Ubiracy de Souza Braga
“Sérgio Moro, demonstrou seu próprio partidarismo. In: New York Times, 23 de
janeiro de 2018.
O conservadorismo, em certo sentido,
surgiu do tradicionalismo, pois, de fato, ele é primordialmente nada mais do
que o tradicionalismo tornado consciente. Apesar disso, os dois não são
sinônimos, na medida em que o tradicionalismo só assume seus traços
especificamente conservadores, enquanto expressão de um modo de vida e
pensamento, como um movimento relativamente autônomo no processo social. O
conservador somente pensa em termos gerais no âmbito da sociedade nos “sistemas
como reação”, quando é forçado a desenvolver um sistema próprio para contrapor
ao dos progressistas. Quando a marcha dos acontecimentos, o priva de qualquer
influência sobre o presente imediato, de tal forma que ele seria obrigado a
“girar a roda da história para trás” a fim de reconquistar a sua influência ao
nível ideológico ou político propriamente dito. Sua natureza peculiar pode ser
mais claramente percebida em seu conceito de propriedade de forma anteriormente
diversa da propriedade de hoje. Aquele sentido genuíno trazia consigo certos
privilégios para seu dono – por exemplo, dava-lhe vez nas questões de Estado, o
direito de caçar, de se tornar membro de júri etc.
Dessa
forma a propriedade estava estreitamente ligada à honra pessoal e ao prestígio,
como analisou Max Weber com seus “tipos puros de dominação legítima” e,
portanto, era em certo sentido inalienável. Assim, existia uma relação
completamente intransferível e recíproca entre uma propriedade em particular e
um dono em particular. O conceito de “tipo ideal” se situa no ponto de
convergência de várias tendências do pensamento weberiano. Ele está ligado à
noção de compreensão, pois todo tipo ideal é uma organização de relações
inteligíveis próprias a um “conjunto histórico” ou a uma “sequência de
acontecimentos”. Por outro lado, o tipo
ideal está associado ao que é característico da sociedade e da ciência
moderna, a saber, o processo de racionalização, tão bem desenvolvido pela “haerentia”
da Escola de Frankfurt a partir da concepção de Jürgen Habermas. E, de fato,
Habermas tem como escopo de sua análise os chamados “países capitalistas
avançados” que desde o último quartel do século XIX apresentam duas tendências
evolutivas razoáveis: 1) um incremento da atividade intervencionista do Estado,
que deve assegurar a estabilidade política do sistema e, 2) uma crescente
interdependência de investigação técnica, que transformou as ciências na
primeira força produtiva. Ambas as tendências destroem aquela constelação de
marco institucional e subsistemas de ação racional dirigida a fins, pela qual
se caracteriza o capitalismo de tipo liberal. Ipso facto, é que não se
cumprem, assim, condições relevantes de aplicação social comparativamente na
economia política na versão que Marx, com razão, lhe dera relativamente ao
capitalismo liberal, ou seja, já não pode também desenvolver-se uma teoria
crítica da sociedade na “forma exclusiva de uma crítica da economia política”.
Na medida em que a atividade estatal
visa à estabilidade e o crescimento do sistema econômico, e o caso brasileiro
situa-se com exemplaridade neste aspecto no mundo ocidental, a política assume
um peculiar caráter negativo. Preso político, Lula revela aspectos políticos por
trás da sentença jurídica que o condenou à prisão, e eticamente, recebe
manifestações de solidariedade do mundo inteiro. Orienta-se para prevenção das
disfuncionalidades e evitamento dos riscos que possam ameaçar o sistema; portanto,
a política não visa a realização de fins práticos, mas a resolução de questões
técnicas. Mas a solução de tarefas técnicas não está referida à discussão
pública. As discussões públicas poderiam antes problematizar as condições
marginais do sistema, dentro dos quais as tarefas da atividade estatal se
apresentam como técnicas. A nova política do intervencionismo estatal exige,
por isso, uma despolitização da “massa da população”. Por outro lado, o marco
institucional da sociedade continua separado dos sistemas de ação racional
dirigida a fins. A sua organização continua a ser uma questão de práxis ligada à comunicação e não apenas
da técnica, ainda que sempre de cunho científico. Mas no caso brasileiro o mass mídia controla a informação
política.
