terça-feira, 5 de julho de 2016

Henriette Pressburg - A Nobreza do Afeto da Mãe de Marx.

                                                                                                   Giuliane de Alencar & Ubiracy de Souza Braga 

             “Nada de igualdades, eu sou sua mãe e você é meu filho”. Henriette Pressburg      
       

Idealizador de uma sociedade com uma distribuição de renda justa e equilibrada, o filósofo, economista, cientista social e revolucionário socialista alemão Karl Marx, nasceu em 5 de maio de 1818, na cidade de Trier, ainda nos tempos em que a região hoje conhecida como Alemanha era uma confederação de 39 estados ou reinos, onde cursou Filosofia, Direito e História nas Universidades de Bonn e Berlim e foi um dos principais seguidores das ideias filosóficas de Hegel. O espírito, dizia Hegel, não pode conhecer-se diretamente. É preciso que negue previamente, de certo modo, que saia de si e se torne “estranho a si mesmo”, exteriorizando-se e produzindo sucessivamente todas as formas do real – quadros do pensamento, natureza, história; e depois que reverta à origem, alcançando assim o conhecimento verdadeiro, a filosofia do espírito absoluto. Afastando-se de si, exteriorizando-se, para voltar depois a si mesma, a Ideia triunfa do que a limitava, afirmando-se na negação das suas negações sucessivas. A Fenomenologia do Espírito (1807) demonstra como a consciência se eleva, desde as formas elementares da sensação até à ciência, identificada por Hegel, tal como o valor absoluto da religião cristã se integra na verdade do saber na vida.
Somente Hegel, insistimos neste aspecto, definiu o princípio da realidade como uma Ideia lógica, fazendo, portanto, do ser das coisas um ser puramente lógico e chegando assim a um panlogismo consequente que apresenta ainda, um elemento dinâmico-irracional, existente no método dialético. Nisto se distingue o panlogismo hegeliano do neokantismo, que eliminou este elemento e instituiu assim um puro panlogismo. O idealismo apresenta-se, para sermos breves, em duas formas principais: como idealismo subjetivo ou psicológico e como idealismo objetivo e lógico. Mas estas diversidades no plano analítico movimentam-se no âmbito de uma concepção fundamental. Esta é a tese idealista de que o objeto do conhecimento não é menos que nada, mas algo ideal, para concordarmos com Slavoj Žižek. A ideia de um objeto independente da consciência é contraditória, pois, no momento em que pensamos num objeto, como no amor, fazemos dele um conteúdo de nossa consciência: se afirmamos que o objeto existe fora da consciência, contradizemo-nos; portanto, não há objetos reais extra-conscientes, mas a realidade conhecida acha-se contida na consciência.


Marx cresceu numa família de classe média alta, filho do advogado Heinrich Marx e de Henriette Pressburg, “dona de casa” holandesa pertencente à família Phillips - cujo sobrenome curiosamente é referência em aparelhos eletrônicos. Judeus, os pais de Marx se converteram ao cristianismo por causa da repressão religiosa que marcou a monarquia absolutista prussiana cuja legislação proibia “não cristãos” de ocuparem cargos públicos. Os decretos foram ignorados nos tempos em que Trier foi anexada à França por Napoleão, mas voltaram a ser cumpridos depois da derrocada do imperador francês, em 1815. Até de nome o pai do futuro filósofo mudou: Herschel Mordechai, era filho de Marx Levy Mordechai (1743-1804) e Eva Lwow (1753-1823). O pai de Heinrich Marx era rabino de Tréveris, função que seu irmão mais velho viria a assumir; mas mudou para Heinrich Marx em 1818. A conversão foi fundamental no destino de Marx. O  primogênito da família assumia o cargo de rabino de Trier, tradição que acabou com o irmão mais velho de Heinrich. A ironia é que o jovem Marx que poderia ter virado rabino ficaria famoso como o homem que compreendeu, que a religião é fundamental à crítica analítica da exploração do homem, pois crê que as concepções religiosas tendem a desresponsabilizar os homens pelas consequências de seus atos.
