Ubiracy de Souza Braga
A observação da natureza encontra o conceito realizado na natureza inorgânica; sob a forma de leis cujos momentos são coisas que ao mesmo tempo se comportam como abstrações. Mas esse conceito não é uma simplicidade refletida em si mesma. Ao contrário, a vida da natureza orgânica é somente essa simplicidade em si mesma refletida. A oposição em si mesma, como oposição do universal e do singular, não se decompõe na essência da vida humana. A essência não é o gênero que se separe e se mova em seu elemento carente-de-diferenças, e que ao mesmo tempo permaneça para si mesmo indiferenciado em sua oposição. A oposição só encontra esse conceito livre, segundo Hegel (2007), cuja universalidade contém em si mesma, de modo igualmente absoluto, a singularidade desenvolvida, só no próprio conceito existente como conceito, ou na consciência-de-si. Retornando agora a si mesma, e dirigindo-se ao conceito que é efetivo enquanto livre, a observação encontra primeiro as lei do pensar. Essa singularidade - que nele mesmo é o pensar- é o movimento abstrato do negativo, movimento de todo retraído para dentro da simplicidade; e as leis ficam fora da realidade. Não têm nenhuma realidade: isso, em geral, não significando outra coisa que: as leis são sem verdade. Mas se não devem ser a verdade total, que pleo menos sejam a verdade formal. Só que o puro formal da realidade é o ente-de-razão, ou a abstração vazia, sem ter nela cisão - que não seria outra coisa que o próprio conteúdo.
De outro lado, essas leis são leis do puro pensar. Ora, sabemos que o pensar é o universal em si, e portanto um saber que tem nele o ser, imediatamente; e no ser toda a realidade. Por isso tais leis são conceitos absolutos, e são indivisamente as essencialidades tanto da forma quanto da coisas. Uma vez que a universalidade, movendo-se em si, é o conceito simples que é cindido - o conceito dessa maneira tem conteúdo em si, e justamente um que é todo o conteúdo; só não é um ser sensível. É um conteúdo que não está em contradição com a forma, nem, de modo algum, separado dela. Ao contrário: é essencialmente a própria forma, já que essa não é outra coisa que o universal separando-se em seus momentos puros. Essa forma ou conteúdo - tal como é para a observação como observação - recebe a determinação de um achado, dado; quer dizer um conteúdo apenas essente. Torna-se um calmo ser de relações , um grande número de essencialidades, que como conteúdo fixo em si e para si devem ter verdade em sua determinidade, e assim são de fato subtraídas à forma. Mas essa verdade absoluta de determinidades fixas, ou de múltiplas leis diversas, contradiz a unidade da consciência de si, ou seja, a unidade do pensar e da forma em geral. O que é enunciado como lei fixa e permanente em si pode ser somente como um momento da unidade refletindo-se em si, e surgir apensa como uma grandeza evanescente. Porem quando essas leis são arrancadas, pela operação que as examina, a esse conjunto coeso do movimento e expostas isoladamente, o conteúdo não lhes vem a faltar, pois têm nelas um conteúdo determinado; o que lhes falta é antes a forma, que é sua essência.
Em sua verdade, como momentos evanescentes na unidade do pensar, deveriam ser tomadas como saber, ou como movimento pensante, mas não como leis do saber. Mas o observar não é o saber mesmo, e não o conhece; ao contrário, inverte a natureza do saber dando-lhe a figura do ser, isto é, só entende a sua negatividade como leis do ser, na qual essas leis se mostram como em verdade são, a saber como momentos singulares evanescentes cuja verdade é tão somente o todo do movimento: o próprio saber. No primeiro caso, o espírito se comporta negativamente para consigo mesmo, enquanto singularidade; no outro caso, negativamente para consigo, enquanto universal. Conforme o primeiro lado, a independência só confere ao encontrado a forma da individualidade consciente em geral, e, no que respeita o conteúdo, permanece no interior da efetividade universal encontrada. Mas, conforme o outro lado, a independência confere a essa efetividade ao menos uma modificação peculiar, que não contradiz seu conteúdo essencial, ou seja, uma modificação pela qual o indivíduo, como efetividade especial e como conteúdo peculiar , se opõe àquela efetividade universal. Essa oposição vem a tornar-se crime quando o indivíduo suprassume essa efetividade de uma maneira apenas singular; ou vem a tornar-se outro mundo - outro direito, outra lei e outros costumes, produzidos em lugar dos presentes, quando o indivíduo o faz de maneira universal para todos.
