quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Retiros Evangélicos - Religião ou Alienação do Carnaval.

                                                                                                     Ubiracy de Souza Braga

Paz, carnaval, futebol, não mata, não engorda e não faz mal”. Ivete Sangalo


        A religião é definida como um sistema cultural de comportamentos e práticas, moralidades, crenças, cosmovisões de mundo, textos considerados sagrados, lugares santificados, profecias, ética ou organizações sociais, que geralmente relacionam a humanidade com elementos sobrenaturais, transcendentais e espirituais; no entanto, não há consenso acadêmico sobre o que precisamente constitui uma religião. Historicamente foram propostas várias etimologias para a origem religio. Cícero, na sua obra De natura deorum, (45 a.C.) afirma que o termo se refere a relegere, reler, sendo característico das pessoas religiosas prestarem muita atenção a tudo o que se relacionava com os deuses, relendo as escrituras. Esta proposta etimológica sublinha o caráter repetitivo do fenômeno religioso, bem como o aspecto intelectual. Mais tarde, Lactâncio (séc. III e IV d.C.) rejeita a interpretação de Cícero e afirma que o termo vem de religare, e que a religião é um laço de piedade para religar os humanos a Deus.

No livro A Cidade de Deus Agostinho de Hipona (século IV d.C.) afirma que religio deriva de religere. Através da religião a humanidade reelegia de novo a Deus, do qual se tinha separado. Mais tarde, na obra De vera religione, Agostinho retoma a interpretação de Lactâncio, que via em religio uma relação com “religar”. Diferentes religiões podem ou não conter vários elementos que vão desde o divino, coisas sagradas, fé, um ser sobrenatural ou seres sobrenaturais ou “algum tipo de ultimidade e transcendência que fornecerá normas e poder para o resto da vida”. As práticas religiosas podem incluir rituais, sermões, comemoração ou veneração de divindades e/ou santos, sacrifícios, festivais, festas, transes, iniciações, serviços funerários, serviços matrimoniais, meditação, oração, música, arte, dança, serviço público ou outros aspectos da cultura humana. As religiões têm histórias e narrativas que podem ser preservadas em escrituras, símbolos e lugares sagrados, que visam principalmente dar sentido à vida.

As religiões podem conter histórias simbólicas ou metafóricas, que às vezes são consideradas verdadeiras pelos seguidores, que também podem tentar explicar a origem da vida, o universo e outros fenômenos. Tradicionalmente, a fé, além da razão, tem sido considerada uma fonte de crenças religiosas. Há uma estimativa de 10 mil religiões diferentes em todo o mundo. Cerca de 84% da população mundial é afiliada ao cristianismo, islã, hinduísmo, budismo ou alguma forma de religião popular. A demografia religiosamente não afiliada inclui aqueles que não se identificam com nenhuma religião em particular, ateus e agnósticos. Embora os religiosos não afiliados tenham crescido globalmente, muitos deles ainda mantêm várias crenças religiosas. O estudo da religião compreende uma ampla variedade de disciplinas acadêmicas, como teologia, religião comparada e estudos científicos sociais. As teorias da religião oferecem várias explicações para as origens e seus significados e o funcionamento da religião, incluindo os fundamentos ontológicos do ser e da crença religiosos.

           Ivete Maria Dias de Sangalo Cady, reconhecida como como a cantora Ivete Sangalo. Alcançou  sucesso ainda como vocalista da Banda Eva, vendendo mais de 4 milhões de discos, e chegando a realizar 30 shows por mês. Durante sua carreira já vendeu cerca de 20 milhões de cópias, tornando-se uma das maiores artistas com vendagem de discos no Brasil, ela também possui as duas maiores turnês solo femininas do país, sendo a Madison Tour a maior com mais de R$70 milhões de arrecadação. Ivete Sangalo é uma das maiores e mais importantes figuras da música brasileira, tendo seu sucesso consolidado na história da cultura nacional. Ivete é frequentemente reconhecida pela sua poderosa voz, carisma e notáveis performances durante os seus shows. Em sua carreira, recebeu 15 indicações ao Grammy Latino, tendo ganhado 3 vezes, uma de Melhor Álbum Brasileiro de Raízes/Música Regional em 2005, e os conquistados em 2012 e 2014, por Melhor Álbum de Música Popular Brasileira pelo especial Ivete, Gilberto Gil e Caetano Veloso, e Melhor Álbum de Música Pop Contemporâneo por Multishow Ao Vivo - Ivete Sangalo 20 anos e é recordista do Prêmio Multishow, com 16 conquistas, também a mais premiada nos Melhores do Ano da Rede Globo, com 12 troféus, sendo 9 de Melhor Cantora e 3 de Melhor Música. Ivete também ganhou 7 Troféus Imprensa, sendo a recordista e a cantora mais indicada com 15 indicações de caráter meritório.

