quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Ricardo Boechat - Um Ponto de Vista Jornalístico na Comunicação.

                                                                                                      Ubiracy de Souza Braga

                          A riqueza não iguala os homens, mas a miséria sim”. Ricardo Boechat


Singularidade é um termo feminino que se refere a algo ou alguém que possui a característica de ser único, que se distingue dos demais, extraordinário. O termo origina-se do latim “singularĭtas” tendo como significado individualidade, unidade. Ela pode ser  descrita como uma qualidade ou adjetivo atribuído ao homem que seja singular, que se diferencie do restante dos seus semelhantes, seja por suas atitudes ou por outras características que não tenham pluralidade. A ideia de singularidade geralmente é utilizada para apresentar características etnográficas e comportamentos dos seres humanos que se distinguem do que é considerado padrão. A singularidade pode ser usada de maneira específica em áreas do conhecimento social. Mas também pode apresentar-se nas características cognitivas de padrão psicológico e sociológico do desenvolvimento, que podem se destacar dos comportamentos dos demais socialmente ou no ambiente de trabalho. É a chamada singularidade da comunicação.
Uma organização difere de uma instituição por definir-se por uma prática social determinada de acordo com sua instrumentalidade: está referida ao conjunto de meios (administrativos) particulares para obtenção de um objetivo particular. Não está referida a ações articuladas às ideias de reconhecimento externo e interno, de legitimidade interna e externa, mas a operações definidas como estratégias balizadas pelas ideias de eficácia e de sucesso no emprego de determinados meios para alcançar o objetivo particular que a define. Por ser uma administração, é regida pelas ideias concepção e de gestão, planejamento, previsão, controle e êxito. Não lhe compete discutir ou questionar sua própria existência, sua função, seu lugar no interior da luta de classes, pois isso, que para a instituição social universitária é crucial, é, para a organização privatista, um dado de fato. É inquestionável nas relações sociais de trabalho que ela em certa medida sabe, ou julga saber, por que, para que e onde existe no no âmbito do processo de trabalho.      
Do ponto de vista do trabalho a gestão de carreira envolve duas partes principais: a da organização e a concepção do indivíduo. Diferentemente de décadas passadas, quando as organizações definiam as carreiras de seus empregados, na modernidade o papel do indivíduo na gestão da carreira se torna relevante e assume um papel progressivamente mais atípico. Os empregados assumem, na atualidade, o papel de planejar sua própria carreira, sendo estimulados a acumular conhecimentos científicos e administrar suas carreiras para garantir mobilidade no mercado de trabalho. No início  indivíduos buscam desafios, salários atrativos e responsabilidades, após amadurecerem, passam a se interessar por trabalhos que demandem: autonomia e independência, segurança e estabilidade, competência técnica e funcional, competência gerencial, criatividade intelectual, serviço e dedicação a uma causa, desafio político, estilo de vida.

                        
Ricardo Eugênio Boechat nasceu em Buenos Aires, em 13 de julho de 1952 e faleceu em São Paulo, em 11 de fevereiro de 2019. Foi um jornalista, âncora e locutor de rádio brasileiro presente nos principais jornais nacionais, como O Globo, O Dia, O Estado de S. Paulo e Jornal do Brasil. Seu último trabalho ocorreu no Grupo Bandeirantes de Comunicação, onde trabalhava desde 2004, quando começou como âncora do noticiário matinal BandNews FM em 2005 da filial carioca, passando no ano seguinte para a apresentação da faixa matinal da rede, quando também passou a ancorar o jornal da Rede Bandeirantes. Também assinava uma coluna semanal na revista Istoé. Filho de um diplomata brasileiro e da argentina Mercedes Carrascal, nasceu na capital argentina enquanto o pai estava a serviço do Ministério das Relações Exteriores. A âncora tem vários significados e é um símbolo muito utilizado no jornalismo. Fazendo uma analogia entre a finalidade da âncora com o seu simbolismo, os seus significados estão associados à segurança, estabilidade, proteção, força, equilíbrio, pausa, firmeza e tranquilidade. Misticamente a âncora está relacionada com o interior que nos dá sustentação e firmeza, diante das intempéries da vida, nos mantendo firmes para passar por estes momentos. Na visão espiritualista, a âncora é um símbolo que representa a ligação espiritual com a matéria. Está associado às suas duas partes: um semicírculo em forma de asas para cima, que representa o mundo espiritual; uma cruz, que simboliza a experiência da Alma, como deste mundo terrestre.           
O jornalista âncora nada mais é do que o apresentador do telejornal, ou até mesmo o editor-chefe, principalmente quando inferimos no jornalista âncora do telejornalismo norte-americano. Inclusive foi nesse país que o apresentador recebeu o nome “anchorman”. A primeira “mulher âncora” só foi surgir em 1976, quando Barbara Walters saiu da NBC para assinar contrato com a ABC. Walters fora, naquele momento, coâncora do ABC Nightly News, noticiário noturno que já contava com a ancoragem do famoso Harry Reasoner. Essa conquista de todas as mulheres foi suficiente para alimentar um novo debate na comunicação norte-americana. Ela foi contratada para encorpar a divisão de jornalismo da ABC, que detinha o terceiro lugar nas pesquisas de opinião, mas distante das empresas líderes CBS e NBC. A emissora acreditava que Barbara Walters atrairia a audiência feminina em razão de sua presença ideologizada na bancada do telejornal noturno. Uma das maiores novidades proporcionadas pelo novo contrato com a ABC era o fato social de que Walters seria consultada quando um novo produtor ou âncora fosse contratado, e ainda teria, sobretudo, o direito de opinar sobre as matérias que fizesse o que antes era negado a ela e a todas as outras mulheres no caso particular do jornalismo. Essas mudanças foram primordiais para o acesso de outras mulheres à divisão social do trabalho através da ancoragem de telejornais, dividindo pela primeira vez um espaço que antes era destinado somente aos homens. Aos 66 anos, Ricardo Eugênio Boechat era um dos mais premiados jornalistas do Brasil, com quase 50 anos de carreira.

Ele morreu na queda de um helicóptero nesta segunda-feira, 11/02/2019. O jornalista começou a carreira em 1970 no extinto Diário de Notícias, do Rio de Janeiro, e, depois passou, por grande parte dos maiores jornais, canais de televisão e rádios do País. Atualmente, trabalhava como âncora do Jornal da Band e na BandNews FM, além de ser colunista da revista IstoÉ. Filho de diplomata, Boechat nasceu em Buenos Aires, na Argentina, em 13 de julho de 1952. Ele morou no Rio de Janeiro durante a maior parte da vida, mas vivia em São Paulo desde 2006. Além do trabalho na imprensa, escreveu o livro-reportagem “Copacabana Palace - Um Hotel e sua História” (DBA, 1998), que resgata a trajetória do icônico hotel. O jornalista ganhou três prêmios Esso. O mais importante da comunicação social, em 1989, pela Agência Estado, em reportagem sobre a corrupção na Petrobrás. Os demais, em 1992, na categoria “Informação Política”, e em 2001, na categoria “Informação Econômica”.
Na vida cotidiana não pensava em ser jornalista até conseguir um emprego no Diário de Notícias, por intermédio do diretor comercial, Cleber Sabóia, pai de uma amiga. - “Naquela época você entrava nos jornais sem mostrar muito documento, às vezes, nenhum”. Aos 17 anos, sua única experiência era a da militância política de estudante secundarista. - “O Rio de Janeiro para mim era o exterior. Eu não tinha nenhum equipamento que não a pretensa ideologia, a vontade e o desejo de andar sozinho para poder me credenciar a um emprego. Eles foram me dando tarefas e eu fui me familiarizando com aquele cotidiano”. Criado na cidade fluminense de Niterói, no Estado do Rio de Janeiro, era filho de um diplomata brasileiro e uma argentina. Costumava brincar que sua família havia sido precursora do Mercosul. Dos sete filhos, três eram uruguaios, três brasileiros, enquanto ele nasceu na Argentina – embora todos tenham sido registrados em embaixadas brasileiras. Seu pai, Dalton Boechat, foi funcionário do governo brasileiro em missões em ambos os países. Posteriormente, foi assessor da Petrobras até ser cassado pelo regime militar com o golpe de 1964.
Além do jornalismo diário, Boechat também atuava como professor universitário desde 1994. Reconhecido como comunicador altamente adaptável, passou a comandar um programa de rádio na BandNews FM, em 2005, o que lhe deu enorme popularidade e garantiu um público fiel. No ano seguinte, tornou-se âncora do Jornal da Band, principal telejornal da emissora. Como jornalista representava um dos extremos do colunismo social, que se dividia entre a investigação e o glamour. Avesso à badalação, dedicou-se a buscar “furos” de reportagem, traduzidos em notas frequentemente bem-humoradas em sua coluna. Uma das estratégias que adotava para conseguir tais furos era fugir dos temas óbvios, optando por buscar fontes e assuntos inusitados. Tinha como regra evitar assessores governamentais, políticos consagrados e ministros de Estado, que forneciam informações previsíveis. O papel do colunista social seria divulgar para os leitores um flagrante, permitindo que ele tirasse suas próprias conclusões. Ele negava que a mudança sofrida pelo colunismo social fosse um mérito seu. O jornalista dizia que foram as colunas as primeiras a sintetizar os interesses do Itamaraty. Esta teria sido uma via para se chegar às notícias políticas. O repórter identificava já na época de Álvaro Américo, criador da Coluna do Swann, a presença de outros assuntos que não os exclusivamente voltados para a badalação social. Foi o então editor-chefe do Diário de Notícias que o indicou para trabalhar como repórter para Ibrahim Sued, ícone do colunismo social de seu tempo. – “Foi uma coisa decisiva para a minha formação como repórter” – mas para ele o que era um “bico” se estendeu por 14 anos de trabalho.   
Ibrahim Sued foi um jornalista, apresentador de televisão, crítico e colunista social brasileiro. Filho de imigrantes árabes nasceu em família muito pobre, no bairro de Botafogo. Em 1985 foi homenageado no Carnaval carioca pelos Acadêmicos de Santa Cruz com o enredo “Ibrahim, De leve eu chego lá”. Ainda na década de 1980, Sued foi a figura principal do casamento de sua filha Isabel Cristina, um dos maiores acontecimentos sociais à época, com quatro mil convidados. Em 1993, deixou o jornalismo diário e passou a publicar apenas uma coluna dominical no “O Globo”. A Faculdade da Cidade do Rio de Janeiro lhe fez a outorga do Título de Professor Emérito do Curso de Jornalismo, em evento que contou com a presença da nata da sociedade, além de políticos, sambistas, músicos e intelectuais. Ao entregar-lhe a comenda, o professor Paulo Alonso, diretor acadêmico dessa instituição carioca, fez um discurso marcado pela emoção, lembrando momentos marcantes da vida do colunista. Alonso, que também atuava no jornal O Globo, falou da sua amizade com Ibrahim e ainda da capacidade do “turco”, apelido de Ibrahim, em lidar com dificuldades e vencê-las. Cunhou bordões que se tornaram marcantes como “De leve”, “Sorry periferia”, “Depois eu conto”, “Bola Branca”, “Bola Preta”, “Ademã que eu vou em frente”, “Os cães ladram e a caravana passa”, “Olho vivo, que cavalo não desce escada”, dentre outras. Em 2003 com uma estátua em frente ao hotel Copacabana Palace.