No processo social de comunicação existem momentos em que se prefere ignorar algo que ocorre ao nosso redor para evitar um conflito de opiniões. Não se pode confundir as práticas dos rituais com seu sentido. A surdez particularizada é uma prática pela qual optamos em diversas situações em nossas vidas e, independente do motivo que nos leva a praticá-la. Isso acontece com uma frequência maior do que gostaríamos de admitir nas Instituições que são em sua essência moral ou política. A surdez seletiva pode decorrer de um efeito social coletivo que produz insegurança ou arrogância. Quando manifestada pode causar desmotivação sobre aquele que é atingido e, posteriormente, o desengajamento social. O indivíduo que foi acometido por essa surdez seletiva corre o risco de eventualmente não validar no processo a relação entre o meio e a mensagem. Ocasionando em perda que fez com que o indivíduo não ouvisse o outro o que não permite aceitar o erro, ficando o fardo dentre aqueles que passam por um constrangimento nessa experiência vital.
E como ocorre de fato a chamada surdez seletiva? Pela via autoritária. O individualismo é um conceito político, moral e social que exprime a afirmação e a liberdade do indivíduo frente a um determinado grupo, à sociedade ou ao Estado. Em princípio, opõe-se a toda forma de autoridade ou controle sobre os indivíduos e coloca-se em total oposição ao coletivismo, no que concerne à propriedade intelectual. O individualista pode permanecer dentro da sociedade e de organizações que tenham o indivíduo como valor básico. Embora as organizações e as sociedades, contraditoriamente, carreguem outros valores, não necessariamente individualistas, pois não são necessariamente o elo que cria um estado de permanente tensão entre o indivíduo e essas instâncias de vida social.
O exercício da liberdade individual implica escolhas, que, nas sociedades contemporâneas, frequentemente estão associadas a um determinado projeto. Indivíduos desenvolvem seus projetos dentro de um campo de possibilidades e dado um certo repertório sociocultural - que inclui ideologias, visões de mundo e experiências de classe, grupos, ethos ou castas, dimensões nas quais o indivíduo se insere. Nas sociedades contemporâneas, uma vez que o indivíduo se constitui na relação com o outro e em função de várias experiências e papéis sociais, participando de vários mundos, a sua personalidade não é um monólito: o indivíduo não é um mas representa muitos, em função de suas circunstâncias. Historicamente fora preciso definir o indivíduo, destacando-o da esfera do coletivo que seguramente o constitui e lhe dá sentido. O individualismo remonta ao contrato social e às origens do pensamento democrático, com Hobbes, Locke e Rousseau e a rejeição do poder político legitimado pelo direito de dinástico herança ou pela vontade divina. Consolida-se assim a concepção de indivíduo como um ser uno, livre e responsável por seus próprios atos, nascendo o cidadão moderno, célula mínima do Estado democrático, que lhe garante contratualmente direitos e deveres.
O exercício da liberdade individual implica escolhas, que, nas sociedades contemporâneas, frequentemente estão associadas a um determinado projeto. Indivíduos desenvolvem seus projetos dentro de um campo de possibilidades e dado um certo repertório sociocultural - que inclui ideologias, visões de mundo e experiências de classe, grupos, ethos ou castas, dimensões nas quais o indivíduo se insere. Nas sociedades contemporâneas, uma vez que o indivíduo se constitui na relação com o outro e em função de várias experiências e papéis sociais, participando de vários mundos, a sua personalidade não é um monólito: o indivíduo não é um mas representa muitos, em função de suas circunstâncias. Historicamente fora preciso definir o indivíduo, destacando-o da esfera do coletivo que seguramente o constitui e lhe dá sentido. O individualismo remonta ao contrato social e às origens do pensamento democrático, com Hobbes, Locke e Rousseau e a rejeição do poder político legitimado pelo direito de dinástico herança ou pela vontade divina. Consolida-se assim a concepção de indivíduo como um ser uno, livre e responsável por seus próprios atos, nascendo o cidadão moderno, célula mínima do Estado democrático, que lhe garante contratualmente direitos e deveres.