Do ponto de vista antropológico, o carnaval é um ritual de reversão, no qual os papéis sociais são invertidos e as normas de comportamento social são suspensas. A letra da música foi escrita pelos compositores Luís Antônio e Jota Júnior, em 1952, mas reconhecida na voz da cantora Marlene, narra a história social de Maria Mercedes Chaves Roy. Nascida em Diamantina, em Minas Gerais, a menina, que chegou a capital fluminense aos 11 anos de idade, viveu nas ruas dos 13 aos 16 anos e foi prostituta até os 33. Ícone do Carnaval carioca, Maria sambou pela primeira vez com uma lata d'água na cabeça aos 18 anos. – “Saía dançando na avenida apenas nas pontas dos dedos. Ajoelhava e sentava no chão, esticava as pernas sentava nos pés, como uma bailarina, equilibrando a lata apenas com o pescoço. Não deixava cair nenhuma gota de água para fora!”. Foram 45 anos de desfiles na Avenida Marquês de Sapucaí por inúmeras escolas, entre elas Salgueiro, Portela, Estácio de Sá, Padre Miguel e Beija-Flor.

        Na Antiguidade, os povos consideravam o inverno como um “reino de espíritos” que precisavam ser expulsos para que clima do verão voltasse. O carnaval, analogamente pode assim ser considerado como um rito de passagem da escuridão para a luz, do inverno ao verão: uma celebração de fertilidade, a primeira festa de primavera do Ano Novo. Entre os antigos egípcios havia as festas de Ísis e do boi Ápis; entre os hebreus, a festa das sortes; entre os gregos antigos, as bacanais; na Roma Antiga, as lupercais, as saturnais. Festins, músicas estridentes, danças, disfarces e licenciosidade formavam o fundo destes regozijos. Os gauleses tinham festas análogas, especialmente a grande festa do inverno que é marcada pelo adeus à carne e a partir dela se fazia um período de abstinência e jejum, como o seu próprio nome em latim “carnis levale” o indica. Outros estudiosos compreendem a origem do nome romano para a festa do “Navigium Isidis” (“navio de Isis”), onde a imagem de Ísis era levada à praia “para abençoar o início da temporada de velejamento”. O festival era um grande e caloroso desfile de máscaras que seguia um barco de madeira decorado, representando a origem dos carros alegóricos dos carnavais modernos e contemporâneo propriamente dito. 

        É preciso compreender, em primeiro lugar, que a experiência religiosa da não homogeneidade do espaço constitui uma experiência primordial, que corresponde a uma fundação do mundo. Não se trata de uma especulação teórica, mas de uma experiência religiosa primária, que precede toda a reflexão sobre o mundo. É a rotura operada no espaço que permite a constituição do mundo, porque é ela que descobre o “ponto fixo”, o centro de toda a orientação futura. Quando o sagrado se manifesta por uma hierofania qualquer, não só há rotura na homogeneidade do espaço, como também revelação de uma realidade absoluta, que se opõe à não realidade da imensa extensão envolvente. A manifestação do sagrado funda ontologicamente o mundo. Na extensão homogênea e onde não é possível nenhum ponto de referência, a hierofania revela um “ponto fixo” absoluto, um “centro”.
            E, contudo, nessa experiência do espaço profano ainda intervêm valores que, de algum modo, lembram a não homogeneidade específica da experiência religiosa do espaço. Existem locais privilegiados, qualitativamente diferentes dos outros: a paisagem natal ou os sítios dos primeiros amores, ou certos lugares na primeira cidade estrangeira visitada na juventude. Esses locais guardam mesmo para o homem mais francamente não religioso, uma qualidade excepcional: são os “lugares sagrados” do seu universo privado, como se neles um ser não religioso tivesse tido a revelação de outra realidade, diferente daquela de que participa em sua existência cotidiana. Uma função ritual análoga é transferida para o limiar das habitações humanas, e é por essa razão que este último goza de tanta importância. Numerosos ritos acompanham a passagem do limiar doméstico: reverências ou prosternações, toques devotados com a mão etc. No interior do recinto sagrado, o mundo profano é transcendido, torna-se possível a comunicação com os deuses; deve existir uma “porta” para o alto, por onde os deuses podem descer a Terra e o homem pode subir simbolicamente ao céu.

