Ubiracy de Souza Braga
“Quem não soube a sombra, não sabe
a luz”. Taiguara
O que poderia ser mais objetivo do
que o funcionamento da ideologia? Embora se constitua uma surpresa para muitos,
a verdade é que em nossa cultura liberal-conservadora, quer a percebamos ou
não, o sistema ideológico socialmente estabelecido e dominante funciona de modo
a representar ou desvirtuar suas próprias regras sociais de seletividade,
preconceito, discriminação e distorção sistemática como normalidade, objetividade e mal(dita)
imparcialidade científica. Compreensivelmente, a ideologia dominante tem uma
grande vantagem na determinação do que pode ser considerado um critério
legítimo de avaliação do conflito, já que controlam efetivamente as
instituições culturais e políticas da sociedade, o sistema tem dois pesos e
duas medidas, movidos pela ideologia e viciosamente tendencioso, é evidente em
toda parte: mesmo entre aqueles que se orgulham em dizer que representam a
nossa (sua) “qualidade de vida”. Nas
últimas décadas, os intelectuais em geral se intimidaram em admitir a essência de classe
em suas teorias e posturas ideológicas.
Na verdade, a ideologia não é ilusão
nem superstição religiosa de indivíduos mal-orientados, mas uma forma
específica de consciência social, que interpela os indivíduos materialmente ancorada e sustentada. Como
tal, não pode ser superada exclusivamente nas sociedades de classes. Sua
persistência se deve ao fato de ela ser constituída objetivamente e
constantemente reconstituída como consciência prática inevitável das sociedades
de classe, relacionada com a articulação de conjuntos de valores e estratégias
rivais que tentam controlar o “metabolismo social” em todos os seus principais
aspectos. Mas que se entrelaçam conflituosamente e se manifestam no plano da
consciência, na grande diversidade de discursos ideológicos relativamente
autônomos, que exercem influência sobre os processos materiais mais tangíveis.
O metabolismo social é um dado de realidade concreta utilizado para a compreensão dos processos
sociais em uma época, e se nesse dado momento houve a existência de
sustentabilidade. Taiguara foi vítima da censura da ditadura militar golpista nos
anos de 1960 e 1970.
As
ideologias são determinadas pela época em dois sentidos. Primeiro, enquanto a
orientação conflituosa das várias formas de consciência social prática
permanecer a característica mais proeminente dessas formas de consciência, na
medida em que as sociedades forem divididas em classes. Em outras palavras, a
consciência social prática de tais sociedades não podem deixar de ser
ideológica – isto é, idêntica à ideologia – em virtude do caráter
insuperavelmente antagônico de suas estruturas sociais. Segundo, na medida em
que o caráter específico do conflito social fundamental, que deixa sua marca
indelével nas ideologias conflitantes em diferentes períodos históricos, surge
do caráter historicamente mutável – e não em curto prazo – das práticas
produtivas e distributivas da sociedade e da necessidade correspondente de se
questionar radicalmente a continuidade da imposição das relações
socioeconômicas e políticas que, anteriormente viáveis, tornam-se cada vez
menos eficazes no curso do desenvolvimento histórico. Os limites de questionamento são determinados, colocando em primeiro plano desafios ideológicos em ligação com o surgimento de meios
mais avançados de satisfação das exigências fundamentais sociais.
O
lugar mais seguro para ser religioso, com liberdade de crença é justamente em
sociedades democráticas, laicas e livres. O imaginário individual (o sonho) e
coletivo (os mitos, os ritos, os símbolos) dessas sociedades garante sua
liberdade de crer no que desejar. Em ter o amigo imaginário que quiser, sem ser
incomodado ou perseguido por outras crenças. Basta compreender o conceito de respeito
às religiões e liberdade de crença, pois são conceitos originados pelo
laicismo, pelo ateísmo, pelo humanismo, mas não pela religião. Pensemos nas
fogueiras, nas cruzadas, no que ainda sofrem os crentes em países religiosos,
por não seguirem a religião de Estado, para compreender a dimensão do valor
nestas sociedades. Note bem: o conservadorismo é um fenômeno universal para
toda a espécie humana. Mas analiticamente é também um novo produto das
condições históricas e sociais desta época, no que podemos dizer que há dois
tipos de conservadorismo. Aquele arquétipo que é mais ou menos universal, e
outro definitivamente moderno que é resultado de circunstâncias históricas e
sociais particulares e que se ancora em suas tradições, forma e estrutura
próprias e particulares. Poderíamos chamar o primeiro arquétipo de
“conservadorismo natural” e o segundo de “conservadorismo moderno”, se a
palavra “natural” não estivesse já carregada de diversos significados e matizes
desde o debate eurocêntrico da década de 1960 a respeito no âmbito da filosofia
existencialista como de resto nas ciências sociais.
