sexta-feira, 27 de abril de 2018

Montesquieu - Teoria, Passagens & Imaginação da Política à Sociologia.


                                                                                                     Ubiracy de Souza Braga

Liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem”. Barão de Montesquieu


            O pensamento de Montesquieu representa certo “paradoxo de consequências não intencionais” entre o novo e o tradicional. Múltipla e guiada por uma espécie de curiosidade universal, parece estar em continuidade direta com os ensaístas que o precederam nos comentários sobre os usos e costumes dos diversos povos. Com traços de enciclopedismo, várias disciplinas lhe atribuem o caráter referencial de precursor, ora aparecendo como Pai da Sociologia, ora como inspirador do chamado determinismo geográfico, e quase sempre como aquele que, na ciência política, desenvolveu a teoria dos três poderes, que ainda permanece como uma das condições de funcionamento do Estado de direito. De outra parte, dentro da história do pensamento, Montesquieu também ocupa posição paradoxal. Sua obra trata da questão do funcionamento dos regimes políticos, questão que encara dentro da ótica liberal, ambas as problemáticas consideradas típicas de um período posterior. Montesquieu é membro da nobreza que não tem como objeto de reflexão política a restauração do poder de sua classe, mas sim como tirar proveito de certas características de poder monárquicos, para dotar de maior estabilidade os regimes que viriam a resultar das revoluções democráticas.
         Vale lembrar que um símbolo de alternativas sociais e políticas, o Dia da Bastilha celebrado anualmente a 14 de Julho (14 Juillet) em memória ao histórico da Tomada da Bastilha, em 1789, quando teve início o caráter popular da Revolução Francesa, amplifica com maior impacto do que a Declaração da Independência dos Estados Unidos da América demonstrando a possibilidade de emancipação vista com medo em toda a aristocracia europeia, enquanto partidários das mudanças revolucionárias esperavam remover as barreiras que tolhiam a burguesia e o livre desenvolvimento das forças produtivas do capital. Os princípios da liberdade, igualdade e fraternidade foram os conceitos utilizados pelos liberais para justificar teoricamente o desenvolvimento do capitalismo na Europa. A forma como essas ideias vieram para o solo norte-americano também são indispensáveis para a compreensão da estrutura piramidal social que é majoritária hoje. Essas análises da sociologia política tendo como referência a obra de Montesquieu permitem formular os principais problemas de teoria no âmbito geral da sociologia. O primeiro deles tem a ver com a inserção da sociologia política na sociologia do conjunto social. A questão é comparável à que se colocam a propósito do marxismo, quando se quer passar de aspecto privilegiado – para a compreensão do todo.
            O segundo problema é o da relação entre o fato e valor, entre a compreensão das instituições e a determinação do regime desejável ou bom. Assim, de que modo se pode ao mesmo tempo apresentar certas instituições como determinadas, isto é, impostas à vontade dos homens e fazer julgamentos políticos sobre elas? Será possível, para um sociólogo, afirmar que um regime que ele considera, em certos casos, como inevitável, contrariar a natureza humana? O terceiro problema é o que institui no plano de análise  política as relações entre o universalismo racional e as particularidades históricas concretas. Portanto, existem em Montesquieu, implícita ou explicitamente, duas ideias de síntese possíveis. Uma seria a influência predominante do regime político, e a outra, o espírito geral de uma nação. Em relação á primeira – a influência predominante das instituições políticas – pode-se hesitar entre duas interpretações. Trata-se de uma influência predominante no sentido causal do termo ou de uma influência predominante com relação ao que interessa ao analista, com relação aos nossos valores, isto é, com relação à hierarquia da importância que estabelecemos entre diferentes aspectos da vida coletiva. O espírito geral de uma nação é o que mais contribui para manter esse sentimento ou princípio, indispensável à continuidade do regime. O espírito geral de uma nação  não pode ser comparado à vontade criadora de uma pessoa ou coletividade. Para analisar esses problemas, será melhor tomar como ponto de partida uma noção central de L`Esprit des lois, a própria noção de Lei.
            Afinal, a grande obra de Montesquieu se chama L´ Esprit des lois, e é na análise da noção, ou das noções de lei que encontramos a resposta para os problemas que formulamos da política à sociologia. Montesquieu introduz o conceito de lei no início de sua obra fundamental, O espírito das leis, para escapar a uma discussão viciada que dentro da tradição jurídica de seu período, ficaria limitada a discutir as instituições e as leis quanto à legitimidade de sua origem, sua adequabilidade à ordem natural e a perfeição de seus fins. Uma discussão fadada a confundir, nas leis, concepções de natureza política, moral e religiosa. Definindo lei como “relações necessárias que derivam da natureza das coisas”, ele estabelece uma mediação com as ciências empíricas rompendo com a tradicional submissão da política à teologia, em termos de análise comparativa, que é possível uniformidade, constâncias na variação dos comportamentos e formas de organizar os homens, assim como é possível encontra-las nas relações entre os corpos físicos. Também as leis que regem os costumes e as instituições são relações que derivam da natureza das coisas que sustentam as bases da tipologia analítica na interpretação do fato à política e sociologia para Montesquieu.
            Para o que nos interessa é com o conceito de lei, que Montesquieu traz a política para fora do campo da teologia e da crônica, e a insere num campo propriamente teórico. Estabelece uma regra de imanência que incorpora a teoria política ao campo das ciências: as instituições políticas são regidas por leis que derivam das relações políticas. As leis que regem as instituições políticas são relações próprias entre as diversas classes em que se divide a população, as formas de organização econômica, as formas de distribuição do poder etc. Mas o objeto de pensamento de Montesquieu não são as leis que regem as relações entre os homens em geral, mas as leis positivas, isto é, as leis e instituições criadas pelos homens para reger as relações determinadas entre os homens. Ele observa que, ao contrário dos outros seres, os homens têm a capacidade de se furtar às leis da razão que deveriam reger suas relações, e, além disso, adotam leis escritas e costumes destinados a reger os comportamentos humanos. E têm também a capacidade de furtar-se igualmente às leis e instituições. O objetivo de Montesquieu é o espírito das leis, isto é, as relações entre as leis (positivas) e “diversas coisas”, tais como o clima, as dimensões do Estado, a organização do comércio, as relações entre as classes etc.  
Montesquieu tenta explicar as leis e instituições humanas, sua permanência e modificações, a partir de leis da ciência política. Os pensadores políticos que precedem Montesquieu (e Rousseau, que o sucede) são teóricos do Contrato Social (ou do Pacto), estão fundamentalmente preocupados com a natureza do poder político, e tendem a reduzir a questão da estabilidade do poder à sua natureza. Ao romper com o estado de natureza, onde a ameaça de guerra de “todos contra todos” põe em risco a sobrevivência da humanidade, o pacto que institui o estado de sociedade deve ser tal que garanta a estabilidade contra o risco de anarquia ou de despotismo. O que deve ser investigado não é, portanto, a existência de instituições propriamente políticas, mas sim a maneira como elas funcionam. Assim ele vai considerar duas dimensões do funcionamento político das instituições: a natureza e o princípio de governo. Sua natureza diz respeito a quem detém o poder: na monarquia, um só governa, através de leis fixas e instituições; na república, governa o povo no todo ou em parte (repúblicas aristocráticas); no despotismo, governa a vontade de um só. As análises sobre as “leis relativas à natureza do governo” deixam claro que se trata de relações entre as instâncias de poder e a forma como o poder se distribui, entre os diferentes grupos e classes da população.
    