Marx tornou-se reconhecido como crítico sagaz da religião devido a sentença que profere em um escrito intitulado: Crítica da filosofia do direito de Hegel: - “A religião é o suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, assim como é o espírito de uma situação carente de espírito. É o ópio do povo”. Em verdade, Marx se ocupou muito pouco em criticar sistematicamente a atividade religiosa. Nesse quesito ele basicamente seguiu as opiniões de Ludwig Feuerbach, para quem a religião não expressa a vontade de nenhum Deus ou outro ser metafísico: é criada pela fabulação dos homens. Ao integrar a Filosofia alemã, do socialismo utópico e da economia política clássica, Marx elaborou, simultaneamente, o método de análise e a interpretação do capitalismo como um modo fundamentalmente antagônico de desenvolvimento histórico. Em essência, o capitalismo é um modo de produção universal e de reconhecimento da produção e extração de mais-valia.
           O Capital mercantiliza as relações sociais, as pessoas enredadas em seu trabalho e as coisas. Ao mesmo tempo, pois, mercantiliza a força de trabalho, a energia humana que produz valor, transforma as pessoas em mercadorias, tornando-as adjetivas de sua força de trabalho. A mais-valia e a mercadoria são a condição e o produto das relações de dependência, alienação e antagonismo do operário e do capitalista, um em face do outro. A mais-valia e a mercadoria não podem ser compreendidas em si, mas como produto das relações de produção que reproduzem as relações de produção no capitalismo. Na análise dialética, elas surgem como realmente são, isto é, como propriedades naturalizadas a essas coisas e, por isso, ofuscam também a relação social dos produtores com o trabalho total como uma relação social entre objetos, existentes à margem dos produtores. A isso Marx utiliza antropologicamente a noção de fetichismo da mercadoria inseparável da produção.  
A mãe de Marx se chamava Henriette Pressburg (1787-1863) e era descendente de rabinos. A influência dela no pensamento do filho parece ter sido “periférica”, se considerada em relação à publicação do ensaio: “Zur Judenfrage” (1844). O pai de Karl, Hirschel Marx (1777-1838) era advogado e conselheiro de justiça, descendente de uma família de rabinos, tendo abandonado o judaísmo em 1824, quando se converteu ao cristianismo luterano em função das restrições ideológicas impostas à presença de membros de etnia judaica no serviço publico. Quando Marx ainda tinha seis anos. Heinrich Marx e sua mãe, Henriette Pressburg de origem judia holandesa provavelmente abandonaram o judaísmo porque naquela conjuntura ultraconservadora e racista os cargos públicos não eram permitidos a quem era de origem hebraica, na Renânia. Em 1842, o jovem filósofo assumiu a chefia da redação do jornal Renano em Colônia, onde seus artigos inscritos no radicalismo democrata irritaram as autoridades censoras. Em 1843, Marx mudou-se para Paris, editando em 1844 o primeiro volume dos “Anais Franco-Alemães”, órgão principal dos hegelianos  de esquerda. Entretanto, Marx rompeu com os líderes deste movimento, Bruno Bauer e Arnold Ruge.
            Essa “mentalidade” de Hirshel era condicionada pelo “liberalismo” da própria região em que vivia, isto é, em Trier, onde Karl Marx nasceu e viveu até ir para a Universidade. Esta cidade situa-se na Renânia alemã, região que foi anexada e governada pela França revolucionária durante em bom tempo, o que fez dela um dos lugares da Alemanha mais impregnado dos princípios e do espírito revolucionário. O próprio pai de Marx, que era um advogado conhecido e durante muito tempo foi presidente da associação dos advogados da cidade, também estava intimamente ligado com o movimento liberal renano. Ele era membro da sociedade literária, o “Trier Cassino Club”, fundado durante a ocupação francesa e assim chamado por ser um lugar de encontro. O clima intelectual do Liceu onde Marx estudou até 1835, como podemos imaginar, não era diferente. Aí também “o espírito liberal da Ilustração fora introduzido”, de modo que Marx recebeu uma educação tipicamente humanista. O próprio reitor do Liceu, Hugo Wyttenbach, havia contribuído para que aí reinasse um espírito liberal e racionalista. Wyttenbach havia participado da fundação do “Trier Cassino Club”, era amigo da família Marx e professor de história de Karl. Nesse mesmo Liceu do qual ele era reitor, o professor de matemática foi acusado de materialismo e ateísmo, e o professor de hebraico de ter se juntado às cantorias revolucionárias. Por tudo isso, e logo após a polícia ter encontrado sátiras antigovernamentais em posse de alunos, Wyttenbach foi obrigado a receber Loehrs, tido por reacionário, como co-Reitor. Marx expressou seu repúdio a Loehrs despedindo-se de todos os professores menos dele ao sair do Liceu.