Os
judeus, disse uma vez Léon Poliakov, são franceses que, ao invés de não irem
mais à igreja, não vão mais à sinagoga. Na tradução humorística de Hagadah,
essa piada designava crenças no passado que deixaram de organizar práticas. As
convicções políticas parecem, hoje, seguir o mesmo caminho. Alguém seria
socialista por que foi, sem ir às manifestações, sem reunião, sem palavra e sem
contribuição financeira, em suma , sem pagar. Mas reverencial que
identificatória, a pertença só se marcaria por aquilo que se chama uma voz.
Este resto de palavra, como o voto de quatro em quatro anos. Uma técnica
bastante simples manteria o teatro de operações desse crédito. Basta que as
sondagens abordem outro ponto que não aquilo que liga diretamente os adeptos ao
partido, mas aquilo que não os engaja alhures, não a energia das convicções,
mas a sua inércia. Os resultados da operação contam então com restos da adesão.
Fazem cálculos até mesmo com o desgaste de toda convicção. Pois esses restos, esses
cacos, como diz o genial teólogo Leonardo Boff, indicam o refluxo daquilo em
que os interrogados creram na ausência de uma credibilidade que os leva para
outro lugar. Na imagem em passeata pela redemocratização, Taiguara com Beth Carvalho e Luiz Carlos Prestes.
Ora,
a capacidade de crer parece estar em recessão em todo o campo político. A
tática é a arte do fraco. O poder se acha amarrado à sua visibilidade, mas
esta, é uma armadilha. Mas a vontade de “fazer crer”, de que vive a
instituição, fornecia nos dois casos um fiador a uma busca de amor e/ou de
identidade. Importa então interrogar-se sobre os avatares do crer em nossas
sociedades e sobre as práticas originadas a partir desses deslocamentos.
Durante séculos, supunha-se que fossem indefinidas as reservas de crença. Aos
poucos a crença se poluiu, como o ar e a água. Percebe-se ao mesmo tempo não se
saber o que ela é. Tantas polêmicas e reflexões sobre os conteúdos ideológicos
em torno do voto e os enquadramentos institucionais para lhe fornecer não foram
acompanhadas de uma elucidação acerca da natureza do ato de crer. Os poderes
antigos geriam habilmente a autoridade. Hoje são os sistemas administrativos,
sem autoridade, que dispõem de mais força em seus “aparelhos” e menos de
autoridade legislativa. Portanto, metodologicamente, sem se reconhecer a determinação das ideologias
historicamente (condicionada) como a consciência prática dos rituais das
sociedades de classe, a estrutura interna permanece completamente
ininteligível.
É
neste sentido que devemos diferenciar, entretanto, três posições ideológicas
fundamentalmente distintas, com sérias consequências para os tipos de
conhecimento compatíveis com cada uma delas. A primeira apoia a ordem
estabelecida com uma atitude acrítica, adotando e exaltando a forma vigente do
sistema dominante, por mais que seja problemático e repleto de contradições, tendo
como o horizonte absoluto da própria vida social. A segunda, exemplificada por
pensadores de perspectivas radicais como Jean-Jacques Rousseau, revela
acertadamente as irracionalidades da forma específica de uma anacrônica sociedade
de classes que ela rejeita a partir de um ponto de vista. Mas sua crítica é
viciada pelas próprias contradições de sua própria posição social, igualmente
determinada pela classe social, ainda que seja historicamente evoluída. E a
terceira, contrapondo-se às duas posições sociais anteriores, questiona a viabilidade histórica da própria
sociedade de classe, propondo, como objetivo central de sua intervenção prática
consciente, a superação de todas as formas de antagonismo de classe. Apenas o
terceiro tipo social de ideologia pode tentar superar as restrições associadas
com a produção do conhecimento prático dentro do horizonte da consciência
social dividida, sob as condições da sociedade dividida em classes sociais. A
questão prática pertinente, então,
permanece a mesma, melhor dizendo, sugere como resolver pela luta o conflito
fundamental relativo ao direito de controlar o “metabolismo social” como um
todo.
