Ubiracy
de Souza Braga
“Para mim, ele foi o pioneiro em unir arte e moda através dos Parangolés”. Maxime Perelmuter
Os
Parangolés, do artista brasileiro Hélio Oiticica, representam um conjunto de
obras sociais que nasceram, como o bendito artista, de “uma necessidade vital
de desintelectualização, de desinibição intelectual, da
necessidade de uma livre expressão”. Hélio Oiticica buscou a superação da noção
de objeto de arte como tradicionalmente definido pelas artes plásticas até
então, em diálogo com a Teoria do não-objeto de Ferreira Gullar. O espectador
também foi redefinido pelo artista carioca, que alçou o indivíduo à posição de
participador, aberto a um novo comportamento que o conduzisse ao “exercício
experimental da liberdade”, como articulado por Euma Maria. Nesse sentido, o
objeto de pensamento representou uma passagem do entendimento de arte
contemplativa para a arte que afeta comportamentos, que tem uma dimensão ética,
social e política, como explicitado no ensaio: “A Declaração de Princípios
Básicos da Nova Vanguarda”, publicado em 1967 no catálogo da exposição Nova
Objetividade Brasileira ocorrida no Museu de Arte Moderna-Rio de Janeiro. Hélio
Oiticica também era abertamente gay, sendo sua obra Newyorkaises
em parte inspirada nesse fato social. A palavra “gay”
vem do inglês e naquele idioma, antigamente, significava “alegre”.
Hélio Oiticica era neto de José
Oiticica, anarquista, professor e filólogo, autor do livro: O Anarquismo ao
Alcance de Todos (1945). Até os dez anos não frequentou escolas, mas foi
educado pelos pais, como Leon Tolstoi em sua prática pedagógica com Alexandra,
sua filha. Em 1947, transferiu-se com a família para Washington (EUA), quando
seu pai recebeu uma bolsa da Fundação Guggenheim. De volta ao Brasil, em 1954,
iniciou estudos de arte na escola de Paulo Valter, no Museu de Arte Moderna do
Rio de Janeiro, marcado pela ênfase da livre criação e experimentação. No mesmo
ano escreveu o primeiro de seus muitos textos sobre arte. Entre 1955 e 1956,
fez parte do Grupo Frente de artistas concretos. A partir de 1959, passa a se
envolver com o Grupo Neoconcreto, ao lado de artistas como
Reynaldo Jardim, Amílcar de Castro, Lygia Clark, Lygia Pape e Franz Weissmann. A
subida ao Morro da Mangueira (RJ), em 1964, Faz limite com Bairro Imperial de São Cristóvão e Benfica na Zona Central; além de Maracanã, Vila Isabel, de Noel da Rosa e São Francisco Xavier na Zona Norte, para reconhecer a criação de carros alegóricos,
o colocou em contato com uma comunidade organizada em torno da dança, do samba
e do carnaval, o que para Oiticica foi uma experiência vital de
desintelectualização e de derrubada de preconceitos sociais.
Hélio Oiticica buscou a superação/conservação da noção de objeto de arte como tradicionalmente definido pelas artes plásticas em diálogo com a Teoria do Não-Objeto de Ferreira Gullar. O espectador no processo social de comunicação também foi redefinido pelo artista carioca, que alçou o indivíduo à posição de participador, aberto a um novo comportamento que o conduzisse ao “exercício experimental da liberdade”, como articulado por Mário Pedrosa. Nesse sentido, o objeto é uma passagem do entendimento de arte contemplativa para a arte que afeta comportamentos, que tem uma dimensão ética, social e política, como explicitado no ensaio: Nova Objetividade Brasileira, publicado em 1967 no catálogo da exposição homônima ocorrida no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. O conceito suprassensorial, que Oiticica desenvolve em 1967, propõe experiências com a percepção do participador, investigando possibilidades de dilatamento de suas capacidades sensoriais. Melhor dizendo, uma suprassensação, semelhante àquela causada pelo efeito de drogas alucinógenas ou pelo êxtase irradiado pelo batuque do samba. Poderia a arte atingir esse mesmo efeito? Segundo Oiticica, o suprassensorial levaria o indivíduo “à descoberta do seu centro criativo interior, da sua espontaneidade expressiva adormecida, condicionada ao cotidiano”. Hélio Oiticica aspira à superação de uma arte elitista, limitada ao processo comunicativo estímulo-reação, que se configura como instrumento de domínio intelectual e comportamental. Propõe, então, uma arte que busca uma abertura ao participador e do participador, através de experiências que promovam uma volta do sujeito a si mesmo, redescobrindo e libertando-se de seus condicionamentos éticos e estéticos, impelindo-o a um estado criativo em uma vivência suprassensível.