           
            Em segundo lugar, para a experiência profana, o espaço é homogêneo e neutro: nenhuma rotura diferencia qualitativamente as diversas partes de sua massa. O espaço geométrico pode ser cortado e delimitado seja em que direção for, mas sem nenhuma diferenciação qualitativa e, portanto sem nenhuma orientação – de sua própria estrutura. Basta que nos lembremos da definição do espaço dada por um clássico da geometria. O conceito do espaço homogêneo e a historicidade desse conceito, tendo em vista que foi adotado pelo pensamento filosófico e científico desde a Antiguidade, constituem um problema completamente diferente. O que interessa à nossa interpretação/subsunção é a experiência do espaço tal como é vivida pelo homem não religioso, diante de um rito de passagem - o carnaval - quer dizer, por um homem que recusa a sacralidade do mundo. Como ritual uma  existência profana jamais se encontra no estado puro. Seja qual for o grau de dessacralização a que  optou por uma vida profana não consegue abolir completamente o comportamento religioso.
           Nesse último sentido, a Igreja pode ser entendida como uma pessoa, isto é, que ela tenha o poder de querer, de pronunciar, de ordenar, de ser obedecida, de fazer leis ou de praticar qualquer espécie de ação. Se não existir a autoridade de uma congregação legítima, qualquer ato praticado por um conjunto de pessoas é um ato individual de cada um dos presentes que contribuíram para a prática desse ato. Não um ato conjunto, como se fosse de um só corpo. Não é um ato dos ausentes ou daqueles que, estando presentes, eram contra a sua prática. Uma Igreja pode ser definida, segundo Thomas Hobbes, como um conjunto de pessoas que professam a religião cristã, ligadas à pessoa de um soberano, que ordena a reunião e que determina, segundo seus princípios, quando não deverá haver reunião. Em todos os Estados semelhantes assembleias são ilegítimas, se não são autorizadas pelo soberano civil, constitui também uma assembleia ilegítima a reunião da Igreja em qualquer Estado em que tiver sido proibida.     
    