É preciso lembrar, entretanto, que nesse período Marx absorveu a influência do Barão Ludwig von Westphalen, amigo da família. Ludwig, homem culto, foi quem despertou o interesse de Marx pela Antiguidade Clássica e principalmente pela leitura de Shakespeare, Saint-Simon e Goethe. Neste particular, em certa medida, forneceu um libelo na formação racionalista do jovem Marx, predispondo-o ao romantismo. Após um curto momento conturbado em Bonn, onde Marx quando não estava bebendo ou “duelando”, passava a maior parte do tempo escrevendo poesias, ele foi enviado por seu pai a Berlin, para terminar seus estudos em Direito. Se em Bonn Marx havia se deleitado com poesias românticas, cerveja e se fascinando com as populares aulas de literatura de August W. Schlegel, em Berlin ele mergulhou propriamente na filosofia. Como lembra Isaiah Berlin: - “A influência intelectual predominante na universidade de Berlin, como, aliás, em qualquer outra universidade alemã deste período, era a filosofia hegeliana”. Mas, Marx ainda ponderou, com uma serpente, durante algum tempo; estudou com afinco Kant e Fichte. Como notou David McLellan, antes da aproximação ao hegelianismo, o racionalismo conceitual de Hegel “tinha sido rejeitado por Marx, o discípulo de Kant e Fichte, o subjetivista romântico que considerava como ser mais alto o separar-se da realidade terrena. Agora, porém começava a parecer como se a Ideia estivesse imanente no real”. A atração e o desejo irradiado pela dialética do hegelianismo tornou-se irresistível para o jovem idealista, que leu Hegel, com profundidade, consolidando assim sua adesão ao mestre da dialética que ele ainda evocaria na década de sessenta quando escrevia O Capital.

Friedrich Hegel que parte da análise da consciência comum, não podia situar como princípio primeiro uma dúvida universal que só é própria da reflexão filosófica. Por isso mesmo ele segue o caminho aberto pela consciência e a história detalhada de sua formação. Ou seja, a Fenomenologia vem a ser uma história concreta da consciência, sua saída da caverna e sua ascensão à Ciência. Daí a analogia que em Hegel existe de forma coincidente entre a história da filosofia e a história do desenvolvimento do pensamento, mas este desenvolvimento é necessário, como força irresistível que se manifesta lentamente através dos filósofos, que são instrumentos de sua manifestação. Assim, preocupa-se apenas em definir os sistemas, sem discutir as peculiaridades e opiniões dos diferentes filósofos. Na determinação do sistema, o que o preocupa é a categoria fundamental que determina o todo complexo do sistema, e o assinalamento das diferentes etapas, bem como as vinculasses destas etapas que conduzem à síntese do espírito absoluto. Para compreender o sistema é necessário começar pela representação, que ainda não sendo totalmente exata permite, no entender de sua obra a seleção de afirmações e preenchimento do sistema abstrato de interpretação do método dialético, para poder alcançar a transformação da representação filosófica numa noção clara e exata.

