domingo, 3 de fevereiro de 2019

Stefan Zweig - História, Política & Invenção do País do Futuro.


                                                                                                  Ubiracy de Souza Braga

                               Os livros são pequenos pedaços do incomensurável”. Stefan Zweig

            

       Stefan Zweig era o segundo filho do industrial Moritz Zweig (1845-1926), originário da Boêmia, e de Ida Brettauer (1854-1938), oriunda de uma família de banqueiros. Seu avô materno, Joseph Brettauer viveu em Ancona, Itália, onde sua segunda filha Ida nasceu e cresceu. Seu irmão mais velho, Alfred, foi educado para ser o sucessor do pai em seus negócios, e ambos tiveram uma infância e educação privilegiadas, graças à boa situação financeira de seus familiares. Stefan Zweig estudou Filosofia na Universidade de Viena, e em 1904 obteve seu doutorado com a tese intitulada: “A Filosofia de Hippolyte Taine”. A religião jamais desempenhou papel central na sua formação: - “Minha mãe e meu pai eram judeus apenas por acidente de nascimento”, declarou Zweig em uma entrevista. No entanto, sem renegar a origem escreveu várias vezes sobre temas e personalidades judaicos, como em “Buchmendel”. Sua primeira coletânea de poemas, “Silberne Saiten” (“Cordas de Prata”), foi publicada em 1902. Apaixonado pelas literaturas inglesa e francesa traduziu para o idioma alemão obras de John Keats, William Morris, William Butler Yeats, Paul Verlaine e Charles Baudelaire. Seu círculo incluía Arthur Rimbaud, Romain Rolland, Rainer Maria Rilke, Thomas Mann e Sigmund Freud, com o qual se correspondeu entre 1908 e 1939.
           Filho de Moritz Zweig e Ida Brettauer Zweig, Stefan e o irmão Alfred – dois anos mais velho – eram descendentes de duas abastadas famílias judaicas vienenses que, durante séculos, desbravaram o estreito caminho deixado aos judeus na Europa, superando obstáculos e tirando o melhor proveito das raras aberturas que surgiam. As histórias deles traduzem o processo de emancipação dos judeus no continente e da integração à sociedade moderna até a proliferação da ideologia política do nazismo ao poder. O sobrenome Zweig, na linhagem do escritor, começou oficialmente na Morávia, em 1787, com Moses Josef Petrowitz (1750-1840) que, obrigado a atender a um Decreto imperial que ordenava que os judeus adotassem sobrenomes alemães, passou a chamar-se Moses Zweig. Estabelecendo-se como mascate, embora não tenha feito fortuna, conseguiu dar uma vida adequada à esposa e aos 12 filhos. Entretanto, os Brettauer – a família de Stefan Zweig pelo lado materno – habitavam a região de Voralsberg, localizada, de acordo com os limites geográficos presente, a Oeste da Áustria, próxima à fronteira entre a Alemanha, Liechtenstein e a Suíça. Também dedicados ao comércio – embora não fossem mascates –, os Brettauer eram, no entanto, comparativamente, mais prósperos que os Zweig.

O processo social de integração dos judeus, contudo, dependia constantemente da “boa vontade” dos governantes de plantão cuja disposição para emitir cartas de proteção ou decretos permitindo o desenvolvimento de atividades comerciais e outras determinações era oscilante, fator ao qual, assim como fizeram muitas outras famílias, tanto os Zweig quanto os Brettauer souberam adaptar-se. Nas duas últimas décadas do século XVIII, a promulgação do Édito de Tolerância pelo imperador Joseph II contribuiu para a expansão das atividades econômicas e comerciais em geral, nas quais muitas famílias judaicas como os Zweig e os Brettauer atuavam. A Com a nova situação, puderam expandir seus ramos de atividade, inclusive para outras regiões geográficas. Além do comércio e da manufatura, as novas gerações dos Zweig e Brettauer engajaram-se plenamente na indústria, nas profissões liberais e nas atividades financeira e bancária, ampliando os respectivos patrimônios herdados. Segundo a Jewish Virtual Library, a emancipação completa dos judeus do Império Austro-Húngaro somente se daria com a promulgação, em 21 de dezembro de 1867, de uma nova lei cujo Artigo 14 garantia, entre outras disposições, “liberdade de religião e consciência para todos” e que “os benefícios derivados dos direitos civis e políticos não dependiam de fé e religião”. A liberdade de ocupação e a possibilidade de instalar-se em qualquer cidade do império atraíram judeus para Viena, que, em apenas 20 anos, quintuplicou a população judaica, passando de 6 mil em 1860 para 72.600 em 1880.