          É neste sentido que não há na Terra, portanto, qualquer Igreja universal à qual todos os cristãos devam obedecer, uma vez que não há nenhum poder aos quais todos os outros Estados estejam sujeitos. Nos domínios dos diversos príncipes e estados, existem cristãos, mas cada um deles se sujeita ao Estado do qual é membro, não podendo, por conseguinte, sujeitar-se às ordens de qualquer outra pessoa. Assim, uma Igreja capaz de mandar, julgar, absolver, condenar ou praticar qualquer outro ato é o mesmo que um Estado civil formado por homens cristãos; o Estado civil tem esse nome por serem seus súditos os homens, enquanto a Igreja é assim denominada pelo fato de seus súditos serem os cristãos. Governo espiritual e temporal são apenas palavras trazidas ao mundo ocidental para confundir os homens, enganando-os quanto a seu soberano legítimo.
            É preciso haver um único governante, do contrário se origina a facção e a guerra civil, entre a Igreja e o Estado, entre os espiritualistas e os temporalistas, entre a espada da justiça e o escudo da fé, e, o que é pior ainda, no próprio coração de cada cristão, entre o cristão e o homem. Chamam-se pastores os doutores da igreja, bem como os soberanos civis. é um título conferido por uma variedade de igrejas cristãs a indivíduos de reconhecida importância, particularmente nos campos da teologia ou doutrina católica. Entretanto, se entre os pastores não houver alguma subordinação, de forma que haja apenas um chefe dos pastores, serão ministrados aos homens doutrinas contrárias, que poderão ser falsas, e uma delas necessariamente o será. O soberano civil é o chefe dos pastores, segundo a lei natural. Embora o poder tanto do Estado, enquanto representação de um conjunto de práticas e saberes sociais, quanto da religião estar nas mãos dos reis, nenhum deles deixou de ser fiscalizado em seu uso, a não ser quando eram bem quistos por suas capacidades naturais ou por sua fortuna.
           As divisões mais básicas no cristianismo contemporâneo ocorrem entre a Igreja Católica Romana, a Igreja Católica Ortodoxa e as denominações formadas durante e depois da Reforma Protestante. As maiores diferenças entre Ortodoxia e Catolicismo são culturais e hierárquicas, enquanto as denominações Protestantes apresentam diferenças teológicas mais acentuadas para com as duas primeiras, bem como grande diversificação doutrinária entre suas vertentes. As análises comparativas entre grupos denominacionais devem ser feitas com pesquisa e alguma cautela. Em alguns grupos, congregações são partes de uma organização eclesiástica monolítica, enquanto que em outros grupos, cada congregação representa uma organização autônoma independente. Comparações numéricas também podem ser consideradas problemáticas, no sentido sociológico, pois alguns grupos contam como membros, de forma seleta, tanto os adultos batizados, quanto os filhos batizados dos fiéis, enquanto outros grupamentos admitem entre pares e somente contabilizam os fiéis adultos.
Incardinação e excardinação, numa nomenclatura própria da Igreja Católica consagrada no Código de Direito Canônico e a partir da raiz simbólica do “cardo” tal como cardeal, é receber ou liberar padres ou diáconos por determinado tempo. A primeira refere-se ao ato de admitir ou receber formalmente numa diocese um sacerdote pertencente à outra, e para a segunda, corresponde ao seu oposto (ou antônimo) que é o desligar ou demissão de um clérigo da jurisdição duma para outra. Pode acontecer que incardinar seja concretamente a adscrição de um membro de clero a uma Igreja particular, a uma prelazia pessoal, ou a um instituto de vida consagrada, uma ordem religiosa ou uma congregação, uma sociedade particularizada que tenha faculdade de adscrever clérigos “acéfalos” ou “vagos”. O Concílio Vaticano II intercedeu assim, não só normalizando, mas de fato determinando que se revissem as suas normas, de modo que correspondessem melhor às necessidades pastorais, no sentido de adaptá-las aos tempos, para o bem-comum de toda a Igreja.             
            Na coordenação dos trabalhos na Igreja, o ministério eclesiástico, divinamente instituído, é exercido em diversas Ordens pelos que desde a Antiguidade são chamados bispos, presbíteros e diáconos. Eles recebem o Sacramento da Ordem, nos seus três diferentes graus, para serem “os pastores do povo de Deus”. A Ordem é um dos sete sacramentos do catolicismo que confere o poder e a graça de exercer funções e ministérios eclesiásticos que se referem ao culto de Deus e à salvação das almas, e que imprime na alma de quem o recebe o caráter de ministro de Deus. Pela imposição das mãos e pelas palavras do bispo, este sacramento faz dos homens diáconos ou presbíteros. Atribui-se aos presbíteros os poderes em nome de Jesus, de perdoar os pecados e consagrar o pão e o vinho em corpo e sangue de Jesus Cristo, representando assim a eucaristia e de conferir, conforme o seu grau, os outros sacramentos.  Dentre os graus da Ordem, o supremo entre eles é representado pelo Episcopado, que contém a plenitude do Sacerdócio; em seguida o Presbiterado ou Sacerdócio simples; depois o Diaconato e as Ordens que se chamam menores. O Sacerdócio é necessário na Igreja, porque sem ele os fiéis estariam privados do Santo Sacrifício da Missa e da maior parte dos Sacramentos.