Deste
modo, sem dúvida, os interesses continuam a determinar a direção, as funções e
a velocidade do progresso técnico. Mas tais interesses definem de tal modo o
sistema social como um todo, que coincidem com o interesse pela manutenção do
sistema. A forma privada da valorização do capital sobre o processo de trabalho
e de comunicação é a chave de distribuição das compensações sociais, garantem a
lealdade da população, mas, todavia, permanecem como tais subtraídas à
discussão. Como variável independente, aparece então um progresso quase
autônomo da ciência e da técnica, do qual depende de fato a outra variável mais
importante do sistema, a saber, o crescimento econômico. Na modernidade cria-se
assim uma perspectiva na qual a evolução do sistema social parece estar
determinada pela lógica do progresso técnico-científico. A legalidade imanente
de tal progresso parece produzir as coações materiais pelas quais se deve
pautar uma política que se submete às necessidades funcionais.
O
fundamental é que essa insistência sobre o “concreto”, ou antiga concretização
do conhecimento, é um sintoma do fato político de que o conservadorismo conhece
os processos históricos em termos de relações e situações que existem apenas
como “restos do passado”, e do fato de que os impulsos em direção à ação, que
brotam dessa maneira de se conhecer a história social e política, são também
centradas sobre relações passadas que ainda sobrevivem no presente, daí a ideia
comtiana rememorada nas primeiras páginas do livro O Capital de Marx, com a tese segundo a qual “os mortos tolhem os
vivos”. Ipso facto o pensamento
conservador autêntico tem sua relevância e dignidade baseada em algo mais do
que mera especulação dogmática do Direito, baseada no fato de que as atitudes
vistas desse tipo social ainda sobrevivem em vários setores da sociedade, posto
que historicamente desde Honoré de Balzac, na literatura e Marx na filosofia
política, temos que para o primeiro, “todo dinheiro é sujo por definição”, mas
para o segundo hic et nunc, “todo
Estado é corrupto”. É ideia reiterada na genealogia do poder em Michel
Foucault, para quem “o Estado produz efeitos de poder político”.
Um
preso político é um indivíduo encarcerado numa prisão pelas autoridades de um
país por exprimir, por palavras ou atos, a sua discordância com o regime
político em vigor. A existência de presos políticos está, em regra, associada a
regimes políticos ditatoriais, mas se estende também a países considerados
democráticos. Muitas vezes, são presas pessoas que publicamente questionam ou
protestam contra o governo. Na cadeia, essas pessoas são, muitas vezes,
torturadas, estupradas e até assassinadas. Há casos em que são obrigadas a sair
do próprio país. Atualmente, a prisão política é considerada, por muitos, como
uma violação dos direitos humanos. Analiticamente não queremos perder de vista
que até meados do século XVII, com o absolutismo monárquico, o suplício, para
Michel Foucault, que tematiza “a ostentação dos suplícios” não desempenhava o
papel de reparação moral; tinha, antes, o sentido de uma “cerimônia política”,
o que lembra-nos certamente o lugar que ocupou o coliseu, o anfiteatro da
antiga Roma, objeto de sadismo como analisou brilhantemente o psicólogo e
analista marxista Eric Fromm. O delito originado e compreendido como tal devia
ser considerado como um desafio à ordem e à soberania do monarca: ele
perturbava a ordem de seu poder sobre os indivíduos e as relações entre coisas
no plano material. O suplício público, longo, terrificante, tinha exatamente a
finalidade de reconstituir essa soberania; seu caráter espetacular servia para
fazer participar o povo do reconhecimento dessa soberania. Michel Foucault, no
livro: “Vigiar e Punir” trata do “Suplício”, composto por dois capítulos: “O
corpo dos condenados” e “A ostentação dos Suplícios”.