A
censura no Brasil, tanto cultural como política, vem durante todo o período
após a colonização e recolonização do país. Embora a maioria da censura estatal
tenha terminado pouco antes do período da redemocratização que começou em 1985,
o Brasil ainda experimenta uma larga quantidade de censura aparentemente não oficial
hoje. A legislação restringe a liberdade de expressão em relação ao racismo, e
a Constituição promulgada em 1988,
proíbe o anonimato, embora a liberdade de expressão seja cumprida. Com o golpe
de Estado de 17 de abril de 2016 tudo volta a ser como dantes no quartel de
Abrantes. A música da banda “Os Paralamas do Sucesso”, intitulada: “Luís Inácio
(300 Picaretas)”, tematizada a partir de uma frase do ex-presidente da
República Lula, em que ele dizia que a Câmara são alguns homens honrados e uma
maioria de 300 picaretas, lançada em 1995, fazia protestos sobre a política
brasileira, mencionando os chamados “anões do orçamento” e a corrupção geral. O
deputado mineiro Bonifácio Andrada se indignou, vetou a música em um show em
Brasília e lançou um protesto autoritário no Congresso nacional, querendo
proibir a canção, o que a imprensa logo considerou anticonstitucional. O
processo ideológico não deu em quase nada, apenas vetaram a exibição de “300
Picaretas” em rádios e lojas de discos.
Diretas-Já, na Candelária, no Rio de Janeiro (1984) |
A
polêmica toda ajudou os “Paralamas” a voltarem para os holofotes após um
período obscuro. O documentário “Di Cavalcanti” (1976), um curta-metragem de 18
minutos realizado pelo cineasta Glauber Rocha numa homenagem ao pintor
brasileiro Di Cavalcanti (1897-1976), por ocasião de sua morte, teve sua
divulgação no Brasil proibido judicialmente, neste caso, a pedido da filha de
Di Cavalcanti. No filme, foram incluídas algumas cenas do velório de Di Cavalcanti
no Museu de Arte Moderna (MAM), no extraordinário Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro, bem
como de seu enterro. Segundo matéria publicada na Folha de S. Paulo, o sobrinho
de Glauber Rocha, João Rocha, teria “driblado” a proibição colocando comercialmente o
vídeo na Internet – rede mundial de
computadores, em provedores fora do Brasil, para o “internauta” baixar livremente. Em
3 de novembro de 1999, o estudante de medicina Mateus da Costa Meira, então com
29 anos, matou três pessoas e feriu outras quatro durante uma sessão do filme
“Clube da Luta” em um cinema de São Paulo. Mateus ficou marcado ou reconhecido como “o
atirador do shopping”.
Foi condenado em 2004 a 120 anos de prisão. Em
depoimentos ele teria citado o jogo Duke
Nukem 3D, que traz um cinema em um trecho da primeira fase. Mesmo quase
quatro anos depois de lançado, o jogo teve a venda proibida. Desde 18 de
janeiro de 2008, a comercialização de livros, encartes, etc., contendo o jogo “Counter-Strike”
está proibida em território brasileiro: “pois é muito violento”, conforme
decisão da justiça do país. O juiz responsável argumenta que Counter-Strike e o jogo Everquest “trazem imanentes estímulos à
subversão da ordem social, atentando contra o estado democrático e de direito e
contra a segurança pública, impondo sua proibição e retirada do mercado”. Ainda
é possível, no entanto, utilizar o gerenciador Steam para comprar eletronicamente qualquer versão do jogo. Como a
comercialização foi proibida, a censura falhou, por desconhecimento da
versão 1.5 grátis, portanto
não são comercializáveis, continuam de livre circulação na rede.