Na política do desastre ocorre o contrário, principalmente no caso brasileiro, quando uma mulher assume, na política, o papel de protagonista. O relator Herman Benjamin tratou de esmiuçar tudo o que seria varrido para debaixo do tapete e passou uma tarde e uma manhã lendo o voto a favor da cassação da presidente eleita Dilma Rousseff. Nele ressaltou a existência de provas de que dinheiro desviado de empreiteiras foi usado na campanha vencedora. Argumentou que isso seria mais do que suficiente para cassar a chapa, uma vez que não é preciso demonstrar que o dinheiro veio de propina, caixa dois, ou outra mutreta qualquer. Basta que ele não tenha sido oficialmente declarado. Demonstrou também não ser necessário provar que o vice-presidente Michel Temer ou a presidente da República Dilma Rousseff sabiam do crime. O fato de terem sido beneficiados, ainda que não fosse suficiente para tirar-lhes os direitos políticos, seria o bastante para privar-lhes do mandato, visto que outros candidatos foram prejudicados pelo tal abuso de poder financeiro. O relator também fez questão de rebater a suposta separação das duas campanhas. - No Brasil - argumentou - não se vota em vice-presidente. Vota-se numa chapa. Os que elegeram a presidente Dilma Vana Rousseff, queiram ou não elegeram Michel Miguel Elias Temer Lulia. Contudo, foram 8 presidentes dos 38 presidentes que o Brasil teve em sua história republicana foram vice-presidentes que assumiram o cargo: Floriano Peixoto, Nilo Peçanha, Delfim Moreira, Café Filho, João Goulart, José Sarney, Itamar Franco e Michel Temer.
A descoberta e o aprendizado do sentido dos atos mais simples da existência: ver, escutar, falar, ler. Não é à psicologia que devemos estes conceitos perturbadores, mas a Marx, Nietzsche, Foucault e Freud. Depois de Freud é que começamos a suspeitar do “quer-dizer” o escutar. E, portanto o falar (e o calar) e o que quer-dizer do falar e do escutar revela, sob a inocência do falar e do escutar, a profundidade de uma fala diversa, a fala do inconsciente. Em Foucault, “vigiar e punir”. Para estes notáveis, desde Marx, deveríamos começar a suspeitar do que, pelo menos em teoria, ler e, portanto escrever “quer dizer”. E melhor, “deixar que se diga” implica que se renunciou ao projeto de deter, em qualquer nível que seja, o que o texto-cidade “quer dizer” ou “queria dizer”. Ou, melhor, enquanto a “representação” acredita “falar-sobre”, essa fala sempre é situável no desenvolvimento daquilo “que se fala”. Ou ainda, que é que se dizia, portanto, no que era dito. Ou ainda na possibilidade do dito. No que é que aquilo que era dito era fatalmente maldito, pelo fato de que ele era expresso? A vida é uma peça de teatro, já dizia o famoso dramaturgo William Shakespeare, mas a questão é saber se existe grande dignidade em compreender o momento em que se deve abandonar o palco.
Friedrich Hegel sustentava que, se todas as coisas e todos os seres são diferentes, singulares, é porque eles existem em movimento, transformando-se em algo que ainda não são e entrando em colisão com o outro. Esse era o ponto de partida da dialética em Hegel. E em Marx? Como é que a “dama” entrava em cena? Com Hegel, como vimos, Marx aprendeu que nas coisas essenciais, nas contradições decisivas, o conhecimento nunca era neutro ou meramente pragmático. Os sujeitos humanos ao se esforçarem para alcançar seus objetivos particulares, ao se empenharem em satisfazer seus desejos pessoais ou os anseios de sua classe ou de seu grupo ao qual está engajando fazem história. Marx extrai dessa conclusão, do fazer história, uma opção clara e consequente pelo fazer política. Precisamos da atividade intelectual criadora para pensar e agir, pois é uma atividade capaz de transformar a si mesma e se reinventar. Mas ao entrar no campo da política, a “dama” triplicou imediatamente o número de seus desafetos. Atribuíram-lhe “pecados” muitos feios. Começaram por acusa-la de devassidão, quer dizer, de relativismo. A tentativa de relativizar tudo resulta sempre em fracasso. O relativista é o sujeito que, ao declarar que tudo é relativo, desconstrói seu próprio pensamento: - “Se tudo é relativo, o princípio de que tudo é relativo também é relativo”.