Não teriam quem os instruísse na fé, e ficariam como “ovelhas sem pastor à mercê dos lobos”; em suma, não existiria a Igreja como Cristo a instituiu. O sacramento da Ordem é dividido em duas hierarquias: “Ordens Menores”, as que não consagram de modo definitivo quem as recebia: hostiário, leitor, exorcista e acólito. A palavra hóstia, em latim, quer dizer vítima, que entre os hebreus, era o cordeiro, sem culpa, imolado em sacrifício a Deus. E, respectivamente “Ordens Maiores”, as que consagram de modo definitivo ao serviço de Deus: subdiaconato, diaconato, presbiterado e episcopado. Após as reformas litúrgicas do Concílio Vaticano II, o papa Paulo VI extinguiu as quatro “Ordens Menores” e o subdiaconato. Pelas Cartas Apostólicas Ministeria Quædam, de 15 de agosto de 1972, o Papa Paulo VI manteve o leitorato e o acolitato como ministérios da Igreja Latina, podendo ser concedidos a leigos e sendo obrigatórios aos candidatos ao diaconato e ao presbiterado. Com a denominação de apenas Ordem ficaram os graus de diaconato, presbiterado e episcopado. Os católicos da Fraternidade Sacerdotal São Pio X e das associações tradicionais usam todas as ordens constituídas.    
Por divina instituição, pelo sacramento da Ordem, alguns dentre os fiéis, pelo caráter indelével com que são assinalados, são constituídos ministros sagrados, isto é, são consagrados e delegados a fim de que, personificando Cristo, cada qual no seu respectivo grau apascente o povo de Deus, “desempenhando o múnus de ensinar, santificar e governar”. Na Igreja Católica, somente um varão batizado pode receber validamente a ordenação sagrada. Os presbíteros (padres ou sacerdotes) são os cooperadores da ordem episcopal e participam e exercem com o bispo o único sacerdócio de Cristo. Em virtude do Sacramento da Ordem, são consagrados, à imagem de Cristo, sumo e eterno sacerdote, para pregar o Evangelho, apascentar os fiéis e celebrar o culto divino. Sacerdotes diocesanos são aqueles que estão incardinados em uma diocese e se dedicam plenamente no serviço de pastoreio desta porção da Igreja. São padres diocesanos trabalhando, padres incardinados residentes incorporados definitivamente na diocese e nela exercem seu ministério.                      
O Estado nacional tende a regular a vida doméstica mediante o controle sobre a família e a administração da vida privada. Trata-se de um processo contraditório, pois originariamente a economia pertencia ao domínio do chefe da família e a política à cidadania na polis. A esfera privada da família, fenômeno pré-político na Grécia Antiga, transformou-se num interesse coletivo controlado pelo monopólio de um Estado soberano, consequentemente a esfera privada e a esfera pública correlacionam-se reciprocamente. A passagem das preocupações da esfera privada da família e da casa para o domínio da política anulou a oposição clássica entre a polis e o oikos. A esfera privada atual teve a sua origem nos últimos períodos do Império Romano. Numa época em que devido à desagregação do Império, os cidadãos procuravam afirmar os seus direitos privados nomeadamente o direito de propriedade no espaço público como resposta aos ataques dos bárbaros. Na modernidade, a sociabilidade e a política situam-se no domínio do individualismo possessivo.
           
Carnaval é um festival de representação do cristianismo ocidental que ocorre antes da estação litúrgica da Quaresma. Os principais eventos ocorrem durante o mês de fevereiro ou início de março, durante o período historicamente conhecido como “Tempo da Septuagésima” ou pré-quaresma. O carnaval normalmente envolve uma festa pública e/ou desfile combinando alguns elementos artísticos circenses, máscaras e uma festa de rua pública. As pessoas usam trajes durante muitas dessas celebrações, permitindo-lhes perder a sua individualidade cotidiana e experimentar um sentido elevado de unidade social. As etimologias populares afirmam que a palavra vem da expressão do latim tardio “carne vale”, que significa “adeus à carne”, condicionando o período de jejum que se aproxima. No entanto, esta interpretação não é apoiada por provas filológicas. A expressão “carne levare” do italiano é uma possível origem, que significa “remover a carne”, uma vez que a carne é proibida para o consumo durante a Quaresma. Ipso facto o consumo excessivo de álcool, de carne e outros alimentos proscritos durante a Quaresma é comum. Outras características similares incluem batalhas simuladas, lutas de alimentos, sátira social ou política e zombaria das distorções das autoridades como subsunção a inversão das regras e normas do dia-a-dia.    