O
uso de mecanismos baseados no mesmo princípio do panóptico permite que o poder
não tenha que ser exercido e manifestado de forma contínua, já que, na
antiguidade, havia uma pessoa que exercia o poder e observava se ele era
obedecido, agora qualquer pessoa ou mesmo um objeto pode ser um representante
desse poder. O fato de que a vigilância é invisível, isto é, dizer que as
pessoas observadas não podem determinar se elas estão sendo observadas ou não,
torna o comportamento individual controlado, mesmo quando não é monitorado. O
assunto em possível observação tentará obedecer às normas impostas para não ser
sancionado. Foucault entende que o panóptico expressa claramente um tipo de relação
social de domínio que ocorre na era contemporânea: os mecanismos de vigilância
são introduzidos em corpos, fazem parte de um tipo de violência que se articula
através das expectativas e significados que transmitem os espaços e as
instituições. Para a teoria do panóptico de Michel Foucault, a estrutura do
tipo panóptico em que alguns agentes têm o poder de monitorar e sancionar o
comportamento do resto sem que eles possam discernir se estão ou não sendo
monitorados, não se limita apenas ao ambiente prisional em que Jeremy Bentham
imaginou. Na verdade todas as instituições atuais têm esse tipo de organização
de uma forma ou de outra. Embora não seja necessário realizar-se fisicamente, e
mesmo sem monitoramento real a qualquer momento, o fato de conhecer ou
acreditar em nós, monitorado e avaliado irá modificar nosso comportamento em
diferentes ambientes.
Para
desenvolver o tema sobre o individuo e a sociedade, o filósofo apresenta o
estudo do suplicio no século XVIII, como forma de punição aos condenados, onde
relata um esquartejamento, onde o suplício a que um condenado é submetido, é
mostrado com riqueza de detalhes. Em 1757 o esquartejamento é prática
legitimada de demonstração penal. A rotina de uma prisão é descrita através do
regulamento redigido para a Casa dos jovens detentos de Paris e é o que ele denomina
de um “mecanismo de utilização do tempo do condenado”. O suplício representa a
utilização do corpo, entendendo-se por suplício, a pena corporal dolorosa
baseada na proporcionalidade entre a quantidade de sofrimento e a gravidade do
crime cometido. Uma pena para ser considerada como um suplício deve obedecer a
três critérios principais: em primeiro lugar, produzir certa quantidade de
sofrimento que se possa, se não medir exatamente, ao menos, apreciar, comparar
e hierarquizar; o suplício faz parte de um ritual.
É
um elemento na liturgia punitiva, e que obedece a duas exigências, em relação à
vítima, ele deve ser marcante: destina-se a tornar infame aquele que é a vítima
e pelo lado de autoridade da justiça que o impõe, “o suplício deve ser
ostentoso, deve ser constatado por todos, um pouco como seu triunfo”. As teses
de Michel Foucault, adquire cada vez mais conexão de sentido na atualidade: a)
devido à microfísica do terrorismo, b) a manipulação genética, c) as novas
modalidades de vigilância, d) a dimensão de controle das fronteiras. No âmbito institucional, endógeno, como no
caso do ex-presidente Lula, a arquitetura das prisões, a psiquiatria, o
Direito, as políticas do olhar, os novos dispositivos técnicos ou as
representações sociais e de apropriação do corpo. Nascido em uma família
tradicional de médicos, Michel Foucault aparentemente frustrou as expectativas
de seu pai, cirurgião de anatomia em Poitiers, ao interessar-se por história e
filosofia. Para ele o homem é produto das práticas discursivas.
