sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Ritos de Passagem - Do Líder Operário ao Mito Autoritário no Brasil.

                                                                                                  Ubiracy de Souza Braga

O erro da ditadura foi torturar e não matar”. Jair Messias Bolsonaro. Entrevista à Jovem Pan, 8/07/2016.

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) acompanhado de Marisa Letícia desfila no Rolls-Royce presidencial na cerimônia da posse do primeiro mandato.

            Em todas as sociedades determinados momentos na vida de seus membros são marcados por cerimônias especiais, reconhecidas como ritos de iniciação ou de passagem. Mais do que representarem uma transição particular para o indivíduo, essas cerimônias representava igualmente a sua progressiva aceitação e participação na sociedade na qual estava inserido, tendo, tanto o cunho individual quanto o coletivo. Todas essas cerimônias, no entanto, marcavam pontos de desprendimento. Velhas atitudes eram abandonadas e novas deviam ser aceitas. A convivência com algumas pessoas devia ser deixada para trás e novas pessoas passavam a constituir o grupo de relacionamento direto. Muitas vezes, a cada uma dessas cerimônias, a pessoa trocava de nome, representando que aquela identidade não mais existia - ela era uma nova pessoa. Nas sociedades contemporâneas, muitos desses ritos subsistiram embora muitos deles esvaziados do seu conteúdo simbólico. No entanto, a troca do símbolo representada pura e simplesmente pela ostentação, acaba criando a desestruturação do padrão social.
            Embora alguns presidentes gostem de improvisos, a cerimônia de posse do presidente da República segue obrigatoriamente um roteiro detalhado, estabelecido por decreto em março de 1972. Quem comanda a festança é o chefe do cerimonial da Presidência. Embora a organização de eventos não pareça ser uma função que demande anos dedicados aos livros e às salas de aula, o cerimonial é integrado por diplomatas graduados, que poderiam perfeitamente estar à frente de alguma embaixada do Brasil ao redor do mundo. Mas não pense que os preparativos para a festa da posse são fáceis. Além dos detalhes de cada etapa do evento, o cerimonial precisa entrar em contato com autoridades do mundo inteiro para tentar trazê-las para Brasília. E, desde 1995, quando a posse passou a acontecer em 1º de janeiro, demonstra convencimento aos chefes de Estado passam este dia em Brasília. Essa gratidão foi instituída pela Constituição de 1988, mas Fernando Collor perdeu-a devido ao mandato do vice-presidente José Sarney, que empossado, terminasse em 15 de março de 1990. Comparativamente Fernando Collor teve uma festa mais badalada que a de Fernando Henrique Cardoso (FHC).  



            A cerimônia começa com um evento religioso e termina com uma festa. Mas o sagrado, não é um valor absoluto, mas um valor que indica situações respectivas. A prova de que esta transformação é considerada como real e grave encontramo-la no retorno, verificado nas grandes cerimônias e entre povos muitos diversos, dos ritos e morte para o mundo anterior e de ressureição no novo mundo, ritos que constituem a forma mais dramática dos ritos de passagem. 1. Da Granja do Torto o presidente parte para a Catedral de Brasília, acompanhado de 20 batedores da Polícia do Exército e fuzileiros navais. O primeiro evento do dia não consta no protocolo oficial, mas já se tornou tradicional: o presidente e o vice, acompanhados pelas esposas, assistem à missa da manhã. 2. Após a benção, o presidente desfila em carro aberto, escoltado por 110 Dragões da Independência (1º Regimento de Cavalaria de Guardas) em rumo ao Itamaraty. Historicamente estes representam uma unidade militar ligada ao Regimento de Cavalaria do Exército. A função é fazer a guarda e a segurança do presidente, embora básica e simbólica, pois há uma equipe própria de segurança para o presidente.         