Em
várias conjunturas econômicas ou políticas a chamada liberdade de imprensa é
questionada pelos censores de plantão. Muitas reportagens recebem censura
prévia por serem muito sensacionalistas e, em várias vezes, inventadas. No
entanto, existem alguns casos um pouco controversos. Em outubro de 2002 o
jornal Correio Braziliense é proibido
de publicar, com possibilidade de busca e apreensão de eventuais exemplares já
impressos, uma matéria que divulgaria trechos de escutas telefônicas de
funcionários do chamado “alto escalão” do governo do Distrito Federal. De
acordo com o jornal, tais pessoas estariam envolvidas com processos ilegais de “loteamentos
de territórios”. Em protesto contra a censura, o jornal publicou matéria
alegando ter sido censurado e, no dia seguinte, seus diretores de redação
pediram demissão. Apesar de o Ministério da Cultura considerar jogos
eletrônicos obras culturais e de expressão, aparentemente não existe nenhum
movimento público contra a proibição de jogos no país. Várias novelas de
televisão foram censuradas por diferentes motivos que vão do moralismo ao
controle ideológico. Além das censuras que causam controvérsia, também
materiais e espaciais, tiveram a sua veiculação proibida de acordo com determinados
valores sociais.
Ubirajara
Silva, pai de Taiguara, é grato à música por ter daí tirado o sustento da família,
entretanto se ressente do alheamento à vida familiar por cerca de cinquenta anos,
em decorrência de uma rotina fatigante que, entre outras coisas, tornou-o um homem
desorganizado – isso ele diz como a justificar certa “bagunça” no escritório onde
estão seus discos de carreira e um LP de Elis Regina, de que participara
tocando bandoneón. Suas lembranças se movem entre o prazer e o sofrimento das
longas jornadas noturnas, imbuído da responsabilidade de manter a família com
certo conforto. Ubirajara é convicto até hoje de que o melhor que um pai pode
oferecer a um filho é uma boa formação educacional; ao filho, por sua vez,
compete responder à altura, com muita dedicação aos estudos. Neto de músico,
Ubirajara se viu instado a concretizar um sonho que herdou do pai, Glaciliano
Corrêa: ver os filhos em carreiras sólidas. Glaciliano Corrêa, compositor e
instrumentista que também se dedicava ao conserto, afinação, idealização e
fabricação de instrumentos musicais, queria que Ubirajara estudasse num bom
colégio, mas isso não foi possível em virtude de dificuldades financeiras que
acabaram por empurrar Ubirajara para a música. Entregue às
lembranças, Ubirajara revive o momento de seu destino de músico, já no Uruguai,
para onde a família se mudara em busca de melhores condições de vida. O tango é
um dos símbolos identitários daquele país, então era mesmo de supor que haveria
ali muitas oportunidades de trabalho para o músico Glaciliano (cf. Pacheco,
2013: 38 e ss.).
Das
expressões artísticas dos antigos habitantes do Uruguai, dos charruas ficaram
muitas poucas testemunhas. Da época colonial tem que destacar os diferentes
encraves militares, especialmente o baluarte da Colônia de Sacramento. O
Uruguai conta com importantes tradições
artística e literárias. Basta mencionar o artista internacional Pedro Figari,
que pintou belas cenas bucólicas ou o grande escritor Mário Benedetti, que goza
de um grande reconhecimento na Espanha. A música do Uruguai partilha as suas
origens gaúchas com a Argentina, de forma que o tango tem uma importância
relevante neste país. Na música clássica produzida no Uruguai, nota-se a
influência de compositores espanhóis e italianos. É no século XX que se começa
a verificar uma definição nacional da música deste país, com a incorporação de
elementos latino-americanos na obra de, por exemplo, Eduardo Fabini e Héctor
Tosar. Na década de 1960 um movimento social vigoroso indicou a altura do tipo
folclórico em qual eles estão fora: Anselmo Grau, Jose Carbajal, Los
Olimareños, Osiris Rodriguez Castillos, Ruben Lena, Aníbal Sampayo, Alfredo
Zitarrosa, Héctor o Numa Moraes, Santiago Chalar, Yamandú Palacios, Pablo
Estramín, e os pares de Los Zucará, e Larbanois-Carrero.