Depois do início da carreira no Diário de Notícias, ele começou a trabalhar na coluna de Ibrahim Sued no jornal O Globo. Em 1983, passou a integrar a equipe da coluna Swann, na mesma publicação, da qual assumiu a titularidade dois anos depois. Quatro anos depois, em 1987, trabalhou na Secretaria de Comunicação Social do Rio de Janeiro por seis meses, durante a gestão Moreira Franco e, em seguida no Jornal do Brasil. Nos anos 1980, começou a trabalhar na sucursal carioca do jornal O Estado de S. Paulo. Em 1989, retornou à coluna Swann, do jornal O Globo, que, depois, passou a se chamar Boechat. Nos anos 1990, se tornou colunista do Jornal do Brasil, no qual depois assumiu uma coluna e chegou a ser diretor de redação durante um ano. Também foi colunista no SBT e do jornal O Dia, do Rio, além de ter sido professor da Faculdade da Cidade. Em 1997, passou a ter um quadro de opinião no jornal Bom Dia, Brasil, da TV Globo, empresa que deixou em 2001. Logo depois, se tornou Diretor de jornalismo do Grupo Bandeirantes, no Rio. Em 2006, mudou-se para São Paulo para ancorar o Jornal da Band. Em seguida, também começou a trabalhar como âncora na BandNews FM. Dentre os prêmios conquistados, estão ainda um White Martins de Imprensa, além de nove Comunique-se: 2007, 2010 e 2012, na categoria âncora de TV; 2006, 2008 e 2010, como apresentador/âncora de rádio; e 2008, 2010 e 2012, como colunista de notícia.
Neste ano ao participar de reportagens pelo controle das companhias telefônicas no Brasil, a sua participação foi citada em reportagem publicada na revista Veja em junho de 2001. O colunista foi demitido de O Globo e da Rede Globo, onde tinha uma coluna no “Bom Dia Brasil” quando a revista publicou trecho de um grampo telefônico em que revelava ao jornalista Paulo Marinho o conteúdo das matérias que foram publicadas pelo jornal. A decisão dos diretores da empresa foi unânime. Eles alegaram que o comportamento do jornalista feria o código de ética da empresa. Marinho trabalhava para Nelson Tanure, principal acionista do Jornal do Brasil e aliado da TIM, empresa que disputava o controle da Telemig Celular e Tele Norte Celular em confronto com o banqueiro Daniel Dantas. O aparente escândalo revelou alguns dos métodos atuais empregados nas guerras pelo controle das companhias telefônicas, na qual ocorriam grampos a jornalistas, notícias plantadas e envolvimento de grupos poderosos. Flagrado nesses “grampos”, a situação ficou insustentável na rede Globo. Nos últimos anos a sua coluna mais lida em O Globo, transformou-se num dos mais influentes jornalistas do país, dando início ao primeiro escândalo de quebra do sigilo do painel do Senado Federal, quando, em 2000, “revelou falhas de segurança no painel do Senado”.
Pouco depois, disse que a senadora Heloísa Helena teria traído o Partido dos Trabalhadores (PT) em votação que cassou o mandato do senador Luís Estêvão. Antes da demissão, deixou claro ter uma cópia da lista de votação. Mesmo assim, ele não foi inquirido pelo Conselho de Ética do Senado por não ser político. Em 19 de junho de 2015, Ricardo Boechat e o pastor Silas Malafaia protagonizaram uma discussão de repercussão nacional. No dia 17 de junho, o jornalista decidiu comentar em seu programa na rádio BandNews FM, sobre a onda de crimes causada pela intolerância religiosa afirmando que: “Os evangélicos são uma massa monumental de brasileiros, sempre ficam muito sensíveis quando se faz alguma crítica que generalize a abordagem. E nesse sentido, eu quero deixar bem claro que essa crítica é uma crítica muito dirigida a pastores e algumas igrejas neopentecostais, e alguns grupos específicos dentro de algumas agremiações religiosas que estão estimulando e levando a cabo ações de hostilidade contra outras religiões, especialmente as religiões de origem africana”.
Esta tese dialética representa uma síntese contraditória nacional que despertou o ódio de Silas Malafaia, que se sentiu ofendido e, através do Twitter, escreveu que o jornalista “estava falando asneira e também o chamou de idiota”. Ao ver as mensagens do pastor, enquanto falava ao vivo pela BandNews FM Fluminense,  Boechat resolveu responder às acusações: - “Malafaia, vai procurar uma rôla. Você é um idiota, um paspalhão, pilantra, tomador de grana de fiel, explorador da fé alheia. Você gosta muito é de palanque, mas não vou te dar porque tu é um otário, um paspalhão. Você é um homofóbico, uma figura execrável, horrorosa, que toma dinheiro das pessoas. Você é rico porque toma dinheiro das pessoas pregando salvação depois da morte. Meu salário, meus patrimônios, vêm do meu suor, não do suor alheio. Você é um charlatão, cara. Que usa o nome de Deus e de Cristo para tomar dinheiro dos fiéis. Você é um tomador de grana. Você e muitos outros. Não tenho medo de você não, seu otário!”.
Depois, concluiu a análise: - “É no âmbito de igrejas neopentecostais que estão acontecendo atos de incitação a intolerância religiosa, mais do que em outros ambientes”, mas garantiu que não estaria fazendo nenhuma generalização, como Malafaia insinuaria, citando o exemplo, comparativamente a seu ver positivo, do pastor João Melo, que da Igreja Batista de Vila da Penha, subúrbio do Rio de Janeiro. Silas Malafaia passou o dia escrevendo mensagens a Ricardo Boechat, além de ter gravado um vídeo para replicar o jornalista. No vídeo ele acusa Boechat de perder a linha, dizendo que ele não foi imparcial aos ataques contra os cristãos na Parada Gay de São Paulo. O pastor também ameaçou processar o jornalista, bem como desafiou Boechat para um confronto cara a cara em algum programa. Malafaia também acusa o jornalista de não ter moral e alegou que a mãe da menina atacada na saída do terreiro seria frequentadora da sua igreja. Para completar, disse que Boechat “dá chilique no microfone quando não gosta de alguma coisa”. Ele também reafirmou que iria intimar o jornalista na Justiça. Posteriormente, em audiência judicial, ambos se retrataram. O pastor Malafaia repreendeu fiéis que vinham compartilhando uma compreensão sobre o trágico acidente que resultou na morte do jornalista Ricardo Boechat, colaborador do Grupo Bandeirantes e da revista IstoÉ. Logo após o anúncio de sua morte, portais de “fofoca gospel” começaram a compartilhar especulações sobre o acidente e o triste fim da vida do jornalista, sugerindo que se tratava de um castigo divino.

BandNews FM é uma rede de rádio jornalística brasileira pertencente ao Grupo  Bandeirantes de Comunicação Social. Foi inaugurada em 20 de maio de 2005, como projeto de rádio de programação jornalística 24 horas por dia, o chamado all news, sendo este projeto considerado o primeiro operando em frequência modulada no Brasil. A rede transmite boletins de notícias com duração de 20 minutos durante toda a programação, intercalados por análises de colunistas. Em setembro de 2004, a Rádio Sucesso, que passava por uma crise financeira devido às pesadas indenizações ao grupo Jornal do Brasil e pela perda de liderança para as concorrentes, foi vendida para o Grupo Bandeirantes de Comunicação. Quando da aquisição, foi especulado que a rádio seria uma retransmissora da Rádio Bandeirantes. Outro boato dava conta que a emissora tocaria músicas eletrônicas e hip hop, concorrendo com as rádios Jovem Pan FM e Mix FM, deixando as músicas do gênero popular para a co-irmã Band FM.

O ano de 2005 chega e nenhuma destas especulações se concretiza, tendo os novos donos a ideia de ter uma rede de rádios com programação jornalística 24 horas por dia, fazendo frente à até então única rede de rádio all news do país, a CBN - Central Brasileira de Notícias, pertencente ao Sistema Globo de Rádio, parte integrante do Grupo Globo. Com isso, criaram a BandNews FM, e determinaram a sua estreia para o dia 20 de maio daquele ano. No início do mês de maio, durante a programação normal da rádio, faziam diversas inserções diárias, anunciando o novo nome da rádio e data de sua estreia. As transmissões da programação da Rádio Sucesso foram encerradas às 23h59 do dia 19 de maio de 2005, após a transmissão de três mensagens de agradecimento pelos 25 anos de existência da antiga rádio e também após ter tocado 3 músicas não inteiras. À zero hora do dia 20 de maio, o jornalista Carlos Nascimento fez o discurso de inauguração da BandNews FM. A rádio é a primeira rede de emissoras FM com programação jornalística 24 horas. Inicialmente, eram apenas quatro praças: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre. O horário nobre entre 7 horas e 9 horas da manhã, era apresentado por Carlos Nascimento, e o restante da programação era composta por jornais de 20 minutos. Marcello D`Angelo, André Luiz Costa e Nilo Frateschi Jr. participaram da criação da rádio. Em 2006, essa faixa passou a ser ocupada por Ricardo Boechat.

Bibliografia geral consultada.                                      
MONTALBÁN, Manoel Vásquez, História y Comunicación Social. Madrid: Editorial Alianza, 1985; SILVA, Carlos Eduardo Lins da, O Adiantado da Hora. A Influência Americana sobre o Jornalismo Brasileiro. Tese de Doutorado. São Paulo: Editora Summus, 1991; SODRÉ, Muniz, A Comunicação do Grotesco. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 1991; SQUIRRA, Sebastião Carlos de Morais, Boris Casoy: O Âncora no Telejornalismo Brasileiro. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 1993; MENEZES, José Eugênio de Oliveira (Organizador), Os Meios da Incomunicação. São Paulo: Editora Annablume; Centro Interdisciplinar de Semiótica da Cultura e da Mídia, 2005; SUED, Isabel, Ibrahim Sued: Em Sociedade Tudo Se Sabe. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2007; BETTI, Juliana Gobbi, A Especificidade das Redes de Rádio all-news brasileiras: os casos da CBN e da Band News FM. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-graduação em Jornalismo. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2009; SAADI TOSI, Lamia Jorge, O Colunismo Social de Ibrahim Sued. Do Capital Simbólico à Troca de Favores. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. Faculdade de Filosofia e Ciências. Marília: Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, 2018; MOREIRA, Sebastião, “Morte de jornalista nascido em Buenos Aires comove o Brasil e colegas da Argentina”. Disponível em: https://www.clarin.com/11/02/2019; BLOTA, Christiano Fontes, O Humor e os Vínculos no Radiojornalismo: O Quadro Buemba! Buemba! da Band News FM. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação. São Paulo: Faculdade Cásper Líbero, 2019;  entre outros.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Ricardo Vélez - Antipetismo & Afinidades Eletivas Fascistas na Política.