Conhecemos a longa história do conceito de Lei: um legislador e súditos. A lei possuía assim a estrutura da ação humana consciente: tinha um objetivo, designava uma finalidade, ao mesmo tempo de exigia uma espera. Para os sujeitos que viviam sob a lei, oferecia o equívoco do constrangimento e do ideal. A ideia de que a natureza podia ter leis que não eram ordens, levou tempo a libertar-se desta herança. Este longo esforço consegue, no século XVIII, encontrar um domínio próprio para o novo sentido de lei: o da natureza, o da física. Ao abrigo decerto de Deus, que lá pelas alturas protegia ainda a antiga forma da lei, salvando as aparências, desenvolvia uma nova forma de lei, que a pouco e pouco, passando de Descartes a Newton, tomou a forma que Montesquieu enuncia: Uma relação constantemente estabelecida entre termos variáveis, e tal que cada diversidade é uniformidade, cada transformação, constância. Isto é importante.
O antigo domínio da lei, que é ordem e fim enunciados por um senhor, conservava as suas posições de origem: o domínio da lei moral (ou natural), o domínio das leis humanas. Ora, Montesquieu propõe que se rejeite a antiga acepção da palavra lei, dos domínios em que ela consideravelmente imperava. E que se consagre para a totalidade dos seres, de Deus á pedra, o reino da definição moderna: a lei-relação. Neste sentido, todos os seres têm as suas leis: a divindade tem as suas leis, o mundo material tem as suas leis, as inteligências superiores ao homem têm as suas leis, os animais têm as suas leis, o homem tem as suas leis. O melhor meio para aniquilar o adversário é colocarmo-nos ao lado dele. Perscrutar os antigos domínios. Ei-los abertos diante de Montesquieu, e para começar o mundo inteiro da existência dos homens nas suas cidades e na sua história. Finalmente, vai poder impor-lhes a sua lei. No momento da descoberta será apenas a hipótese metodológica e só se tornará princípio se verificada.
Mas esta revolução teórica supõe igualmente que não se confunda o objeto da investigação científica, neste caso as leis civis e políticas das sociedades humanas com os resultados da investigação em si: não se pode brincar com a palavra lei. Montesquieu afirma: - Não trato das leis, mas do espírito das leis. Este espírito consiste em diversas relações que as leis podem ter com diversas coisas. Ele não confunde, portanto as leis do seu objeto (o espírito das leis), com o seu objeto em si (as leis). No Livro-Primeiro, após ter demonstrado que todos os seres do universo, inclusive Deus, estão submetidos a leis-relações, Montesquieu encara a diferença de modalidade destas leis. Distingue assim as leis que governam a matéria inanimada e que nunca conhecem qualquer espécie de variação, das leis que regulam os animais e os homens. O mundo inteligente deve ser tão bem governado como o mundo físico. Assim o homem, que tem sobre os outros seres o privilégio do conhecimento, está à mercê do erro e das paixões. Daí as suas oscilações: como ser inteligente que é o homem viola constantemente as leis estabelecidas por Deus, e do mesmo modo transforma as que ele próprio estabeleceu.
O princípio de governo é a paixão que o movo, é o modo de funcionamento dos governos, melhor dizendo, como o poder é exercido. São três os princípios, cada um correspondendo em tese a um governo. Em tese, porque, segundo Montesquieu, ele não afirma que “toda república é virtuosa, mas sim que deveria sê-lo” para poder ser estável. Curiosa paixão que tem três modalidades: o princípio da monarquia é a honra; o da república é a virtude; e o do despotismo é o medo. Esta é a única paixão propriamente dita, o único móvel psicológico dos comportamentos políticos, razão por que o regime que lhe corresponde é um regime que se situa no limiar do fazimento da ação política: o despotismo seria menos do que um regime político, quase uma extensão do estado de violência bruta da natureza, onde os homens atuam movidos pelos instintos e orientados para a sobrevivência. A honra é uma paixão social. Ela corresponde a um sentimento afetivo de classe, a paixão da desigualdade, o amor aos privilégios e prerrogativas que caracterizam a nobreza. 
        O governo de um só baseado em leis fixas e instituições permanentes, com poderes intermediários e subordinados – tal como Montesquieu caracteriza a monarquia -, só pode funcionar se estes poderes intermediários orientarem sua ação pelo princípio da honra. É através da honra que a arrogância e os apetites desenfreados da nobreza bem como o particularismo dos seus interesses se traduzem em bem público. Só a virtude é uma paixão propriamente política: ela nada mais é do que o espírito cívico, a supremacia do bem público sobre os interesses particulares. É por isso que a virtude é o princípio da república. Para Montesquieu, república e despotismo são iguais num ponto essencial, pois em ambos os governos todos são iguais. A diferença é que nos regimes populares o povo é tudo e, no despotismo, comparativamente, nada é. A combinação do princípio com a natureza do regime permite-nos entender melhor a teoria dos três governos. No governo republicano o regime depende dos homens. Sem republicanos não se faz uma república. Os grandes não a querem e o povo não sabe mantê-la. Trata-se de um regime aparentemente muito frágil porque repousa na virtude dos homens.
Quanto ao tempo do despotismo, ele é o contrário da duração: o instante. O despotismo não só não conhece nenhuma instituição, nenhuma ordem, nenhuma família que durem, mas os seus próprios atos brotam no instante. A honra, por exemplo, não é uma paixão “psicológica” é uma paixão simples, ou se se preferir, não é uma paixão “psicológica”. A honra é caprichosa como todas as paixões, mas os seus caprichos são dirigidos: tem as suas leis e o seu código. Não seria mesmo necessário pressionar Montesquieu para lhe fazer confessar que a essência da monarquia é a desobediência, mas uma desobediência dirigida. A honra é, portanto, uma paixão refletida na sua própria intransigência. Por muito tempo “psicológica”, muito imediata que se queira, a honra é uma paixão educada pela sociedade, uma paixão cultivada e, se é ilícito arriscar o termo, uma paixão cultural e social. O mesmo diríamos acerca da virtude na república. Também ela é uma estranha paixão que nada tem de imediato, mas sacrificam no homem os seus próprios desejos para lhe dar o bem como objetivo. A virtude define-se como a paixão do geral. E Montesquieu mostra-nos com benevolência esses monges transferindo na generalidade das suas ordens as paixões particulares que reprimem em si próprios. Como a honra, a virtude tem, pois o seu código e as suas leis. Ou melhor, tem a sua lei, uma lei única: o amor a pátria. A esta paixão do universal falta uma escola universal: a de toda a vida. À questão socrática, de saber se é possível ensinar a virtude, Montesquieu responderia que se deve e que o único destino da virtude  é precisamente o de ser ensinada. A paixão que sustenta o despotismo não conhece esse dever.    
Em todo povo existem homens virtuosos, capazes de colocar o bem público acima do bem próprio, mas as circunstâncias – isto é, essas famosas “relações que derivam da natureza das coisas” – nem sempre ajudam. O comércio, os costumes, o gosto pelas riquezas, o tamanho do país, as dimensões da população, tudo o que contribui para diversificar o povo e aumentar a distância cultural e de interesses entre as suas classes, conspira para a prevalência do bem público. É precisamente este ser errante através de sua história, que é o objeto da sua história, que é o objeto das investigações de Montesquieu: um ser cuja conduta nem sempre obedece às leis que lhe são dadas, e que, além disso, pode ter leis particulares feitas por ele: as leis positivas, sem que isso queira dizer que as respeite. Pode-se de fato dar desta distinção da modalidade das leis duas interpretações diferentes, que representam duas tendências no próprio Montesquieu. Na primeira, poder-se-á dizer: com base no princípio metodológico segundo o qual as leis de relação e variação que se podem extrair das leis humanas são distintas dessas leis, pois, pois fora de dúvida, os erros e as oscilações dos homens relativamente às suas próprias leis de nada põem em causa. Para se perder a coragem de descobrir as leis de conduta dos homens, é preciso cair na ingenuidade de tomar as leis que os homens se dão a si próprios pela necessidade que os governa!
Na verdade, o erro, a aberração dos humores, a transformação e a violação das leis por eles próprios criadas, fazem parte pura e simplesmente da conduta dos homens. É precisamente isso que Montesquieu faz em quase todos os capítulos do Esprit de Lois.   O que seria revolucionário em ocorre na explicação sociológica das leis positivas, o determinismo aplicado á natureza social. A lógica de seu pensamento comportaria apenas três elementos: a observação da diversidade das leis positivas, a explicação dessa diversidade em função das causas múltiplas, e, por fim, os conselhos práticos dados ao legislador, com base na explicação científica das leis. Nesse caso Montesquieu seria um verdadeiro sociólogo positivista, que explica aos homens porque eles vivem de determinada maneira. O sociólogo compreende os outros homens melhor do que eles próprios se compreendem; descobre as causas que explicam a forma assumida pela existência coletiva em diferentes climas e em épocas diferentes; ajuda cada sociedade a viver de acordo com sua própria essência, isto é, de acordo com seu regime, seu clima, seu espírito geral. Os juízos de valor, sociologicamente, estão sempre subordinados ao objetivo que adotamos, e que é sugerido pela realidade.
Nesse esquema não há lugar para as leis universais da razão ou da natureza humana. Certamente Montesquieu desejaria, de um lado, explicar de modo causal a diversidade das leis positivas e, em segundo lugar, desejaria dispor de critérios válidos e universais para fundamentar os juízos de valor, ou morais, relativos às instituições consideradas. Quando o filósofo Louis Althusser critica Montesquieu por essa referência às leis universais da razão e propõe contentar-se com a explicação determinista das leis na sua particularidade, e com os conselhos práticos tirados dessa explicação, ele pensa como marxista. Contudo, se o marxismo condena a referência às leis universais da razão, é porque encontra o equivalente no movimento da história em direção a um regime que realizaria todas as aspirações dos homens e dos séculos passados. De fato, uns ultrapassam a filosofia determinista fazendo apelo ao futuro, enquanto outros, a critérios universais de caráter formal. Montesquieu escolheu este último caminho para ir além da particularidade. Não queremos perder de vista que a interpretação filosófica de Louis Althusser tem como representação uma nova versão de um Montesquieu contraditório, em sua forma de pensar que haveria entre seu gênio inovador e suas opiniões reacionárias. Essa interpretação tem uma parte de verdade.
De acordo com a análise política de Guilhon Albuquerque (2006: 120), lida dessa forma, como propõe Althusser, a teoria dos poderes de Montesquieu se torna vertiginosamente contemporânea. Ela se inscreve expressivamente na linha direta das teorias democráticas que apontam a necessidade de arranjos institucionais que impeçam que alguma força política possa a priori prevalecer sobre as demais, reservando-se a capacidade de alterar as regras depois de jogado o jogo político. Como toda interpretação do jogo político clássico, o Montesquieu lido por Althusser não pode substituir a leitura dos próprios textos. Toda reinterpretação de uma teoria política se faz tendo em mente os problemas contemporâneos e constitui, portanto, uma nova teoria, contemporânea. No fundo, toda teoria política clássica é por natureza contemporânea.


