sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Sigmund Freud - Uma Interpretação Psicossociológica Crítica.

                                                                                                    Ubiracy de Souza Braga

Brincando pode-se dizer de tudo, até mesmo a verdade”. Sigmund Freud

 
                       
            Sigismund Schlomo Freud reconhecido profissionalmente como Sigmund Freud, foi um médico neurologista criador da psicanálise. Freud, como se tornara conhecido, nasceu em uma família judaica, em Freiberg in Mähren, na época pertencente ao Império Austríaco, atualmente, a localidade é denominada Příbor, e pertence à República Tcheca. Freud iniciou seus estudos pela utilização da técnica da hipnose no tratamento de pacientes com histeria, como forma de acesso aos seus conteúdos mentais. Ao observar a melhora dos pacientes tratados pelo médico francês Charcot, elaborou a hipótese de que a causa da histeria era psicológica, e não orgânica, distanciando-se das correntes positivistas que associavam a determinação biológica da espécie. Essa hipótese serviu de base para outros conceitos desenvolvidos posteriormente por Freud, como o do inconsciente. Fatos como a descrição de pacientes curados através do diálogo por Josef Breuer e a morte do colega Ernst von Fleischl-Marxow (1846-1891) por dose excessiva do antidepressivo da época, a cocaína, levaram-no ao abandono das técnicas de hipnose e de drogas para criar um novo método chamado: a cura pela fala, ou seja, a psicanálise, que utilizava a interpretação de sonhos e a livre associação como vias de acesso ao inconsciente. Suas teorias sociais e seus tratamentos terapêuticos foram controversos na aparentemente conservadora Viena do fim do século XIX, e continuam a ser debatidos presentemente. Sua concepção de teoria é de grande influência na psicologia e, além do contínuo sobre a aplicação terapêutica no tratamento, também é, frequentemente, discutida e analisada como obra de literatura e cultura geral nas humanidades.
            Ernst von Fleischl-Marxow estudou medicina na Universidade de Viena, Áustria. Iniciou sua carreira científica como Assistente de pesquisa no laboratório de Ernst Wilhelm von Brücke (1819-1892), e posteriormente como Assistente, na mesma universidade, do eminente patologista Carl von Rokitansky (1804-1878). Porém, um acidente durante a dissecação de um cadáver feriu seu polegar, que infeccionou e teve que ser amputado, interrompendo suas atividades clínicas em anatomopatologia. Assim, ele teve que recorrer à fisiologia, e voltou ao laboratório de von Brücke em Viena depois de estudar durante um ano com Carl Ludwig (1816-1895), outro famoso fisiologista da Universidade de Leipzig, Alemanha, obtendo seu doutorado em medicina, em 1874. Na primeira fase de sua carreira em neurofisiologia, Fleischl-Marxow dedicou-se à eletrofisiologia de nervos e músculos, então um campo de pesquisa de crescente prestígio, após as investigações pioneiras de Emil du Bois-Reymond (1818-1896), que havia descoberto potenciais de ação dos axônios. Este campo beneficiou os desenvolvimentos ocorridos nas ciências físicas, particularmente de novos dispositivos que foram inventados para trabalhar com pequenos potenciais e correntes elétricas.

Como os tecidos biológicos têm níveis extremamente baixos de atividade elétrica (na faixa dos microvolts), o progresso da neurofisiologia teve de esperar por eles. Como muitos fisiologistas alemães de sua época, Fleischl-Marxow tinha bons conhecimentos e habilidades em física, e inventou uma série de dispositivos para fins de seus estudos, particularmente o reonome, uma espécie de reostato, ou resistor variável usado para controlar com precisão a intensidade de um estímulo elétrico. Ele também adaptou o eletrômetro capilar de Lippmann para usá-lo na medição de fenômenos bioelétricos sutis. Da bioeletricidade dos nervos, Fleischl-Marxow voltou sua atenção, a partir de 1876, para a atividade elétrica global dos hemisférios cerebrais. Os neuroanatomistas já haviam determinado na época que seu tecido nervoso também era composto por células (os neurônios), com seus corpos localizados principalmente na substância cinzenta, e por prolongamentos filamentares, os dendritos e os axônios. Assim, era natural supor que eles também exibissem atividade elétrica. Importante descoberta, no entanto, não tinha sido realizada, porque potenciais elétricos dessincronizados com diferentes polaridades, produzem um potencial global cumulativo que é, na verdade, muito pequeno e difícil de detectar com a gama de sensibilidade dos dispositivos de medição disponíveis.