Assim, temos a passagem da representação abstrata, para o conceito claro e concreto através do acúmulo de determinações. Aquilo que por movimento dialético separa e distingue perenemente a identidade e a diferença, sujeito e objeto, finito e infinito, é a alma vivente de todas as coisas, a Ideia Absoluta que é a força geradora, a vida e o espírito eterno. Mas a Ideia Absoluta seria uma existência abstrata se a noção de que procede não fosse mais que uma unidade abstrata, e não o que é em realidade, isto é, a noção que, por um giro negativo sobre si mesma, revestiu-se novamente de forma subjetiva. Metodologicamente a determinação mais simples e primeira que o espírito pode estabelecer é o Eu, a faculdade de poder abstrair todas as coisas, até sua própria vida. Chama-se idealidade precisamente esta supressão da exterioridade. O espírito não se detém na apropriação, transformação e dissolução da matéria em sua universalidade, mas, enquanto consciência religiosa, por sua faculdade representativa, penetra e se eleva através da aparência dos seres até esse poder divino, uno, infinito, que conjunta e anima interiormente todas as coisas, enquanto pensamento filosófico, como princípio universal, a ideia eterna que as engendra e nelas se manifesta. Isto quer dizer que o espírito finito se encontra  numa união imediata com a natureza, a seguir em oposição com esta  em identidade, porque suprimiu a oposição e voltou a si mesmo e, consequentemente, o espírito finito é a ideia, mas ideia que girou sobre si mesma e que existe por si em sua própria realidade.

A Ideia absoluta que para realizar-se colocou como oposta a si, à natureza, produz-se através dela como espírito, que através da supressão de sua exterioridade entre inicialmente em relação simples com a natureza, e, depois, ao encontrar a si mesma nela, torna-se consciência de si, espírito que conhece a si mesmo, suprimindo assim a distinção entre sujeito e objeto, chegando assim a Idéia a ser por si e em si, tornando-se unidade perfeita de suas diferenças, sua absoluta verdade. Com o surgimento do espírito através da natureza abre-se a história da humanidade e a história humana é o processo que medeia entre isto e a realização do espírito consciente de si. A filosofia hegeliana centra sua atenção sobre esse processo e as contribuições mais expressivas de Hegel ocorrem precisamente nesta esfera, do espírito. Melhor dizendo, para Hegel, à existência na consciência, no espírito chama-se saber, conceito pensante. O espírito é também isto: trazer à existência, isto é, à consciência. Como consciência em geral tenho eu um objeto; uma vez que eu existo e ele está na minha frente. Mas enquanto o Eu é o objeto de pensar, é o espírito precisamente isto: produzir-se, sair fora de si, saber o que ele é. Nisto consiste a grande diferença: o homem sabe o que ele é. Logo, em primeiro lugar, ele é real. Sem isto, a razão, a liberdade não são nada. O homem é essencialmente razão. Ele, a criança, o culto e o inculto, é razão. 

Melhor dizendo, temos aí a possibilidade para isto, para ser razão, existe em cada um, é dada a cada um. A razão não ajuda em nada a criança, o inculto. É somente uma possibilidade, embora não seja uma possibilidade vazia, mas possibilidade real e que se move em si. Assim, por exemplo, dizemos que o homem é racional, e distinguimos muito bem o homem que nasceu somente e aquele cuja razão educada está diante de nós. Isto pode ser expresso também assim: o que é em si, tem que se converter em objeto para o homem, chegar à consciência; assim chega para ele e para si mesmo. A história para Hegel, é o desenvolvimento do Espírito no tempo, assim como a Natureza é o desenvolvimento da ideia no espaço. Deste modo o homem se duplica. Uma vez, ele é razão, é pensar, mas em si: outra, ele pensa, converte este ser, seu em si, em objeto do pensar. Assim o próprio pensar é objeto, logo objeto de si mesmo, então o homem é por si. A racionalidade produz o racional, o pensar produz os pensamentos. O que o ser em si é se manifesta no ser por si. Todo conhecer, todo aprender, toda visão, toda ciência, inclusive toda atividade humana, não possui nenhum outro interesse além do aquilo que filosoficamente é em si, no interior, podendo manifestar-se desde si mesmo, produzir-se, transformar-se objetivamente. Nesta diferença se descobre toda a diferença resgatada pela história da filosofia na explicação da história do mundo. Os homens são todos racionais. O formal desta racionalidade é que o homem seja livre. Esta é a sua natureza. Isto pertence à essência do homem: a liberdade.           