                                                                                                    Ubiracy de Souza Braga*

         Há a ilegitimidade pelo título e a ilegitimidade pelo exercício”. Raymundo Faoro

    

     Autoridade é uma prática que um indivíduo tem por possuir determinado conhecimento, que está ligado à liderança, compostura e comando. Representa a base social de certos tipos de organização hierarquizada. Refere-se à prática social que tem como objetivo levar as pessoas a perceberem e respeitarem as normas, julgando sua legitimidade e avançando no desenvolvimento da democracia, no estabelecimento do bem maior. Sociologicamente, Max Weber em uma passagem de seu ensaio de 1904, sobre a objetividade do conhecimento científico-social, reconhece (com reservas) a existência de uma Wahlverwandtschaft (“afinidade eletiva”) entre as visões de mundo e os interesses de classe, mas esta hipótese não é prosseguida, segundo Löwy (1985), aprofundada ou levada em consideração em seus escritos metodológicos. Os valores sociais compreendidos na sociedade e os pontos de vista (“Gesichtspunkte”) são para ele condicionantes para o aprimoramento nos níveis de análise.
Na esfera da vida social a luta política é uma das questões que sempre marcaram a dialética entre capital e trabalho. Mas a esfera social onde a ideologia manifesta mais explicitamente seu poder de enviesamento é, com certeza, o campo da atividade intelectual. O autoritarismo, ao contrário, está ligado às práticas antidemocráticas e antissociais. Representa a imposição condicionada pelo uso da força bruta da política, e geralmente as decisões se restringem às vontades do próprio indivíduo ou de pessoas  estritamente ligadas a ele, decerto no âmbito pessoal, profissional, acadêmico, enfim, governamental. Quando existe autoridade, as pessoas agem motivadas afetivamente pelo líder que a detém, visualizando o alcance conspícuo do que objetiva. Quando é o autoritarismo que prevalece, de mil formas e jeitos, as pessoas também agem, porém não existe motivação pessoal; existe sim, medo, terror de Estado, censura e ameaças constantes em nível individual (sonho) e coletivo (os ritos).
O sujeito da ação política é alguém que quer conhecer o quadro em que age; que quer poder avaliar o que pode e o que não pode fazer. Mas, ao mesmo tempo, é um sujeito que depende, em altíssimo grau, de motivações particulares, sua e dos outros para agir. A política é levada a lidar com duas referências contrapostas, legitimando-se através da universalidade dos princípios e viabilizando-se por meio das motivações particulares. Mas vale lembrar que os caminhos trilhados na política e na universidade em geral evitam a opção por uma dessas linhas extremadas: o doutrinarismo, o oportunismo crasso, o cinismo ostensivo ou a completa e absurda indiferença. São frequentes as combinações de elementos de tais direções, porém combinados em graus e dimensões diversas. E é nessa combinação hábil que se enraíza a ideologia política. Sua atividade interpretativa também pode ser criativa, de modo que ao interpretar um caso, determinado ator social aplicaria e criaria um direito novo, praticamente legislando. No Brasil desde a queda da ditadura do Estado Novo, em 1945, e a ascensão do populismo nos governos que se sucederam hic et nunc até o golpe de Estado de 1964, a sociedade havia mudado, tornando-se complexa e diversificada em politica. 


A industrialização e o crescimento da população urbana, somados à legislação trabalhista varguista e ao fortalecimento de sindicatos, partidos políticos e movimentos sociais rurais e urbanos, favoreceram a mobilização e a radicalização em torno de propostas nacionalistas, anti-imperialistas, e de reformas de base, tais como a urgentíssima reforma agrária no Brasil. Os processos de transição política e consolidação democrática no Brasil podem ser considerados um excelente laboratório de Ciência Política, tanto pela longue durée, como pela variedade dos eventos que marcam tal período da história brasileira recente. Em 1945, o debate intelectual girava em torno da democratização. A nação estava constituída em torno de seus interesses econômicos, de sua cultura e vontade política. Ela se experimenta a si mesma, afirmando-se dia a dia contra as nações dominantes. O sentimento de identidade é substituído pelo de confronto; o avento do povo como sujeito político liga-se à sua mobilização a serviço da soberania nacional. Dois episódios marcam simbolicamente a conjunção do nacionalismo com a participação popular: a campanha que culminou na criação da Petrobrás, a companhia nacional de petróleo, em outubro de 1953, e a emoção desencadeada pelo suicídio de Getúlio Vargas. A campanha “O petróleo é nosso” propiciou a convergência de diversos setores nacionalistas que se colocavam contra o projeto inicial apresentado por Vargas. A morte selou, assim, a fusão do povo com a nação. O getulismo torna-se um mito (pessoa) quanto ideário fundador. Estes foram os anos articulados economicamente no amálgama do chamado desenvolvimentismo.    

Em 1953, os cariocas do grupo Itatiaia fundaram um instituto particular, Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política, o IBESP, tendo como secretário-geral Hélio Jaguaribe e do qual fizeram parte os economistas e sociólogos. Em 1955, a ele se agregaram Juvenal Osório Gomes e Nelson Werneck Sodré, militar de carreira, ligado à corrente nacionalista do general Newton Estillac Leal. Dos paulistas do grupo Itatiaia, só Roland Corbisier entrou para o novo Instituto. Esta irá publicar a revista Cadernos de Nosso Tempo entre 1953 e 1956 que irá elaborar um diagnóstico da sociedade brasileira. A morte de Getúlio Vargas e sua substituição provisória por Café Filho, sustentado pelos antigetulistas, transformou-se, com o novo nome do ISEB, num instituto oficial plenamente autônomo, mas vinculado ao Ministério da Educação e Cultura, graças ao apoio do titular desse Ministério, Cândido Motta Filho, sem ter jamais aderido ao Integralismo, foi um simpatizante deste movimento reacionário, tendo participado em 1932 da Sociedade de Estudos Políticos de São Paulo, primeira etapa para a origem da Ação Integralista. No ISEB se reencontra a maioria dos membros do IBESP. Hélio Jaguaribe continuou como o verdadeiro dinamizador do Instituto, ainda que, devido às suas responsabilidades no setor privado, não ocupasse a sua direção, atribuída a Roland Corbisier. Foram criados os departamentos de filosofia, história, economia, sociologia e ciência política, colocados sob a responsabilidade de Álvaro Vieira Pinto, Cândido Mendes, Ewaldo Correia Lima, Guerreiro Ramos e Hélio Jaguaribe. Foi instituído um Conselho de Tutela, no qual participava professores tais como: Anísio Teixeira, Ernesto Luiz de Oliveira Júnior, Hélio Burgos Cabral, Hélio Jaguaribe, José Augusto de Macedo Soares, Nelson Werneck Sodré, Roberto Campos e Rolando Corbisier. 

Com a eleição de Juscelino Kubitschek, pareciam reunidas as circunstâncias “para fazer do ISEB uma peça essencial da nova administração”. Como é sabido, Roland Corbisier era pessoalmente ligado ao Presidente da República, e diversos membros do ISEB participaram individualmente da campanha. Porém o ISEB, segundo Daniel Pécault (1990) estava longe de ser homogêneo. Compreendia intelectuais que continuavam a tradição da década de 1930: Roland Corbisier, Guerreiro Ramos e Cândido Mendes; filósofos de formação, Álvaro Vieira Pinto; economistas, como Roberto Campos e Ignácio Rangel; um militar-historiador marxista Nelson Werneck Sodré; um cientista político como Hélio Jaguaribe, pari passu homem de negócios no cargo responsável pela página econômica do Jornal do Comércio. Foram muito diferentes as suas carreiras políticas: Roland Corbisier originou-se do integralismo, próximos do qual também estiveram Álvaro Vieira Pinto e Guerreiro Ramos durante certo período; Nelson Werneck Sodré, que colaborou na revista Cultura Política durante o Estado Novo, inseriu-se na corrente nacionalista do exército e iria tornar-se um dos intelectuais mais destacados do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Hélio Jaguaribe era antes de tudo, um “desenvolvimentista”. 

A projeção social do ISEB não advinha apenas de seus membros permanentes, mas decorreu também do prestígio e honra de numerosos conferencistas eventuais como Celso Furtado. Enfim, o ISEB provocou a desconfiança não só de muitos intelectuais paulistas que nele viam, à semelhança do grupo de Itatiaia, um ressurgimento do Integralismo (cf. Trindade, 1971) de intelectuais de direita (cf. Bobbio, 1999), que percebiam nele a aproximação entre getulistas e membros comunistas. O ISEB conservou-se, sobretudo até 1958, mais como um centro de estudos. Na visão do ministro Cândido Motta Filho, tratava-se de um Instituto Civil que devia, da mesma maneira que a Escola Superior de Guerra consagrar-se às ciências sociais “afim de aplicar as categorias e os dados dessas ciências à análise e compreensão crítica da realidade brasileira, buscando a elaboração de instrumentos teóricos que permitam estimular e promover o desenvolvimento nacional”. A construção da capital Brasília (DF), de um lado, e o lançamento da indústria automobilística confiada a firmas estrangeiras, de outro, revelam as oscilações de um governo que, lança as bases do que logo foi batizado como “capitalismo associado”. A partir de 1959-60, a cisão vai se exacerbando. Frente aos nacionalistas que, durante o governo João Goulart, acreditaram vencer com a concretização das “reformas de base”, a maior parte dos industriais, exportadores e  fundiários se organizam para influir sobre a opinião pública.