Sua origem histórica decorre da Guarda de Honra criada em 1808 pelo rei de Portugal, Dom João VI tão logo chegou à então colônia do Brasil fugindo das tropas de Napoleão Bonaparte. Após a Independência do Brasil, em 1822, a unidade foi transformada na Guarda de Honra Imperial de Dom Pedro I. O nome “Dragões da Independência” foi adotado politicamente apenas em 1946, época de redemocratização vivida pela República após a 2ª guerra mundial. Desde o governo militar castilhista de 1966, o regimento está aquartelado em Brasília. Foram os Dragões, na época ainda denominados Guarda de Honra Real, que saudaram o então Príncipe Dom Pedro 1º na cena retratada no conhecido quadro do pintor Pedro Américo sobre o chamado “Grito do Ipiranga”, que em 7 de setembro de 1822 marcou a Proclamação da Independência do Brasil. Fiéis à tradição e às pompas imperiais, os Dragões até hoje usam um fardamento típico do século XIX, em branco e vermelho - as cores da antiga cavalaria portuguesa. O regimento costuma se apresentar ao publico e através de demonstrações disciplinares de destreza em festas cívicas e também em competições hípicas. Na cerimônia de posse da presidente da República fazem um desfile mais discreto, sem a mesma pompa demonstrada em ocasiões como a parada militar de 7 de Setembro.
O carro é um Rolls-Royce, que foi presenteado ao presidente Getúlio Vargas pelo governo britânico em 1953. Certamente o Rolls-Royce usado pela presidência da República, desde muitos anos, é o automóvel mais fotografado e conhecido do Brasil. Há mais de seis décadas, o suntuoso modelo Silver Wraith (Espectro de Prata) conversível serve à presidência da República. Poucos sabem, porém, que a presidência dispunha de dois Rolls-Royce: o conhecidíssimo conversível usado particularmente nesse rito de passagem e um desconhecido modelo fechado. Originalmente os veículos eram utilizados para os deslocamentos de rotina do presidente da República num procedimento muito diferente de hoje, uma vez que o automóvel remanescente – conversível - é usado somente em ocasiões especiais, como na posse do presidente e no desfile do Dia da Pátria em Brasília. Afora estas ocasiões, a utilização é esporádica. Na posse de Luiz Inácio Lula da Silva em 2003 “o carro teve que ser empurrado para subir uma rampa”. 3. O protocolo não prevê pausa para o almoço, mas, o cerimonial prepara um banquete no Itamaraty para o presidente recepcionar as autoridades estrangeiras. Em 2003, em análise comparada Lula recebeu 12 chefes de Estado, dois a mais do que FHC em 1995, mas, curiosamente, sete a menos que Fernando Collor, em 1990.   




A eleição presidencial brasileira de 2002 ocorreu em dois turnos. O primeiro ocorreu em 6 de outubro de 2002 e o segundo, no dia 27 do mesmo mês. Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), elegeu-se presidente com quase 53 milhões de votos, tornando-se o “segundo presidente mais votado do mundo, atrás apenas de Ronald Reagan na eleição estadunidense de 1984”. No primeiro turno, Lula obteve quase 40 milhões de votos, entretanto, não foi o suficiente para uma vitória em primeiro turno, uma vez que esse total não representou 50% mais um voto do total de votos válidos. O resultado da eleição acabou sendo prorrogado para um segundo turno, o primeiro desde o pleito de 1989, quando Lula também foi um dos candidatos no segundo turno.  
O petista talvez não tenha atingido os votos necessários para uma vitória em primeiro turno (devido ao alto índice de votação atingido por Anthony Garotinho que obteve mais de 15 milhões de votos em todo o país no Rio de Janeiro) e Ciro Gomes (que obteve mais de 10 milhões de votos no total) no Ceará, seus respectivos estados de origem. O Rio de Janeiro é o terceiro maior estado em número de eleitores e o Ceará, o oitavo. Juntos, totalizam mais de 16 milhões de eleitores. Lula sempre havia tido um histórico de ótima votação em ambos estados (teve 71% dos votos no Ceará e quase 80% no Rio no segundo turno). Serra, por sua vez, apesar de conseguir ir para o segundo turno, obteve a maioria dos votos apenas no estado de Alagoas. No segundo turno, com o apoio dado por Ciro Gomes e Garotinho a Lula, Serra ficou isolado na disputa, obtendo a maioria dos votos novamente apenas em Alagoas. Mesmo assim, Serra conseguiu elevar seu número de votos em quase 13 milhões, enquanto Lula elevou em quase 14 milhões, se tornando o segundo presidente mais votado do mundo, atrás apenas de Ronald Reagan nas eleições estadunidenses de 1980. Contudo, em 2004, Lula caiu para a terceira posição com a reeleição de George W. Bush.