Vejamos
um caso que facilmente se aplica às teses de Michel Foucault, no livro: “Vigiar
e Punir: O Nascimento das Prisões”, como é o caso do filósofo político marxista
italiano Antônio Negri, também conhecido como Toni Negri nascido em Pádua, 1 de
agosto de 1933. Tradutor dos escritos de Filosofia do Direito de Hegel,
especialista em Descartes, Kant, Espinosa, Leopardi, Marx e Dilthey,
tornaram-se conhecido no meio universitário, sobretudo, por seu trabalho sobre
Espinosa, mas sua atividade acadêmica sempre foi intimamente ligada à atividade
política. Foi líder do grupo guerrilheiro comunista de carácter terrorista:
“Brigadas Vermelhas”. Negri ganhou notoriedade internacional nos primeiros anos
do século XXI, após o lançamento do livro Império 1 - que se tornou um
manifesto do movimento antiglobalização - e de sua sequência, o livro:
“Multidão”, ambos escritos em coautoria com seu ex-aluno Michael Hardt.
No
dia 7 de abril de 1979 foi preso por várias acusações, dentre as quais, a de
ser o ideólogo das “Brigate Rosse” e mandante moral do homicídio de Aldo Moro,
líder da Democracia Cristã italiana, ocorrido em 1978. Negri foi preso
juntamente com outros membros da “Autonomia Operária”: Oreste Scalzone, Emilio
Vesce, Alessandra Del Ré, Luciano Ferrari Bravo, Franco Piperino e outros.
Cumpriu quatro anos e meio em prisão preventiva. Durante o período que passou
na prisão, conseguiu provar sua inocência com relação a quase todas as
acusações, inclusive as de envolvimento em 17 homicídios e associação às
“Brigadas Vermelhas”, grupo responsabilizado pelo sequestro e morte de Aldo
Moro. Foi condenado a 30 anos de prisão num controverso processo nomeado de
“associação subversiva”, ou ainda “conspiração contra o Estado” e “insurreição
armada”, pena que foi reduzida para 17 anos. A Anistia Internacional denunciou
os processos políticos italianos e a repressão à contestação chamando atenção
para as “irregularidades legais sérias” no manejo do caso Antonio Negri. O
próprio Michel Foucault, tendo em vista a repercussão política do caso
posteriormente comentou: “Ele não está na cadeia simplesmente por ser um
intelectual?”. Outros intelectuais franceses, além de Foucault, como Gilles
Deleuze, Félix Guattari e Jean-Pierre Faye também manifestaram apoio a Toni Negri
e seus companheiros.
A
finalidade do suplício é punir e intimidar a sociedade para assim impedir a violação das leis. Diante disso, não seria
menos cruel matar o indivíduo sem provocar sofrimento, evitando assim o sistema
das “mil mortes”? Considerando o objetivo do suplício, essa solução seria
ineficaz, pois a correlação entre a quantidade de sofrimento e a gravidade do
ato era imprescindível para se alcançar a eficácia do sistema. Isso pode ser
comprovado pela existência do chamado “código jurídico da dor”, um conjunto de
decisões jurisprudenciais dos tribunais franceses, no qual estava disposta a
hierarquia do sofrimento atribuído aos supliciados, prevendo desde o número de
golpes de açoite à quantidade de mutilações.
Esta forma de penalidade de crimes vai dando lugar a outras formas de
correção, a novos projetos de reformas, novas leis, nova justificação oral ou
política do direito de punir que enfatiza o caráter corretivo da pena. Seu fim
é correlato ao mal-estar na sociedade: os suplícios transformavam carrascos em
criminosos, juízes em assassinos e o supliciado em objeto de piedade. A mudança
localiza-se na busca pelos efeitos perversos que a pena causa, e a intenção do
ato visa qualificar o indivíduo. A pena não mais se destina a sancionar a
infração, mas a controlar e neutralizar sua periculosidade. Assim se controla o
que os indivíduos são, serão ou passarão a ser.