Apoiados pela maioria dos grandes jornais estão na origem da criação, em 1959, de fundações ideológicas como o IBADE - Instituto Brasileiro de Ação Democrática e a ADEP - Ação Democrática Popular que propagavam o anticomunismo e financiavam as campanhas eleitorais de candidatos “confiáveis”. Na linguagem analítica da esquerda, a oposição entre os “nacionalistas” e “entreguistas” comandava então o sentido nacional da vida política. Tudo o que pretendiam os intelectuais orgânicos do ISEB era formular o “sentimento de massas”.  A tese central do “nacionalismo desenvolvimentista” tem como representação social o desenvolvimento econômico e a consolidação da nacionalidade constituindo dois aspectos do mesmo processo emancipatório. O desenvolvimento dependeria, assim, de uma consciência nacional mobilizada em torno de uma vontade no plano global de desenvolvimento. Na esfera cultural, a retórica do início dos anos 1960, tanto de “direita” como de “esquerda”, para lembrarmo-nos da ciosa interpretação de Norberto Bobbio, foi demarcada pelo uso corrente das categorias sociais “povo” e “nação”, ou nacional-popular. Os movimentos sociais no caso emblemático do Centro Popular de Cultura, além do discurso anti-imperialista adotaram postura vanguardista, baseada na premissa de que a cultura é aquela produzida por artistas e intelectuais que optaram pelo povo - enquanto a cultura do povo era considerada arcaica e atrasada. 

A coleção Cadernos Brasileiros e a Revista Civilização Brasileira, editadas por Ênio Silveira, e a História Nova, organizada por Nelson Werneck Sodré, sugerem a intensa colaboração entre o ISEB e o CPC. Do ponto de vista técnico o quadro administrativo do ISEB era formado por três órgãos: o Conselho Consultivo, de orientação geral composto por 50 membros, designados pelo MEC; o Conselho Curador, órgão de direção, com a assistência do Conselho Consultivo e composto por oito membros, também designados pelo MEC; a Diretoria Executiva, exercida por um Diretor eleito pelo Conselho Curador, além de cinco Departamentos. Com o golpe de 1964 é aberto um Inquérito Policial Militar do ISEB. Desse IPM foram destacados dois pontos que, na visão dos militares participantes do golpe, comprometiam politicamente o ISEB tomado como uma “organização determinada por Moscou”. Por um lado, publicou-se no Instituto folheto esclarecedor acerca da vigência do regime parlamentarista com o plebiscito realizado em 1961, a partir da renúncia de Jânio e que veio limitar os poderes decisórios de João Goulart (1919-1976). Por outro lado, o ISEB cometeu o erro de ter realizado cursos e conferências em entidades estudantis e sindicais - leiam-se subversivas. O primeiro ato de Ranieri Mazzilli foi sua extinção pelo Decreto n° 53. 884 de 13 de abril de 1964 (cf. Sodré, 1978).

A totalidade concreta instituição já é, portanto, fruto de um trabalho de abstração ou, se se prefere, fruto de um trabalho de produção de um objeto de pensamento. Mas a constituição de uma totalidade concreta é muito pouco para um trabalho teórico, segundo determinantes da própria teoria. Isto significa que, se se quiser fugir de uma terminologia essencialista, será necessário entender que uma proposição do tipo a escola é um sistema de reprodução da ideologia dominante refere-se à totalidade empírica escola, não mais a este ou aquele estabelecimento, totalidade esta cuja pertinência interpretativa se à sua análise em termos de aparelho ideológico de Estado – uma entidade teórica designa sempre uma propriedade que, se é observável, pode ser interpretada em termos de propriedades empíricas de uma totalidade, jamais em termos de totalidades enquanto tais. O engano de nomeá-las, multiplicando suas propriedades exaustivamente, levaria no máximo à elaboração de um extenso catálogo de nomes, uma confusão entre o plano de análise (teoria) e o plano da realidade, jamais à produção de conhecimento. Por onde surge a categoria da totalidade, desaparece o rigor científico. 

Três dias após o golpe político-militar de 1964, foi decretada a extinção do ISEB seguido da instauração um inquérito policial-militar (IPM) para apurar suas atividades. Diretores e professores do Instituto foram investigados extrajudicialmente e alguns de seus pensadores, como Álvaro Vieira Pinto tiveram que sair do país, compulsoriamente para o exílio. Entre o escol composto pelos membros do Iseb estavam: Hélio Jaguaribe, Roland Corbisier, Alberto Guerreiro Ramos, Nelson Werneck Sodré, Antonio Cândido, Wanderley Guilherme dos Santos, Cândido Mendes, Ignácio Rangel, Álvaro Vieira Pinto e Carlos Estevam Martins tendo como colaborador Celso Furtado, Gilberto Freyre e Heitor Villa Lobos. Entre os seus membros ilustres, em oposição assimétrica, podemos citar Miguel Reale e Sérgio Buarque de Holanda. Entre seus alunos mais destacados, inclui-se o ativista afro-brasileiro Abdias Nascimento. O ISEB surgira em 1955, por decreto do presidente da República, João Café Filho.

Criado e regulamentado por Juscelino Kubitschek, o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) projetou-se como centro formulador de uma ideologia desenvolvimentista no país. Também sobressaiu enquanto concepção de cultura como elemento impulsionador de transformações socioeconômicas e de fixação de identidades nacionais. Este Centro de Altos Estudos nascia com liberdade de opinião e de cátedra e se constituía, nos primeiros anos num quadro de pensadores heterodoxos. Sua origem institucionalizava um debate sobre o desenvolvimento econômico, político e social que já existia no Brasil desde a década de 1940, mas que a universidade, incipiente, aparentemente não perfazia. O instituto emergia dentro dos quadros orgânicos do Ministério da Educação, com uma função e com um conteúdo de sentido claro: deveria produzir pesquisas e análises que contribuíssem para a definição de um projeto nacional de desenvolvimento econômico, político e social. Os isebianos, reunidos na Rua das Palmeiras, no famoso bairro de Botafogo (RJ) promoveram vários cursos, conferências, seminários, pesquisas, publicaram livros sob diversos temas etc., durante seus quase nove anos de existência como agremiação. Existiu um pensamento isebiano e o Instituto realizou práticas sociais em torno de intelectuais que não expressavam a mesma linguagem e nem mesmo o “único receituário de orientação para suas opções políticas”.