 Nos conflitos de ideologias do século XVIII, Montesquieu pertence a um partido que se pode qualificar efetivamente de reacionário, porque ele recomendava o retorno a instituições que tinham existido em passado mais ou menos lendário. Sobretudo durante a primeira metade desse século, a grande querela dos escritores políticos franceses era marcada pela teoria da monarquia e a situação de debacle da aristocracia na monarquia. Em linhas gerais, é possível afirmar que duas escolas se opunham. A escola romanista, por exemplo, alegava que a monarquia francesa descendia do império soberano de Roma, de que o rei da França seria o herdeiro. Nesse caso, a história justificava a pretensão do rei francês ao absolutismo. A segunda escola, chamada germânica, alegava que a situação privilegiada da nobreza francesa derivava da conquista do país pelos francos. Esse debate deu origem a doutrinas que se prolongaram no século seguinte, chegando a ideologias propriamente racistas; por exemplo, como ocorre com a doutrina segundo a qual os nobres seriam germânicos, e o povo, galo-romano. A distinção entre aristocracia e povo corresponderia à diferença entre conquistadores e conquistados.
A essência da filosofia política de Montesquieu é o liberalismo, uma doutrina baseada na defesa da liberdade individual, no nível de análise econômico, político, religioso e intelectual, contra as ingerências e atitudes coercitivas do poder estatal. O objetivo da ordem política é assegurar a moderação do poder pelo equilíbrio dos poderes, o equilíbrio entre povo, nobreza e rei na monarquia francesa ou na monarquia inglesa; o equilíbrio entre o povo e privilegiados, entre plebe e patriciado na república romana. Esses são exemplos diversos da mesma concepção fundamental de uma sociedade, heterogênea e hierárquica, em que a moderação do poder exige o equilíbrio. Qualquer que seja a estrutura da sociedade é sempre possível pensar como Montesquieu, isto é, analisar a forma própria da heterogeneidade de uma determinada sociedade, procurando, pelo equilíbrio dos poderes em confronto, a garantia da moderação e da liberdade. Para os liberais, todo indivíduo têm direitos humanos inatos. Muitos viram aí uma filosofia implícita do progresso inspirada por valores liberais.
Concordarmos com Raymond Aron, em sua observação arguta segundo a qual Montesquieu é o último dos filósofos clássicos; em outro, é o primeiro dos sociólogos. Ainda é um  clássico na medida em que considera que uma sociedade se define essencialmente pelo seu regime político, e na medida em que chega a uma concepção da liberdade. Em outro sentido, porém, reinterpretou o pensamento político clássico no interior de uma concepção global da sociedade, e procurou explicar sociologicamente todos os aspectos das coletividades. De fato, como Montesquieu o percebeu, depois de muitos outros, o devenir político até nossos dias é feito efetivamente de alternâncias, de movimentos de progresso e depois de decadência. O pensamento sociológico de Montesquieu se caracteriza, pela cooperação incessante entre o que se chama de pensamento sincrônico e diacrônico. Isto é, pela combinação sociológica renovada, da explicação das partes contemporâneas de uma sociedade umas pelas outras, com a explicação dessa mesma sociedade pelo passado e pela história. A distinção entre o que Auguste Comte chamava de estática e dinâmica já é visível no método sociológico de L`Esprit des Lois como obra de passagem à interpretação sociológica clássica.  
Bibliografia geral consultada.
DURKHEIM, Émile, Montesquieu et Rousseau Précurseurs de la Sociologie. Nota introdutória de Georges Davy. Paris: Marcel Rivière Editeur, 1953; COTTA, Sergio, Montesquieu e la Scienza della Politica. Turin: Edizioni Ramella, 1953; CHARPENTIER, Jeanne; CHARPENTIER, Michel, Montesquieu. Lettres Persanes. Paris: Ed. Bordas, 1966; ALTHUSSER, Louis, Montesquieu, la Politique et l`histoire. Paris: Presses Universitaires de France, 1959; Idem, Del Espiritu de las Leyes. Buenos Aires: Editorial Claridad, 1977; MONTESQUIEU, Charles de Secondat, O Espírito das Leis. Tradução de Fernando Henrique Cardoso e Leôncio Martins Rodrigues. São Paulo: Editor Abril Cultural, 1973; ARON, Raymond, As Etapas do Pensamento Sociológico. 4ª edição. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1993; GUILHON ALBUQUERQUE, José Augusto, “Montesquieu: Sociedade e Poder”. Disponível em: Os Clássicos da Política. 14ª edição. São Paulo: Editora Ática, 2006; DURKHEIM, Émile, Montesquieu e Rousseau: Pioneiros da Sociologia. São Paulo: Editora Madras, 2008; MOSCATELI, Renato, Rousseau frente ao Legado de Montesquieu: Imaginação Histórica e Teorização Política. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2009; DINIZ, Alice Candela, “Montesquieu: Filósofo Iluminista”. In: Oscar d`Alva e Souza Filho, Ensaios Discentes de Filosofia do Direito. Fortaleza: Imprece Editorial, 2011; pp. 15-23; VASCONCELOS, Francisco Thiago Rocha, Esboço de uma Sociologia Política das Ciências Sociais Contemporâneas (1968-2010): A Formação do Campo de Segurança Pública e o Debate Criminológico no Brasil. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação  em Sociologia. Departamento de Sociologia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2014; NASCIMENTO, Ricardo de Castro, Divisão dos Poderes. Origem, Desenvolvimento e Atualidade. Tese de Doutorado em Direito. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017; ARCO JÚNIOR, Mauro Dela Bandera, A Origem da Alteração e a Alteração de Origem: Antropologias de Rousseau. Tese de Doutorado. Faculdade de Filosofia, Letras e ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2018; entre outros.  

sábado, 21 de abril de 2018

João Cândido - Almirante Negro & Fim da Chibata no Brasil.

                                                                                                  Ubiracy de Souza Braga
 
Salve o Almirante Negro que tem por monumento as pedras pisadas do cais”. João Bosco e Aldir Blanc

                       
            A chibata é um instrumento de castigo no Brasil e no mundo. A mais simples delas é constituída por um pequeno bastão terminado em uma lingueta de couro. Outra é o “cat o' nine tails‎”, um suporte que segura nove tiras de corda (ou couro), utilizadas na França, Inglaterra, particularmente em prisões e embarcações. E uma terceira, mais comum na Marinha do Brasil, foi a de uma corda de linho, chamada “corda de barca”, bem grossa contendo na ponta umedecida pequenos pregos ou agulhas. A chibata foi outrora usada para castigar pessoas no Brasil, na época da Escravidão e mesmo na fase inicial da República, durante o governo de Hermes da Fonseca, militar brasileiro, presidente do Brasil entre 1910 e 1914, quando seu uso foi abolido socialmente após a Revolta da Chibata, liderada pelo marinheiro João Cândido. Quando preso no tronco, o escravo punido levava de 20 até 100 chicotadas. Para Engels (1971), a dialética sobre a violência, a força política no mar, tem a sua base e seus alicerces nos modernos navios de guerra, longe de ser uma força imediata, são uma força resultante da mediação do poder econômico, graças ao desenvolvimento da metalurgia e à existência de técnicos hábeis e de abundantes minas de carvão.   
Analisar somente as fontes escritas em 1910 levou muitos autores a repetir o que os contemporâneos diziam naquele momento – que o castigo era desumano, bárbaro, cruel, uma herança da escravidão etc. Neste contexto é possível afirmar que a revolta tenha sido uma simples luta contra a chibata. O fim dos castigos corporais era uma das mudanças propostas, havia outras que somente podem ser entendidas quando analisadas à luz da relação entre marinheiros e oficiais, no período que vai de meados do século XIX às primeiras décadas do século XX. Mas, sem dúvida, segundo análise histórica de Nascimento (2001; 2002), havia mais expectativas e esperanças no sentimento dos marinheiros que se levantaram sob o comando de João Cândido e Francisco Dias Martins. A revolta também não representou somente um corre-corre, um encontro de pessoas que nunca haviam se visto e que entraram em luta contra uma lei indesejada. Vale observar que o recrutamento compulsório permaneceu na memória individual e coletiva, relacionado à fuga. Durante o 2° Reinado, essa arbitrariedade violenta assumia a conotação de caçada humana. Na ausência de voluntários predominava o engajamento por “condução coercitiva” executada pela força policial. Para os marinheiros, as condições de vida e de trabalho não eram nada fáceis. Portanto, era perfeitamente compreensível que o voluntariado aparente fosse raro ou quase inexistente.  