Hélio Oiticica buscou a superação/conservação da noção de objeto de arte como tradicionalmente definido pelas artes plásticas em diálogo com a Teoria do Não-Objeto de Ferreira Gullar. O espectador no processo social de comunicação também foi redefinido pelo artista carioca, que alçou o indivíduo à posição de participador, aberto a um novo comportamento que o conduzisse ao “exercício experimental da liberdade”, como articulado por Mário Pedrosa. Nesse sentido, o objeto é uma passagem do entendimento de arte contemplativa para a arte que afeta comportamentos, que tem uma dimensão ética, social e política, como explicitado no ensaio: Nova Objetividade Brasileira, publicado em 1967 no catálogo da exposição homônima ocorrida no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. O conceito suprassensorial, que Oiticica desenvolve em 1967, propõe experiências com a percepção do participador, investigando possibilidades de dilatamento de suas capacidades sensoriais. Melhor dizendo, uma suprassensação, semelhante àquela causada pelo efeito de drogas alucinógenas ou pelo êxtase irradiado pelo batuque do samba. Poderia a arte atingir esse mesmo efeito? Segundo Oiticica, o suprassensorial levaria o indivíduo “à descoberta do seu centro criativo interior, da sua espontaneidade expressiva adormecida, condicionada ao cotidiano”. Hélio Oiticica aspira à superação de uma arte elitista, limitada ao processo comunicativo estímulo-reação, que se configura como instrumento de domínio intelectual e comportamental. Propõe, então, uma arte que busca uma abertura ao participador e do participador, através de experiências que promovam uma volta do sujeito a si mesmo, redescobrindo e libertando-se de seus condicionamentos éticos e estéticos, impelindo-o a um estado criativo em uma vivência suprassensível.
A visita ao Morro da Mangueira
administrado pela Região VII, do Grande Bairro Imperial, uma das cinco regiões
a compor a subprefeitura do centro e Centro Histórico do Rio de Janeiro, com a
qual possui uma estação de trem de onde se avista o Estádio Jornalista Mário Filho, mais
reconhecido como Maracanã, o popular Maraca, “semelhante a um chocalho” em
tupi-guarani, devido ao som de pássaros que viviam por ali. É um estádio de
futebol localizado na Zona Norte do Rio de Janeiro e inaugurado em 1950. Seu
grande atrativo é escola de samba Estação Primeira de Mangueira. Ipso facto o
contato com a Mangueira colocou Oiticica em ambiente de êxtase do samba, com
seus ritmos dionisíacos e com uma comunidade organizada em torno da criação. – “A
partir da experiência com a dança, surge o Parangolé, nome que Oiticica (1980;
1986) encontra em uma placa que identificava um abrigo improvisado, construído
por um mendigo na rua, na qual se lia: Aqui é o Parangolé”, apenas objetos
artísticos cujo conceito estético foi criado pelo artista Hélio Oiticica. As
capas coloridas continuam a afirmar a importância da cor e do movimento na obra
do artista como ocorrera com o tropicalismo. Há, de fato, uma incorporação
entre a obra e o participador dançarino ou artista. Dissolvem-se assim as
fronteiras entre a arte e o corpo, entre o artista e o espectador, entre a obra
e o espectador e o ato de recepção do público em relação á obra de arte. Tal
integração é capaz de conduzir o espectador a nova atitude ética, de participação,
coletividade e mudança.