O presidente eleito, Jair Messias Bolsonaro (PSL), anunciou pelas redes sociais que o professor colombiano Ricardo Vélez Rodríguez é o ministro da Educação. Crítico do Enem escreveu no início de novembro que o órgão responsável pela aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio entende as provas “mais como instrumentos de ideologização do que como meios sensatos para auferir a capacitação dos jovens no sistema de ensino” (cf. O Globo, 23/11/2018) e com afinidade ao dístico “Escola sem Partido”, ele é professor-colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora, um município brasileiro no interior do estado de Minas Gerais. Localiza-se na Zona da Mata mineira, a sudeste da capital do estado. - “Gostaria de comunicar a todos a indicação de Ricardo Vélez Rodríguez, filósofo, autor de mais de 30 obras, atualmente professor Emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, para o cargo de Ministro da Educação”. O professor é (des) conhecido na comunidade científica fora do meio militar.   
Ele admite que foi indicado pelo didata Olavo de Carvalho a Bolsonaro para comandar a Pasta. A indicação do professor ocorre um dia depois da bancada evangélica vetar o educador Mozart Neves, diretor do Instituto Ayrton Senna. Ele era crítico do projeto “Escola sem Partido”, uma das principais armas do ex-militar eleito. O procurador regional do Distrito Federal, Guilherme Schelb era cotado para o ministério da educação. Schelb admitiu ter apoio “muito significativo” da bancada evangélica e reafirmou ser a favor do movimento “Escola Sem Partido”. Depois que saiu o anúncio de Vélez Rodríguez, Schelb “parabenizou” o presidente pela indicação. No texto, diz que é preciso “refundar” o Ministério da Educação no “contexto da valorização da educação para a vida e a cidadania a partir dos municípios” e que será o ministro da Educação para tornar realidade a proposta externada Jair Bolsonaro (PSL), de “Mais Brasil e Menos Brasília”. É critico de nomes que foram pensados para o Ministério da Educação e Cultura (MEC), como a da presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), Maria Inês Fini. Para ela o Exame Nacional do Ensino Médio, que ela é responsável é “instrumento de ideologização”. Existe neutralidade  axiológica na educação, na religião, na medicina, nos desportos, na ciência?
A maioria dos países socialmente avançados considera a cultura como um elemento fundante e insubstituível na construção da identidade nacional e, ipso facto, sempre lhe conferem órgão de escalão mais elevado na estrutura do Estado, pois é por meio dele que se pode dar mais visibilidade aos processos de reconstituição histórica do passado e que se expõem ao mundo as realizações efetivadas por meio do espírito nacional, sem falar nas possibilidades de sua contribuição para a economia de uma nação. A Finlândia, por exemplo, é um país de 1° mundo muito bem colocado nas mais diversas análises comparativas socioeconômicas internacionais, cuja população usufrui de um altíssimo nível de desenvolvimento humano. A recente visita ao Brasil da diretora do Ministério da Educação e Cultura da Finlândia, Jaana Palojärvi, referendou os primeiros lugares no Programme for International Student Assessment (Pisa), que mede a qualidade de ensino. O segredo deste sucesso, segundo a diretora, “não tem nada a ver com métodos pedagógicos revolucionários, uso da tecnologia em sala de aula ou exames gigantescos como Enem ou Enade”. Pelo contrário: “a Finlândia dispensa as provas nacionais e aposta na valorização do professor e na liberdade para ele poder trabalhar”. A educação é gratuita, inclusive no ensino superior. As crianças só entram na escola a partir dos 7 anos. Não há escolas em tempo integral, pelo contrário, a jornada é curta, de 4 a 7 horas, e os alunos não têm longos e demorados exercícios de casa.
Para o novo ministro todos estão reféns de um sistema de ensino alheio às suas vidas e afinado com a tentativa de impor, à sociedade, uma doutrinação de índole cientificista e enquistada na ideologia marxista travestida de “revolução cultural gramsciana” (cf. Rodríguez, 2006), com toda a corte de invenções deletérias em matéria pedagógica como a chamada “educação de gênero”. Para ele, essa educação atual estaria “destinada a desmontar os valores tradicionais da nossa sociedade, no que tange à preservação da vida, da família, da religião, da cidadania, em suma, do patriotismo”. Suas visões políticas são descritas por alguns analistas como de extrema-direita. Ricardo Vélez Rodríguez fez seus estudos básicos no Liceu de La Salle (Bogotá) e cursou o bacharelado em Humanidades no Instituto Tihamér Tóth, na mesma cidade. Licenciou-se em Filosofia pela Pontifícia Universidade Javeriana (Bogotá), em 1963. Entre 1965 e 1967, fez o curso de Teologia no Seminário Conciliar de Bogotá. Iniciou a sua vida docente em 1968, como professor de Literatura e Filosofia, na Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade Pontifícia Bolivariana (Medellín), e Ética Empresarial, na Escuela de Administración de Empresas e Instituto Tecnológico, na Colômbia, permanecendo em ambas as instituições até 1971. Em 1972-73, lecionou Filosofia e Humanidades na Universidade Externado de Colômbia e na Universidade do Rosário. Fez estudos de pós-graduação na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, obtendo o título de Mestre em Filosofia, em 1974.
De volta à Colômbia, exerceu o cargo acadêmico de Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade de Medellín, entre 1975 e 1978, uma instituição de educação superior, de carácter privado, sujeita a inspeção e vigilância por meio da Lei 1740 de 2014 e a Lei 30 de 1992 del Ministério de Educación de Colombia. A partir de janeiro de 1979, fixou residência no Brasil, inicialmente em São Paulo, onde trabalhou como pesquisador na Sociedade de Cultura Convívio, tendo sido redator da revista Convivium, publicação originalmente ligada ao Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES). Entre maio de 1979 e dezembro de 1980, foi conferencista da Universidade de São Paulo (USP), no curso de Estudo de Problemas Brasileiros. Em 1981, mudou-se para Londrina, onde se tornou professor do Departamento de Filosofia da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e criou, em 1982, o Curso de Pós-Graduação em Pensamento Político Brasileiro. Neste ano obteve o título de Doutor em Filosofia pela extinta Universidade Gama Filho (RJ), com a tese: “Oliveira Vianna e o Papel Modernizador do Estado Brasileiro”, sobre F. J. de Oliveira Vianna, defensor de ideias eugenistas. Em 1983 vinculou-se ao Programa de Pós-Graduação em Pensamento Brasileiro. É professor da Faculdade Positivo de Londrina, instituição vinculada e pertencente desde 2017 ao Grupo Positivo do Paraná, onde leciona História do Direito, Teorias da Justiça e Filosofia, nos cursos de graduação em Direito e Administração.
Ricardo Vélez Rodríguez chegou ao Brasil em 1979, fugindo da violência na Colômbia onde, no ano anterior, haviam sido assassinados dezoito (18) professores. Propôs à sua primeira esposa, uma brasileira, que se mudasse para o Rio de Janeiro, onde ele poderia fazer seu doutorado, e retornassem quando a onda de violência tivesse passado. – “Eu disse para minha esposa, que era brasileira, que a coisa estava ficando feia em Medellín e lhe propus que fôssemos para o Brasil. Lá, eu fazia um doutorado e retornávamos. Quase não aceita a ideia porque adorava Medellín”. Mas a violência não cessou, e Rodríguez acabou permanecendo no Brasil, obtendo a nacionalidade brasileira em 1997. Atualmente reside na cidade de Londrina, no norte do Paraná, com sua segunda esposa, Paula Prux, com quem tem um filho, nascido em 2012. Ela, natural de Apucarana, também no Paraná, é filha do ex-tenente do Exército, advogado e professor Oscar Ivan Prux. Em seu blog pessoal “Páginas Para os Meus Filhos”, Ricardo Rodríguez declara apreciar “música clássica, especialmente Bach, Beethoven, Chopin, Vivaldi, Haydn e Haendel, e canções românticas de origem latino-americanas”.
A Colômbia é uma República onde a presidência da República domina a estrutura de governo. O presidente, eleito por voto popular em conjunto com o vice-presidente para um único mandato de quatro anos, serve pari passu como chefe de Estado e de governo. O parlamento bicameral da Colômbia é o  Congreso, que consiste de um senado com 102 lugares e de uma Câmara de Representantes com 166 lugares. Os membros de ambas as câmaras são eleitos por voto popular para mandatos de quatro anos. A Colômbia é um membro da Comunidade Sul-Americana de Nações. O sistema judicial da Colômbia sofreu reformas significativas na década de 1990. De acordo com a vigente constituição, de 1991, a Colômbia é um Estado Social, em forma de República Unitária. O poder público encontra-se dividido em três partes, o executivo, o legislativo e o judiciário. O presidente e seu vice-presidente são eleitos por voto popular para mandatos de quatro anos. O presidente só pode ser reeleito uma única vez e serve tanto como chefe de Estado como chefe de governo. O primeiro presidente a se reeleger depois de aprovada a Constituição foi Álvaro Uribe Vélez. O parlamento bicameral da Colômbia é o Congresso. A Casa de Nariño, na capital federal Bogotá, é a sede do governo. Os partidos que tem representação resultado das eleições para o Senado e a Câmara de Representantes de 8 de março de 1998. 
É um dos dois partidos políticos tradicionais da Colômbia. Disputou o poder com o Partido Liberal Colombiano desde meados do século XIX até 2002, tempo em que prevaleceu um sistema bipartidário. Desde sua fundação até 1957, a disputa pelo poder foi marcada pela violência política das guerras civis. Dos anos de 1930-2002 manteve-se como a segunda força no Congresso, depois do Partido Liberal, recuperando essa posição em 2010. Atualmente faz parte da coalizão que apoia o governo do presidente Juan Manuel Santos: 1) Partido Liberal: Considerado como reformista moderado. Tendem para “a prática de uma política econômica liberal com conteúdo social”. Considera-se o partido político mais representativo dos interesses urbanos e industrial, ainda tem certo apoio nas zonas rurais; 2) Nova Força Democrática: fundada por Andrés Pastrana, também é uma força conservadora; 3) Movimento de Salvação Nacional: foi criado em 1990 e é de tendência conservadora, foi o partido mais votado na Assembleia Constituinte e tem representado a linha mais “doutrinária do conservadorismo”; 4) Aliança Democrática M-19 quando a organização guerrilha M-19 “largou as armas e aceitou a competência eleitoral para conseguir por em prática suas finalidades políticas, se considera de tendência de extrema esquerda”, e last but not least, a União Patriótica: partido de tendência marxista considera-se como o “braço político” das FARC.
Vale lembrar - mutatis mutandis - que as sementes do IPES como também do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), e do Conselho Superior das Classes Produtoras, foram lançadas ao final da administração de Juscelino Kubitschek e durante a presidência de Jânio Quadros, em cujo zelo moralista eles depositavam grande esperanças. Embora interesses multinacionais e associados, individuais ou mesmo setoriais fossem devidamente articulados através da administração paralela, não havia nenhuma liderança política reconhecida e organizada ao final de 1960, exceto as associações de classe de cunho menos abrangente. O ISEB surgira em 1955 por decreto assinado pelo presidente da República, João Café Filho. Criado e regulamentado por Juscelino Kubitschek, o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) projetou-se como centro formulador do “desenvolvimentismo” de forma precípua na formação do país. Também sobressaiu enquanto concepção de cultura como elemento impulsionador de transformações socioeconômicas e de fixação de identidades nacionais.
Este Centro de Altos Estudos nascia com liberdade de opinião e de cátedra e se constituía, nos primeiros anos num quadro de pensadores heterodoxos. Sua origem institucionalizava um debate sobre o desenvolvimento econômico, político e social que já existia no Brasil desde a década de 1940, mas que a universidade, incipiente, aparentemente não perfazia. O instituto emergia dentro dos quadros orgânicos do Ministério da Educação, com uma função e com um conteúdo de sentido claro: deveria produzir pesquisas e análises que contribuíssem para a definição de um projeto nacional de desenvolvimento econômico, político e social. Os isebianos, reunidos na estreita Rua das Palmeiras, no bairro de Botafogo (RJ) promoveram vários cursos, conferências, seminários, pesquisas, publicaram vários livros etc., durante seus quase nove anos de existência. Existiu o pensamento isebiano e o Instituto pretendeu realizar um conjunto de práticas em torno de intelectuais que não expressavam a mesma linguagem e nem mesmo o “único receituário de orientação para suas opções políticas”.
O IPES passou a existir. Seus fundadores do Rio de Janeiro e de São Paulo, o núcleo do que se tornaria uma rede nacional de militantes grupos de ação, vieram de diferentes backgrounds ideológicos. Os canais de persuasão e as técnicas mais comumente empregadas compreendiam a divulgação de publicações, palestras, simpósios, conferências de personalidades famosas por meio da imprensa, debates públicos, filmes, peças teatrais, desenhos animados, entrevistas e propaganda no rádio e na televisão. O liame que os unificava, eram suas relações econômicas multinacionais e associadas, seu posicionamento anticomunista e a sua ambição de readequar e reformar o Estado. Esses empresários visavam a uma liderança compatível com sua supremacia econômica e ascendência tecnoburocrática, pois, como foi observado, “a direção do país não podia mais ser deixada somente nas mãos dos políticos”. A instituição foi recebida favoravelmente pelos diversos órgãos da imprensa, tais como o Jornal do Brasil, O Globo, o Correio da Manhã e a Última Hora. Contou também com o beneplácito do conservador Arcebispo do Rio Dom Jayme de Barros Câmara, enquanto outras figuras políticas, eclesiásticas e intelectuais aplaudiram da mesma forma o seu aparecimento.
Vélez Rodríguez defendeu em 2017 o movimento político reacionário “Escola Sem Partido”. – “Esta é uma providência fundamental. O mundo de hoje está submetido, todos sabemos, à tentação totalitária, decorrente de o Estado ocupar todos os espaços, o que tornaria praticamente impossível o exercício da liberdade por parte dos indivíduos”. Afirmou que: [os brasileiros estão] “reféns de um sistema de ensino alheio às suas vidas e afinado com a tentativa de impor, à sociedade, uma doutrinação de índole cientificista e enquistada na ideologia marxista, travestida de 'revolução cultural gramsciana', com toda a corte de invenções deletérias em matéria pedagógica como a educação de gênero”. Assim como Ernesto Araújo, manifesta-se “contra o globalismo politicamente correto”. Defende o regime militar instaurado em 1964 no Brasil e, segundo ele, o dia 31 de março de 1964, que marca o golpe militar no Brasil que ele chama de “revolução”, comparando-a à Revolução Gloriosa de 1688. No mesmo texto, de 2017, Vélez escreve: - “A malfadada Comissão da Verdade que, a meu ver, consistiu mais numa encenação para “omissão da verdade”, foi a iniciativa mais absurda que os petralhas tentaram impor”. Ele também ironiza sem razão o conceito universal de direitos humanos e o “patriótico papel” desempenhado pelos militares no período em que estiveram no poder.
– “O regime militar tinha um propósito, em que pese o viés autoritário evidentemente criticável”. Católico por formação é crítico da Teologia da LibertaçãoEm 17 de maio de 2014 durante o governo Dilma Rousseff (PT), Ricardo Vélez Rodríguez se demonstrou favorável ao regime monárquico, na sua conta na rede social chamada Facebook afirmando o seguinte: - “Nunca votei no PT nem apostei que a tal sigla moralizaria o Brasil. No restante do artigo, concordo com Dom Bertrand de Orleans e Bragança. Ele é uma brava voz que se levanta contra a podridão em que a petralhada ajudou a afundar o Brasil. Tivéssemos monarquia, não estaríamos às voltas com todas estas lambanças. O monarca, de há muito, teria dissolvido o parlamento e convocado novas eleições para renovação do elenco!”. Enfim, seu nome foi sugerido a Jair Messias Bolsonaro (PSL), para dirigir Ministério da Educação (MEC), pelo oportunista fascista Olavo de Carvalho. Em 2 de janeiro de 2019, durante a posse no ministério, declarou: - “Combateremos o marxismo cultural, hoje presente em instituições de educação básica e superior. Trata-se de uma ideologia materialista alheia aos nossos mais caros valores de patriotismo e de visão religiosa do mundo”.  
De acordo com Fanjul (2019) as repercussões, preocupadas ou indignadas, no meio educacional, não têm sido poucas: o longo depoimento do ministro reafirma perspectivas de perseguição ideológica em todos os níveis da educação nacional e, particularmente, de elitização, redução e/ou abandono do ensino superior. Perguntado pela disciplina sobre “educação moral e cívica”, que considera necessária no ensino básico, Vélez explicou: - “Hoje, adolescente viaja. É necessário lembrar que existem contextos sociais diferentes e que as leis dos outros devem ser respeitadas. O brasileiro viajando é um canibal. Rouba coisas dos hotéis, rouba o assento salva-vidas do avião; ele acha que sai de casa e pode carregar tudo. Esse é o tipo de coisa que tem de ser revertido na escola”. A generalização claramente preconceituosa/racista de uma suposta conduta para todo um coletivo nacional resulta especialmente chocante na palavra de alguém que não apenas tem a função de educador, mas que erroneamente, está dando uma entrevista na qualidade de principal responsável pela gestão educativa do país. Não é casual, então, que sua fala conflua com as de brasileiros que almejam civilizar “de cima pra baixo” esse canibal que ainda não sabe se comportar em hotéis e em aviões, sem dúvida um problema prioritário para nossa educação básica pública. É que algum pudor nos impede enunciar a partir do Brasil que olha “de cima para baixo”, apesar de que, talvez, a reprovação pública não fosse tão estendida. 
Bibliografia geral consultada.
URICOECHEA, Fernando, O Minotauro Imperial. São Paulo: Difusão Europeia doLivro, 1978; MEDEIROS, Jarbas, Ideologia Autoritária no Brasil, 1930-1945. Prefácio de Raymundo Faoro. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1978; SODRÉ, Nelson Werneck, A Verdade Sobre o ISEB. Rio de Janeiro: Editor Avenir, 1978; FAUSTO, Ruy, “Dialectique Marxiste, Humanisme, Anti-humanisme”. In: L’homme et la societe. Paris, 1985; pp. 133-147; LÖWY, Michael, Paysages de la Vérité: Introduction à une Sociologie Critique de la Connaissance. Paris: Éditions Anthropos, 1985; ARANTES, Paulo Eduardo, Extinção. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004; RODRÍGUEZ, Ricardo Vélez, “O Marxismo Gramsciano, Pano de Fundo Ideológico da Reforma Educacional”. In: Ibérica. Juiz de Fora, 2006; pp. 50-64; LEÃO, Vicente de Paula, A Influência das Diretrizes Curriculares Nacionais do Ministério da Educação e Cultura para a Formação de Professores de Geografia para a Educação Básica em Nível Superior. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Geografia. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2008; BUÑEL, Luís, Mi Último Suspiro. Barcelona: Edicíon Debolsillo, 2012; HIDALGO, Yaremis Da Trinidade; CRUZ, Yenisey López, “La Hermenéutica en el Pensamiento de Wilhelm Dilthey”. In: Griot - Revista de Filosofia. Santiago de Cuba,  vol.11, n°1, junho/2015; MIGUEL, Luiz Felipe, Da ‘doutrinação marxista’ à ‘ideologia de gênero’ – Escola sem Partido e as leis da mordaça no parlamento brasileiro. In: Direito e Práxis. Rio de Janeiro, volume 7, n° 15, pp. 590-621, 2016; BELLI, Rodrigo Bischoff, O Irracionalismo como Ideologia do Capital: Análise de suas Expressões Ideológicas Fascistas e Pós-modernista. Tese de Doutorado em Ciências Sociais. Marília: Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais. Universidade Estadual Paulista, 2017; SCHWARCZ, Lilia Moritz, Sobre o Autoritarismo Brasileiro. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2019; entre outros.  