Um grupo de antropólogos sustenta que o gesto (dedo em riste) é uma variação de uma estratégia agressiva de alguns primatas, que demonstravam o pênis ereto a seus inimigos como uma forma de intimidá-los. Mais civilizado, o homem teria substituído o pênis pelo dedo erguido para ofender alguém. Um dos primeiros registros escritos desse costume aparece no ano 423 a. C., quando o poeta grego Aristófanes escreveu a peça “As Nuvens”. Em um diálogo, o personagem Estrepsíades faz uma piada comparando o dedo do meio ao pênis. Da Grécia, a ofensa chegou a Roma, onde era conhecida como:  o “dedo obsceno”. No livro “Gestures, their Origin and Distribution”, o zoólogo britânico Desmond Morris sustenta que o imperador Calígula (12-41) chocava os súditos “obrigando-os a beijar seu dedo do meio em vez de sua mão”. Com o passar dos séculos, a maioria dos países do mundo incorporou o gesto de origem latina - pode-se dizer que é um símbolo quase universal. Em outras palavras, um gesto só é considerado agressivo se todas as pessoas do grupo entenderem e concordarem com seu significado.
Neste caso, na modernidade, o irracionalismo depende também do culto da “ação pela ação”. A ação é bela em si e, portanto, deve ser realizada antes de e sem nenhuma reflexão. Da declaração atribuída a Goebbels- “Quando ouço falar em cultura, pego logo a pistola”, ao uso frequente de expressões como “porcos intelectuais”, “cabeças-ocas”, “esnobes radicais”, “As universidades são um ninho de comunistas”, a suspeita em relação ao mundo intelectual sempre foi um sintoma de Ur-Fascismo. Os intelectuais fascistas oficiais estavam empenhados principalmente em acusar a cultura moderna e a inteligência liberal de abandono dos valores tradicionais. Assim, de acordo com Umberto Eco, no ensaio: Il Fascismo Eterno (1997), o Ur-Fascismo cresce e busca o consenso utilizando e exacerbando o natural medo da diferença. Primeiro apelo de um movimento fascista ou que está se tornando fascista é contra os intrusos. O Ur-Fascismo, portanto, é racista por definição. Isto explica por que uma das caraterísticas típicas dos fascismos históricos tem sido o apelo às classes médias frustradas, desvalorizadas por crise econômica ou humilhação política, assustadas pela pressão dos grupos sociais subalternos, onde o fascismo encontrará seu auditório.
Não queremos perder de vista que o fascismo italiano foi o primeiro a criar uma liturgia militar, um folclore e um modo de vestir-se - conseguindo mais sucesso no exterior que Armani, Benetton ou Versace. Foi somente nos anos 1930 que surgiram movimentos fascistas na Inglaterra, com Mosley, e na Letônia, Estônia, Lituânia, Polônia, Hungria, Romênia, Bulgária, Grécia, Iugoslávia, Espanha, Portugal, Noruega e na América do Sul, para não falarmos da Alemanha. Foi o fascismo italiano que convenceu muitos líderes liberais europeus de que o novo regime estava realizando interessantes reformas sociais, capazes de fornecer uma alternativa moderadamente revolucionária à ameaça comunista. Assim, ocorre a parte mais importante de consagração do ato político. 4. Saindo  do Itamaraty, ainda no Rolls-Royce, o presidente e o vice partem para o Congresso, onde são recebidos pelos presidentes da Câmara e do Senado. No plenário da Câmara, sob o olhar dos deputados, senadores e convidados, o presidente assina o Livro Oficial, faz um juramento à nação e discursa. Os discursos políticos devem ser vistos no próprio contexto social do discurso em que se originam, dado que o significado das palavras e das frases resulta do contexto textual. Na situação discursiva de quem fala e na situação político-ideológica, vale lembrar, que se torna claro por que alguns conceitos são tão importantes e outros só se tornam importantes na relação dinâmica com o processo de desenvolvimento político-conjuntural. Além disso, o estilo é menos expressão de uma personalidade, do que expressão de uma atitude coletiva. Mas a fronteira entre estilo individual e estilo coletivo é fluida. O discurso é condicionado pelo objetivo político-ideológico do orador na história.