Henriette Marx era uma mulher cujo interesse resumia-se à família, daí a noção ideológica posterior de “dona de casa”, mal empregada historicamente, que a absorvia quase que totalmente. Numa carta escrita ao filho quando ele estava na universidade, uma das poucas que restaram na memória da correspondência entre ambos, ela chegou, inclusive, a admitir que sofria de “um excesso de amor materno”. Frau Henrietta Marx lhe escreve com as seguintes recomendações: - “Você não deve considerar de modo algum uma fraqueza feminina se eu agora estiver curiosa para saber como tem administrado sua vida doméstica, se a economia representa também algum papel, o que é uma necessidade inevitável tanto para grandes como para pequenas casas. Permito-me assim observar, querido Karl, que você nunca deve considerar limpeza e ordem coisas secundárias, pois disso depende a saúde e o bem-estar. Observe rigorosamente que seu quarto seja lavado. E lave-se você também, querido Karl, semanalmente com esponja e sabonete”. Externando  preocupações, com a limpeza das acomodações, horários, alimentação e saúde, pedia-lhe que a mantivesse informada sobre sua nova casa. A relação de Marx com o pai durante o período universitário foi generosamente documentada, talvez pelo preconceito e, sobretudo o ethos machista em função da parca formação de sua mãe que era apenas semialfabetizada num Alemanha atrasada.
De acordo com Jones (2017), geralmente ela recebe um tratamento superficial e, quase sempre paternalista. Em seu clássico estudo de 1918, Franz Mehring lhe dedica menos de meio parágrafo, comentando que ela vivia completamente envolvida em seus assuntos domésticos e que preconceituosamente falava mal o alemão. Por que sua gramática e sua ortografia alemães continuaram tão fracas ainda é um mist´rio. Obviamente não se pode atribuir apenas à sua criação na Holanda , ou à sua preferência pelo holandês, pois sua irmã, Sophie, não só falava como escrevia bem o alemão, além de dominar várias outras línguas. També não há provas, como alguns conjeturaram, de que a língua falada em casa por Henriette fosse o iídiche. É mais provável que fosse um dialeto holandês falado em Nimega. Da mesma forma, não há razão para achar que ela era de alguma maneira limitada intelectualmente, pois se trataria de um absurdo para o meio intelectual em que viveu. A filha Sophie a descreveu como pequena, delicada e muito inteligente”; e as poucas provas fragmentárias existentes sugerem que era capaz de julgamento crítico e ditos espirituosos. Na época de seu batismo, consta que respondia aos conhecidos que a provocavam sobre a sua nova fé: - Acredito em Deus, não pelo amor de Deus, mas por amor de mim. Embora com a proximidade do fim da vida tivesse poucas coisas boas a dizer dela, Karl Marx reconhecia, pesarosamente, em 1868: ali estava ele, com meio século nas costas, e ainda um indigente. Como minha mãe tinha razão: Quem dera Karell tivesse feito capital, em vez de etc.”. Quanto a se envolver completamente com assuntos domésticos, é preciso dizer mais sobre os motivos dessa preocupação. Em suas primeiras cartas, escritas logo depois que Karl saiu de casa para estudar na Universidade de Bonn, enquanto Henrich aconselhava ou repreendia o filho sobre conduta, valores e carreira Henriette dava mais atenção ao bem-estar físico dele. Ela sabia-o muito bem com que esmero disciplinar o filho se dedicava à literatura e à filosofia e ciência desde muito jovem. 