                                

A singularidade da tese “Brasil, País do Futuro”, é o título em português da obra de Stefan Zweig, “Brasilien: Ein Land der Zukunft” que no final da metade do século XX radicou-se na cidade serrana fluminense de Petrópolis (RJ), fugindo do nazismo. Segundo seu principal biógrafo, o jornalista Alberto Dines (2013), a obra constitui-se “caso único de livro convertido em epíteto nacional”. Foi recebida no exterior como uma revelação, mas também com perturbadora incompreensão. Dines publicou um histórico do próprio livro, intitulado: “Stefan Zweig no País do Futuro - A Biografia de um Livro”. O letrado austríaco fugira para o Brasil em junho de 1940, evitando avanço do exército nazista sobre a capital da França. Estivera no país, entretanto, em 1936, quando teria declarado que seria “o camelot do Brasil na Europa”, após ter passado 12 dias na região sudeste, particularmente nas cidades do Rio de Janeiro, Santos e São Paulo. Zweig esteve no Brasil pela primeira vez em agosto de 1936, a caminho do congresso do PEN Club em Buenos Aires. Foram apenas dez dias – o suficiente, no entanto, para se apaixonar irremediavelmente pelo país. O escritor, então no ápice de seu sucesso literário, foi tratado com honras de chefe de Estado. Recebido pelo próprio presidente Getúlio Vargas e pelo chanceler Macedo Soares, foi aplaudido de pé em palestra na Escola Nacional de Música, assediado por jornalistas e admiradores, festejado e badalado. Além do Rio de Janeiro, conheceu ainda São Paulo e a cidade de Campinas.