O marinheiro como força de trabalho representa um auxiliar de operações marítimas, seja no âmbito das embarcações de empresas privadas ou de embarcações estatistas, públicas. O marinheiro soldado da Marinha é um militar, portanto, suas funções são as de obediência de rotinização militar, servindo para proteger e garantir a soberania da nação. A revolta em questão reuniu uma parcela bem definida de homens,  em uma atividade de trabalho unissexual, que em determinado momento estabeleceu pontos em comum e decidiu conquista-los. Durante meses houve um planejamento em que eles se organizaram politicamente em diversos locais e elaboraram uma proposta de mudanças, apresentadas ao presidente da República nos dias de novembro de 1910. A sublevação deu-se quando um marinheiro de nome Marcelino Rodrigues levou 250 chibatadas por ter machucado um companheiro da Marinha no interior do navio de guerra denominado Minas Gerais, que se encontrava a caminho do Rio de Janeiro. Os rebeldes assassinaram o capitão do navio e mais três militares. O líder da insurreição, João Cândido – o célebre Almirante Negro -, foi o responsável por escrever a missiva ao presidente da República com as solicitações exigidas para o fim da revolta.
Para aqueles marinheiros, as águas do mar não eram azuis, ao contrário, eram negras como a consciência de sua condição humilhante. Indignados com a alimentação estragada, com os trabalhos pesados e os castigos corporais, os brasileiros se revoltaram na madrugada do dia 23 de novembro de 1910. A tripulação do navio Minas Gerais se amotinou, matou 4 oficiais e conseguiu o apoio do Encouraçado São Paulo, Deodoro, do cruzador Bahia e de mais seis embarcações menores. João Cândido havia encontrado um meio de conquistar a sonhada liberdade: a Revolta da Chibata. Enviaram um ultimato ao Presidente da República: abririam fogo sobre a Capital, se não melhorassem a comida e se não fosse dada anistia aos revoltosos e apontaram os canhões para Capital do país. O trecho do documento confirma a luta pela liberdade na exigência de  reformar o código imoral e vergonhoso que nos rege, a fim de que desapareça a chibata, o bolo, e outros castigos semelhantes; educar os marinheiros que não têm competência para vestir a orgulhosa farda. As autoridades duvidavam que aparentemente marujos conseguissem conduzir a segunda esquadra mais vigorosa do mundo. João Cândido demonstra sua capacidade realizando, perfeitamente, a revolta exigindo, “uma armada de cidadãos e não uma fazenda de escravos que só têm dos seus senhores o direito de serem chicoteados”. Do ponto de vista de guerra naval a revolta foi considerada primorosa, recebendo o adjetivo “Almirante Negro”, designação amplificada pela imprensa.
João Cândido foi levado para o Hospital dos Alienados em 18 de abril de 1911, por lá ficando por alguns meses fazendo exames psiquiátricos e passando por vários médicos para tentar encontrar algum sinal de loucura dele. Com o tempo, os sinais de estresse pós-traumático que obteve ao ver os seus companheiros morrendo na masmorra da Ilha das Cobras foram passando. Fez amizades com pacientes, teve comportamento normal, e estava em um quarto de frente, bem arejado e com muito sol. Contemplava a enseada de Botafogo e lia alguns jornais. Dois meses depois, recebeu alta hospitalar assinada pelo então diretor do hospital, o Dr. Juliano Moreira. Só que a alta não significou a liberdade. João Cândido foi enviado à prisão da Ilha das Cobras por dois anos. Enquanto esteve lá, teve início o julgamento dos marinheiros que participaram da Revolta da Chibata e suspeitos de participação da revolta do Batalhão Naval. Eles não tinham advogados, mas a Irmandade da Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos contratou três dos melhores causídicos para a defesa dos réus: Evaristo de Morais (cf. Morais Filho, 1981), Jerônimo de Carvalho e Caio Monteiro de Barros. Eles entraram em contato social com os marinheiros e os encontraram com a saúde precariamente abalada, fracos e alguns com tuberculose. Os advogados aceitaram a causa, recusando pagamento da Irmandade.
     A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos é uma confraria de culto católico, criada para abrigar a religiosidade do povo negro, que na época da escravidão era impedido de frequentar as mesmas igrejas dos senhores. Mantém em seu calendário uma devoção secular a Nossa Senhora do Rosário. Os negros vindos da África, mesmo com suas próprias crenças, se tornaram devotos quando chegaram ao Brasil, pois, viram um cenário diferente e diante desse cenário construíram suas próprias irmandades. Historicamente a devoção a Nossa Senhora do Rosário tem sua origem entre os dominicanos, por volta de 1200. São Domingos de Gusmão, inspirado pela Virgem Maria, deu ao Rosário sua forma atual. Isto pode ser comprovado em episódios revelados em sua iconografia. A primeira irmandade do rosário foi instituída pelos dominicanos em Colônia (Alemanha), em 1408. Logo a devoção se propagou, sendo levada também por missionários portugueses ao Reino do Congo. A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário chegou ao Brasil em meados do século XVI, sendo a Irmandade dos Homens Pretos de Olinda a mais antiga do país. A partir do fim do período colonial, as irmandades do Rosário passam a ser constituídas pelos “homens pretos”. No Brasil, ela foi adotada por senhores e escravos, sendo que no caso dos negros ela tinha o objetivo de aliviar-lhes os sofrimentos infligidos pelos brancos. Os escravos recolhiam as sementes de um capim incomum cujas contas grossas, são denominadas Lágrimas de Nossa Senhora,  que montavam  terços para rezar.              
Segundo a análise teórica e histórica de Nascimento (2002) aproximadamente cem marinheiros foram indiciados, inclusive os dois sobreviventes da Ilha das Cobras, mas muitos deles já haviam conseguido escapar para outras regiões. Mesmo assim, a Marinha enviava mandados de intimação aos delegados de polícia das principais capitais, para que prendessem os réus e os extraditassem para a capital, no Rio de Janeiro. Os mandados expedidos aos delegados de polícia não alcançaram o resultado esperado e, assim, somente dez marinheiros foram julgados; entre eles, João Cândido, Francisco Dias Martins e Gregório do Nascimento, líderes da primeira Revolta. Durante dois anos, o Conselho de Guerra (tribunal militar da Marinha) registrou o depoimento das testemunhas e dos envolvidos. Foram absolvidos os marinheiros João Cândido, Ernesto Roberto dos Santos, Deusdedit Teles de Andrade, Francisco Dias Martins, Raul de Faria Neto, Alfredo Maia, João Agostinho, Vitorino Nicácio de Oliveira, Antônio de Paula e Gregório do Nascimento, e “suspensa a execução desta sentença em virtude da apelação necessária, interposta para o Supremo Tribunal Militar, na forma da lei”. 
Os quase 75% dos marinheiros a bordo dos navios envolvidos na Revolta da Chibata eram predominantemente analfabetos e negros. Representavam as primeiras gerações de filhos e de netos de ex-escravos ou dos nascidos a partir da Lei do Ventre Livre de 28 de setembro de 1871. Gerações que testemunharam as famílias escravizadas, que ouviram narrativas sofridas e que presenciaram as incontáveis barreiras impostas à ascensão econômica e aos direitos civis. A escravidão deixara rastros e estilhaços. Não passara em brancas nuvens e nem adormecera “em plácido repouso”, conforme versejou o poeta Francisco Otaviano. Nessa perspectiva, pesquisadores do assunto consideram que a Revolta da Chibata e João Cândido Felisberto simbolizam esse cenário. Para Nascimento, “insere a Revolta da Chibata na história das gerações de descendentes de ex-escravos na pós-abolição”.
   No julgamento João Cândido aproximou-se de Evaristo de Morais e o abraçou como se fosse um irmão. Cumprimentou os advogados Jerônimo de Carvalho e Caio Monteiro de Barros, enquanto os outros companheiros, bem nervosos, se entregavam a justas manifestações de alegria. Foram todos ao encontro de João Cândido e cumprimentaram-no, respeitosamente. Mesmo absolvidos, João Cândido e os outros marinheiros foram excluídos da corporação. Perseguido pelos militares, não conseguiu voltar para a Marinha de Guerra, que tanto amava. Tentou entrar na Marinha Mercante, mas quando descobria quem ele era, João Cândido era dispensado. Casou-se três vezes, teve 11 filhos. Foi morar em São João de Meriti, município da baixada fluminense. Passou o resto de sua vida sustentando sua família vendendo peixe na Praça XV. Em 1953, soube que o encouraçado Minas Gerais ia ser vendido como sucata. Então embarcou em um pequeno barco de pesca e foi até o navio durante a noite, e como forma de gratidão beijando seu casco para se despedir. Depois continuou sua vida simples, até que em 1969 se sentiu mal e foi levado ao Hospital Getúlio Vargas, no subúrbio carioca do Méier, aonde faleceria de câncer, aos 89 anos.
         Desnecessário dizer que um advogado tem como representação um profissional oriundo das artes liberais no Ocidente, que é graduado em direito e autorizado pelas instituições da nação em que vive para exercer “jus postulandi”, a capacidade dos legítimos interesses das pessoas físicas ou jurídicas em juízo ou fora dele, quer entre si, quer ante a tutela do Estado. O advogado é, portanto, uma “peça” essencial do sistema de governo na administração da justiça, constituído para assegurar a defesa dos interesses das partes em juízo. Ao nível ideológico a advocacia não é simplesmente uma profissão, mas um “munus publicum”, condicionado por lei, em atendimento ao poder público que beneficia a coletividade e não pode ser recusado, exceto nos casos previstos em lei. É, portanto, um encargo público que embora não seja agente estatal, compõe um dos principais elementos da administração democrática do Poder Judiciário. A palavra múnus se originou diretamente do latim munus, que quer dizer: dever, ônus, função e encargo. O termo múnus é principalmente utilizado no âmbito jurídico, representando “um conjunto de obrigações de um indivíduo”. O múnus também pode ser considerado o trabalho (cargo) de uma pessoa, levando em consideração a necessidade de cumprir obrigações durante o trabalho. O múnus público é todo o dever e obrigação de que os indivíduos prestam para o poder público, baseado por leis e que cubram os interesses de todos os cidadãos em coletividade. Votar ou justificar o voto, prestar depoimento como testemunha, executar um cargo que atinja os amplos interesses da pátria, da ordem social, são alguns exemplos clássicos de múnus públicos. O múnus sacerdotal é o dever, função e obrigação que cabe ao indivíduo que se dedique ao sacerdócio. A igreja católica, em termos de análise comparada, tem como base a “tríplice múnus”, que é formada em torno do múnus sacerdotal, múnus profético e múnus pastoral. 
Navios do tipo Dreadnought simbolizavam um tempo que se anunciava repleto de promessas inovadoras e que adequava a Marinha do Brasil à tecnologia atualizada. A indústria de guerra naval chegava a comparar esse tipo de encouraçado a uma fábrica moderna. Veloz, possuía 12 canhões de calibre padronizado, assentados em seis torres giratórias avante e a ré, que significava a possibilidade de disparar contra alvos localizados à proa (frente) ou popa (atrás) do navio. Podia embarcar uma tripulação de aproximadamente mil homens. Historiadores voltados para o tema observam que tal número era significativo, pois no navio Minas Gerais e no São Paulo concentrava-se um terço das guarnições da Armada brasileira.  Se por um lado os ganhos pareciam notórios, existiam pontos que mereciam atenção. O governo brasileiro comprara uma frota moderna e precisava qualificar e capacitar o seu efetivo. Do ponto de vista técnico-metodológico as tripulações deveriam reconhecer a eficácia dos Dreadnoughst: maquinário, telégrafos, couraça de aço, eletricidade, e outras peculiaridades. Partindo desse objetivo, um número expressivo de marinheiros foi enviado para a Inglaterra a fim de receber treinamento adequado. Era fundamental ter disponível uma quantidade bem maior de braços para executar as tarefas diárias nas embarcações. Mesmo cada navio possuindo uma “tabela de serviços” organizada pelos oficiais, incluindo manutenção, limpeza, pintura etc., a sobrecarga de afazeres fomentava punições e tensões.
Antônio Evaristo de Morais (1871-1939) foi um rábula, advogado criminalista, e historiador brasileiro. Era filho de Basílio Antônio de Morais e Elisa Augusta de Morais. Estudou no colégio beneditino mantido no Rio de Janeiro, então Capital do Império, onde posteriormente lecionou, a partir do ano seguinte à sua formação ali, em 1886. Em 1890 participou da construção do Partido Operário, primeira agremiação partidária de caráter socialista da história do Brasil. Estreou no júri no ano de 1894, trabalhando no escritório Silva Nunes e Ferreira do Faro. Após 23 anos de prática forense, aos quarenta e cinco de idade, veio finalmente a formar-se em Direito, sendo na ocasião o orador de sua turma. Foi cofundador da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), em 1908. Na década de 1910 trabalhou na defesa dos marinheiros rebelados na Revolta da Chibata, um motim naval no Rio de Janeiro, ocorrido no final de novembro de 1910. Representou o resultado direto do uso de chibatadas por oficiais navais racistas brancos ao punir marinheiros afro-brasileiros e mulatos. Tornou célebre a campanha pela anistia dos presos, que somente suspenderam a revolta com a promessa jamais cumprida do governo reacionário brasileiro não cometer represálias contra os rebeldes.  
           Em 1910, oficiais liderados por João Cândido sacudiram o País, reivindicando o fim dos castigos físicos na Marinha. Depois de longas e tensas negociações, a Revolta da Chibata foi reprimida; e os rebeldes, presos. Porém, a imagem de João Cândido – o Almirante Negro, nos dizeres da imprensa – seguiu viva. Teve até quem planejasse transportar a história do marinheiro para as luzes do cinema. O documentário “A Vida de João Cândido”, do diretor Alberto Botelho, começou a ser produzido em 1910 e foi finalizado em 1912. Em 22 de janeiro de 1912, o chefe da polícia do Rio de Janeiro, Belizário Fernandes da Silva Távora, proibiu a estreia. Belizário nasceu em Jaguaribe-Mirim, 25 de maio de 1868, filho de Antônio Fernandes da Silva e Idalina Alves de Lima. Cursou o Seminário de Fortaleza, que abandonou em 1883, quando cursava o 2° ano de Teologia. Estudou no Liceu e no Ateneu Cearense. Morou algum tempo em Manaus. Bacharel em Direito pela Faculdade de Recife, em 1892, radicou-se no Rio de Janeiro a partir de 1897, exercendo a advocacia. Foi delegado, chefe de polícia e tabelião. Como jornalista colaborou em numerosos jornais do Ceará, Amazonas, Espírito Santo, Pernambuco e Rio de Janeiro. Morreu centenário, no Rio de Janeiro.  Por estas razões políticas o curta-metragem nunca foi exibido. - “Se não fizesse o que fez, talvez a esta hora o Rio em peso estivesse revolucionado”, defendeu o jornal Correio da Manhã. Tido hoje como desaparecido, segundo Hoffmann (2018) “o curta-metragem foi o primeiro filme brasileiro a cair nas garras da censura”.  
       Autodidata, Edmar Morel teve uma infância pobre. Seu pai faleceu em 1931, quando Morel tinha vinte anos, deixando a viúva com seis filhos. Começou a trabalhar cedo, em uma casa comercial. Em seguida, trabalhou nos jornais O Ceará e A Rua, como corretor de anúncios, auxiliar de revisor e auxiliar de repórter. Em 1932, foi para o Rio de Janeiro. Passou fome e dormiu na rua, até encontrar o jornalista Maurício de Lacerda, pai de Carlos, que conhecera em Fortaleza. Maurício de Lacerda, importante articulista do Jornal do Brasil, levou-o a trabalhar no jornal, na sessão de anúncios fúnebres. Em 1937, Edmar Morel ingressou no incipiente jornal “O Globo”. Posteriormente trabalhou também em “A Tarde”, no “Diário da Noite” e na badalada revista “O Cruzeiro”, de 1938 a 1947. Morel foi também funcionário do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), durante a chamada “Era Vargas”. Embora tivesse tido problemas com a censura, ele nunca deixou da trabalhar como jornalista, inclusive durante o regime autoritário, implantado em 1° de abril de 1964. Em 1968 ele voltou a trabalhar na revista “O Cruzeiro”, publicando reportagens sobre os mais variados assuntos, porque não contra o governo, como se pode ver em suas memórias póstumas.
Enfim, as condições sociais e jurídicas da Marinha não acompanharam o ritmo das novas tecnologias. Oficiais brancos de elite eram líderes responsáveis pela maioria das equipes de negros e mulatos, muitos dos quais haviam sido forçados à entrar na Marinha por contratos de longo prazo. Estes oficiais frequentemente utilizavam castigos corporais contra seus tripulantes, mesmo para punir “delitos menores”, algo que havia sido banido na maioria dos países e de resto do Brasil. Em resposta, os marinheiros com conhecimento dos processo e métodos de trabalho usaram os novos navios de guerra para um motim cuidadosamente planejado e executado em novembro de 1910. Eles tomaram o controle dos postos de trabalho de ambos os encouraçados novos, um dos cruzadores e um navio de guerra mais velho - um total que deu aos amotinados o tipo de estratégia da recusa que enfraqueceu o resto da Marinha brasileira. Liderados por João Cândido Felisberto, os amotinados enviaram uma carta ao governo que exigia o fim do que eles chamavam de “escravidão praticada pela Marinha”. 
     Esta modernização tecnológica na Marinha do Brasil não foi acompanhada por mudanças sociais, e as tensões entre o núcleo de oficiais contra os tripulantes instigaram muita agitação. Uma citação do Barão de Rio Branco, um estimado político e diplomata profissional, mostra uma das fontes de tensão: Para o recrutamento de fuzileiros navais e homens alistados, trazemos a bordo a escória de nossos centros urbanos, o subproletariado mais inútil, sem preparação de qualquer tipo. Ex-escravos e filhos de escravos compõem as tripulações de nossos navios, a maioria deles de pele escura ou de mulatos escuros. As diferenças raciais na Marinha brasileira seriam imediatamente evidentes para um observador na época: os oficiais encarregados dos navios eram quase todos brancos, enquanto as tripulações eram pesadamente pretas ou, em menor grau, mulatas. Esses homens eram geralmente enviados para a Marinha, empregados como aprendizes quando tinham em torno de 14 anos, e ligados à Marinha por quinze anos. João Cândido Felisberto, o líder da Revolta da Chibata, foi aprendiz aos 13 anos e juntou-se à Marinha aos 16 anos. Indivíduos forçados a entrar na Marinha serviam por doze anos. Voluntários, que com uma percentagem muito baixa do total de recrutas servia por nove anos.