Queremos Lula livre e na Presidência da Republica. |
Os
sistemas punitivos concretos são relações sociais de ordem jurídica ou ética.
Não apenas para reprimir, impedir, excluir e suprimir, mas também para
propiciar o efeito positivo e útil sociologicamente com a submissão do corpo,
seja ideologicamente, pela força, calculada, organizada, mas sempre ordem
física. Há um savoir-faire que ele
denomina tecnologia política do corpo, que é difusa, não sistemática; sem
relação entre si, multiforme, de difícil localização. Trata-se de uma
microfísica do poder posta em jogo pelos aparelhos e instituições, não
apropriadas, mas utilizada estrategicamente, de forma dinâmica e perpassando as
várias instancias de poder. Portanto, o
suplicio é considerado uma “arte quantitativa do sofrimento”, que o mesmo
deveria produzir sofrimento, ser ostentoso, e ser guardado na memória dos
homens. - “Nos excesso dos suplícios, se investe toda a economia do poder”. O
suplicio judiciário é identificado como um ritual político, pois a infração
prejudica o direito de que faz valer a lei, já que o crime praticado ataca a vítima,
mas também o soberano. O suplício objetiva sustentar a política do medo, ao
tornar pública, no corpo do criminoso, a presença autoritária do soberano;
explicando assim a presença do aparelho repressivo para manter a ordem durante
o sacrifício, demonstrando a força que o soberano pode contra seus inimigos.
Analisando
a fundamentação da sentença sob a ótica beccariana e foucaultiana da punição,
partindo-se das estruturas normativas punitivistas dos séculos passados, de
acordo com a análise de Munarini (2017), é possível identificar uma
pessoalidade muito significativa em relação à decisão do então magistrado Sérgio
Moro no processo que condenou Lula à prisão. É sabido que a ânsia por punição
em nosso país é uma característica muito presente no sistema penal, sobretudo
acerca de casos envolvendo pessoas públicas. A mídia completa este cenário,
fomentando a necessidade de ver na prisão todos aqueles que são acusados de
algum crime, ainda que tudo indique que sejam inocentes. Deste ponto de vista
há que se falar numa deficiência argumentativa, pois o magistrado, por diversas
vezes, discursou sobre a operação em questão, além de pousar para fotos ao lado
de adversários políticos do réu Luiz Inácio Lula da Silva, bem como se tornou
uma celebridade, por assim dizer, em nosso país e internacionalmente.
É
inocente pensar que o princípio da imparcialidade do juiz fora respeitado nas
linhas de uma sentença judicial baseada em convicções e, nas suas entrelinhas,
pautada num intenso clamor social. E é justamente sobre este clamor social o
segundo ponto a ser tratado aqui. Na análise foucaultiana da punição, o clamor
do povo, é por si só, muitas e muitas vezes a sentença antecipada de uma
conduta supostamente delituosa. Por assim dizer, o povo decide antes se o
acusado é culpado ou não. Aliás, o estigma que um acusado carrega, ultrapassa
até mesmo uma sentença absolutória, ele é a marca eterna de uma culpa projetada
por uma plateia de espectadores que julgam com o juiz. Não por estar repleta de
provas, mas no cotidiano da vida o próprio juiz deixava escapar seu animus nas capas das revistas, manchetes
e jornais, rádios, entrevistas e até como lidava com a fama, mesmo sendo um
juiz e, não, contrariamente um ator Global.