Em 1908, a prefeitura carioca decidiu reformar a Quinta da Boa Vista e, para isso, demoliu dezenas de casinhas ali construídas por soldados que serviam no 9° Regimento de Cavalaria. Com a permissão de carregar os restos da demolição para onde bem entendessem, os militares escolheram instalar-se no Morro de Mangueira. Outro fato que serviu para aumentar a população da área foi o incêndio que, em 1916, destruiu inúmeros casebres do Morro de Santo Antônio, no centro da cidade. Surgia assim em Mangueira uma comunidade de gente pobre, constituída quase que na totalidade por negros, filhos e netos de escravos, inteiramente identificada com as manifestações culturais e religiosas que caracterizavam esse segmento social e racial. Do Natal ao Dia de Reis, em 6 de janeiro, conjuntos de pastores e pastorinhas percorriam o morro entoando as suas cantorias. Os católicos construíram uma capela a Nossa Senhora da Glória, que passou a ser a padroeira do morro. O Candomblé e a Umbanda tinham muitos adeptos, e alguns casebres serviam de templos, sendo o principal deles o templo de Tia Fé, (Benedita de Oliveira), uma mineira, segundo Carlos Cachaça, ou baiana, segundo o neto Sinhozinho, presidente da Estação Primeira da Mangueira na década de 1970, que trajava diariamente de baiana, e em cuja casa realizavam-se as grandes festas de Mangueira. Em 1935, houve uma tentativa de descendentes do Visconde de Niterói de despejar os moradores do morro, mas estes foram socorridos pelo prefeito Pedro Ernesto. Uma nova tentativa, em 1964, do português de sobrenome Pinheiro,que adquiriu os bens de Saião Lobato, esbarrou num decreto de Carlos Lacerda, desapropriando o Morro de Mangueira.
O desejo por uma transformação social e comportamental manifestava-se em obras, programas, manifestações e intervenções. As palavras e a ética da criação de Nietzsche, pela voz de Zaratustra, tornavam-se, para Hélio Oiticica, a base de apoio de suas experimentações artística de vivência suprassensível. De fato, constam que o artista carioca lia o filósofo alemão desde os 13 anos de idade - como dizia Nietzsche, “o homem é algo que deve ser superado”. O Parangolé é uma espécie de capa ou bandeira, estandarte ou tenda que só com o movimento de quem o veste revela plenamente suas cores, formas, texturas e mensagens como na dimensão humana da transformação “incorporo a revolta” e “estou possuído”. Em 1965, ao apresentar os Parangolés vestidos por passistas da Estação Primeira da Mangueira na mostra Opinião 65, mal compreendido, foi expulso do Museu de Arte Moderna, no Aterro da praia do Flamengo num evento que acentuou seu interesse em desenvolver uma arte inseparável de questões sociais. Foi também quem fez o penetrável Tropicália, que não só inspirou o nome, mas também ajudou a consolidar uma estética do movimento social tropicalista (cf. Veloso, 2003) na música brasileira, nos anos 1960-70, e com a tese: “Seja marginal, seja herói”. Hélio Oiticica sintetizou uma série de arquétipos que ficaram reconhecidos como marginália fazendo parte do debate cultural brasileiro a partir do final de 1968. Oiticica imprimiu nessa representação o que chamou de “primeiríssima tentativa consciente de impor uma imagem brasileira ao contexto da vanguarda”.
Já
observamos noutro lugar, que os meios necessários à
compreensão do mundo histórico-social podem ser dessa maneira, tirados da
própria experiência psicológica, e a psicologia, deste ponto de vista, “é a
primeira e mais elementar das ciências do espírito”. A experiência imediata e
“vivida na qualidade de realidade unitária” (Erlebnis) seria o meio a permitir
a apreensão da realidade histórica e humana sob suas formas concreta e viva. Em A Essência da Filosofia, obra
editada em 1907, Dilthey chega a afirmar a falência da filosofia como
metafísica. Dilthey propõe, portanto, uma filosofia histórica e relativa que
analise os comportamentos humanos e esclareça as estruturas do
mundo no qual vive o homem contrapondo-se a uma metafísica que se pretende
colocar como imagem da realidade e a reduzir todos os aspetos da realidade a um
único princípio absoluto. Além
disso, que a inovação causada por sua teoria foi única e, por isso, ele está na
base de muitas correntes de pensamento que articulam história e hermenêutica. A
hermenêutica tradicional se refere ao estudo de textos, especialmente nas áreas de literatura, religião e direito.