Numa carta (cfDines, 2013; Mello Junior, 2016), comparativamente, demonstrando sua sensibilidade, confessou que se sentia “como um Charlie Chaplin”. Em uma entrevista, prometeu ser o “camelot” do Brasil na Europa. De fato, depois de sua volta, divulgou sua opinião positiva sobre o país em artigos de jornal. Nunca deixou de ter contato com seus anfitriões e cicerones da primeira viagem. Com a anexação da Áustria pela Alemanha, em março de 1938, Zweig ficou sem pátria. O seu primeiro impulso foi tentar se naturalizar brasileiro. Foi bem recebido pelo governo brasileiro, mas, no final, preferiu o passaporte britânico, já  que vivia legalmente em Londres desde 1934. Em maio de 1940, a “blitzkrieg” de Hitler tornou inevitável a queda da França. Apavorado com a possibilidade de uma invasão nazista da Inglaterra, Zweig conseguiu vistos de turista para o Brasil para si e sua segunda mulher, Lotte Altmann, e passagens para Nova York. De lá, mandou um telegrama para seu editor brasileiro, Abrahão Koogan, anunciando sua chegada ao Brasil para passar algumas semanas e completar o que chamou de “the Brazilian book”. Embora a violência da 2ª guerra mundial decorresse em 1941, conseguiu realizar a proeza do lançamento simultâneo da obra em alemão, sueco, inglês, francês e duas edições em português - no Brasil e em Portugal; a edição espanhola saiu posteriormente.
Com os seus 65 anos recém-completados, transformou-se em epítome do olhar estrangeiro. Além disso, segundo Alberto Dines, tornou-se a crônica mais conhecida e a menos discutida, a mais celebrada e mais negligenciada. Certamente, também a mais dramática, se levarmos em conta o suicídio do autor, oito meses depois da sua publicação. Um ano antes, no Rio de Janeiro, em meio às pesquisas, Stefan Zweig já imaginava um lançamento internacional. Para ultrapassar o embargo das editoras alemãs e francesas submetidas à censura nazista, imaginou imprimir no Brasil as respectivas traduções. Desistiu, mas percebeu que em Nova York, àquela altura no início da sua trajetória como “capital cultural do mundo”, poderia fazê-lo mais facilmente. Assim, em poucos dias armou oito edições: duas em português (Brasil e Portugal), duas em inglês (Estados Unidos e Canadá), francês (para os países francófonos, exceto a França ocupada), espanhol (para a Argentina), em alemão e sueco (impressas em Estocolmo). Em janeiro de 1942, realizava-se em Petrópolis um grande evento interamericano destinado a imunizar a Iberoamérica contra a penetração nazifascista. Em fevereiro, desembarcava no Rio o cineasta norte-americano Orson Welles com o objetivo de descobrir o Brasil para seu público e, em agosto, o país entrava na guerra ao lado dos Aliados. “Brasil, um país do futuro” tem papel ideológico importante neste evento.
Stefan Zweig desembarcou no Rio de Janeiro duas semanas depois de o livro ser anunciado nos jornais e resenhado pelos principais articulistas. Era a sua terceira viagem ao país, pretendia demorar-se, esperar o fim da guerra, por isso alugou um bangalô em Petrópolis. Tinha muitos planos e projetos. Não há registro etnográfico de suas expectativas com relação à edição brasileira, mas elas podem ser calculadas a partir das decepções, estas sim, bem documentadas. O livro é, na realidade, fruto das duas viagens anteriores. A primeira, em agosto de 1936, durou apenas dez dias, mas foi uma sucessão de triunfos. Recebido por Getúlio Vargas, acompanhado pelo seu anfitrião, o chanceler Macedo Soares, ovacionado de pé numa conferência na Escola Nacional de Música, fotografado, entrevistado, assediado por autógrafos confessou em carta que se sentia como um Charlie Chaplin. Em uma das entrevistas, tomado pela euforia, foi peremptório: - “Serei o Camelot do Brasil na Europa”. Começou a cumprir a promessa logo depois do regresso com uma série de artigos publicados na imprensa europeia e norte-americana. Nos anos seguintes, Zweig manteve intenso contato com atores sociais no Brasil, sobretudo com a elite de diplomatas, seus cicerones e anfitriões na primeira viagem. Evidentemente também com o seu famoso editor, Abrahão Koogan, da Editora Guanabara que artesanalmente editou suas obras completas, em edição encadernada, vendida no então revolucionário sistema de vendas a domicílio.
O Brasil irrompe em sua vida em maio de 1940 quando a “blitzkrieg” de Hitler tornou inevitável a queda da França. Casara-se oito meses antes com a sua ex-secretária, comprara uma linda casa em Bath e, não obstante, tomado pelo pavor de uma iminente invasão nazista registrou nos diários em 26 de outubro de 1940 a necessidade de comprar um frasco de morfina. Quatro dias depois, ainda mais apavorado, registra que não sabe para onde ir: - “Disseram-me que posso ir para o Brasil, via Nova York”. Em 13 de junho, a desesperança alia-se ao medo: - “Para que viver e onde viver?”. Dois dias depois, já está com as passagens compradas para o Brasil, garantido o visto de entrada e assegurada a autorização de trânsito nos EUA. Está armado um binômio que explicará tudo o que vai lhe acontecer nos próximos dois anos: o medo da guerra e a imagem do Brasil como santuário. Brasil, um país do futuro é a peça-chave do binômio “medo-esperança”. Uma das primeiras providências em Nova York foi telegrafar para o editor brasileiro, Abrahão Koogan, e anunciar que regressaria ao Brasil em Agosto para passar algumas semanas e completar o “Brazilian book”. E nas semanas seguintes pede insistentemente a Koogan que mantenha os seus amigos diplomatas informados a respeito do livro que vai escrever. Este é outro dado que não pode ser ignorado.