Depois, disseram, segundo Konder, no artigo: “Marx e a dialética” (2010) que ela forçava a modificação de todos os contatos humanos, faz convergências e até dos encontros amorosos em contradições. Aconselharam-na a deter-se na observação generosa dos afetos, das amizades e das colaborações desinteressadas. Um jovem ex-comunista sugeriu que esquecêssemos a utopia, fizéssemos algo positivo no presente. Com prudência e modéstia. A “dama” respondeu que as relações humanas, por serem entre indivíduos sempre diferentes, não podiam deixar de ser contraditórias, por mais apaixonados que eles possam ser. O amor não nega as suas contradições. Ao contrário, procura extrair delas novas energias. A “dama” ouve pacientemente as críticas que lhe fazem. Uma única vez a vi reclamar: apesar das diferenças – observou – místicos e dialéticos têm suas concepções da infinitude. Gostaria de ouvir o que os místicos teriam a dizer a respeito da infinitude em geral e da paciência infinita em particular. Embora seja uma campeã da paciência, a “dama” separou-se de seu marido, o materialismo dialético (em solteiro, materialismo vulgar). Evitou queixar-se dele, não queria deixar transparecerem ressentimentos, como ocorre nestes dias nas universidades públicas.
É impossível viver sem ruídos de comunicação nas cidades, o que analogamente produziria o que se chama síndrome de abstinência compreendida como “conjunto de modificações orgânicas que se dão em razão da suspensão brusca do consumo de droga geradora de dependência física e psíquica, como o álcool, a heroína, o ópio, a morfina, etc.”, caracterizando-se em geral por alucinações e crises convulsivas. A síndrome de abstinência representa sintomas como disforia, insônia, ansiedade, irritabilidade, náusea, agitação, taquicardia e hipertensão e assim por diante. É muito importante, para seu correto tratamento, além da consulta específica ao médico, a identificação inicial do tipo de droga usada porque as complicações diferem de acordo com a substância. A crise de abstinência do álcool, por exemplo, tem início a partir de 72 horas de interrupção e pode causar clinicamente o que se denomina delirium tremens e convulsões, sendo mais severa em pacientes com episódios prévios. Apresenta sintomas específicos como distúrbios tácteis e visuais e convulsões. No caso da síndrome de abstinência de opioides, o início do quadro clínico depende da meia vida da droga.
A emissão irregular de ruídos e sons passou a ser um dos principais problemas sociais dos centros urbanos, em especial os ruídos originados de veículos por seus equipamentos mecânicos: motor, buzinas, alarme, similares, ou aparelhagem de som, tanto comercialmente, como no lazer. Vários estudos demonstram que a emissão de ruídos provoca malefícios à saúde humana, causando distúrbios físicos e mentais. Ainda mais: a própria emissão irregular de ruídos, ou sons ocasiona perturbação à segurança viária, ao sossego público e ofende o meio ambiente, afetando o interesse individual e coletivo e difuso de um trânsito considerado violento e inseguro e da qualidade de vida. Os sons muito intensos são desagradáveis ao ouvido humano. Sons com intensidades acima de 130 decibéis provocam uma sensação dolorosa e sons acima de 160 decibéis podem romper o tímpano e causar surdez. Mas não é dessa surdez que se fala, pois um som pode ser classificado em agudo ou grave. Essa qualidade é chamada altura do som. Mas há um nível da atividade da consciência que é fundamental para tentarmos compreender como se manifesta a ideologia da surdez seletiva: o nível da percepção cotidiana da realidade. A esse nível de atividade dos seres humanos no seu dia-a-dia corresponde um nível de consciência que, adotando um temo já utilizado por Lukács, passamos a designar como “consciência cotidiana”. Entre as características mais importantes dessa consciência cotidiana está a de se fixar sempre numa relação tendencialmente imediata com o que aprende. Ao contrário do que se passa com o conhecimento alcançado pela via das artes ou do conhecimento filosófico ou científico, que para se desenvolverem precisam subsumir do imediato, a consciência cotidiana que tende a permanecer muito próxima da superfície da empiria acadêmica, muitas vezes grudada nela, sem nenhum distanciamento efetivo. Ninguém escapa inteiramente à cotidianidade, tanto como forma de atividade quanto como forma de consciência.