Em suas primeiras cartas, escritas logo depois que Karl saiu de casa para estudar na Universidade de Bonn, enquanto Heinrich aconselhava ou repreendia o filho sobre conduta, valores e carreira, Henriette dava mais atenção ao bem-estar físico dele. Seis semanas depois, quando Karl começou a ter aulas na Universidade de Bonn, ela escreveu em 29 de novembro de 1836: - Você não deve achar que é uma fraqueza do nosso sexo se estou curiosa para saber como é que cuida da sua casinha”. Curiosamente a revista Deutsch-Französischen Jahrbücher teria como diretores Ruge, Heine, Marx e Feuerbach, mas este último decidiu não participar. Seus amigos ficaram sentidos. A revista teve apenas um número, em 1844. Ali aparece o ensaio intitulado: A Questão Judaica. Em 1842 Marx assumiu a chefia da redação da Rheinische Zeitung em Colônia, onde seus artigos radicais democratas irritaram as autoridades. Em 1843, mudou-se para Paris, editando em 1844 o primeiro volume dos Anais Germânico-Franceses, órgão principal dos hegelianos de esquerda. Entretanto, romperam logo com os líderes deste movimento, Bruno Bauer e Ruge. Em 1844, Marx conheceu em Paris Friedrich Engels, começo de uma amizade íntima e eórica e política durante a vida toda. No ano seguinte foi expulso da França, radicando-se em Bruxelas, participando de organizações clandestinas de operários e exilado políticos. Ao mesmo tempo em que na França ocorriam barricadas em 24 de fevereiro de 1848, Marx e Engels publicaram o ensaio-panfleto: O Manifesto do Partido Comunista, primeiro esboço da teoria que, seria chamada marxista. Voltou para Paris, mas assumiu logo a chefia do novo jornal renano em Colônia, considerado o primeiro jornal diário francamente de expressão socialista.
O ensaio: A Questão Judaica critica dois estudos sobre a tentativa dos judeus de conseguir emancipação política na Prússia de autoria de outro jovem hegeliano, Bruno Bauer que argumentava filosoficamente que os judeus somente poderiam atingir a emancipação política se renunciassem a sua consciência religiosa particular. Uma vez que a emancipação política requer um estado secular, que ele assume não deixar muito espaço para identidades sociais como a religião. De acordo com Bauer, as demandas religiosas são incompatíveis com a ideia de Direitos do Homem. A emancipação política verdadeira, para Bauer, requer a abolição da religião. Marx usa o ensaio de Bauer como uma oportunidade para a sua própria análise dos direitos liberais, argumentando que Bauer está equivocado na sua suposição de que num "estado secular" a religião não iria desempenhar um papel proeminente na vida social, e, como exemplo se refere à persistência da religião nos Estados Unidos da América, que, ao contrário da Prússia, não tinha religião de Estado. O Estado secular comparativamente não está em oposição à religião, mas a pressupõe. A remoção das qualificações de cidadãos relacionadas à religião ou à propriedade não significava a abolição da religião ou como se pressupõe da propriedade burguesa, apenas introduzia uma nova forma de pensar e de compreender o cidadão desconexo dessas coisas materiais em torno da existência humana.
Marx vai além da questão da liberdade religiosa em direção à sua preocupação maior - a análise de Bauer da “emancipação política”. Marx conclui que podem ser espiritualmente e politicamente livres em um estado secular, que iria formar sua crítica inicial ao capitalismo. Mas mais tarde formou ideias divergentes distanciando-se dos jovens hegelianos. Marx concluiu que a religião não é a base do poder de estabelecimento, mas em vez disso é a posse do capital - terras, dinheiro, e os meios de produção - que está situado no coração do poder de estabelecimento. Marx percebeu que a religião era apenas uma “cortina de fumaça” ou “nuvens” para obscurecer essa verdadeira base de poder de estabelecimento, e certamente, era um amparo vital para o oprimido proletariado - “o ópio do povo” (“Die Religion ... Sie ist das Opium des Volkes”) é uma frase presente na obra: Zur Kritik der Hegelschen Rechtsphilosophie, mas vale lembrar que o bravo filósofo não foi o primeiro a utilizar tal analogia, embora a autoria ao nível ideológico lhe seja frequentemente atribuída.