A
hermenêutica moderna ou contemporânea engloba não somente textos escritos, mas
também tudo que há no processo interpretativo. Isso inclui formas verbais e não
verbais de comunicação, assim como aspectos que afetam a comunicação, como
proposições, pressupostos, o significado e a filosofia da linguagem e a semiótica.
Não tem a pretensão de eternizar o homem, mas possibilitar ao homem se
aproximar da vida, por meio de conexões que integram, aproxima e relaciona os
homens. A teoria compreensiva tem uma importância ética ímpar para o mundo
contemporâneo. A base para esse nexo em
que se dá a relação da vivência é a categoria do significado. Tal categoria
corresponde a um apoio sólido que aparece como uma unidade de conjunto onde age
o pensamento, os sentimentos e a vontade. Considerando que há um balanço parte
e todo no nexo da vivência, nada mais é do que a integração num todo que nos remete ao significado contido na relação
parte-todo que encontra na vivência
seu fundamento compreensivo. É
neste sentido que Dilthey considera que vida e a mudança dos seus
principais momentos estruturais fazem que a concepção do mundo sempre e em toda
a parte se expresse em oposições, embora sobre um fundo comum.
Portanto é na arte, na religião e no pensamento que
encarnam os ideais que atuam na existência de um povo. Por conseguinte, toda a mundividência é produto da história. É um conjunto ordenado de valores, crenças, impressões, sentimentos e concepções de natureza intuitiva, anteriores à reflexão, a respeito da época ou do mundo em que se vive.Em outros termos, é a orientação cognitiva fundamental de um indivíduo, de uma coletividade ou de toda uma sociedade, num dado espaço-tempo e cultura, a respeito de tudo o que existe - sua gênese, sua natureza, suas propriedades. Uma visão de mundo pode incluir a filosofia natural, postulados fundamentais, existenciais e normativos, ou temas, valores, emoções e ética. A
historicidade revela-se como uma propriedade fundamental da consciência humana.
Os sistemas filosóficos não constituem uma exceção. Como as religiões e as
obras de arte, contêm uma visão da vida e do mundo, inserida na vitalidade das
pessoas que os produziram e em consonância com as épocas em que vieram à luz do
dia; traduzem uma determinada atitude afetiva, caracterizam-se pela
imprescindível energia lógica, porque o filósofo procura trazer a imagem do
mundo à clara consciência e ao mais estrito urdimento cognitivo. Neste esforço
de reflexão e de trabalho dos conceitos, que gera uma circunspecção potenciada,
é que reside o valor prático da atitude filosófica.
Cultuando
a “desobediência criativa”, estes pressupunham a negação das leis anteriores às
quais estavam vinculados. Deste modo escapavam do sentimento de impotência que
o “eterno retorno” suscita nos fracos de vontade, como uma caixinha de música
vivem fadados à fastidiosa repetição. Com efeito, o criador-transgressor é
detentor do bem e do mal; partindo das margens este adota para si valores que,
mesmo contraditórios, circunstancia-o existencialmente, buscando a
desconstrução dos valores repetidos anteriores e o soerguimento de novos,
celebrando sua vontade potência. Destruindo e criando, sobretudo, experimentando,
assim atuaria o super-homem, o grande anti-herói. No experimentalismo de Hélio
Oiticica, leitor de Nietzsche e
partindo das circunstâncias contraditórias que formam o Brasil, esta
perspectiva promoveu um importante desenvolvimento em suas obras, trazendo para
o centro da sua proposta estética um programa “ético-comportamental” de
desregramento de todos os sentidos do qual servia para mediar o caminho no seio
das desigualdades sociais típicas brasileiras.