 Na segunda viagem, com Lotte, passou cinco meses. Percorreu o circuito histórico de Minas, voltou a São Paulo e conversou com muita gente: Roberto Simonsen foi o seu consultor em matéria socioeconômica, Afrânio Peixoto ofereceu-lhe subsídios em matéria de literatura, sobretudo no tocante a Os Sertões, Pedro Calmon ajudou-o em matéria histórica. Esteve com Freyre, mas aparentemente não leu a sua obra, como relata Albert Dines quando o entrevistou em 1980. Mas o livro brasileiro não poderia ser mais freyreano. Antes de ser introduzido ao exotismo do Norte-Nordeste o casal Zweig foi à Argentina a fim de atender a diversos convites para conferências na capital e no interior. Pouco antes de regressar ao Brasil uma formalidade inesperada: vai ao consulado brasileiro em Buenos Aires, onde no seu passaporte e no da sua mulher são carimbados os vistos de residência permanente. Uma preciosidade: ficam dispensados de qualquer documentação. Privilégio concedido a poucos estrangeiros, sobretudo quando se tratava de refugiados do nazismo de origem judaica. No regresso ao Rio de Janeiro, enquanto mergulha em leituras sobre o Brasil, mantém contatos com Lourival Fontes e o fascista Departamento de Imprensa e Propaganda que lhe oferece facilidades institucionais para conhecer a Bahia, Pernambuco e o Pará, inclusive através de um “repórter-cicerone” para contornar as dificuldades com o idioma e, ao mesmo tempo, fazer a cobertura da viagem para o vespertino A Noite e a Agência Nacional, ambos do governo.
Passeio de ônibus, New York, 1941.
 Num Catalina da Panair, visitam cinco capitais em oito dias, sempre recebidos pelos Interventores Federais (ou seus delegados) e festejados pela imprensa local. A Noite e a Agência Nacional abastecem de notícias a imprensa do Rio de Janeiro e São Paulo. De Belém, o Strato-Clipper da Panam leva-os de volta para Nova York, via Trinidad-Tobago e Miami. O “livro brasileiro”, ainda sem título, é concluído na biblioteca da Universidade de Yale (New Haven, Connecticut) entre fevereiro e março de 1941. Os originais escritos em alemão são despachados por via marítima, em duas remessas para o editor Koogan. A tradução será feita por Odilon Galloti, um dos primeiros psiquiatras do Brasil. Na troca de cartas a tout court, Stefan Zweig insiste na rigorosa revisão de fatos, datas, nomes, ortografia e exige que a lista das correções lhe seja comunicada de modo a alterar as demais traduções iniciadas simultaneamente.  
 O título da obra só aparecerá, coincidentemente, em 22 de Abril quando em carta ao editor Koogan, Stefan Zweig informa em francês: - “escolhemos [note-se o plural] Brésil, Pays du Futur”. O título foi alterado dias depois para: “Le Brésil, Terre d’Avenir”, literariamente mais esmerado. No contrato para a edição alemã, assinado em 25 de Abril, ainda consta o título provisório “Ein Blick Auf Brasilien”. Mas a edição alemã, ao contrário das edições em língua portuguesa, espanhola e inglesa acabou por apresentar no título um detalhe significativo, certamente imposto por Zweig, sempre rigoroso em matéria de estilo: “Brasilien, ein land der Zukunft” (“Brasil, um País do Futuro”). A reedição do livro com nova tradução de Kristina Michahelles (LP&M, 2006) obedece fielmente à escolha do autor e contraria o título original em português. Na edição sueca, impressa em Estocolmo, consta outro título original: “Brasilien, das Land der Zukunft”, mais afirmativo e mais próximo do espírito do nome inglês, “Brazil, land of the future”. Em sueco, na capa ficou apenas o nome do país, “Brasilien”, porém mencionado por inteiro na página de rosto: “Brasilien Framtidslandet”.
No tocante ao título, o mais curioso, roçando quase no tragicômico, é que a expressão “país do futuro”, convertida numa espécie de apelido ou sobrenome do Brasil, não foi criação de Zweig, mas sugestão do tradutor do alemão para o inglês. James Stern que nesta obra usou curiosamente o pseudônimo Andrew St. James, Zweig e o editor norte-americano, Ben Hübsch, vice-presidente da Viking Press, chegaram à conclusão que o livro precisaria de um título mais “instigante” do que o pretendido: “Ein Blick auf Brasilien”. Como James Stern estava imerso na tradução do texto para o inglês, encontrou a solução na epígrafe em francês, esta sim sugerida por Zweig: - “Un pays nouveau, un port magnifique, l’éloignement de la mesquine Europe, un nouvel horizon politique, une terre d’avenir e un passé presque inconnu... Une terre d’avenir...”. Excelente título para um livro de viagem, magnífico cognome para um gigante que poucos conheciam. Acontece que esta epígrafe inspiradora encontrada por Zweig e valorizada comercialmente por James Stern foi escrita em meados do século XIX pelo embaixador austríaco junto à corte do Imperador Pedro II, o conde Prokesch Osten, para persuadir um diplomata francês a aceitar a influência do posto no Rio de Janeiro.
Este francês que acabou convertido em embaixador no Brasil chamava-se Gobineau. Na epígrafe e ao longo do texto Zweig o designa apenas pelo sobrenome e omite o título nobiliárquico de Conde, aliás falso. Embora o conteste em diversas passagens, Zweig não indica que o embaixador era o patriarca do racismo moderno e inspirador da ultradireitista Action Française que naquele exato momento inspirava o governo títere de Vichy. Novelista, historiador e ensaísta, Joseph Arthur de Gobineau, embora nascido no seio de uma família modesta, inventou um passado aristocrático e o título de conde. Seu libelo “Essai sur l’Inegalité des Races Humaines”, bíblia do racismo e do reacionarismo político, exerceu grande influência sobre as idéias sociais e políticas do compositor Richard Wagner. Foi secretário de Alexis de Tocqueville e detestou o Brasil, embora tenha se correspondido com o imperador D. Pedro II até a morte.