Michel Foucault (2014) apresenta exemplo de suplício e de utilização do tempo. Eles não sancionam os mesmos crimes., não punem o mesmo gênero de delinquentes. Mas definem bem, cada um deles, certo estilo penal. Menos de um século medeia entre ambos. É a época em que foi redistribuída, na Europa e nos Estados Unidos, toda a economia de castigo. Época de grande “escândalos” para a justiça tradicional, época dos inúmeros projetos de reformas; nova teoria da lei e do crime, nova justificação moral ou política do direito de punir; abolição das antigas ordenanças, supressão dos costumes; projeto ou redação de códigos “modernos”: Rússia, 1769; Prússia, 1780; Pensilvânia e Toscana, 1786; Áustria, 1788; França, 1791, Ano IV, 1808 e 1810. Para a justiça penal, uma nova era. No fim do século XVIII e começo do XIX, a despeito de algumas grandes fogueiras, a melancolia festa da punição vai-se extinguindo. Nessa transformação, misturaram-se dois processos. Não tiveram nem a mesma cronologia nem as mesmas razões de ser. De um lado, a supressão do espetáculo punitivo. O cerimonial da pena vai se obliterando e passa a ser apenas um novo ato de procedimento ou de administração. A confissão pública dos crimes tinha sido abolida na França pela primeira vez em 1791, depois novamente em 1830 após ter sido restabelecida por breve tempo: o pelourinho foi suspenso em 1789; a Inglaterra o aboliu em 1837. A punição pouco a pouco deixou de ser uma cena. E tudo o que pudesse implicar de espetáculo desde então terá um cunho negativo; e como as funções  da cerimônia penal deixavam pouco a pouco de ser cumpridas, ficou a suspeita de que tal rito que dava um “fecho” ao crime mantinha com ele afinidades espúrias: igualando-o, ou mesmo ultrapassando-o em selvageria, acostumando os espectadores a uma ferocidade de que todos queriam vê-los afastados, mostrando-lhes a frequência dos crimes, fazendo o carrasco se parecer com o criminoso, os juízes aos assassinos, invertendo no último momento os papéis, fazendo do supliciado um objeto de piedade e de admiração.