Mesmo levando em conta a excepcional fecundidade de um artista como Pablo Picasso, de um escritor como Honoré de Balzac, de um pensador revolucionário como Karl Marx, somos levados a reconhecer que na maior parte do tempo, o longo tempo da vida, Picasso, Balzac e Marx viveram uma existência cotidiana: comendo, bebendo café (Balzac), cerveja (Marx) ou vinho (Picasso), fazendo suas necessidades fisiológicas, se divertindo, pondo a sua correspondência em dia, tomando banho, se despindo, se vestindo, pagando contas (ou se preocupando com elas), divagando, batendo papo com a esposa e com os amigos, fazendo ou recebendo visitas, atendendo a solicitações da família, etc. – e se guiaram pela consciência correspondente a essa existência. A consciência cotidiana precisa de certa espontaneidade, que lhe impõe determinadas limitações, quando comparadas às formas de percepção e compreensão da realidade proporcionada pela arte e pela ciência. No cotidiano, predomina a “lei do menor esforço”. A consciência cotidiana do homem comum precisa de certa dispersão, entre razões porque a concentração cansa. A persistência da atenção acarreta certo desgaste, cansaço, as pessoas carecem de repouso. As pessoas sentem necessidade de espairecer com “ócio criativo” mediado pela diversão, pela arte e entretenimento coletivo. O sofrimento não mata o senso de humor, nem elimina necessariamente toda alegria.
A surdez seletiva elimina da consciência cotidiana, seus saberes que nos alerta para a diversidade do mundo, que é sempre maior do que o reconhecimento apreendido nas ciências sociais com a “camisa de força” da departamentalização do ensino e da pesquisa. A ideologia ancorada no conservadorismo da consciência cotidiana trata de camuflar esse conservadorismo. As imagens criadas pela distorção ideológica mais frequente na experiência do dia-a-dia dos indivíduos é aquela em que aparentemente estão comprometidos com uma maneira de perceber a realidade contemporânea. Isto é, como um vigoroso movimento positivo, de vertiginoso progresso, através de fatos sociais que pretendem ser apontados para dar maior credibilidade a essas imagens. Mas a surdez seletiva reproduz hábitos e experiências que já lhes eram acessível nas décadas anteriores. Com a sociedade de massas urbanas viajavam usando seus automóveis e coletivamente de avião, recorriam a analgésicos, antibióticos, anticoncepcionais, jeans, energia nuclear, simultaneamente concebendo transplante de órgãos, dos exames de dna etc. Contudo, a surdez seletiva nega a experiência histórica calcada nas transformações mais profundas das comunidades do ponto de vista individual (o sonho) e coletivo (os mitos, os ritos, os símbolos). Nega a estrutura das relações, que dependem das revoluções políticas, contrariando a despolitização artificial forçada pelo bloqueio ideológico das instituições.