5. Do Congresso para o Palácio do Planalto, onde o presidente eleito é recebido pelo tempo que determina o cargo público e juntos sobem a rampa. Como Lula foi reeleito, igualmente foi recebido pelo embaixador Ruy Casaes, o chefe do cerimonial, quando ao final da rampa, encontraram os ministros e autoridades militares. 6. No Gabinete Presidencial, a faixa passa de um presidente a outro ou, no caso de Lula, por ser homem, passa das mãos do chefe do cerimonial para o seu peito. Ainda no gabinete, o presidente nomeia seus ministros e com eles posa para a foto oficial. Em 2003, quebrando o protocolo, Lula recebeu a faixa no Parlatório. 7. À noite, após o rigor de toda a cerimônia, o presidente pode comemorar à vontade. A festa pode ocorrer no Itamaraty ou no Palácio da Alvorada. Normalmente, a festa tem como representação um banquete seguido por baile de gala, mas, em 2003, na posse de Luiz Inácio Lula da Silva, sua equipe de transição na presidência preferiu trocar o jantar por um coquetel. 8. A posse do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), ocorreu em 1º de janeiro de 2019, demarcando o início da conjuntura política trágica e de um ciclo ultraconservador no conjunto da sociedade brasileira, gestado desde o golpe de Estado de 2016, na esteira da crise política, dos escândalos de corrupção política e financeira, da crescente falta de segurança rural e urbana pública, entre outros fatores essenciais da vida cotidiana. O novo mandatário, autoritário, é um capitão reformado do Exército e deputado federal há 27 anos, que assume a chefia do Executivo nacional rodeado por militares de alta patente e pela expectativa de continuidade do establishment.
No seu primeiro discurso como presidente, Jair Bolsonaro atacou o conceito de “politicamente correto”. Os jornalistas foram barrados da primeira coletiva do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), na tarde de quinta-feira, 1º/01/2019, em sua casa na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Em uma lista regulada por uma policial federal na porta do condomínio, Bolsonaro só permitiu que emissoras de TV (menos a TV Brasil), algumas rádios e dois sites entrassem. Jornalistas d`O Estado, Folha de S. Paulo, O Globo e  agências internacionais não passaram da guarita do condomínio. O “credenciamento” foi feito pelo assessor Tercio Arnaud Tomaz, da campanha de Bolsonaro, mas lotado no gabinete do vereador Carlos Bolsonaro (PSC), na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Este licenciado do parlamento desde agosto de 2018. Por mensagens pelo Whatsapp, Tercio respondeu aos jornalistas dos veículos barrados que eles não poderiam entrar “por questões de espaço”. Pelo menos 20 repórteres e suas equipes entraram no local. Bolsonaro tem usado sua casa para receber grupos de parlamentares e apoiadores.
Jornalistas credenciados para a cobertura da posse do novo presidente, Jair Bolsonaro, em um espaço reservado para eles, dentro do Senado, “foram proibidos de entrar com água para consumo próprio e estão tendo acesso restrito para utilizar um banheiro”. A informação foi postada pela editora-chefe do Correio Braziliense, Ana Dubeux, que estava no local, e gravou um vídeo na sua conta no Twitter: - “Falta de planejamento ou descaso”, escreveu junto a publicação onde disse: - “Destinaram à imprensa, aqui na Chapelaria do Congresso Nacional [órgão constitucional que exerce, no âmbito federal, as funções do poder legislativo], que não teríamos direito à água, não teríamos direito à banheiros, porque isso não foi pensado... aliás, nos proibiram de trazer água, mas não temos acesso a nenhum bebedouro”. Um rapaz, provavelmente ligado a equipe da assessoria de Bolsonaro, disse aos jornalistas que, “enquanto as autoridades não chegarem, os jornalistas poderão utilizar um banheiro no local”.

Imagem degradante: jornalistas amontoados no chão como “watchdog” da notícia.
            No embalo dos problemas já registrados na última semana, o primeiro dia do ano, data da posse de Jair Bolsonaro (PSL), foi marcado por novos conflitos no relacionamento com os profissionais da imprensa. Submetidos a normas rígidas impostas pela segurança do evento, repórteres, fotógrafos e cinegrafistas ficaram impedidos de circular entre os diferentes espaços públicos da cobertura: Palácio Itamaraty, Congresso Nacional, Esplanada dos Ministérios e Palácio do Planalto, e também entre os vários setores de cada local, diferentemente do que ocorria em posses anteriores. No Congresso, somente no turno da tarde foi liberado o acesso a alguns corredores e também ao Comitê de Imprensa da Câmara dos Deputados, tradicional espaço dos correspondentes. Entre as regras definidas pela organização para a cobertura, os jornalistas não puderam portar itens como Equipamentos de Proteção Individual (EPI), sugeridos pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) desde 2014, e garrafas d´água.