A Casa Stefan Zweig é um edifício em Petrópolis (RJ), última moradia de Stefan Zweig. É pequeno o espaço da casa em si, mas o ambiente é bem aproveitado. As paredes contêm pôsteres e elementos audiovisuais interativos. Há um espaço cercado por vidro com objetos que pertenceram a Zweig, como um tabuleiro de xadrez, livros e um cachimbo. No quarto onde o casal se suicidou, é possível ver a máscara mortuária que o autor utilizou para cometer o suicídio e a declaração de despedida traduzida em inglês e português. Na casa há também uma área dedicada a exposições temporárias e outra nomeada de Canto dos Exilados, que serve para exaltar a vida e obra de artistas e intelectuais que se alocaram no Brasil no chamado período entreguerras. Entre os nomes estão Henry Jolles, Frank Arnau, Paulo Rónai, Anatol Rosenfeld e Herbert Caro. Na parte externa e na varanda, é possível observar referências à Novela de Xadrez, com tabuleiros convencionais no terraço e um em tamanho gigante no espaço do jardim.

O período entreguerras durou de 11 de novembro de 1918 a 1º de setembro de 1939 (20 anos, 9 meses e 21 dias), abrange desde o fim da 1ª grande guerra até o início da 2ª guerra mundial. O período entre guerras foi relativamente curto, mas apresentou muitas mudanças sociais, políticas e econômicas significativas em todo o mundo. A produção de energia baseada no petróleo e a mecanização levaram aos Roaring Twenties, uma época de bastante mobilidade social e econômica para a classe média. Automóveis, iluminação elétrica, rádio e muito mais tornaram-se comuns entre as populações do mundo desenvolvido. As indulgências da época foram seguidas pela Grande Depressão, uma crise econômica mundial sem precedentes que prejudicou severamente muitas das maiores economias do mundo. Politicamente, a época coincidiu com a ascensão do comunismo, começando na Rússia com a Revolução de Outubro e a Guerra Civil Russa, no final da guerra mundial com a ascensão do fascismo, apenas na Alemanha e na Itália. A China estava enfrentando meio século de instabilidade e a Guerra Civil Chinesa entre o Kuomintang e o Partido Comunista Chinês.