Na universidade o homem de certo modo habita e não a pode habitar. Se por habitar entende-se simplesmente uma residência. Quando se fala em habitar, representa-se costumeiramente um comportamento que o homem cumpre e realiza em meio a vários outros modos de comportamento. Não habitamos simplesmente, mas construir significa originariamente habitar. E a antiga palavra construir (“bauen”) diz que o homem é à medida que habita. Mais que isso, significa ao mesmo tempo: proteger e cultivar, a saber, cultivar o campo, cultivar a vinha. Construir significa cuidar do crescimento que, por si mesmo, dá tempo aos seus frutos. No sentido de proteger e cultivar, construir não é o mesmo que produzir. Note Bem: em oposição ao cultivo, construir diz edificar. Ambos os modos de construir – construir como cultivar, em latim, “colere”, cultura, e construir como edificar construções, “aedificare” – estão contidos no sentido próprio de “bauen”. No sentido de habitar, ou construir, permanece, para a experiência cotidiana do homem. Aquilo que desde sempre é, como a linguagem diz de forma tão exclusiva e bela, “habitual”. Isto esclarece porque acontece um construir por detrás dos múltiplos modos de habitar, por detrás das atividades de cultivo e edificação.
O sentido próprio de construir, a saber, habitar, cai no esquecimento. Em que medida construir pertence ao habitar? Quando construir e pensar são indispensáveis para habitá-lo. Ambos são, no entanto, insuficientes para habitá-lo se cada um se mantiver isolado, distantes, cuidando do que é seu ao invés de escutar um ao outro. Ipso facto construir e pensar pertence ao habitar. Permanecem em seus limites. Quando aprendemos a pensar que tanto um como outro, provém da obra de longa experiência de um exercício incessante de pensar. A cultura intelectual, portanto, em sentido próprio, refere-se a cada pessoa humana em particular e como um todo irredutível. Somos um ersatz: a cultura social é subsidiária da cultura intelectual, já que a sociedade existe para o homem e não o homem para a sociedade do trabalho. Embora seja esta uma condição indispensável para a realização daquele. Não há cultura intelectual liberta sem cultura social organizada. A cultura intelectual representa a passagem do domínio e controle da informação da nossa individualidade total. Pela informação recebemos de fora os elementos que vão permitir a eclosão de nossas possibilidades naturais. É a função da formação hermenêutica quando aglutinamos e assimilamos esses elementos exteriores, de tipo variado ou mesmo contraditório, reduzindo-os a uma unidade irredutível e elaborando com isso a nossa personalidade. Essa personalidade se projeta para fora da atividade de comunicação e de criação, que vai por sua vez fecundar a coletividade.
O estado atual da civilização é fruto principalmente da extra-escolaridade cultural. É rnais um produto de sua natureza individual, de sua formação doméstica e de sua existência social do que de sua preparação disciplinar. Esta palavra significa um ato de dedicação. E de uma dedicação a fundo, positiva tanto aos extremos como ao que fica entre eles, como culto, cultivo e cultura são três aspetos articulados da mesma linha de reflexão desde quando nos aperfeiçoamos pela cultura do Espírito. Muda o objeto de nossa dedicação, mas significa sempre uma entrega total do nosso ser para alcançar a essência através das aparências, de modo a tirar do cultivo da terra o alimento do nosso corpo, da cultura intelectual o aperfeiçoamento do nosso espírito e da universidade o reconhecimento da plenitude da verdade. Esse radical culto pode, portanto apresentar três sentidos. O sentido individual de representação é o que chamamos de cultura intelectual. Tem um sentido subjetivo e significa a passagem da informação à formação do saber e da personalidade. O segundo tem um sentido e significa a conquista característica das instituições e do modo de ser de uma coletividade.
No conceito negativo (“invisibilidade”), as pessoas afetadas sentem-se como se não tivessem sido percebidas. A perceptibilidade corresponde à capacidade de ver alguém, enquanto a visibilidade designa mais do que mera perceptibilidade porque acarreta a capacidade para uma identificação individual elementar. Desse modo, para as pessoas afetadas em particular, a invisibilidade significaria o sentimento de realmente não serem percebidas ou vistas, ao contrário da ideia de que a invisibilidade significaria puramente a ideia negativa de visibilidade, já que esta funciona segundo pressupostos que vão além da capacidade de ver, pois a visibilidade também inclui, além da visão, as capacidades de identificar, conhecer. Em outras palavras, quem é invisibilizado socialmente sente que sequer é visto. Não entra em jogo neste sentido o sentimento de que não é identificado ou conhecido. A discrepância conceitual que se torna aparente entre invisibilidade visual e visibilidade é devido ao fato de que, com a transição para o conceito positivo, as condições governando a sua aplicabilidade são mais exigentes: enquanto a invisibilidade no sentido visual significa apenas o fato de que um objeto não está presente como um objeto no campo perceptivo de uma pessoa, a visibilidade física requer que nós assumamos uma posição cognitiva diante do objeto dentro de uma estrutura espaço-temporal como algo com propriedades visuais relevantes.