Às vezes localizado na
beira de folclore de loucura, o Uruguai tem ilustra tradição de cantautores que
inclui Romeo Gavioli, Eduardo Mateo, Daniel Viglietti, Eduardo Darnauchans,
Laura Canoura, Aníbal Pardeiro, Jaime Roos, Ruben Rada, Fernando Cabrera, Mauricio
Ubal, Gabriel Put e outros. Dentro da batida de tipo romântica e nós não
podemos deixar entrar nenhuma menção à assembleia ”popular o Iracundos” de
evento impressionante na Argentina, como também de resto em toda a América
Latina, comparativamente, incluindo México e os EUA. O
lirismo dos versos de canções como “Gracias a la vida”, gravada também por Elis
Regina embalou o ânimo de gerações de revolucionários latino-americanos em
momentos em que a vida era questionada nos seus limites mais básicos, assim
como a letra comovedora de “Rin de Angelito”, quando descreve a morte de um
bebê pobre: - “En su cunita de tierra lo arrullará, una campana mientras la
lluvia le limpia, su carita en la mañana”.
Vale lembrar que nenhum dos povos de
“nuestra” América constitui uma nacionalidade multiétnica. Em todos os casos,
seu processo de formação foi suficientemente violento para compelir a fusão das
matrizes originais em novas unidades homogêneas. Somente o Chile, por sua
formação peculiar, guarda no contingente Araucano, uma micro etnia diferenciada
da nacional, historicamente reivindicante do direito de ser ela própria, ao
menos como modo diferenciado de participação na sociedade nacional. Os chilenos
e os paraguaios contrastam também com os outros Povos-Novos, na impressionante e maravilhosa descrição etnográfica
na pena antropocêntrica de Darcy Ribeiro, “pela ascendência principalmente
indígena de sua população e pela ausência do contingente negro escravo, bem
como do sistema de plantation”, que tiveram papel tão saliente na formação dos
brasileiros, dos antilhanos, dos colombianos e dos venezuelanos. Ambos
conformam, juntamente com a matriz étnica original dos rio-platenses, uma
variante dos chamados Povos-Novos.
Desde
a década de 1960 quando surgiram os Especiais
do Festival de Música Popular Brasileira, pela TV Record, até o final da década
de 1980, a televisão brasileira foi marcada pelo sucesso dos espetáculos
transmitidos; apresentando os novos talentos, registravam índices recordes de
audiência. No Festival conheceu Chico Buarque, mas acabou desistindo de
gravá-lo devido “à impaciência com a timidez do compositor”. Elis Regina
participou do especial intitulado: “Mulher 80”, pela Rede Globo de Televisão,
num desses momentos marcantes para os telespectadores. O programa exibiu uma
série de entrevistas e musicais cujo tema dizia respeito à condição da mulher
brasileira e a discussão do papel feminino na sociedade de então, abordando
esta temática no contexto da música nacional e da inegável preponderância das
vozes femininas, entre elas: Maria Bethânia, Fafá de Belém, Zezé Motta, Marina
Lima, Simone, Rita Lee, Joanna, Elis Regina, Gal Costa e as participações
especiais das atrizes Regina Duarte e Narjara Turetta, que protagonizaram o
seriado Malu Mulher.
A
partir de 1968, com a instituição do AI-5 - Ato Institucional n°. 5, inicia-se
a fase de maior repressão de todo o governo militar. O fechamento do Congresso
Nacional, a suspensão dos direitos políticos, a prisão e o exílio daqueles que
se opunham ao poder marcaram os anos seguintes. Muitos intelectuais e cantores,
como Chico Buarque e Gilberto Gil que se despede do Brasil com o samba, “Aquele
Abraço” foram obrigados a deixar o país. Elis Regina se tornou reconhecida
nacionalmente em 1965, ao vencer o Festival de Música Popular Brasileira
consagrado pela TV Excelsior, com a música “Arrastão”, de Edu Lobo e Vinicius
de Moraes. Intensificou sua carreira no exterior em 1969, ano em que fez show
nas principais capitais europeias e latino-americanas. Em 1972, o governo
militar golpista organizou um show em homenagem ao Sesquicentenário da
Independência. Por causa disto. A participação política de Elis nesse evento
acabou levando-a ao “cemitério dos mortos-vivos”, famosa seção de quadrinhos
que o cartunista Henfil mantinha no tabloide anarquista Pasquim.