A punição vai se tornando, pois a parte mais velada do processo penal, provocando várias seqüências: deixa o campo da percepção quase diária e entra no da consciência abstrata; sua eficácia é atribuída à sua faticidades. A eficácia é atribuída à sua faticidade, não à sua intensidade visível: a certeza de ser punido é que deve desviar o homem do crime e não mais o abominável teatro; a mecânica exemplar da punição muda as engrenagens. Por essa razão, a justiça não mais assume publicamente a parte de violência que está ligada a seu exercício. As caracterizações da infâmia são redistribuídas: no castigo-espetáculo um horror confuso nascia do patíbulo; ele envolvia ao mesmo tempo o carrasco e o condenado; e, se por um lado, sempre estava a transformar em piedade ou em glória a vergonha infligida ao supliciado, por outro lado, ele fazia redundar geralmente em infâmia e violência legal do executor. Desde então, o escândalo e a luz serão partilhados de outra forma; é a própria condenação que marcará o delinquente com o sinal negativo e unívoco: publicidade, portanto, dos debates e da sentença; quanto à execução, ela é como uma vergonha suplementar que a justiça tem vergonha de impor ao condenado; ela guarda distância, tendendo sempre a confiá-la a outros sob a marca do sigilo. É indecoroso ser passível de punição, e pouco glorioso punir. Daí esse duplo sistema de proteção que a justiça estabeleceu entre ela e o castigo que ela impõe. A execução da pena vai se tornando um setor autônomo, em que um mecanismo administrativo desonera a justiça, que se livra desse secreto mal-estar por um enterramento burocrático da pena. Existe na justiça moderna e entre aqueles que a distribuem uma vergonha de punir, que nem sempre exclui o zelo; ela aumenta constantemente: sobre esta chaga pululam os psicólogos e o pequeno funcionário da ortopedia moral. O desaparecimento dos suplícios é, pois, o espetáculo que se elimina; mas é também o domínio sobre o corpo que se extingue.  
Outra controvérsia partia do uso disciplinar pesado pela Marina do castigo corporal até mesmo para punir delitos considerados menores. Enfim, o ato de beber a bordo é considerado uma tradição naval importante, cultivada e ensinada, apesar de não ser autorizada oficialmente. Todavia, é interessante notar que a própria questão da tradição costuma ser naturalizada, como se a pretensa ancestralidade de uma determinada prática justificasse sua manutenção. O objetivo e a característica das tradições é a invariabilidade. O passado real ou forjado a que elas se referem impõe práticas fixas normalmente formalizadas, tais como a repetição. Não só o consumo de etílicos deve restringir-se às situações específicas em certos limites bem definidos de quantidade de unidades a serem consumidas. Obedecendo às características intrínsecas das relações de poder, essas configurações de dominação se reproduzem, estabelecendo novas mediações de poder. No século XIX, essa figuração era assegurada pelo oficialato, com os castigos corporais, visando manter a ordem e a hierarquia, assim como a disciplina nas embarcações para reafirmar a autoridade nas manifestações públicas de sofrimento do infrator. Os inúmeros casos de insubordinação, muitas vezes inflamados pelos efeitos da aguardente e o isolamento da casa, acabavam desmoralizando por atitudes comandantes e oficiais.    

As Forças Armadas brasileiras resolviam os problemas disciplinares castigando o corpo do infrator. No caso da Marinha de Guerra, o tipo de castigo (golilha, chibata, palmatória, prisão a ferros, solitária) e a quantidade aplicada (dias na solitária, pancadas nas mãos e costas) eram definidos após decisão de um Conselho de Disciplina formado pelo comandante e mais dois oficiais a bordo. Embora tais medidas disciplinares tenham sido proibidas na população em geral desde a Constituição Imperial de 1824 e no Exército desde 1874, a Marinha só foi afetada com o golpe republicano de novembro de 1889, quando a legislatura da nova república proibiu tal processo disciplinar. A lei foi rescendida menos de um ano depois, em meio a descumprimento generalizado. Em vez disso, o castigo físico só seria permitido numa Companhia Correcional, criada com o propósito de submeter a regime de disciplina especial os chamados “praças” e punir faltas em casos que não exijam conselho de guerra. As punições iam desde prisão a ferro na solitária, por um a cinco dias, a pão e água. Para as faltas “leves”, até as vinte e cinco chibatadas, no mínimo, para as faltas graves. A legislatura vislumbrou como um freio à prática, já que marinheiros com “históricos” violentos ou de subversão enfrentariam a chibata. A realidade era diferente uma vez que as companhias existiam em qualquer lugar nos navios. O marinheiro poderia ser em tese transferido para a Companhia Correcional, mas sem ter mudanças em suas rotinas diárias de trabalho.    

Bibliografia geral consultada. 
ENGELS, Friedrich, Anti-Duhring. Trad. Émile Bittigelli. Paris: Éditions Sociales, 1971; cap. II, “Notions théoriques”; GRANATO, Fernando, O Negro da Chibata: o marinheiro que colocou a República na mira dos canhões. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2000; NASCIMENTO, Álvaro Pereira do, Do Convés ao Porto: A Experiência dos Marinheiros e a Revolta de 1910. Tese de Doutorado em História. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2002; MORGAN, Zachary Ross, Brazil: The Revolt of the Lasch, 1910 in Twentieth Century Naval Mutinies. London: Frank Cass Publisher, 2003; RODRIGUES, Flávio Luís, Vozes do Mar: O Movimento dos Marinheiros e o Golpe de 64. São Paulo: Editora Cortez, 2004;  VIANA, Larissa, O Idioma da Mestiçagem. As Irmandades de Pardos na América Portuguesa. Campinas: Editora Unicamp, 2007; SILVA, Ana Paula Barcelos Ribeiro da, Discurso Jurídico e (Des) Qualificação Moral e Ideológica das Classes Subalternas na Passagem à Modernidade: Evaristo de Moraes (1871-1939). Dissertação de Mestrado em História. Departamento de História. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2007; ALMEIDA, Silvia Capanema Pereira de, Nous, Marins, Citoyens Brésiliens et Républicans: Identités, Modernité et Mémoire de la Revolte des Matelots. Tese de Doutorado. Paris: École des Hautes Études en Ciences Sociales, 2009; ALMEIDA, Sílvia Capanema Pereira de, “A Modernização do Material e do Pessoal da Marinha nas Vésperas da Revolta dos Marujos de 1910: Modelos e Contradições”. In: Estudos Históricos.  Rio de Janeiro, vol.23, n° 45, 2010; SOUSA, Cláudio Barbosa de, Marinheiros em Luta: A Revolta da Chibata e suas Representações. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. Universidade Federal de Uberlândia, 2012; FOUCAULT, Michel, Vigiar e Punir. Nascimento da Prisão. 42ª edição. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 2014; SANTOS, Lauciana Rodrigues dos, Da Roseta as Estrelas: Um Debate sobre a Representação Feminina na Marinha Brasileira. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Filosofia e Ciências. Marília: Universidade Estadual Paulista, 2014; HOFFMANN, Bruno, “Filme sobre o Almirante Negro inaugurou a censura no cinema nacional”. In: https://almanaquebrasil.com.br/2018/01/03/; NEVES, José Roberto de Castro, Como os Advogados Salvaram o Mundo. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2018; entre outros.

sexta-feira, 20 de abril de 2018

Mendigos & Indigentes - Notas Sobre Vidas nas Cidades Brasileiras.

                                           Ubiracy de Souza Braga

                  “Só os mendigos conseguem contar as suas riquezas”. William Shakespeare

             
            O conceito errôneo de que mortalidade e sobrevida são intercambiáveis vem do uso leigo ou de alguma forma estigmatizado dos termos. Porém, em bioestatística, sobrevida é um conceito derivado de um procedimento analítico específico, enquanto mortalidade é uma variável de desfecho  geralmente resultante de análise comparada entre dois ou mais grupos em um momento de apropriação de tempo e espaço. Sobrevida, por sua vez, constitui uma variável relacional entre tempo e evento: ela mede o tempo entre o início da observação até a ocorrência de um evento. A análise de sobrevida é importante quando o tempo entre exposição e evento é de interesse clínico. A comparação da mortalidade no final do período não discrimina entre tempos de sobrevida mais longos e mais curtos. Na análise de sobrevida, dados censurados não são o mesmo que dados faltantes. Portanto, não são necessários métodos de imputação. Censura por perda de acompanhamento só é aceitável para uma pequena mostra/porcentagem de casos e quando se assume que o prognóstico dos participantes com perda de acompanhamento é o mesmo daqueles que permaneceram no estudo. O desfecho na análise de sobrevida não precisa tempo até a morte; podem ser de outros desfechos do tipo tempo-até-evento, como tempo até engravidar após tratamento de fertilidade e tempo até desmame do ventilador etc.
            A expressão higienismo pode ser vista como um agregado do caráter de intervenção e não é desprovido de sentido, na medida em que tem raízes na própria vida social da metrópole. A rigor, esse tipo de ação não cessa de se destruir para se reconstruir mobilizado socialmente como forma institucional dos centros das metrópoles que só aparentemente manifestou sinais de esgotamento como legitimação de produção do espaço e dominação organizada da metrópole. A mendicância é por assim dizer, o calcanhar de Aquiles no espaço denominado campo urbanístico.   Mendigo, mendicante, pedinte ou “morador de rua”, “sem-teto” ou “sem-abrigo” é o indivíduo que vive em extrema carência material e afetiva da família e do Estado, não conseguindo obter as condições mínimas de salubridade e conforto com meios próprios. Tal situação de indigência força o indivíduo a viver na rua, perambulando de um local para o outro, de uma região para outra. O estado de indigência ou mendicância social é um dos indicadores estatísticos mais graves dentre as diversas gradações da pobreza social. Situações de indigência estão associadas a problemas com a perda de identidade, à cultura do desemprego, alcoolismo, ou patologias congênitas de foro psiquiátrico. Mendigos obtêm os seus rendimentos, no plano político, através de subsídios estatais, ou sociais, com a institucionalização da mendicância nas igrejas, semáforos, ou locais movimentados nas grandes metrópoles. Por viverem à deriva da sociedade, morando nas ruas, sem trabalho, sem escolaridade e patrimônio de qualquer espécie, o indigente não se ajusta ao padrão de comportamento.