Juízo significa, primeiramente, organização e subsunção do individual e particular ao geral e universal, procedendo-se então a uma avaliação ordenada com a aplicação de parâmetros pelos quais se identifica o concreto e de acordo com decisões. Por trás de todos esses juízos há um prejulgamento, um preconceito. Somente o caso individual é julgado, não o próprio parâmetro ou a questão de ele ser ou não uma medida adequada do objeto que está sendo medido. Num dado momento, emitiu-se um juízo sobre o parâmetro, mas agora esse juízo foi adotado, tornando-se, por assim dizer, um meio para se emitirem futuros juízos. Mas juízo pode significar algo totalmente diferente e sempre significa de fato quando nos confrontamos com algo que nunca vimos e para o que não temos nenhum parâmetro à disposição. Esse juízo que não conhece parâmetro só pode recorrer à evidência do que está sendo julgado, e seu único pré-requisito é a faculdade de julgar, o que tem muito mais a ver com a capacidade de discernir do que com a capacidade de organizar e subordinar. Tais juízos sem parâmetros nos são bastante familiares quando se trata de questões de estética e gosto,  historicamente, como observou Immanuel Kant, na filosofia, que não se podem discutir, mas de que se pode, seguramente, discordar e concordar. Na vida cotidiana isso se verifica em face de uma situação desconhecida, que fulano ou beltrano fez um juízo correto ou equivocado.           
            Do ponto de vista antropológico, o carnaval é um ritual de reversão, no qual os papéis sociais são invertidos e as normas de comportamento são suspensas. Na Antiguidade, os povos consideravam o inverno como um “reino de espíritos” que precisavam ser expulsos para que clima do verão voltasse. O carnaval pode assim ser considerado como um rito de passagem da escuridão para a luz, do inverno ao verão: uma celebração de fertilidade, a primeira festa de primavera do Ano Novo. Entre os antigos egípcios havia as festas de Ísis e do boi Ápis; entre os hebreus, a festa das sortes; entre os gregos antigos, as bacanais; na Roma Antiga, as lupercais, as saturnais. Festins, músicas estridentes, danças, disfarces e licenciosidade formavam o fundo destes saborosos regozijos. Pelo seu lado, os gauleses tinham festas análogas, especialmente a grande festa do inverno a que é marcada pelo adeus à carne que a partir dela se fazia um grande período de abstinência e jejum, como o seu próprio nome origina-se em latim “carnis levale” que o indica. Outros estudiosos defendem ardorosamente a origem do nome romano para a festa do “Navigium Isidis” (“navio de Isis”), onde a imagem de Ísis era levada à praia para abençoar o início da temporada de velejamento.
            O festival consistia em um desfile de máscaras que seguia um barco de madeira decorado, possivelmente a origem dos carros alegóricos dos carnavais modernos e contemporâneo propriamente dito. Enquanto a sociedade civil se prepara para a grande festa secular do Brasil, as igrejas evangélicas se organizam para dedicar os quatro dias do feriado a um momento de grande espiritualização e adoração a Deus. O retiro espiritual representa um conjunto de práticas religiosoas e atividades evangélicas que proporcionam tempo aos participantes para olhar os principais pontos da vida, o que está bem, o que está mal e como melhorar. Retiros podem ter diversos formatos e duração, uma forma comum tem dois dias de duração (final de semana) e é realizado em uma casa de retiro, um local que permite contato com a natureza e tranquilidade. São ministradas palestras por sacerdote e leigos, há atividades sociais como Santa Missa, Terço e Via Sacra, entre outras práticas representadas sob a forma de piedade. Milhares de jovens encontram-se na aparentemente na contramão daquilo que se espera que eles façam no carnaval e se unem em encontros cristãos, com direito a pregação, louvor e oração.      
   