Quais
às intenções em expor um réu, que apesar dos pesares, tem um amplo apoio
popular? Há certa obscuridade, afirma Munarini, quando pensamos em como certas
conversas grampeadas entre Lula e seus familiares, advogados e companheiros
foram divulgadas sem qualquer respaldo jurídico, sem falar em uma coação
coercitiva assinada por um juiz na qual já havia sido informado, como é de
domínio público, que o réu se demonstrava solícito quanto à responsabilidade de
prestar seus depoimentos. Expor um acusado para que seja julgado pelo povo é
uma lógica perversa que perpetua há séculos no sistema penal mundial. O
interrogatório é se não, um meio de escrachar o ser humano, muito mais do que
obter verdades honrosas assinadas a termo. As audiências televisionadas que
envolviam Lula e suas testemunhas eram também dias de julgamentos em todo o
Brasil. Na república que guarda como fundamento a dignidade da pessoa humana é
preciso ter redobrado cuidado com a técnica do interrogatório.
A
sentença, desprovida de argumentação sólida e como já falado anteriormente,
recheada de convicção, é um documento que empurra mais um ser humano à punição
injusta. Indo ao encontro das alegações finais, resta claro que Lula é vítima
de uma perseguição política estapafúrdia situada numa “guerra jurídica” ou de “lawfare“,
com apoio de parcela expressiva da mídia, bem como, uma gama de direitos
individuais, foram violados, por meio de uma devassa na vida privada dele e de
seus familiares. Em uma capa da revista Isto
É, fora colocado o Juiz Sérgio Moro em posição de adversário, “lutando” como
se estivesse numa arena contra Lula. Isso demonstra de modo que, uma revista
amplamente assinada no Brasil, teve total liberdade de colocar um magistrado como opositor de um réu. Para além do baixo
comprometimento da mídia com a democracia, o que assusta é um juiz de primeira
instância que ao julgar um ex-presidente, sabendo que sua decisão pode
interferir drasticamente no cenário político do país, não toma as medidas
cabíveis para evitar que sua imagem seja amplamente divulgada para,
nitidamente, prejudicar o réu. Pergunta-se, quando um juiz pode tornar-se parte
de um processo? Qual o ponto de conexão entre a parcialidade de uma autoridade,
a opinião pública e uma condenação esperada por boa parte da população?
Na
dita sentença, o presente juiz Sérgio Moro guarda parte dela para se defender
das imputações da conduta de compactuar diversas vezes com a imprensa: “Em
ambiente de liberdade de expressão, cabe à imprensa noticiar livremente os
fatos. O sucessivo noticiário negativo em relação a determinados políticos, não
somente em relação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, parece, em
regra, ser mais o reflexo do cumprimento pela imprensa do seu dever de noticiar
os fatos do que alguma espécie de perseguição política a quem quer que seja.
Não há qualquer dúvida de que deve-se tirar a política das páginas policiais,
mas isso se resolve tirando o crime da política e não a liberdade da imprensa”.
Este é o entendimento dele que contraria a imparcialidade posta na
Constituição. Reflexões como estas norteiam o sistema punitivista há vários
séculos. O julgamento de uma conduta, muitas vezes tem mais a dizer sobre o
julgador, do que sobre o julgado. A tríade punitiva amplamente instalada em um
processo baseado em convicções, opiniões políticas e perseguições. Não é o ser humano que perde a oportunidade de julgamento justo, é a Justiça, que
sendo obstruída do seu caminho de equidade acima de tudo, é colocada a
postos de anseios pessoais e ardilosos. É na lógica beccariana de Justiça, que
fica claro entender um sistema criminal injusto e covarde. A jurisprudência
criminal tem afastado da ideia de justiça e aproximado do mecanismo de
utilização do uso da força e do poder. Como se nela residisse a solução do
problema criminal. O suplício é a prisão que detém o acusado.
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Editor, 1998; FREITAS, Ricardo de Brito Albuquerque Pontes, As Razões do Positivismo Penal no Brasil
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Willy, “Caso Lula mostra que falta muito para o Brasil ser uma democracia na
prática”. In: https://www.diariodocentrodomundo.com.br/30/01/2018; Artigo: "Lula não é mártir, mas sim perseguido, diz Frei Betto": In: https://www.brasil247.com/pt/247/07.04.2018; entre outros.
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