Taiguara,
além de excelente músico, cantor, compositor e arranjador com visão muito além
de seu tempo, criador de melodias que não se enquadravam no jazz ou bossa nova
que predominavam nos anos 1960-70, foi pelo que se pode inferir por suas
letras, um compositor, sobretudo, existencialista, romântico e esperançoso. Considerado
um dos símbolos da resistência à censura durante a ditadura militar brasileira,
Taiguara foi um dos compositores mais censurados na história da MPB, tendo 68
canções censuradas e escreveu uma, “Cavaleiro da Esperança”, em homenagem ao
comunista Luís Carlos Prestes. Os problemas com a censura levaram Taiguara a se
autoexilar na Inglaterra em meados de 1973. Em Londres, estudou no Guildhall School of Music and Drama e
gravou o “Let the Children Hear the Music”, que nunca chegou ao mercado
globalizado da música, tornando-se o primeiro disco estrangeiro de um
brasileiro censurado no Brasil. Em 1975, voltou ao Brasil e gravou o “Imyra,
Tayra, Ipy” - Taiguara com Hermeto Paschoal, participação de músicos como
Wagner Tiso, Toninho Horta, Nivaldo Ornelas, Jacques Morelenbaum, Novelli, Zé
Eduardo Nazário, Ubirajara Silva (pai de Taiguara), e uma orquestra sinfônica
de 80 músicos. O espetáculo de lançamento do disco foi cancelado e todas as
cópias foram recolhidas pela ditadura militar a full time em apenas 72 horas. Em seguida, Taiguara partiu para um
segundo autoexílio que o levaria ao continente negro (África) e à diversos
países da Europa por vários anos.
Em
relação aos países capitalistas, a crítica ocupou-se especialmente dos mass
media e da publicidade. Com excessiva facilidade, conservadores e mesmo
analistas marxistas concordaram em censurar o caráter comercial dessas
atividades. Essas acusações não atingem o cerne da questão. Sem falar que
dificilmente seria mais imoral lucrar com a multiplicação de notícias ou de
sinfonias do que com pneus, ou seja, uma crítica desse tipo ignora exatamente o
que distingue historicamente a “indústria da consciência” de todas as demais, a
saber: que o desenvolvimento das mídias eletrônicas, a chamada “indústria da
consciência” tornou-se o marca-passo
do desenvolvimento socioeconômico da sociedade global. Nos seus ramos mais
evoluídos ela nem trabalha mais com mercadorias; livros e jornais, quadros e
fitas gravadas são apenas seus substratos materiais, que se volatizam sempre
mais com a crescente maturidade técnica, desempenhando papel econômico
destacado somente em seus ramos mais antiquados, como as tradicionais editoras.
O rádio, não pode mais ser comparado a uma fábrica de fósforos. Seu produto é
totalmente imaterial. Não se produzem nem se divulgam entre as pessoas bens,
mas “opiniões, juízos e preconceitos, conteúdos de consciência os mais
variados”. Quanto mais recuam os seus suportes materiais, quanto mais são
fornecidos de forma abstrata e pura, tanto menos a indústria viverá da sua
venda de mercadorias.
A exploração material precisa abrigar-se atrás do imaterial e conseguir por
novos meios a adesão dos dominados. A acumulação de poder político segue-se à
de riquezas. Já não se penhora apenas força de trabalho, mas a capacidade de
julgar e de decidir-se. Não se elimina a exploração, mas a consciência da
exploração. Começa-se com a eliminação de alternativas a nível industrial, de
um lado através de proibições, censura e monopólio estatal sobre todos os meios
de produção da “indústria da consciência”, de outro lado através de
“autocontrole” e da pressão através da realidade econômica. Em lugar do
depauperamento material, a que se referia Marx, aparece um processo imaterial,
que se manifesta mais claramente na redução das possibilidades políticas do
indivíduo: uma massa de joões-ninguém políticos, à revelia dos quais se decide
até mesmo o “suicídio coletivo”, como tem ocorrido particularmente nos Estados
Unidos da América, defronta-se com uma quantidade cada vez menor de políticos
todo-poderosos. Que esse estado seja aceito e voluntariamente suportado pela
maioria, é hoje a mais importante façanha que tem como escopo a aura da
indústria da consciência.