A Igreja Renascer em Cristo é uma das inúmeras denominações que, todos os anos, organiza um retiro para os jovens do ministério. E porque diversão não é pecado, os cada vez mais populares acampamentos evangélicos de carnaval reservam espaço na agenda para várias brincadeiras, atividades esportivas, shows, passeios e mergulhos na piscina, para afastar o calor. Outras igrejas seguem a mesma ideia privatista e promovem acampamentos durante o feriado de carnaval, tudo como parte da estratégia de evangelização em uma festa tão tradicional e popular entre os “não crentes”. Vários jovens levam convidados para os acampamentos e muitas pessoas têm sido edificadas pela pregação da palavra e atuação do Espírito Santo nos acampamentos das igrejas. Várias outras igrejas seguem a mesma ideia e promovem acampamentos durante o feriado de carnaval, tudo como parte da estratégia de evangelização em uma festa tão tradicional e popular entre os “não crentes”. O objetivo é afastar jovens do carnaval, promovendo eventos como conferências e retiros religiosos
Gradualmente, a autoridade eclesiástica começou a perceber que o resultado desejado não poderia ser alcançado através da proibição das tradições, o que acabou levando a um grau de cristianização da festividade. Os festivais passaram então a fazer parte da liturgia e do ano litúrgico. Embora formando uma parte integrante do calendário cristão, particularmente em regiões católicas, muitas tradições carnavalescas se assemelham àquelas do período pré-cristão. Acredita-se que o carnaval italiano seja em parte derivado das festividades romanas antigas da Saturnália e da Bacchanalia. As Saturnálias, por sua vez, podem ser baseadas nas festas dionisíacas da Grécia Antiga e em festivais orientais. Enquanto desfiles medievais e festivais como Corpus Christi eram sancionados pela Igreja, o carnaval também era uma manifestação da cultura folclórica medieval. Muitos costumes hic et nunc do carnaval podem derivar de rituais pré-cristãos determinados, regionalizados, tais como os ritos de passagem elaborados que envolvem figuras mascaradas no Fastnacht germânico. No entanto, evidências ainda são insuficientes para estabelecer uma origem direta da Saturnália ou outras festas antigas com o carnaval.
Não existem relatos etnográficos completos de saturnais e as características da festa, como reviravoltas de papéis sociais, igualdade social temporária, máscaras e rompimento de regras permitidas, que comparativamente entre si, não constituem necessariamente aspectos coerentes com esses festivais. Essas semelhanças podem representar um reservatório de recursos culturais que podem incorporar múltiplos significados e funções. Por exemplo, a Páscoa começa com a ressurreição de Jesus, seguida por um período liminar que termina com o renascimento. O carnaval inverte isto com o “Rei Carnaval”, que ganha vida e um período liminar que segue de sua morte. Ambas as festas são calculadas pelo calendário lunar. Tanto Jesus quanto o “Rei Carnaval” podem ser vistos como figuras expiadoras que fazem um presente ao povo com suas respectivas mortes. 
Da Itália, as tradições do carnaval se espalharam para Espanha, Portugal e França, e da França para a Nova França na América do Norte. De Espanha e Portugal, se espalhou com a colonização para o Caribe e a América Latina. No início do século XIX na Renânia alemã e Países Baixos, a tradição medieval enfraquecida também foi revivida. Continuamente nos séculos XVIII e XIX, como parte dos abusos cometidos contra judeus na Saturnalia em Roma, rabinos de guetos eram forçados a marchar através das ruas da cidade usando trajes ridículos, sendo expostos à multidão. Uma petição da comunidade judaica de Roma enviada em 1836, ao Papa Gregório XVI com o objetivo de parar com os abusos anuais saturnalistas obteve uma negação: - “Não é oportuno fazer qualquer inovação”. Há registro na Renânia que em 1823, o primeiro desfile de carnaval moderno ocorreu em Colônia. Algumas das tradições reconhecidas, incluindo desfiles e máscaras, foram registradas pela primeira vez na Itália medieval. O carnaval de Veneza foi, durante muito tempo, o carnaval mais famoso, embora Napoleão tenha abolido a festa em 1797 e só em 1979 a tradição tenha sido restaurada.
O conceito de carnaval na sociedade norte-americana, em particular, remete a uma especialização espacial típica das “sociedades complexas”, onde as relações sociais seriam individualizadas e marcadas por especializações espaciais. O traço fundamental é o individualismo e a ideologia igualitária que, historicamente, corresponde ao indivíduo como categoria política, econômica, moral, social e religiosa. Em sistemas sociais assim constituídos, a vida social deixa de ser marcada pela totalidade, perdendo, por conseguinte sua complementariedade fundamental, aquela que se reflete em grupos tribais no encaixe entre as metades, os clãs ou linhagens que precisam existir, caso contrário o universo social ficaria desfalcado e irremediavelmente ferido. Raros são os momentos em que percebemos o poder e o peso da totalidade com sua rede de ultradeterminações. Um desses momentos, no caso brasileiro durante o carnaval, é um ritual ideológico universalizante e abrangente, envolvendo o sistema e permitindo no seu bojo todos os personagens, gestos, fantasias e músicas. O carnaval norte-americano é, pois, mais do que uma situação, mas um lugar praticado.
Foi através da análise comparativa entre o carnaval do Rio de Janeiro com o de Nova Orleans, que Roberto DaMatta procurava revelar que, no Rio de Janeiro, a festividade estava marcada pela ideologia “do encontro e da comunhão, muito nítida no concurso desinibido dos sexos e das classes sociais”. O carnaval de Nova Orleans parecia realizar justamente o oposto: é localizado, ao passo que o do Rio de Janeiro e generalizado. Isto é, não pertence somente a uma cidade, mas a todo o país. Em New Orleans, o carnaval é uma festa especializada, da cidade, do mesmo modo que o Patriot`s Day, o Easter Parede, o Veleid Prophet`s Ball e o Cherry Blossom Festival são, respectivamente especialidades de Boston, Nova York, St. Louis e Washington. Outro aspecto é que o carnaval brasileiro, embora se realize em quatro dias, é percebido como uma festa compacta: “é tempo do Carnaval”. Um momento especial, onde tudo pode ocorrer; ou seja, um período em que o mundo social fica pleno de potencialidade e deixa de ser focalizado por meio de seus mediadores sociais ordinários. O carnaval do Rio de Janeiro e, portanto, sem temor a erro, do Brasil é, então um período em que se ganha em liberdade e anonimato, vale dizer, em campo de manobra social. 