             No Salão Verde da Câmara, por exemplo, onde geralmente são gravadas entrevistas, os profissionais tiveram acesso à água somente depois das 10 horas da manhã, mesmo trabalhando em esquema de plantão desde as 8 horas, conforme havia sido determinado pela segurança do evento como regra geral para a cobertura. Apesar da liberação posterior, equipes que foram lotadas na chapelaria, um dos salões de entrada do prédio, relataram que tiveram o serviço de abastecimento de água interrompido por cerca de duas horas no período da tarde, antes do início oficial da solenidade. O local reunia jornalistas brasileiros e estrangeiros, incluindo profissionais de veículos argentinos. No Itamaraty, jornalistas chineses e franceses chegaram a se retirar do prédio, em protesto contra as restrições. A rigidez das normas constrangeu inclusive jornalistas que atuam nos setores de assessoria de imprensa da Câmara e do Senado. Atônitos diante das regras e também da alteração constante de algumas definições prévias feitas pela organização, eles tiveram dificuldade de mediar a negociação com mandatários do evento para que fosse liberado, por exemplo, “o acesso de repórteres e fotógrafos aos bebedouros de água e também ao Comitê de Imprensa”.
Estatisticamente o percentual de votos nulos no segundo turno das eleições presidenciais de 2018 chegou a 7,4%, constituindo o maior índice registrado desde 1989, totalizando 8,6 milhões. Representou um aumento de rejeição de 60% em relação ao 2º turno da última eleição presidencial, em 2014, quando apenas 4,6% dos votos foram anulados. Os votos brancos somaram 2,4 milhões, ou 2,1%, neste 2º turno, pouco acima do 1,7% da última eleição presidencial. Ao todo, 31,3 milhões de eleitores não compareceram às urnas, o equivalente a 21,3% total, na proporção similar ao do 2º turno presidencial de 2014. Somando os votos nulos e brancos com as abstenções, houve um contingente de 42,1 milhões de eleitores que não escolheram nenhum candidato, cerca de um terço do total. O candidato eleito Jair Bolsonaro recebeu 57,7 milhões de votos enquanto o candidato derrotado Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores (PT) obteve 47 milhões de votos. A rigidez de segurança da cerimônia de posse contrasta com o estilo aparentemente informal de Bolsonaro, que costumava sair de sua casa, para sacar dinheiro em agências bancárias ou para tomar água de coco na praia da Barra da Tijuca, na zona oeste da violenta cidade do Rio de Janeiro.
Os maus tratos aos jornalistas na posse de Jair Bolsonaro em Brasília viraram notícia nesta terça, dia 1º/01/2019. Profissionais foram impedidos de transitar entre os prédios da Esplanada e da Praça dos Três Poderes, obrigados a chegar horas antes. Em alguns pontos, como no Congresso, houve relatos de falta de acesso a água ou autorização para ir ao banheiro. Quem levou lanche para saciar a fome viu a comida ser confiscada sob o argumento de que ela poderia ser atirada contra o grande líder. Na chegada ao Itamaraty, os repórteres foram conduzidos ao piso inferior e colocados na sala San Tiago Dantas, sem janelas. - “Nos demos conta de que ficamos presos em uma sala de imprensa sem vidro, onde não podemos fazer nada para registrar a chegada de convidados”, disse Fanny Marie Lotaire, da rede de tevê France 24. Miriam Leitão, afirmou que “o que está acontecendo com os jornalistas é impensável e inaceitável”. Um sujeito chamado Leandro Ruschel, “olavo-bolsonarista” raiz, dono de uma consultoria de investimentos que vive sendo repercutido pela família, resume bem o espírito autoritário da coisa. - “Há dois principais inimigos do país que podem impedir a criação de um novo Brasil: o STF e a extrema-imprensa”. Esse é o espírito político-ideológico do bolsonarismo, de flagrante desrespeito ao Estado democrático de direito.