Marginais
ou heróis? Marginais e heróis? “B33 Bólide Caixa 18”, de 1966, em homenagem ao
bandido “Cara de Cavalo” (cf. Deligny, 1970; Perlman, 1976), e a bandeira
serigrafada, de 1968, com os dizeres: “Seja Marginal, Seja Herói” são os
trabalhos de Hélio que sintetizam esta temática. São frutos da incursão de
Hélio em favelas e morros cariocas, onde também conhecera seu amigo traficante “Cara
de Cavalo”, alcunha de Manoel Moreira que, como muitos sobrevivendo na
precariedade dos morros, incorriam na marginalidade, que tanto fascinava Hélio
Oiticica. Vale lembrar que “Cara de Cavalo” tornou-se famoso pelos jornais
sensacionalistas no Rio de Janeiro quando, inadvertidamente, matou o também
notório delegado Milton Le Coq, chefe do grupo de extermínio precursor dos
esquadrões da morte, Scuderie Le Coq, sendo que o encontro de Cara de Cavalo e
Le Coq deveu-se a um bicheiro que, descontente com “Cara de Cavalo”, resolveu
incorrer aos serviços típicos do notório policial e de sua esquadra. Perseguido
por vingança, ele foi morto em Cabo Frio pela Scuderie, numa execução com mais de
cem projéteis disparados. Estarrecido e indignado com a barbárie da vingança
policial, Hélio consternava-se, com a “sociedade do espetáculo”, como diria Guy
Debord (1966), de qual era leitor, vendo como a mídia e a sociedade globalizada
gozava da espetacularização da notícia e da imagem da vingança contra o herói
marginal que atuava em combate aos descondicionamentos sociais (cf. Silva,
2006).
Como
homenagem ao mito Cara de Cavalo, o “B33 Bólide Caixa 18” é um trabalho que
consiste em uma caixa sem a parte superior cujas paredes laterais são forradas
com uma foto da morte de Cara de Cavalo que estampou os jornais populares do
Rio de Janeiro, como “O Dia”, “A Notícia” etc.: um corpo, com os braços
abertos, estendido no chão. No fundo da caixa, um saco plástico cheio de
pigmento colorido velado por uma tela traz a inscrição: “Aqui está, e ficará!
Contemplai seu silêncio heroico”. Já a bandeira com os dizeres Seja Marginal,
Seja Herói apresenta a imagem de Alcir Figueira da Silva, outro marginal
anônimo que se suicidou ao se sentir alcançado pela polícia, também fotografado
morto, de braços abertos e estirado no chão. São símbolos da opressão
policial-social que subjuga os indivíduos marginalizados à sobrevivência e que se
revoltam autodestrutivamente contra o contexto social e político que os
enredam. Hélio Oiticica adverte que não se trata de uma leitura romântica. E de
certo modo Cara de Cavalo foi responsável pelos seus atos, mas toma-o como
exemplo de que é necessária uma reforma sócio-comportamental no país,
eliminando os preconceitos, as legislações caducas e a própria “máquina da
revolta” produtora de ídolos anti-heróis como animais maquínicos sacrificados
por esta mesma sociedade.
Continuando a defesa do embricamento em 1967 entre ética e estética, Oiticica apresenta no MAM o labirinto Tropicália, trazendo para dentro do
prédio modernista de Affonso Eduardo Reidy a arquitetura das favelas. Esta
primeira apresentação de Tropicália fez parte da exposição “Nova Objetividade”,
cujo catálogo contou com um texto de Oiticica no qual defende a participação o
espectador e a síntese de problemas artísticos, sociais e políticos. A arte de Oiticica
apresenta em sua constituição conceitos fundamentais para o desenvolvimento de
suas propostas. Porém, longe de se denominar como artista conceitual, segundo
Sol LeWitt - Oiticica alerta que seu trabalho acontece justamente na interação
do indivíduo com a obra. Assim, dando continuidade à arte ambiental, o Crelazer “propõe propor”. Aqui o objeto
se dilui não em função da ideia, mas para dar espaço ao comportamento, ao
fazer. O conceito de Crelazer sugere “a
ideia de um lazer criador”. Para Hélio, esses estados de repouso não devem ser
vividos como estados de dispersão, dessublimatórios, que são improdutivos e
fornecidos pela “indústria cultural”, mas sim experimentados como estados vivos
que são a fonte de nossa invenção. Leitor de Herbert Marcuse, Hélio propõe com Crelazer nossa libertação do tempo
programado. Portanto, Crelazer é uma
atividade política que repensa formas de viver e questiona nossa sociedade
produtivista e consumista.