Os impérios da Grã-Bretanha, França e outros enfrentaram desafios à medida que o imperialismo era cada vez mais visto negativamente na Europa e os movimentos de independência surgiam em muitas colônias; por exemplo, o sul da Irlanda tornou-se independente depois de muita luta. Os impérios otomano, austro-húngaro e alemão foram desmantelados, com os territórios otomanos e as colônias alemãs sendo redistribuídas entre os aliados, principalmente entre a Grã-Bretanha e a França. As partes ocidentais do Império Russo, Estônia, Finlândia, Letônia, Lituânia e Polônia tornaram-se nações independentes por direito próprio, e a Bessarábia, agora Moldávia e partes da Ucrânia optou por se reunificar com a Romênia. Os comunistas russos conseguiram recuperar o controle dos outros estados eslavos orientais, da Ásia Central e do Cáucaso, formando a União Soviética. A Irlanda foi dividida entre o Estado Livre Irlandês independente e a Irlanda do Norte controlada pelos britânicos após a Guerra Civil Irlandesa, na qual o Estado Livre lutou contra os republicanos irlandeses anti-tratado, que se opunham à partição do ponto de vista territorial da nação. No Oriente Médio, tanto o Egito quanto o Iraque conquistaram finalmente a Independência.

Durante a Grande Depressão, os países da América Latina nacionalizaram muitas empresas estrangeiras, a maioria das quais americanas, em uma tentativa de fortalecer suas próprias economias. As ambições territoriais dos soviéticos, japoneses, italianos e alemães levaram à expansão de seus domínios. O período teve fim quando se iniciou a Segunda Guerra Mundial. As consequências do conflito foram sentidas durante anos. Tanto derrotados quanto vitoriosos sofreram enormes perdas. A grande guerra deixou um saldo de milhões de mortos, cidades destruídas, economias falidas e conflitos sociais. A reconstrução da Europa enfrentou dificuldades colossais: recuperação e modernização do parque industrial, carência de matérias-primas básicas e desemprego. A fome ameaçava milhões de cidadãos desempregados, muito embora a pobreza do Império Britânico tenha se reduzido. O sentimento de civismo europeu foi abalado por estas graves consequências.

A epigrafe que produziu um título admirável e reconhecido foi excluída da primeira edição francesa e, por tradição, omitida. Mesmo no Brasil, a epigrafe só consta nas primeiras edições. Nas Obras Completas (e póstumas), a partir de 1953, Gobineau já entrara no rol dos nomes malditos e politicamente incorretos mesmo na condição de inocente destinatário de uma carta. No rol dos atributos dos brasileiros, Zweig jamais incluiria este tipo de preconceito. Na introdução, cita os “endemoniados teóricos das raças”, numa clara alusão a J. A. Gobineau, mas não o identifica. A combinação “Brasil-Futuro” já estava presente na série de crônicas escritas em 1936, quando sentencia: - “Quem conhece o Brasil de hoje, lançou um olhar para o futuro”. No texto do livro de 1941, escrito antes da escolha do título, o porvir aparece como protagonista em diversas passagens. Extraída da ditirâmbica introdução do livro uma frase foi destacada na contracapa da primeira edição (em brochura): “Então lancei um olhar sobre o futuro do mundo”. O futuro aparece entrelaçado à própria gênese do livro: - “Onde quer que as forças éticas estejam trabalhando, é nosso dever fortalecê-las. Ao vislumbrar esperanças de um novo futuro em novas regiões de um mundo transtornado, é nosso dever apontar para este país e para tais possibilidades”. Cena do filme Stefan Zweig: Adeus Europa (Vor de Morgenrote, 2016).