domingo, 3 de fevereiro de 2019

Stefan Zweig - História, Política & Invenção do País do Futuro.


                                                                                                  Ubiracy de Souza Braga

                               Os livros são pequenos pedaços do incomensurável”. Stefan Zweig

            

       Stefan Zweig era o segundo filho do industrial Moritz Zweig (1845-1926), originário da Boêmia, e de Ida Brettauer (1854-1938), oriunda de uma família de banqueiros. Seu avô materno, Joseph Brettauer viveu em Ancona, Itália, onde sua segunda filha Ida nasceu e cresceu. Seu irmão mais velho, Alfred, foi educado para ser o sucessor do pai em seus negócios, e ambos tiveram uma infância e educação privilegiadas, graças à boa situação financeira de seus familiares. Stefan Zweig estudou Filosofia na Universidade de Viena, e em 1904 obteve seu doutorado com a tese intitulada: “A Filosofia de Hippolyte Taine”. A religião jamais desempenhou papel central na sua formação: - “Minha mãe e meu pai eram judeus apenas por acidente de nascimento”, declarou Zweig em uma entrevista. No entanto, sem renegar a origem escreveu várias vezes sobre temas e personalidades judaicos, como em “Buchmendel”. Sua primeira coletânea de poemas, “Silberne Saiten” (“Cordas de Prata”), foi publicada em 1902. Apaixonado pelas literaturas inglesa e francesa traduziu para o idioma alemão obras de John Keats, William Morris, William Butler Yeats, Paul Verlaine e Charles Baudelaire. Seu círculo incluía Arthur Rimbaud, Romain Rolland, Rainer Maria Rilke, Thomas Mann e Sigmund Freud, com o qual se correspondeu entre 1908 e 1939.
           Filho de Moritz Zweig e Ida Brettauer Zweig, Stefan e o irmão Alfred – dois anos mais velho – eram descendentes de duas abastadas famílias judaicas vienenses que, durante séculos, desbravaram o estreito caminho deixado aos judeus na Europa, superando obstáculos e tirando o melhor proveito das raras aberturas que surgiam. As histórias deles traduzem o processo de emancipação dos judeus no continente e da integração à sociedade moderna até a proliferação da ideologia política do nazismo ao poder. O sobrenome Zweig, na linhagem do escritor, começou oficialmente na Morávia, em 1787, com Moses Josef Petrowitz (1750-1840) que, obrigado a atender a um Decreto imperial que ordenava que os judeus adotassem sobrenomes alemães, passou a chamar-se Moses Zweig. Estabelecendo-se como mascate, embora não tenha feito fortuna, conseguiu dar uma vida adequada à esposa e aos 12 filhos. Entretanto, os Brettauer – a família de Stefan Zweig pelo lado materno – habitavam a região de Voralsberg, localizada, de acordo com os limites geográficos presente, a Oeste da Áustria, próxima à fronteira entre a Alemanha, Liechtenstein e a Suíça. Também dedicados ao comércio – embora não fossem mascates –, os Brettauer eram, no entanto, comparativamente, mais prósperos que os Zweig.

O processo social de integração dos judeus, contudo, dependia constantemente da “boa vontade” dos governantes de plantão cuja disposição para emitir cartas de proteção ou decretos permitindo o desenvolvimento de atividades comerciais e outras determinações era oscilante, fator ao qual, assim como fizeram muitas outras famílias, tanto os Zweig quanto os Brettauer souberam adaptar-se. Nas duas últimas décadas do século XVIII, a promulgação do Édito de Tolerância pelo imperador Joseph II contribuiu para a expansão das atividades econômicas e comerciais em geral, nas quais muitas famílias judaicas como os Zweig e os Brettauer atuavam. A Com a nova situação, puderam expandir seus ramos de atividade, inclusive para outras regiões geográficas. Além do comércio e da manufatura, as novas gerações dos Zweig e Brettauer engajaram-se plenamente na indústria, nas profissões liberais e nas atividades financeira e bancária, ampliando os respectivos patrimônios herdados. Segundo a Jewish Virtual Library, a emancipação completa dos judeus do Império Austro-Húngaro somente se daria com a promulgação, em 21 de dezembro de 1867, de uma nova lei cujo Artigo 14 garantia, entre outras disposições, “liberdade de religião e consciência para todos” e que “os benefícios derivados dos direitos civis e políticos não dependiam de fé e religião”. A liberdade de ocupação e a possibilidade de instalar-se em qualquer cidade do império atraíram judeus para Viena, que, em apenas 20 anos, quintuplicou a população judaica, passando de 6 mil em 1860 para 72.600 em 1880.

                                

A singularidade da tese “Brasil, País do Futuro”, é o título em português da obra de Stefan Zweig, “Brasilien: Ein Land der Zukunft” que no final da metade do século XX radicou-se na cidade serrana fluminense de Petrópolis (RJ), fugindo do nazismo. Segundo seu principal biógrafo, o jornalista Alberto Dines (2013), a obra constitui-se “caso único de livro convertido em epíteto nacional”. Foi recebida no exterior como uma revelação, mas também com perturbadora incompreensão. Dines publicou um histórico do próprio livro, intitulado: “Stefan Zweig no País do Futuro - A Biografia de um Livro”. O letrado austríaco fugira para o Brasil em junho de 1940, evitando avanço do exército nazista sobre a capital da França. Estivera no país, entretanto, em 1936, quando teria declarado que seria “o camelot do Brasil na Europa”, após ter passado 12 dias na região sudeste, particularmente nas cidades do Rio de Janeiro, Santos e São Paulo. Zweig esteve no Brasil pela primeira vez em agosto de 1936, a caminho do congresso do PEN Club em Buenos Aires. Foram apenas dez dias – o suficiente, no entanto, para se apaixonar irremediavelmente pelo país. O escritor, então no ápice de seu sucesso literário, foi tratado com honras de chefe de Estado. Recebido pelo próprio presidente Getúlio Vargas e pelo chanceler Macedo Soares, foi aplaudido de pé em palestra na Escola Nacional de Música, assediado por jornalistas e admiradores, festejado e badalado. Além do Rio de Janeiro, conheceu ainda São Paulo e a cidade de Campinas.