            Uma pesquisa publicada pelo IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada com base em dados estatísticos de 2015 projetou que o Brasil tem pouco mais de 100 mil pessoas vivendo em “situações de ruas”. O Brasil tem 207.660.929 habitantes, segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgada no Diário Oficial da União. A data de referência para a coleta de dados é 1º de julho. Em 2016, a população era estimada em pouco mais de 206 milhões habitantes. Ipso facto o texto intitulado: “Discussão Estimativa da População em Situação de Rua no Brasil” indica dados sociais que os grandes municípios abrigavam, naquele ano, a maior parte dessa população. Das 101.854 pessoas “em situação de rua”, 40,1% estavam em municípios com mais de 900 mil habitantes e 77,02% habitavam municípios com mais de 100 mil pessoas. Nos municípios menores, com até 10 mil habitantes, a porcentagem era aparentemente menor 6,63%. O especialista em políticas públicas e gestão governamental e também autor do estudo, Marco Antonio Carvalho Natalino, ressaltou a importância de dados técnicos atualizados sobre o tema, pois eles são essenciais à formulação e regulamentação de políticas públicas para essa parcela de brasileiros.                
            Para ele o Brasil não conta com dados oficiais sobre a população em “situação de rua”. Esta ausência prejudica a problematização de políticas públicas voltadas para este contingente e reproduz a “invisibilidade social” da população de rua no âmbito das políticas sociais. Para contornar esta dificuldade, o analista apresenta estimativa da população em situação de rua no Brasil utilizando-se de dados disponibilizados por 1.924 municípios via Censo do Sistema Único de Assistência Social (Censo Suas). Com base nessas informações, realizou-se um modelo linear generalizado. O modelo teórico considera variáveis de crescimento demográfico, centralidade e dinamismo urbano, vulnerabilidade social e serviços voltados à população de rua, bem como o número de pessoas em “situação de rua” cadastradas no Cadastro Único para Programas Sociais do governo federal. Estima-se que existiam, em 2015, em torno de 101.854 pessoas em situação de rua  no Brasil. O desenvolvimento e o diagnóstico da população  pode fomentar a incorporação deste segmento nas atividades locais de vigilância assistencial, incluindo maior tratamento de incorporação no chamado Cadastro Único.             
            Com o golpe de Estado de 17 de abril de 2016 reafirma-se a tese segundo a qual o Brasil representa uma sociedade (des)informada e autoritária. A prática do golpe de Estado legal, segundo Michael Löwy, parece ser a nova estratégia das oligarquias latino-americanas. Testada em Honduras e no Paraguai (países que a imprensa costuma chamar de “República das Bananas”), ela se mostrou eficaz e lucrativa para eliminar presidentes (muito moderadamente) de esquerda. Agora foi aplicada num país que tem o tamanho de um continente. Historicamente a reconstrução da democracia ganhou ímpeto após o fim da ditadura civil-militar, em 1985. Uma das marcas episódicas é a voga que assumiu a palavra cidadania do ponto de vista ideológica de reprodução do imaginário individual e coletivo. Políticos, jornalistas, intelectuais, líderes sindicais, dirigentes de associações, simples cidadãos, quase todos a adotaram. A cidadania, com a liberdade dos meios de comunicação caiu na ideologia. Ela substituiu o próprio povo na retórica política. Havia ingenuidade no entusiasmo, na crença na democratização das instituições, na manifestação do pensamento, na ação política e sindical livre. Com o voto difundido diante da sociedade globalizada, pluralista. Após a Proclamação da República, em 1889, e da Constituição de 1891, surge de entremeio o novo Código Penal de 1890. 
 
Apesar de criticado, é o marco mais um importante na história do Brasil, visto que aboliu a pena de morte e a partir dele “instalou-se o regime penitenciário de caráter correcional, o que contribuía um avanço na legislação penal”. Ainda há criminalização da mendicância e da vadiagem no Código Penal de 1890 segue a mesma linha de seus antecessores. Em capítulo denominado “Dos mendigos e ébrios” prevê cinco artigos sobre a mendicância já desgastado pelo tempo e o próprio processo de urbanização das metrópoles: Art. 391. Mendigar, tendo saúde e aptidão para trabalhar: Pena – de prisão celular por oito a trinta dias. Art. 392. Mendigar, sendo inábil para trabalhar, nos lugares onde existem hospícios e asilos para mendigos: Pena - de prisão celular por cinco a quinze dias. Art. 393. Mendigar fingindo enfermidades, simulando motivo para armar á comiseração, ou usando de modo ameaçador e vexatório: Pena - de prisão celular por um a dois meses. Art. 394. Mendigar aos bandos, ou em ajuntamento, não sendo pai ou mãe e seus filhos impúberes, marido e mulher, cego o ou aleijado e seu condutor: Pena - de prisão celular por um a três meses.    
Isto quer dizer o seguinte a formação social brasileira é autoritária desde as suas origens. É racista do ponto de vista da formação do Estado nacional e da estrutura das classes sociais. É violenta no sentido estrito de extermínio humano. Se deixarmos de lado provisoriamente este aspecto amplamente analisados por historiadores e cientistas políticos, lembramos sua misoginia com crimes bárbaros contra as mulheres brasileiras o que gerou a Lei Maria da Penha que representa um marco na história social de luta dos movimentos de mulheres. Ela veio para corrigir a desigualdade de poder que existe entre homens e mulheres em nossa sociedade e que se expressa de forma oculta, protegida pelas paredes do lar e naturalizada pela cultura machista. Em 2001 o Brasil foi condenado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) ante a impunidade e o padrão de ineficácia da ação judicial e tolerância estatal frente aos casos de violência doméstica contra as mulheres no Brasil. A violação contra Maria da Penha faz parte de um padrão geral de negligência e falta de efetividade do Estado para processar e condenar aos agressores, e prevenir essas práticas degradantes.  Dos relatos etnográficos de violência registrados na Central de Atendimento nos dez primeiros meses de 2015, representam dados estatísticos em torno de 85,85% que corresponderam a situações concretas de violência doméstica e familiar contra as mulheres.
Mendicância Praça do Ferreira (CE) é “limpeza social”.
No capítulo “Dos vadios e capoeiras”, o Código de 1890 define a vadiagem como a conduta de “deixar de exercitar profissão, ofício, ou qualquer mister em que ganhe a vida, não possuindo meios de subsistência e domicilio certo em que habite; prover a subsistência por meio de ocupação proibida por lei, ou manifestamente ofensiva da moral e dos bons costumes”. Em meados de 1890 a ideologia preventiva do Estado legitimava a criminalização daqueles que configuravam em si os elementos: pobreza e ociosidade; punindo também aqueles que se ocupavam de atividades consideradas ilícitas, como a caça de gatos de rua para venda a restaurantes e; a venda de sapatos e botas encontrados nos lixos aos sapateiros para que os consertassem. Caracterizam-se esses tipos sociais em conformidade com o Código Penal de 1940 que excluiu a mendicância de seu rol de crimes passando a considerá-la contravenção penal, prevista no artigo 60 da Lei de Contravenções Penais - Decreto-Lei nº 3.688/41. Art.60.
Mendigar, por ociosidade ou cupidez: Pena - prisão simples, de quinze dias a três meses. Parágrafo único. Aumenta-se a pena de um sexto (1/6) a um terço (1/3), se a contravenção é praticada: a) de modo vexatório, ameaçador ou fraudulento; b) mediante simulação de moléstia ou deformidade; c) em companhia de alienado ou de menor de dezoito anos. Espécie de contravenção penal inafiançável, o tipo de mendicância previa punição para o agente que pedisse, ao menos uma vez, esmola por ociosidade ou cupidez, sendo passível a hipótese de exclusão da ilicitude do fato pela configuração de estado de necessidade do artigo 24 do Código Penal de 194019. É notável o fato de que a Lei de Contravenções Penais punia o sujeito que “praticasse a conduta típica estando apto ao trabalho ou pela própria ambição ou cobiça”. Aquele que, por circunstâncias acidentais de cunho social ou políticas de invalidez (no caso de tortura de regimes autoritários), não pudesse prover sua própria subsistência, mereceria institucionalmente o amparo de entidades assistenciais.
A contravenção de mendicância, porém, foi revogada pela lei número 11.983/09 (PL 4130/01). A partir de 2009 a mendicância deixou de ser um “ilícito penal”, não podendo o mendigo ser punido criminalmente por essa conduta, em virtude da abolitio criminis. Segundo a justificação do PL 4130/01, de autoria do deputado federal  Orlando Fantazzini Neto (PT-SP). Juridicamente, é possível identificarmos manifesta violação do extinto tipo de mendicância ao princípio supremo do direito, o princípio da plena dignidade da pessoa humana. Previsto na Constituição cidadã como um dos fundamentos da República, o valor da dignidade da pessoa humana “por ser aquele que se situa no topo na cadeia axiológica, é o vetor de fundamentação de todos os Direitos e garantias fundamentais”. Pode-se concluir que, por ser conduta a ser extirpada da sociedade por meio da prestação de assistência social aos agentes e não criminalizada, e ser a tipificação manifestamente inconstitucional por violar o princípio da dignidade da pessoa humana, a dita “contravenção de mendicância” foi acertadamente revogada.
Arquitetura hostil: bancos antimendigos (SP).
  O Partido Trabalhista é tradicionalmente considerado o mais esquerdista do Reino Unido, e cresceu em meio aos movimentos dos trabalhadores no século XIX, durante a Revolução Industrial. Formado em 1900, inicialmente funcionava como um grupo parlamentar para pressionar o governo. O partido só se aproximaria do poder pela primeira vez em 1924. Os trabalhistas também integraram a coalizão partidária, formada por Winston Churchill, por ocasião do período da 2ª guerra mundial. Em 1945, os trabalhistas derrubaram Churchill. Clement Atlee foi eleito primeiro-ministro trabalhista, sendo o primeiro a chegar ao posto na história do partido. Atlee ajudou na reconstrução do Reino Unido após a 2ª guerra, além de ter criado as bases para o moderno Estado britânico. Uma de suas contribuições mais importantes foi o desenvolvimento do Serviço Nacional de Saúde.
             Apesar de avanços, os trabalhistas não conseguiram vencer as eleições em 1951, e ficaram na oposição durante 13 anos, como o Partido dos Trabalhadores (PT), no Brasil, até que Harold Wilson foi eleito primeiro-ministro em 1964, durante quatro mandatos, não foram consecutivos. Estimulado pelo liberalismo social, o governo de Wilson foi marcado por várias mudanças na lei sobre divórcio, homossexualidade e aborto. Ele também aboliu a pena de morte e apoiou a guerra imperialista contra o Vietnã (1965-75), mas diferentemente da Austrália e Nova Zelândia, não atendeu ao pedido do governo norte-americano para o envio de tropas. Ele perdeu as eleições de 1970, fato político que foi contra todas as expectativas. Os trabalhistas voltaram ao poder no final da década de 1970, mas o governo de James Callaghan que venceu as eleições partidárias em 1976 e ficou no poder brevemente até 1979, é lembrado injustamente como o “Inverno do Descontentamento”, por causa dos anos de 1978-79, quando várias greves que lutavam por justiça social enfraqueceram o liberalismo do país.
Mais uma vez o legislador demonstra na lei o viés ostentado pelo conjunto social histórico de reprimir a omissão do cidadão apto para o trabalho ou que pratica atividade laborativa ilícita. Conforme assinala a doutrina penalista, o bem jurídico tutelado pela contravenção de vadiagem são os bons costumes, visto que, aos olhos do legislador, a conduta ociosa tende à delinquência social do agente. De certa forma, recompensa-se o condenado à pena do artigo 59 extinguindo essa pena na hipótese de ter ele comprovado a renúncia desse modo de vida (Art. 59, Parágrafo único). Verifica-se, ainda que ligeiramente, uma tentativa de incluir o incidente na contravenção de ociosidade no convívio social aceitável pelo Poder Público, inserindo-o no ambiente de “trabalho regular” e excluindo-o das atividades ilícitas. Não são escassos os relatos etnográficos jurisprudenciais de vadiagem; em oposição assimétrica são diversos os posicionamentos nos inúmeros processos judiciais relacionados à contravenção. A vadiagem (Martins, 2011; Amaral, 2011) pode ser avaliada como um tipo socialmente em desuso, visto que, atualmente, o índice de condenações por essa conduta é consideravelmente baixo.
Ressalte-se que, uma lei em desuso, em que pese seja considerada “letra morta”, ainda pode ser aplicada e apesar de não ser utilizada no quotidiano forense ainda pode ser empregada ao sujeito que se enquadrar na conduta prescrita. Há, inclusive, relatos etnográficos de decisões judiciais a respeito do tema, julgando casos concretos de vadiagem, contrariamente ao texto contravencional. Muito embora haja entendimentos minoritários no sentido de ser o costume eficaz no campo penal para efeitos de revogação de tipos penais, dispõe Mirabete que sociologicamente “como nos demais ramos do direito, a lei somente é revogada por outra lei”. A invisibilidade que envolve os excluídos reflete diretamente na concessão e efetivação dos direitos civis mínimos do sujeito, de tal sorte que “passam despercebidas pela administração pública as medidas destinadas aos mendigos e pessoas em situação de rua”. A questão instigante é: podem esses sujeitos, os quais trafegam à margem da sociedade em situação de miséria e pobreza extrema, ser considerados cidadãos? 
A qualidade de vida é um tema histórico e sociológico que merece destaque pelo fato de se tratar de questões sociais, conjunturais e políticas relacionadas diretamente com a maneira com que os indivíduos conduzem sua forma de vida. A qualidade de vida no trabalho pode ser definida como a representação de um conjunto de práticas e ações sociais dentro da empresa que envolve a implantação e manutenção de melhorias e inovações gerenciais, tecnológicas e estruturais no ambiente de trabalho. Representa, portanto, como a gestão e a educação para o bem-estar no trabalho, com decisões e escolhas baseadas na cultura organizacional e no estilo de vida dos diferentes segmentos ocupacionais. Apesar de ser uma linha de estudo que não é recente e necessitar de detalhamento de situações concretas para melhor compreensão do tema, a qualidade de vida no ambiente de trabalho tem sido com diversas concepções e teorias gerais já ultrapassadas, que trouxeram à tona fatores preponderantes e pioneiros para o desenvolvimento da atividade administrativa em função das condições adequadas de trabalho, incentivos e recompensas salariais oportunas, cuidados com a saúde do trabalhador etc.    