O tema reaparece com grande amplificação na conclusão da primeira parte do livro: - “Onde há espaço, há tempo e há futuro. E quem vive neste país ouve o sussurro forte das asas céleres do futuro”. O livro foi recebido com enorme simpatia pelo público, o nome Zweig era mágico, tornava palpitante qualquer assunto. Implacável foi a reação dos críticos e resenhadores. O lançamento foi inusitado para seu tempo, acompanhado por anúncios e notícias promocionais na imprensa. A badalação provocou um efeito social contrário, sugeria interesses ocultos na promoção da obra. A cobertura da viagem de Zweig pelos veículos jornalísticos ligados ao governo reforçou as intrigas que corriam soltas num regime autoritário fechado pela censura: o livro fora financiado pelo DIP. - “elogiar o país significava elogiar o governo e o governo era uma ditadura que precisava ser condenada”. Zweig louvava um povo e a sua história. E como a imprensa  convivia com a histórica censura, para livrar-se desta culpa desconfortável, preferiu destruir um livro e o seu autor já que não poderia denunciar o ventre que o teria parido.
Como humanista, afirma o biógrafo Alberto Dines, acreditava que uma nação não era uma entidade abstrata, desprovida de humanidade. Adorava aquele povo multicolorido, brando, tocado por uma suave melancolia que antes dele apenas Paulo Prado havia observado. Previa que estas qualidades, devidamente ampliadas através de um sistema educacional competente, em algum momento seriam capazes de produzir a conciliação que a Europa pisoteava, implacável, há dez anos. Em plena era do Übermensch, de Friedrich Nietzsche e Alfred Hitchcock o super-homem nazista, Zweig oferecia como alternativa, não o “Jeca Tatu”, de Monteiro Lobato ou “Macunaíma”, de Mario de Andrade, mas o brasileiro cordato, dócil, inventivo, trabalhador, que diante do processo disciplinar, torna-se cada vez mais incapaz de fascinar-se com as conquistas materiais que empolgavam europeus e norte-americanos. Apostou no futuro de uma sociedade multirracial que rejeitava o racismo e preferia a conciliação maviosa aos confrontos. A Terre de l’Avenir expurgada pelas patrulhas ideológicas passadas era uma promessa da convivência ou a invenção de um projeto futuro de civilização.
Bibliografia Geral Consultada.
ZWEIG, Stepan, Maria Antonieta. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1981; ERBERTZ, Adelaide Maristela, Xeque-Mate no País do Futuro: Stefan Zweig e o Exílio no Brasil. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Letras. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2001; BONA, Dominique, Stefan Zweig: l`ami blessé. Paris: Editeur Grasset, 2010; MOISÉS, Patrícia Cristina Biazão Manzato, Kunst des Briefes - Arte da Carta: Um Estudo sobre Cartas de Stefan Zweig no Exílio. Programa de Pós-Graduação em Letras e Literatura Alemã. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Letras Modernas. Universidade de São Paulo, 2013; DINES, Alberto, Morte no Paraíso. A Tragédia de Stefan Zweig. São Paulo: Editora Rocco, 2013; PROCHNIK, George, The Impossible Exile. Stefan Zweig at the End of the World. New York: Other Press, 2014; MELO JUNIOR, Geovane Souza, Conversações entre Stefan Zweig e Sigmund Freud: Um Olhar sobre suas Correspondências. Programa de Pós-graduação em Estudos Literários. Dissertação de Mestrado em Teoria Literária. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, 2016; FELIPE, Donzília Alagoinha, As Representações da Morte na Prosa de Stefan Zweig e de Manuel Laranjeira. Tese de Doutorado. Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 2017; OLIVEIRA, Isabela Almeida de, Stefan Zweig entre a Literatura e o Cinema: Representações do Exílio. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Estudos Literário. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, 2017; KEHL, Mariana Salles, (As)pirações Femininas: Sobre a Literatura de Stefan Zweig e as Incidências do Gozo no Amor. Dissertação de Mestrado. Departamento de Psicologia. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2018; HOLMS, Mariana Chirico Machado, Um Palestrante Narrando Slides: O Sujeito Autobiográfico Esquivo e Die Welton von Gestern de Stefan Zweig. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Língua e Literatura Alemã. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamernto de Letras Modernas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2019; entre outros.

Nenhum comentário:

Postar um comentário