Numa carta (cfDines, 2013; Mello Junior, 2016), comparativamente, demonstrando sua sensibilidade, confessou que se sentia “como um Charlie Chaplin”. Em uma entrevista, prometeu ser o “camelot” do Brasil na Europa. De fato, depois de sua volta, divulgou sua opinião positiva sobre o país em artigos de jornal. Nunca deixou de ter contato com seus anfitriões e cicerones da primeira viagem. Com a anexação da Áustria pela Alemanha, em março de 1938, Zweig ficou sem pátria. O seu primeiro impulso foi tentar se naturalizar brasileiro. Foi bem recebido pelo governo brasileiro, mas, no final, preferiu o passaporte britânico, já  que vivia legalmente em Londres desde 1934. Em maio de 1940, a “blitzkrieg” de Hitler tornou inevitável a queda da França. Apavorado com a possibilidade de uma invasão nazista da Inglaterra, Zweig conseguiu vistos de turista para o Brasil para si e sua segunda mulher, Lotte Altmann, e passagens para Nova York. De lá, mandou um telegrama para seu editor brasileiro, Abrahão Koogan, anunciando sua chegada ao Brasil para passar algumas semanas e completar o que chamou de “the Brazilian book”. Embora a violência da 2ª guerra mundial decorresse em 1941, conseguiu realizar a proeza do lançamento simultâneo da obra em alemão, sueco, inglês, francês e duas edições em português - no Brasil e em Portugal; a edição espanhola saiu posteriormente.
Com os seus 65 anos recém-completados, transformou-se em epítome do olhar estrangeiro. Além disso, segundo Alberto Dines, tornou-se a crônica mais conhecida e a menos discutida, a mais celebrada e mais negligenciada. Certamente, também a mais dramática, se levarmos em conta o suicídio do autor, oito meses depois da sua publicação. Um ano antes, no Rio de Janeiro, em meio às pesquisas, Stefan Zweig já imaginava um lançamento internacional. Para ultrapassar o embargo das editoras alemãs e francesas submetidas à censura nazista, imaginou imprimir no Brasil as respectivas traduções. Desistiu, mas percebeu que em Nova York, àquela altura no início da sua trajetória como “capital cultural do mundo”, poderia fazê-lo mais facilmente. Assim, em poucos dias armou oito edições: duas em português (Brasil e Portugal), duas em inglês (Estados Unidos e Canadá), francês (para os países francófonos, exceto a França ocupada), espanhol (para a Argentina), em alemão e sueco (impressas em Estocolmo). Em janeiro de 1942, realizava-se em Petrópolis um grande evento interamericano destinado a imunizar a Iberoamérica contra a penetração nazifascista. Em fevereiro, desembarcava no Rio o cineasta norte-americano Orson Welles com o objetivo de descobrir o Brasil para seu público e, em agosto, o país entrava na guerra ao lado dos Aliados. “Brasil, um país do futuro” tem papel ideológico importante neste evento.
Stefan Zweig desembarcou no Rio de Janeiro duas semanas depois de o livro ser anunciado nos jornais e resenhado pelos principais articulistas. Era a sua terceira viagem ao país, pretendia demorar-se, esperar o fim da guerra, por isso alugou um bangalô em Petrópolis. Tinha muitos planos e projetos. Não há registro etnográfico de suas expectativas com relação à edição brasileira, mas elas podem ser calculadas a partir das decepções, estas sim, bem documentadas. O livro é, na realidade, fruto das duas viagens anteriores. A primeira, em agosto de 1936, durou apenas dez dias, mas foi uma sucessão de triunfos. Recebido por Getúlio Vargas, acompanhado pelo seu anfitrião, o chanceler Macedo Soares, ovacionado de pé numa conferência na Escola Nacional de Música, fotografado, entrevistado, assediado por autógrafos confessou em carta que se sentia como um Charlie Chaplin. Em uma das entrevistas, tomado pela euforia, foi peremptório: - “Serei o Camelot do Brasil na Europa”. Começou a cumprir a promessa logo depois do regresso com uma série de artigos publicados na imprensa europeia e norte-americana. Nos anos seguintes, Zweig manteve intenso contato com atores sociais no Brasil, sobretudo com a elite de diplomatas, seus cicerones e anfitriões na primeira viagem. Evidentemente também com o seu famoso editor, Abrahão Koogan, da Editora Guanabara que artesanalmente editou suas obras completas, em edição encadernada, vendida no então revolucionário sistema de vendas a domicílio.
O Brasil irrompe em sua vida em maio de 1940 quando a “blitzkrieg” de Hitler tornou inevitável a queda da França. Casara-se oito meses antes com a sua ex-secretária, comprara uma linda casa em Bath e, não obstante, tomado pelo pavor de uma iminente invasão nazista registrou nos diários em 26 de outubro de 1940 a necessidade de comprar um frasco de morfina. Quatro dias depois, ainda mais apavorado, registra que não sabe para onde ir: - “Disseram-me que posso ir para o Brasil, via Nova York”. Em 13 de junho, a desesperança alia-se ao medo: - “Para que viver e onde viver?”. Dois dias depois, já está com as passagens compradas para o Brasil, garantido o visto de entrada e assegurada a autorização de trânsito nos EUA. Está armado um binômio que explicará tudo o que vai lhe acontecer nos próximos dois anos: o medo da guerra e a imagem do Brasil como santuário. Brasil, um país do futuro é a peça-chave do binômio “medo-esperança”. Uma das primeiras providências em Nova York foi telegrafar para o editor brasileiro, Abrahão Koogan, e anunciar que regressaria ao Brasil em Agosto para passar algumas semanas e completar o “Brazilian book”. E nas semanas seguintes pede insistentemente a Koogan que mantenha os seus amigos diplomatas informados a respeito do livro que vai escrever. Este é outro dado que não pode ser ignorado.
 Na segunda viagem, com Lotte, passou cinco meses. Percorreu o circuito histórico de Minas, voltou a São Paulo e conversou com muita gente: Roberto Simonsen foi o seu consultor em matéria socioeconômica, Afrânio Peixoto ofereceu-lhe subsídios em matéria de literatura, sobretudo no tocante a Os Sertões, Pedro Calmon ajudou-o em matéria histórica. Esteve com Freyre, mas aparentemente não leu a sua obra, como relata Albert Dines quando o entrevistou em 1980. Mas o livro brasileiro não poderia ser mais freyreano. Antes de ser introduzido ao exotismo do Norte-Nordeste o casal Zweig foi à Argentina a fim de atender a diversos convites para conferências na capital e no interior. Pouco antes de regressar ao Brasil uma formalidade inesperada: vai ao consulado brasileiro em Buenos Aires, onde no seu passaporte e no da sua mulher são carimbados os vistos de residência permanente. Uma preciosidade: ficam dispensados de qualquer documentação. Privilégio concedido a poucos estrangeiros, sobretudo quando se tratava de refugiados do nazismo de origem judaica. No regresso ao Rio de Janeiro, enquanto mergulha em leituras sobre o Brasil, mantém contatos com Lourival Fontes e o fascista Departamento de Imprensa e Propaganda que lhe oferece facilidades institucionais para conhecer a Bahia, Pernambuco e o Pará, inclusive através de um “repórter-cicerone” para contornar as dificuldades com o idioma e, ao mesmo tempo, fazer a cobertura da viagem para o vespertino A Noite e a Agência Nacional, ambos do governo.
Passeio de ônibus, New York, 1941.
 Num Catalina da Panair, visitam cinco capitais em oito dias, sempre recebidos pelos Interventores Federais (ou seus delegados) e festejados pela imprensa local. A Noite e a Agência Nacional abastecem de notícias a imprensa do Rio de Janeiro e São Paulo. De Belém, o Strato-Clipper da Panam leva-os de volta para Nova York, via Trinidad-Tobago e Miami. O “livro brasileiro”, ainda sem título, é concluído na biblioteca da Universidade de Yale (New Haven, Connecticut) entre fevereiro e março de 1941. Os originais escritos em alemão são despachados por via marítima, em duas remessas para o editor Koogan. A tradução será feita por Odilon Galloti, um dos primeiros psiquiatras do Brasil. Na troca de cartas a tout court, Stefan Zweig insiste na rigorosa revisão de fatos, datas, nomes, ortografia e exige que a lista das correções lhe seja comunicada de modo a alterar as demais traduções iniciadas simultaneamente.  
 O título da obra só aparecerá, coincidentemente, em 22 de Abril quando em carta ao editor Koogan, Stefan Zweig informa em francês: - “escolhemos [note-se o plural] Brésil, Pays du Futur”. O título foi alterado dias depois para: “Le Brésil, Terre d’Avenir”, literariamente mais esmerado. No contrato para a edição alemã, assinado em 25 de Abril, ainda consta o título provisório “Ein Blick Auf Brasilien”. Mas a edição alemã, ao contrário das edições em língua portuguesa, espanhola e inglesa acabou por apresentar no título um detalhe significativo, certamente imposto por Zweig, sempre rigoroso em matéria de estilo: “Brasilien, ein land der Zukunft” (“Brasil, um País do Futuro”). A reedição do livro com nova tradução de Kristina Michahelles (LP&M, 2006) obedece fielmente à escolha do autor e contraria o título original em português. Na edição sueca, impressa em Estocolmo, consta outro título original: “Brasilien, das Land der Zukunft”, mais afirmativo e mais próximo do espírito do nome inglês, “Brazil, land of the future”. Em sueco, na capa ficou apenas o nome do país, “Brasilien”, porém mencionado por inteiro na página de rosto: “Brasilien Framtidslandet”.
No tocante ao título, o mais curioso, roçando quase no tragicômico, é que a expressão “país do futuro”, convertida numa espécie de apelido ou sobrenome do Brasil, não foi criação de Zweig, mas sugestão do tradutor do alemão para o inglês. James Stern que nesta obra usou curiosamente o pseudônimo Andrew St. James, Zweig e o editor norte-americano, Ben Hübsch, vice-presidente da Viking Press, chegaram à conclusão que o livro precisaria de um título mais “instigante” do que o pretendido: “Ein Blick auf Brasilien”. Como James Stern estava imerso na tradução do texto para o inglês, encontrou a solução na epígrafe em francês, esta sim sugerida por Zweig: - “Un pays nouveau, un port magnifique, l’éloignement de la mesquine Europe, un nouvel horizon politique, une terre d’avenir e un passé presque inconnu... Une terre d’avenir...”. Excelente título para um livro de viagem, magnífico cognome para um gigante que poucos conheciam. Acontece que esta epígrafe inspiradora encontrada por Zweig e valorizada comercialmente por James Stern foi escrita em meados do século XIX pelo embaixador austríaco junto à corte do Imperador Pedro II, o conde Prokesch Osten, para persuadir um diplomata francês a aceitar a influência do posto no Rio de Janeiro.
Este francês que acabou convertido em embaixador no Brasil chamava-se Gobineau. Na epígrafe e ao longo do texto Zweig o designa apenas pelo sobrenome e omite o título nobiliárquico de Conde, aliás falso. Embora o conteste em diversas passagens, Zweig não indica que o embaixador era o patriarca do racismo moderno e inspirador da ultradireitista Action Française que naquele exato momento inspirava o governo títere de Vichy. Novelista, historiador e ensaísta, Joseph Arthur de Gobineau, embora nascido no seio de uma família modesta, inventou um passado aristocrático e o título de conde. Seu libelo “Essai sur l’Inegalité des Races Humaines”, bíblia do racismo e do reacionarismo político, exerceu grande influência sobre as idéias sociais e políticas do compositor Richard Wagner. Foi secretário de Alexis de Tocqueville e detestou o Brasil, embora tenha se correspondido com o imperador D. Pedro II até a morte.