O nível de análise da ideologia manifesta mais explicitamente seu poder de enviesamento na atividade política. Por mais sinceros que sejam os princípios universais que adota, o sujeito da ação política atua de maneira a mobilizar pessoas que, de fato, só se mobilizam em função de motivações pessoais, de desejos próprios, de interesses particulares. A política é levada, assim, a lidar com duas referências contrapostas, legitimando-se através da universalidade dos princípios e viabilizando-se por meio das motivações particulares. Uma política que simplesmente se subordinasse rigorosamente à universalização dos princípios não conseguiria promover uma mobilização ampla, consistente e duradoura de indivíduos particulares. Uma política que esvaziasse os princípios universais de qualquer conteúdo real, que se dispusesse a aproveitar com total desenvoltura quaisquer vantagens circunstanciais. Sem se preocupar com compromisso pragmático com metas em médio e de longo prazo, seria uma política de oportunistas, de indivíduos incapazes de se elevarem ao nível de dedicação exclusiva á comunidade. Em geral, os caminhos trilhados pela política acadêmica evitam uma opção explícita por orientações extremadas, qual sejam: o doutrinarismo, o oportunismo crasso, o cinismo ostensivo ou a completa indiferença. São frequentes as combinações de elementos fetichistas representativos de direções, combinados em graus diversos com os cargos. É nessa combinação hábil que se enraíza a ideologia que interpela os indivíduos constituindo-os em sujeitos.
Bibliografia geral consultada.
MONTEIRO, Agostinho dos Reis, A Educação, Acto Político. Lisboa: Editores Livros Horizontes, 1976; MACPHERSON, Crawford Brough, A Teoria Política do Individualismo Possessivo. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1979; BARTOLI, Marc, L`Intensité du Travail. Thèse pour le Doctorat d`État en Sciences Économiques. Grenoble: Université des Sciences Sociales de Grenoble, 1980; MONTALBÁN, Manoel Vásquez, História y Comunicación Social. Madrid: Editorial Alianza, 1985; GANDHI, Leela, Postcolonial Theory: A Critical Introduction. EUA: Columbia University Press, 1998; HONNETH, Axel, “La Théorie de la Reconnaissance: Une Esquisse et Visibilité et Invisibilité: Sur l’Épistémologie de la Reconnaissance”. In: Revue du Mauss, n° 23, 2004; CORREIA, Guida, “Surdez Seletiva”. Disponível em: http://o-que-digo.blogspot.com/2009/03/14; HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich, Fenomenologia do Espírito. 4ª edição. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2007; KONDER, Leandro, “A Questão da Ideologia antes de Marx”. In: A Questão da Ideologia. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2002; Idem, Em Torno de Marx. São Paulo: Boitempo Editorial, 2010; HUBNER, Marcus, A Educação Ambiental no Contexto da Interculturalidade e da Cultura Surda. Tese de Doutorado. Programa de PósGraduação em Educação Ambiental. Instituto de Educação. Universidade Federal do Rio Grande, 2012; CARNEIRO, Rose May, Na Estrada com os Primeiros Road Movies de Wim Wenders: viagem, Identidade e Incomunicação. Tese de Doutorado em Comunicação. Programa de Pós-Graduação em Comunicação. Brasília: Universidade de Brasília, 2015; CISNEIROS, Kleber, “Os Ministros estão Nus: Surdez Seletiva Escancara Farsa Pública do TSE”. In: http://blogdocisneiros.blogspot.com/2017/06/10; REGO, Eduardo de Carvalho, Superpoder Judiciário: O Papel do Controle de Constitucionalidade na Consolidação da Juristocracia no Brasil. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Direito. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2018; entre outros.
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