A cerimônia de posse, segundo observadores experientes da liturgia política brasileira, foi a mais singular desde a redemocratização. Jornalistas se submeteram a uma especial dieta de vigilância e privação: por mais de sete horas, ficaram confinados num espaço sem acesso a bebedouro, banheiro ou lugar para sentar; foram avisados por organizadores da cerimônia que atiradores de elite podiam disparar diante de qualquer movimento brusco dentro do palácio. No cenário externo ao Congresso, homens homenageavam o mito midiático fazendo flexão de braço, esse ritual oficial de resgate da masculinidade perdida, enquanto grupos entoavam, contra a mídia tradicional, cantos de louvação nas redes sociais, espaço interativo em que fatos sociais e políticos libertam-se do fardo do contraditório. São componentes de um mosaico surrealista da distopia bolsonarista. O discurso de posse, nas versões proferidas no Palácio do Planalto, foi um compilado das palavras de ordem que Bolsonaro vem pronunciando há meses, repetindo o “samba de uma nota só”: quer unir o povo, mas conservar “nossos valores”; quer nos libertar das ideologias nefastas que dividem o povo e combater os “inimigos da pátria, da ordem e da liberdade”; quer uma sociedade sem divisão, com escola que prepare para o mercado, não para a militância; compromete-se com o cidadão, com a propriedade e com a legítima defesa; propõe um governo guiado pela Constituição e com Deus no coração.
O presidente Jair Messias Bolsonaro (PSL) declarou, no discurso de posse, que naquele momento o país começava a se livrar “do socialismo, da inversão de valores, do gigantismo estatal e do politicamente correto”. Nos governos republicanos do Brasil, mesmo nas gestões dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016), ambos do Partido dos Trabalhadores, nunca houve a pretensão de superar o capitalismo nem de acabar com a propriedade privada, como sustentam historiadores consultados pelo candidato eleito. Apesar do alto crescimento do estatismo nos governos Lula e Dilma, a atuação de iniciativas privadas, como os bancos, não foi suprimida. O discurso anticomunista no Brasil é relativamente recente e erroneamente apresenta falsas ameaças sociais e riscos inexistentes. O presidente citou o socialismo durante o pronunciamento à população feito no parlatório do Palácio do Planalto. - É com humildade e honra que me dirijo a todos vocês como Presidente do Brasil. E me coloco diante de toda a nação, neste dia, como o dia em que o povo começou a se libertar do socialismo, da inversão de valores, do gigantismo estatal e do politicamente correto. Ao fim do discurso, o presidente eleito pegou uma bandeira do Brasil e disse que ela jamais será vermelha, em referência à cor adotada tradicionalmente pelos movimentos de esquerda no mundo. - Essa é a nossa bandeira, que jamais será vermelha. Só será vermelha se for preciso nosso sangue para mantê-la verde e amarela.



- “O Brasil voltará a ser um país livre das amarras ideológicas”, afirmou Jair Messias Bolsonaro em seu discurso de posse em Brasília (DF), reforçando valores ultraconservadores que foram tópicos centrais na eleição. Esses mesmos temas foram repetidos com mais ênfase mais tarde, no discurso perante a população no Planalto. O momento em que Bolsonaro foi mais aplaudido foi quando falou de segurança pública – “É urgente acabar com a ideologia que defende bandidos e criminaliza policiais, que levou o Brasil a viver um aumento nos índices de violência e no poder do crime organizado, que tira vidas de inocentes, destrói famílias e leva insegurança. Nossa preocupação será com a segurança das pessoas de bem, da garantia do direito de propriedade e da legítima defesa. Nosso compromisso é valorizar o trabalho das forças de segurança”. Mais cedo, no Congresso, ele dissera que contava com o apoio dos parlamentares para “dar o respaldo jurídico para os policiais realizarem o seu trabalho”. Na verdade ele não está se referindo exatamente ao Congresso, onde o nanico PSL não tem expressão representativa de negociação com os partidos políticos históricos. Ele sabe que poderá governar através de Medidas Provisórias (MP) e que, com esta prática, fundada na perspectiva casuísta ele governará. As falas defenderam o livre-comércio, a propriedade privada, a meritocracia e de “tirar peso do governo sobre quem trabalha”.  