A Casa Stefan Zweig é um edifício em Petrópolis (RJ), última moradia de Stefan Zweig. É pequeno o espaço da casa em si, mas o ambiente é bem aproveitado. As paredes contêm pôsteres e elementos audiovisuais interativos. Há um espaço cercado por vidro com objetos que pertenceram a Zweig, como um tabuleiro de xadrez, livros e um cachimbo. No quarto onde o casal se suicidou, é possível ver a máscara mortuária que o autor utilizou para cometer o suicídio e a declaração de despedida traduzida em inglês e português. Na casa há também uma área dedicada a exposições temporárias e outra nomeada de Canto dos Exilados, que serve para exaltar a vida e obra de artistas e intelectuais que se alocaram no Brasil no chamado período entreguerras. Entre os nomes estão Henry Jolles, Frank Arnau, Paulo Rónai, Anatol Rosenfeld e Herbert Caro. Na parte externa e na varanda, é possível observar referências à Novela de Xadrez, com tabuleiros convencionais no terraço e um em tamanho gigante no espaço do jardim.

O período entreguerras durou de 11 de novembro de 1918 a 1º de setembro de 1939 (20 anos, 9 meses e 21 dias), abrange desde o fim da 1ª grande guerra até o início da 2ª guerra mundial. O período entre guerras foi relativamente curto, mas apresentou muitas mudanças sociais, políticas e econômicas significativas em todo o mundo. A produção de energia baseada no petróleo e a mecanização levaram aos Roaring Twenties, uma época de bastante mobilidade social e econômica para a classe média. Automóveis, iluminação elétrica, rádio e muito mais tornaram-se comuns entre as populações do mundo desenvolvido. As indulgências da época foram seguidas pela Grande Depressão, uma crise econômica mundial sem precedentes que prejudicou severamente muitas das maiores economias do mundo. Politicamente, a época coincidiu com a ascensão do comunismo, começando na Rússia com a Revolução de Outubro e a Guerra Civil Russa, no final da guerra mundial com a ascensão do fascismo, apenas na Alemanha e na Itália. A China estava enfrentando meio século de instabilidade e a Guerra Civil Chinesa entre o Kuomintang e o Partido Comunista Chinês.

Os impérios da Grã-Bretanha, França e outros enfrentaram desafios à medida que o imperialismo era cada vez mais visto negativamente na Europa e os movimentos de independência surgiam em muitas colônias; por exemplo, o sul da Irlanda tornou-se independente depois de muita luta. Os impérios otomano, austro-húngaro e alemão foram desmantelados, com os territórios otomanos e as colônias alemãs sendo redistribuídas entre os aliados, principalmente entre a Grã-Bretanha e a França. As partes ocidentais do Império Russo, Estônia, Finlândia, Letônia, Lituânia e Polônia tornaram-se nações independentes por direito próprio, e a Bessarábia, agora Moldávia e partes da Ucrânia optou por se reunificar com a Romênia. Os comunistas russos conseguiram recuperar o controle dos outros estados eslavos orientais, da Ásia Central e do Cáucaso, formando a União Soviética. A Irlanda foi dividida entre o Estado Livre Irlandês independente e a Irlanda do Norte controlada pelos britânicos após a Guerra Civil Irlandesa, na qual o Estado Livre lutou contra os republicanos irlandeses anti-tratado, que se opunham à partição do ponto de vista territorial da nação. No Oriente Médio, tanto o Egito quanto o Iraque conquistaram finalmente a Independência.

Durante a Grande Depressão, os países da América Latina nacionalizaram muitas empresas estrangeiras, a maioria das quais americanas, em uma tentativa de fortalecer suas próprias economias. As ambições territoriais dos soviéticos, japoneses, italianos e alemães levaram à expansão de seus domínios. O período teve fim quando se iniciou a Segunda Guerra Mundial. As consequências do conflito foram sentidas durante anos. Tanto derrotados quanto vitoriosos sofreram enormes perdas. A grande guerra deixou um saldo de milhões de mortos, cidades destruídas, economias falidas e conflitos sociais. A reconstrução da Europa enfrentou dificuldades colossais: recuperação e modernização do parque industrial, carência de matérias-primas básicas e desemprego. A fome ameaçava milhões de cidadãos desempregados, muito embora a pobreza do Império Britânico tenha se reduzido. O sentimento de civismo europeu foi abalado por estas graves consequências.

A epigrafe que produziu um título admirável e reconhecido foi excluída da primeira edição francesa e, por tradição, omitida. Mesmo no Brasil, a epigrafe só consta nas primeiras edições. Nas Obras Completas (e póstumas), a partir de 1953, Gobineau já entrara no rol dos nomes malditos e politicamente incorretos mesmo na condição de inocente destinatário de uma carta. No rol dos atributos dos brasileiros, Zweig jamais incluiria este tipo de preconceito. Na introdução, cita os “endemoniados teóricos das raças”, numa clara alusão a J. A. Gobineau, mas não o identifica. A combinação “Brasil-Futuro” já estava presente na série de crônicas escritas em 1936, quando sentencia: - “Quem conhece o Brasil de hoje, lançou um olhar para o futuro”. No texto do livro de 1941, escrito antes da escolha do título, o porvir aparece como protagonista em diversas passagens. Extraída da ditirâmbica introdução do livro uma frase foi destacada na contracapa da primeira edição (em brochura): “Então lancei um olhar sobre o futuro do mundo”. O futuro aparece entrelaçado à própria gênese do livro: - “Onde quer que as forças éticas estejam trabalhando, é nosso dever fortalecê-las. Ao vislumbrar esperanças de um novo futuro em novas regiões de um mundo transtornado, é nosso dever apontar para este país e para tais possibilidades”. Cena do filme Stefan Zweig: Adeus Europa (Vor de Morgenrote, 2016).


O tema reaparece com grande amplificação na conclusão da primeira parte do livro: - “Onde há espaço, há tempo e há futuro. E quem vive neste país ouve o sussurro forte das asas céleres do futuro”. O livro foi recebido com enorme simpatia pelo público, o nome Zweig era mágico, tornava palpitante qualquer assunto. Implacável foi a reação dos críticos e resenhadores. O lançamento foi inusitado para seu tempo, acompanhado por anúncios e notícias promocionais na imprensa. A badalação provocou um efeito social contrário, sugeria interesses ocultos na promoção da obra. A cobertura da viagem de Zweig pelos veículos jornalísticos ligados ao governo reforçou as intrigas que corriam soltas num regime autoritário fechado pela censura: o livro fora financiado pelo DIP. - “elogiar o país significava elogiar o governo e o governo era uma ditadura que precisava ser condenada”. Zweig louvava um povo e a sua história. E como a imprensa  convivia com a histórica censura, para livrar-se desta culpa desconfortável, preferiu destruir um livro e o seu autor já que não poderia denunciar o ventre que o teria parido.
Como humanista, afirma o biógrafo Alberto Dines, acreditava que uma nação não era uma entidade abstrata, desprovida de humanidade. Adorava aquele povo multicolorido, brando, tocado por uma suave melancolia que antes dele apenas Paulo Prado havia observado. Previa que estas qualidades, devidamente ampliadas através de um sistema educacional competente, em algum momento seriam capazes de produzir a conciliação que a Europa pisoteava, implacável, há dez anos. Em plena era do Übermensch, de Friedrich Nietzsche e Alfred Hitchcock o super-homem nazista, Zweig oferecia como alternativa, não o “Jeca Tatu”, de Monteiro Lobato ou “Macunaíma”, de Mario de Andrade, mas o brasileiro cordato, dócil, inventivo, trabalhador, que diante do processo disciplinar, torna-se cada vez mais incapaz de fascinar-se com as conquistas materiais que empolgavam europeus e norte-americanos. Apostou no futuro de uma sociedade multirracial que rejeitava o racismo e preferia a conciliação maviosa aos confrontos. A Terre de l’Avenir expurgada pelas patrulhas ideológicas passadas era uma promessa da convivência ou a invenção de um projeto futuro de civilização.
Bibliografia Geral Consultada.
ZWEIG, Stepan, Maria Antonieta. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1981; ERBERTZ, Adelaide Maristela, Xeque-Mate no País do Futuro: Stefan Zweig e o Exílio no Brasil. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Letras. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2001; BONA, Dominique, Stefan Zweig: l`ami blessé. Paris: Editeur Grasset, 2010; MOISÉS, Patrícia Cristina Biazão Manzato, Kunst des Briefes - Arte da Carta: Um Estudo sobre Cartas de Stefan Zweig no Exílio. Programa de Pós-Graduação em Letras e Literatura Alemã. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Letras Modernas. Universidade de São Paulo, 2013; DINES, Alberto, Morte no Paraíso. A Tragédia de Stefan Zweig. São Paulo: Editora Rocco, 2013; PROCHNIK, George, The Impossible Exile. Stefan Zweig at the End of the World. New York: Other Press, 2014; MELO JUNIOR, Geovane Souza, Conversações entre Stefan Zweig e Sigmund Freud: Um Olhar sobre suas Correspondências. Programa de Pós-graduação em Estudos Literários. Dissertação de Mestrado em Teoria Literária. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, 2016; FELIPE, Donzília Alagoinha, As Representações da Morte na Prosa de Stefan Zweig e de Manuel Laranjeira. Tese de Doutorado. Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 2017; OLIVEIRA, Isabela Almeida de, Stefan Zweig entre a Literatura e o Cinema: Representações do Exílio. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Estudos Literário. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, 2017; KEHL, Mariana Salles, (As)pirações Femininas: Sobre a Literatura de Stefan Zweig e as Incidências do Gozo no Amor. Dissertação de Mestrado. Departamento de Psicologia. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2018; HOLMS, Mariana Chirico Machado, Um Palestrante Narrando Slides: O Sujeito Autobiográfico Esquivo e Die Welton von Gestern de Stefan Zweig. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Língua e Literatura Alemã. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamernto de Letras Modernas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2019; entre outros.