Como os bailes e desfiles são atividades separadas, tendo como contraponto toda a sorte de encontros privados, quando a população se divide entre ricos e pobres, negros, negros e brancos, o carnaval de Nova Orleans é percebido como algo exclusivo de uma classe, em que elementos de discriminação antissemita e antiitaliana são também encorajados. Assim, os grupos participam do carnaval como entidades corporificadas dando ênfase ao local da cidade de onde vêm a sua cor, posição social e escola a que se foliam. No Rio de Janeiro, o carnaval se ordena em duas categorias básicas: a rua e o clube. Não aprece haver dúvidas de que carnaval é um rito em que o princípio social da inversão é aplicado de modo consistente. Mas inverter é apenas um mecanismo lógico, e nem sempre conduz o evento social numa mesma direção. Nos Estados Unidos, onde uma ideologia individualista e igualitária opera no cotidiano, permite-se que, no mundo invertido do carnaval, a hierarquização dos grupos seja abertamente admitida. A tese de Roberto Da Matta é que precisamente essa hierarquia é que permite relacionar de um ponto de vista sociológico fenômenos tão separados e aparentemente distintos quanto as fraternidades universitárias, a formação de clubes e sociedades secretas (como a Ku Klux Klan) e o Mardi Grass de Nova Orleans.  
Já no caso brasileiro, tudo se passa ao inverso. É precisamente por poder colocar tudo fora de lugar que o carnaval é frequentemente associado a “uma grande ilusão”, ou “loucura”. A transformação do carnaval brasileiro é, pois, aquela da hierarquia cotidiana na igualdade mágica de um momento passageiro. De m odo que, no carnaval, os marginais anônimos que formam esse segmento social do subúrbio, do morro e da “escola de samba” se transformam em “professores” e “doutores” de samba e de ritmo. A inversão do carnaval brasileiro é, neste sentido, diversa da do carnaval hierarquizado norte-americano, em que a brecha que a sociedade abre em sua rotina transforma os marginais e inferiores que, são muito significativamente chamados de “indivíduos”, isto é, alguém sem ninguém e sem posição social, em pessoas e as pessoas (que não são as donas do sistema) em indivíduos (isto é, uma massa justaposta e indiferenciada de cidadãos, todos com os mesmos direitos para cantar, dançar e brincar algo que é contrário a ideologia hierárquica brasileira); já que, nesse período, ninguém deve ritualizar relações sociais utilizando o clássico “sabe com quem está falando?”, fórmula e rito autoritário que transforma o indivíduo pragmaticamente em pessoa
Bibliografia geral consultada:
VANIER, Jean, Comunidade, Lugar do Perdão e da Festa. 8ª edição. São Paulo: Editoras Paulinas, 2011; TOURINHO, Leila Silva Latuf Seixas, A Alienação do Indivíduo em Max Horkheimer. Dissertação de Mestrado em Filosofia. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2011; AMORIM, Sérgio Gonçalves de, Contradições e Ambiguidades do Espaço Religioso: Megaigreja, Urbanização e Massa. Tese de Doutorado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciência da Religião. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2011; HERALD, Maikel, Os Presbíteros nas Novas Associações de Fiéis: A Participação dos Presbíteros nas Novas Comunidades e a Questão da Incardinação. Dissertação de Mestrado em Teologia. Rio de Janeiro: Pontifício Instituto Superior de Direito Canônico; Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, 2013; BINS, Rejane Maria Dias de Castro, A Eclesialidade das Novas Comunidades: As Novas Comunidades como uma Forma de Autorrealização da Igreja. Dissertação de Mestrado em Teologia. Faculdade de Teologia. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2015; ALMEIDA, Adroaldo José Silva, Pelo Senhor Marchamos: Os Evangélicos e a Ditadura Militar no Brasil (1964-1985). Tese de Doutorado. Departamento de História. Niterói: Instituto de Ciências Humanas e Filosofia. Universidade Federal Fluminense, 2016; GONÇALVES, Rafael Bruno, O Discurso Religioso na Política e a Política no Discurso Religioso: Uma Análise da Atuação da Frente Parlamentar Evangélica na Câmara dos Deputados (2003-2014). Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Centro de Ciências Sociais. Instituto de Estudos Sociais e Políticos. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2016; SANT` ANA, Raquel, A Nação cujo Deus é o Senhor: A Imaginação de uma Coletividade ´Evangélica` a partir da Marcha para Jesus. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Antropologia. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2017; SILVA, Maria Edi da, A Formação da Criança Evangélica: Observações dos Processos Educativos na Família-Igreja-Escola. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Antropologia. Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2017; VALLE, Vinicius Saragiotto Magalhães, Religião, Lulismo e Voto: A Atuação Política de uma Assembleia de Deus e seus Fiéis em São Paulo. Tese de doutorado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamernto de Ciência Política. São Paulo: Universidade de São paulo, 2018; entre outros.

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