Desde
1960 que Oiticica pensa na estrutura do labirinto, mas foi na década de 1970
que desenvolveu seus projetos de construção de instalações públicas
labirínticas. Tais projetos faziam uma junção dos principais elementos
presentes em suas obras: os conceitos de duração da cor (Henri Bergson), de
penetráveis, de propor ao indivíduo que este crie suas próprias vivências
(propor-propor) e de lazer descondicionado (Herbert Marcuse). Em 1971, cria o Projeto
Central Park que é o primeiro da série Subterranean Tropicalia Projects e
é composto de quatro penetráveis alocados de maneira labiríntica e que chamam o
indivíduo ao “além-participação”. Em 1978 Oiticica
sintetiza a série Magic Squares nas experiências de duração da cor e do
participante e de descondicionamento comportamental. A série não chegou a ser
construída por Oiticica, que a deixou apenas em projetos e maquetes. Vinte anos
depois de sua morte a “Magic Square nº 5” foi instalada no Museu do Açude, Rio
de Janeiro. Os Labirintos Públicos são parte do projeto ambiental de Oiticica
e visa serem lugares públicos permanentes “onde proposições abertas devem
ocorrer”. São instalações que não buscam representar o mundo, ou o tempo
cronológico, mas preencher o espaço de subjetividade individual. São
penetráveis sem funções determinadas ao participante para que utilize de forma criativa, pessoal e descondicionado. São lugares onde o
próprio indivíduo é artista de si mesmo num lazer desprogramado.
Bibliografia
geral consultada.
OITICICA, Hélio,
Aspiro ao Grande Labirinto. Seleção
de textos Luciano Figueiredo, Lygia Pape, Waly Salomão. Rio de Janeiro: Editora
Rocco, 1986; Idem, As Possibilidades do Crelazer. Rio de Janeiro: Centro
Municipal de Arte Hélio Oiticica, 1980; FAVARETTO, Celso Fernando, “Por que Oiticica”? In: BOUSSO, Vitória Daniela et al, Por que Duchamp? Leituras duchampianas por artistas e críticos brasileiros. São Paulo: Paço das Artes, 1999; pp. 78-89; Idem, A Invenção de Hélio Oiticica. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo; Fundação de Amparo a Pesquisa de São
Paulo, 2000; VELOSO, Caetano, Tropical
Truth: A Story of Music and Revolution in Brazil. Nova York: Editor Da Capo Press,
2003; SALOMÃO, Wally, Hélio
Oiticica: Qual é o Parangolé e Outros Escritos. Rio de Janeiro: Editora
Rocco, 2004; COHN, Gabriel, Crítica e
Resignação: Max Weber a Teoria Social. 2ª edição atualizada. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2003; SILVA,
Cinara de Andrade, Hélio Oiticica – Arte
como Experiência Participativa. Dissertação de Mestrado em Ciência da Arte.
Escola de Comunicação e Arte. Niterói (RJ): Universidade Federal Fluminense,
2006; BRAGA, Paula Priscila, A Trama da Terra que Treme: Multiplicidade em Hélio Oiticica. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2007; CERA, Flávia Leticia Biff, Arte-Vida-Corpo-Música, segundo Hélio Oiticica. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Literatura. Centro de Comunicação e Expressão. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2012; MACHADO, Vanessa Rosa, Dos
Parangolés ao Eat Me: A Gula ou a
Luxúria?”. Mutações do Popular na Produção de Lina Lombardi, Hélio Oiticica e
Ligya Pape nos anos 1960 e 1970. Tese de Doutorado em Ciências. Instituto
de Arquitetura e Urbanismo. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo, 2014; RUGGIERO, Amanda Saba, Elos e Assimetrias na Recepção de Hélio Oiticica. Tese de Doutorado. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2014; RIBEIRO, Mariana Gomes, Hélio
Oiticica - Criação de e para Pensamento. Dissertação de
Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Estudos Contemporâneos das Artes.
Instituto de Arte e Comunicação. Niterói: Universidade Federal Fluminense,
2015; entre outros.
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