Isto porque o capital é uma relação social entre pessoas, relação que se estabelece por intermédio de coisas. Melhor dizendo, disto resulta que tais relações se convertem em mercadorias porque são os produtos dos trabalhos privados executados com independência uns dos outros. Para os trabalhadores as relações de seus trabalhos privados parecem o que são, isto é, não relações sociais imediatas das pessoas em seus trabalhos, senão relações sociais entre coisas. Só em seu intercâmbio os produtos do trabalho adquirem como valores, uma existência social idêntica e uniforme, distinta da material e uniforme que têm como objetos de utilidade. Esta divisão do produto do trabalho em objeto útil e objeto de valor se ampliam na prática quando o intercâmbio adquire bastante extensão e importância, de modo que os objetos úteis se produzam com vistas ao intercâmbio e seu caráter de valor tenha-se já em conta em sua mesma produção. O futebol, em sua dimensão simbólica e econômica globalizada, mediatizada pelas relações políticas competitivas entre nações e nacionalidades demonstra cabalmente como se dão tais relações sociais e de produção no imaginário individual (sonho) e coletivo (mito), distribuídas através das redes mundiais de televisão. O Código Civil de 2002 claramente dispõe em seu artigo 1º que a personalidade jurídica é característica inerente a toda pessoa. A cidadania, entretanto, consiste em um status social concedido historicamente apenas aos membros que participam com práticas e saberes integrais de determinada comunidade.
Note-se que o termo cidadania tem sido comumente confundido com os direitos políticos do cidadão, definindo-se a própria cidadania como um conjunto de direitos a serem exercidos na esfera política. Alguns autores, por sinal, equiparam os dois termos, para se referirem ao mesmo instituto. A definição de cidadania difere do real significado da palavra, de maneira que omite o conceito histórico e sociológico em sua plenitude. A mera aptidão de exercer direitos políticos positivos e negativos por meio do sufrágio universal é apenas parte do conjunto de direitos a serem garantidos pelo poder público. Pode um criminoso ser considerado cidadão? Para a definição do termo sim, visto que o criminoso em tese pode exercer o direito de votar mesmo enquanto recluso no sistema penitenciário. Porém, essa definição não parece estar correta, pois deixa de incluir direitos de semelhante relevância como os civis e sociais. Por se tratarem de direitos meramente políticos, a igualdade da cidadania não abrange atualmente a igualdade social. A cidadania é classificada como um status concedido pelo Estado contemporâneo que equiparam aos direitos civis os membros de uma sociedade, concedendo-se ao cidadão um conjunto de direitos civis e obrigações de ordem política e social. Na crítica à historiografia são denominados de “cidadãos incompletos” aqueles que possuem alguns dos três direitos compreendidos pela cidadania, em oposição àqueles que não se beneficiam de nenhum direito civil.
Bibliografia geral consultada.
 
CHIAVERINI, Tomás, Cama de Cimento - Uma Reportagem sobre o Povo das Ruas. Rio de Janeiro: Editora Ediouro, 2007; TAVARES, Maurício Antunes, Caminhos Cruzados, Trajetórias Entrelaçadas: Vida Social dos Jovens entre o Campo e a Cidade do Sertão de Pernambuco. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2009; MARTINS, Eduardo, A Invenção da Vadiagem: Os Termos de Bem Viver e a Sociedade Disciplinar no Império do Brasil. 1ª edição. Curitiba: Editora CRV, 2011; PELÁ, Márcia Cristina Hizim, Uma Nova (Des) ordem nas Cidades: O Movimento dos Sujeitos não Desejados na Ocupação dos Espaços Urbanos das Capitais do Cerado - Goiânia, Brasília e Palmas. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Geografia. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2014; PEREIRA, Thiago Fernandes dos Santos, Ação da Cidadania: Betinho e sua Concepção de Democracia. Dissertação de Mestrado. Departamento de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2015; COSTA JÚNIOR, João Batista, Histórias de Vida de Pessoas em Situação de Rua em Natal/RN: Fotografias do Trabalho de Construção Identitária Individual. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2016; COUTINHO, Ricardo Silva,  Cidades Sustentáveis: Conteúdos e Limites do Estado Ambiental na Perspectiva de uma Teoria Estruturante. Tese de Doutorado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2016; CAMPOS, Ariane Graças de, Qual a Dor do Morador de Rua? Dissertação de Mestrado Profissional em Enfermagem. São Paulo: Faculdade de Ciências em Saúde Albert Einstein, 2016; HAN, Byung-Chul, Sociedade do Cansaço. Tradução de Enio Paulo Giachini. 2ª edição. Petrópolis (RJ); Editoras Vozes, 2017; TIENGO, Verônica Martins, “O Fenômeno População em Situação de Rua Enquanto Fruto do Capitalismo”. In: Textos & Contextos (Porto Alegre), vol. 17, n° 1, pp. 138 - 150, jan./jul. 2018; entre outros.