A
ambiguidade que existe nessa situação, de que a “indústria da consciência”
precisa sempre oferecer aos seus consumidores aquilo que depois lhes quer
roubar, repete-se e aguça-se quando se pensa em seus produtores: os
intelectuais. Estes não dispõem do aparato industrial, mas o aparato industrial
é que dispõe deles; mas também essa relação não é unívoca. Muitas vezes
acusou-se a indústria da consciência de promover a liquidação de “valores
culturais”. O fenômeno demonstra em que medida ela depende das verdadeiras
minorias produtivas. Na medida em que ela rejeita seu trabalho por considerá-lo
incompatível com sua missão política, ela se vê dependendo dos serviços de
intelectuais oportunistas e da adaptação do antigo, que está apodrecendo sob as
suas mãos. Os mandantes da “indústria da consciência”, não importa quem sejam,
não podem lhe comunicar suas energias primárias. Devem-nas àquelas minorias a
cuja eliminação ela se destina, melhor dizendo: seus autores, a quem desprezam
como figuras secundárias ou petrificam como estrelas, e cuja exploração
possibilitará a exploração dos consumidores. O que vale para os clientes da
indústria vale mais ainda para seus produtores; são eles há um tempo seus
parceiros e seus adversários. Ocupada com a multiplicação da consciência, ela
multiplica suas próprias contradições e alimenta a diferença entre o que lhe
foi encomendado e aquilo que realmente consegue executar.
Bibliografia geral consultada.
VILARINO, Ramon Casas, A MPB em Movimento: Música, Festivais e
Censura. São Paulo: Editor Olho d’Água, 1999; CRAVO ALBIN, Ricardo, Driblando a Censura: De como o Cutelo Vil incidiu na Cultura. Rio
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BRANCO, Edward de Alencar, Todos os dias
de Paupéria: Torquato Neto e a Invenção da Tropicália. São Paulo: Editora
Annablume, 2005; SILVA, Alberto Moby Ribeiro da, Sinal Fechado: A Música Brasileira sob Censura (1934-45/1969-78).
2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Apicuri, 2008; DIAS, Márcia Tosta, Os Donos da Voz: Indústria Fonográfica
Brasileira e Mundialização da Cultura. 2ª edição. São Paulo: Boitempo
Editorial, 2008; SCOVILLE, Eduardo Henrique Martins Lopez de, Na Barriga da Baleia: A Rede Globo de
Televisão e a Música Popular Brasileira na Primeira Metade da Década de 1970.
Tese de Doutorado. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2008; BUARQUE, Chico, Leche
Derramada. Tradução espanhola de Ana Rita da Costa García. Barcelona:
Ediciones Salamandra, 2010;GHEZZI, Daniela Ribas, Música em Transe: O Momento Crítico da Emergência da MPB (1958-1968). Tese de Doutorado. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas: Universidade Estadual do Ceará, 2011;
PACHECO, Maria Abília de Andrade, Taiguara: A Volta do Pássaro Ameríndio (1980
- 1996). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História. Instituto
de Ciências Humanas. Brasília: Universidade de Brasília, 2013; MESQUITA, Regina Marcia Bordallo de Mesquita, Da Bossa Nova à Barricada: Engajamento Político e Mercado na Carreira de Geraldo Vandré (1961-1968). Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em História Social. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de História. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2015; FERREIRA, Mauro, “Calada há 20 Anos, Voz Resistente de Taiguara Ecoa no Filme Aquarius”. Disponível em: http://g1.globo.com/musica/blog/02/09/2016; BERNADET, Jean-Claude, O Autor no Cinema: A Poética dos Autores: França, Brasil - Anos 1950 e 1960. Colaboração com Francis Vogner dos Resis. 2ª edição atualizada. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2018; entre outros.
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