ela conhece, num momento raro, um médico com tratamento inovador. No dia seguinte da operação do olho direito, Amy iniciou um diário contando tudo o que acontecia com seu noivo, suas primeiras sensações, visões e descobertas. Em geral, as pessoas reagem a estímulos externos, como sons e luz, e internos evidentemente associados às emoções. A principal função das emoções é garantir a sobrevivência social tanto quanto existencial do ser humano, visto que são elas que geram respostas e comportamentos responsáveis por impulsionar uma determinada fuga ou uma ação social.
Para Virgil houve uma enorme transformação em sua vida. Muitas vezes não conseguia utilizar da visão para identificar algo e sempre voltava a utilizar o tato como ferramenta. Depois da operação clínica do olho esquerdo Virgil melhorou a sua visão e se mostrava mais assentado em suas maneiras, apesar de tudo que passou se saiu muito bem, “mostrando um aumento constante em sua capacidade de apreender o mundo visual”. Enfim, após 4 meses da cirurgia, Virgil desfalecera com pneumonia lombar, o que fez com que perdesse a visão novamente e assim teve que reaprender a ser cego novamente. Esta história demonstra delicadamente o processo e o método de trabalho da visão onde é necessário o cérebro interpretar os sinais que recebe dos olhos. Essa história que tem base social e psicológica desde Freud serviu como base do roteiro do instigante filme “A Primeira Vista”.  
Este caso inspirou-o a escrever em 1973 o livro: “Awakenings”, que em 1990 foi adaptado para o cinema, no filme estrelado por Robin Williams e Robert De Niro.  A história é sobre como podemos perceber o mundo através dos sentidos. No filme, Virgil perde a visão na infância e aprende a reconhecer o mundo sem qualquer imagem. Após uma cirurgia, ele volta a enxergar e precisa incorporar imagens às outra sensações que ele aprendeu a atribuir às coisas. Uma cena ilustrativa é quando Virgil vê uma maçã pela primeira vez. Ao olhar aquela “bolinha vermelha”, ele fica confuso ao se lembrar do cheiro e da forma que ele conhece da fruta e ao que ele agora reconhece visualmente como maçã. Aos poucos ele vai aprendendo a lidar com esta nova visão da realidade. Daí, toda a fragilidade no sistema dos conceitos sociológicos, que constitui o conhecimento, reduzir-se à fraqueza psicológica do “ver”. Enfim, a sociedade modifica a natureza humana individual (o sonho) e coletiva (os mitos, os ritos, os símbolos) constituindo o homem numa comunidade determinada, adaptando-o a um processo vital que torna o indivíduo um ente social.  
Bibliografia geral consultada.
ALTHUSSER, Louis, “Freud et Lacan”. Disponível em: La Nouvelle Critique, n° 161-162, Paris, 1965; TOURAINE, Alain, La Voix et le Regard. Paris: Éditions du Seuil, 1978; BOSI, Ecléa, Memória e Sociedade: Lembranças de Velhos. São Paulo: T. A. Queiroz, 1979; HALL, Stuart, “et al”, Da Ideologia. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980; SCHEIBE, Karl, Espelhos, Máscaras, Mentiras e Segredos. São Pasulo: Editora Interamericanas, 1981; Idem, Self Studies. The Psychology of Self Identity. London: Praeger Publisheres, 1985; BLUMER, Herbert, Filmes e Conduta. Nova York: Macmillan Editor, 1983; DENZIN, Norman, A Sociedade Cinematográfica. Londres: Sage Publishers, 1995; SACKS, Oliver, Um Antropólogo em Marte. Sete histórias paradoxais. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1995; SARAMAGO, José, Ensaio sobre a cegueira. Lisboa: Editorial Caminho, 1995; POSTMAN, Neil, O Desaparecimento da Infância. Rio de Janeiro: Editora Graphia, 1999; BLOOM, Harold, Gênio - Os 100 Autores Mais Criativos da História da Literatura. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2003; ROUDINESCO, Elisabeth, A Família em Desordem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003; CHAUÍ, Marilena, Desejo, Paixão e Ação na Ética de Espinosa. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2011; FREUD, Sigmund, Au-delà du Principe de Plaisir. Paris: Éditions Payot. Coll.  Petite Bibliothèque Payot, 2010; Idem, Totem e Tabu. Contribuição à História do Movimento Psicanalítico e outros textos (1912-1914). São Paulo: Editora Companhia da Letras, 2012; SYLVIO, Allan Rocha Moreira, Uma Interpretação Intencionalista da Imagem: Percepção e Comunicação Visuais Humanas. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento. Belém: Universidade Federal do Pará, 2012; SANDRI, Tammie Caruse Faria, Teoria Geral da Imagem e a Produção de Sentidos: Modelo Aplicado à Recepção. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2016; entre outros.
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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).   

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