Contudo, ele, de fato, sintetizou uma ideia que estava presente em autores do século XVIII. A comparação da religião com o ópio não é original de Marx e tinha sido antecipada, por exemplo, em escritos de Immanuel Kant, Johann Herder, Ludwig Feuerbach, Bruno Bauer, Moses Hess e Heinrich Heine. Este último, em 1840, no seu ensaio sobre Ludwig Börne escreveu: - “Bendita seja a religião, que derrama no amargo cálice da humanidade sofredora algumas doces e soporíferas gotas de ópio espiritual, algumas gotas de amor, fé e esperança”. Moses Hess, num ensaio publicado na Suíça em 1843, também utilizou a mesma ideia: -“A religião pode fazer suportável [...] a infeliz consciência de servidão... de igual forma o ópio é de boa ajuda em angustiantes doenças”. Além de Heine e Hess, uma ideia similar aparece em “Histoire de Juliette”, ou “les Prospérités du vice”, obra do marquês de Sade, de 1797 : - “É ópio que você faz seu povo tomar, para que, anestesiado por esse sonífero, ele não sinta as feridas que você lhe rasga”. A frase está na “Crítica da filosofia do direito de Hegel”; no Deutsch-Französischen Jahrbücher, que Marx editava com Arnold Roge. Novalis, outro poeta alemão, também teria usado uma comparação semelhante em Blüthenstaub, primeira obra publicada por Novalis, na revista “Athenäum” em 1798: - “Sua suposta religião age simplesmente como um ópio: excitante, estonteante, acalmando os sofrimentos dos fracos”. Henriette Pressburg, apesar de descendentes de rabinos, não exerceu sobre o filho doutrinação habitual, felizmente, como ocorre em israelitas. Não teve quase nenhuma influencia intelectual sobre sua formação. Foi simplesmente sua adorável mãe!
Bibliografia geral consultada.

STEIN, Hans, “Der Uebertritt der Familie Marx zum Evangelischen Christentum”. In: Jahrbuch des Kölnischen Geschichtsvereins. Köln 1932: 126-129; COTTIER, Georges, L`Athéisme du Jeune Marx: Ses Origines Hégéliennes. Paris: Editeur Vrin, 1969; MCLELLAN, David, As Idéias de Marx. São Paulo: Editora Cultrix, 1975; BERLIN, Isaiah, Karl Marx: His Life and Environment. 4ª edição. Oxford: Oxford University Press, 1978; KAPP, Yvone, Eleanor Marx: La Vida Familiar de Carlos Marx (1855-1883). México: Editorial Nuestro Tiempo, 1979; KONDER, Leandro. “Marx e o Amor”. In: FIGUEREDO, Eurico de Lima (Org.), Por que Marx? Rio de Janeiro: Graal Editor, 1983; MARX, Carlos, El Capital. Crítica de la Economía Política. Libro Primero. Buenos Aires: Editorial Cartago, 1973, 3 volumes; Idem, Love Poems of Karl Marx. Org. de Reinhard Lettau e Lawrence Ferlinghetti. San Francisco: City Lights Editor, 1977;  Idem, O Capital: Crítica da Economia Política. São Paulo: Boitempo Editorial, 2013; Idem & ENGELS, Friedrich, A Ideologia Alemã. 4ª edição. Portugal: Editorial Presença; Brasil: Livraria Martins Fontes, 1980. Vol. 1-2; Idem, “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”. In: Obras Escolhidas. Volume 3. São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 1990; XENAKIS, Françoise, Zut! On A Encore Oublie Madame Freud. Paris: Hachette, 1984; BADINTER, Elisabeth, Um Amor Conquistado: O Mito do Amor Materno. 5ª edição. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1985; GIELKENS, Jan, Karl Marx und seine niederländischen Verwandten. Eine kommentierte Quellenedition. Trier 1999; DE MASI, Domenico; MAERK, Johannes, “El Derecho a la Pereza”, de Paul Lafargue. In: Revista Mexicana del Caribe. México. Ano 5, n° 9, pp. 229-237, 2000; JONES, Gareth Stedman, Karl Marx: Grandeza e Ilusão. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2017; entre outros.

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