 Referimo-nos à expressão: “mito autoritário” por que é esta a inversão que o líder fascista sublima em relação às ideologias liberais: - “Este é o dia em que o povo começou a se libertar do socialismo”, afirmou Bolsonaro, entre diversas menções a “combate a viés ideológico” e a “ideologias nefastas”. – “A construção de uma nação mais justa e desenvolvida requer a ruptura com práticas que se mostram nefastas para todos nós, maculando a classe política e atrasando o progresso. A irresponsabilidade nos conduziu à maior crise ética, moral e econômica de nossa história. Daqui em diante, nos pautaremos pela vontade soberana daqueles brasileiros: que querem boas escolas, capazes de preparar seus filhos para o mercado de trabalho e não para a militância política; que sonham com a liberdade de ir e vir, sem serem vitimados pelo crime; que desejam conquistar, pelo mérito, bons empregos e sustentar com dignidade suas famílias; que exigem saúde, educação, infraestrutura e saneamento básico, em respeito aos direitos e garantias fundamentais da nossa Constituição”.   
Geraldo Tadeu Monteiro, professor e pesquisador da UERJ e do IUPERJ diferentemente de outros presidentes antes dele, “Bolsonaro não procurou moderar o discurso de campanha após eleito. Deu declarações de que vai perseguir de forma militante a agenda de campanha. (...). Ficou claro que, pelo menos no começo, não será um governo de acomodações de diferentes setores, ainda que ele tenha feito também uma fala de defesa ao princípio democrático”.  Para o brasilianista Brian Winter, editor-chefe da publicação Americas Quarterly, o discurso de Bolsonaro marca “uma grande diferença em relação a qualquer outro discurso (de seus antecessores), com menção a termos como 'judaico-cristã', 'guerra ao socialismo' e 'ideologia de gênero”. Mas ele falou também em humildade, e fontes próximas a ele dizem que ele tem escutado pessoas, inclusive as que têm opiniões divergentes da dele. Ao mesmo tempo, as pesquisas mostram que apenas uma pequena porcentagem do eleitorado se opõe a ele no momento. Politicamente falando, ele provavelmente não precisa falar com esse público, embora devesse, como chefe de Estado. Autoritário, para ele a política funciona assim.
Bibliografia Geral Consultada.
EATWELL, Roger, Fascism, A History. London: Viking/Penguin Editor, 1996; ECO, Umberto, Il Fascismo Eterno. Milão: Editora La Nave di Tesco, 1997; MAFFESOLI, Michel, El Instante Eterno. El Retorno de lo Trágico en las Sociedades Posmodernas. Buenos Aires: Ediciones Paidós, 2001; HOBSBAWM, Eric, Nazioni e Nazionalismi dal 1780. Programma, Mito, Realtà. Torino: Einaudi Editore, 2002; MÉSZÀROS, István, O Poder da Ideologia. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004; VALENTIM, Oséias Faustino, O Brasil e o Positivismo.  Rio de Janeiro: Publit Editor, 2010; GENNEP, Arnold van, Les Rites de Passage. Paris: Editor Picard, 2011; NASCIMENTO, Gabriel Leão Augusto da Costa, O Animal Político Midiático: Imagens e Representações na Política Contemporânea. Dissertação de Mestrado. Programa de Mestrado em Comunicação. São Paulo: Faculdade Cásper Líbero, 2012; BERTONHA, João Fábio, “Sobre Fascismos e Ditaduras: A Herança Fascista na Formatação dos Regimes Militares no Brasil, Argentina e Chile”. Disponível em: Rev. hist. comp. Rio de Janeiro, vol. 9, nº  1, pp. 203-231, 2015; SILVA, Wilton Carlos Lima da, A Vida, a Obra, o que Falta, o que Sobra: Memorial Acadêmico, Direitos e Obrigações da Escrita. In: Revista Tempo e Argumento. Florianópolis. Volume 7, nº 15, pp. 103-136, maio/agosto, 2015; TEIXEIRENSE, Pedro Ivo, Reinventando o Inimigo: História, Política e Memória na Montagem dos Dossiês e Contra-dossiês da Ditadura Militar Brasileira (1964-2001). Tese de Doutorado. Programa de Pós-graduação em História Social. Instituto de História.  Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2017; MOISI, Dominique, “Jair Bolsonaro ou la Fuite en Avant du Brésil”. In: https://www.lesechos.fr./15/10/2018; CIOCCARI, Deysi; PERSICHERRI, Simonetta, “Armas, Ódio, Medo e Espetáculo em Jair Bolsonaro”. In: Revista Alterjor. São Paulo: Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo. Ano 09. Volume 02. Edição 18, julho-dezembro de 2018; LEVITSKY, Steven, “Três mitos sobre uma presidência de Bolsonaro”. In: https://www1.folha.uol.com.br/2018/09/28; entre outros.

Nenhum comentário:

Postar um comentário