Apesar disso, Fleischl-Marxow conseguiu comprovar pela primeira vez que a “estimulação periférica” de órgãos sensoriais, como a visão e a audição, era capaz de provocar pequenas oscilações de potencial elétrico relacionadas a eventos na superfície do córtex cerebral, relacionadas a projeção desses sentidos. Estranhamente, porém, Fleischl-Marxow não publicou os seus resultados, optando por depositá-los num cofre de banco, com instruções para revelá-los apenas em 1883. Enquanto isso, surgiram as primeiras publicações sobre o que mais tarde seria chamado de eletroencefalograma, demonstradas de forma independente por Richard Caton (1842–1926), na Grã-Bretanha, e Adolf Beck (1863–1942) na Polônia, ambos utilizando animais de laboratório.

Em 1880, Fleischl-Marxow tornou-se professor titular da Universidade de Viena e foi nomeado membro correspondente da Academia Austríaca de Ciências. Ele também dedicou parte de sua pesquisa à óptica fisiológica, fazendo importantes descobertas sobre a distribuição do nervo óptico na retina e as características ópticas da córnea. Com seu crescente conhecimento especificamente em Física Óptica, desenvolveu diversos instrumentos de medição óptica, o espectropolarímetro e o hematômetro, um dispositivo utilizado para medir o conteúdo de hemoglobina no sangue, que recebeu seu nome em sua homenagem, e que doravante, por muitos anos encontrou ampla aplicação em medicina laboratorial e hematologia diagnóstica. Durante muitos anos, Fleischl-Marxow trabalhou sob intenso sofrimento pessoal, devido às complicações dolorosas crônicas de sua amputação. Por conta disso, ficou viciado em morfina e heroína (um derivado sintético da morfina, porém muito mais potente). Sigmund Freud, então neurologista vienense, era um de seus amigos mais íntimos, e tinha dele a opinião mais elevada: - Um homem muito distinto, por quem a natureza e a educação deram o seu melhor.

Rico, treinado em todos os exercícios físicos, com a marca da genialidade em seus traços energéticos, bonito, de bons sentimentos, dotado de todos os talentos e capaz de formar um julgamento original sobre todos os assuntos, ele sempre foi meu ideal e eu poderia não descansaria até que nos tornássemos amigos e eu pudesse sentir pura alegria em sua habilidade e reputação. (apud em Ernest Jones, A Vida e Obra de Sigmund Freud, Volume I, VI.). Freud estava estudando as propriedades médicas da cocaína e estava convencido de que a cocaína poderia ser usada não apenas como um leve euforizante , afrodisíaco e analgésico , mas também como tratamento para viciados em morfina. Ele recomendou isso ao seu amigo Fleischl-Marxow, que caiu ainda mais fundo no abismo do vício. Devastado pela dor, pelo vício e pela doença, ele teve uma recaída e começou a usar morfina novamente. Ernst von Fleischl-Marxow morreu em 22 de outubro de 1891, aos 45 anos.  Sigmund Freud falou dele, sem haver a necessidade de citar seu nome, no ensaio: Interpretação dos Sonhos, analisando a injeção de Irma.

       A psicossociologia tem como representação abstrata do indivíduo o estudo de problemas comuns à psicologia e à sociologia, particularmente a maneira como o comportamento individual é influenciado pelos grupos aos quais a pessoa pertence. Por exemplo, no estudo dos criminosos a psicologia estuda a personalidade latente do criminoso moldada pela educação do criminoso. A sociologia estuda o comportamento teórico e prático do próprio grupo num processo de interação em geral: os métodos que o grupo criminoso usa para recrutar membros e a maneira como o grupo muda ao longo do tempo. Psicossociologia estuda o comportamento do criminoso, que é criado pelo grupo que pertence: jovens que moram no quarteirão do bairro. Existem muitos fatores sociais que podem afetar a psicologia dos outros. Um exemplo são as chamadas “panelinhas sociais”. Se alguém é aceito em seu grupo desejado ou não, isso muda a maneira como eles pensam sobre si mesmos e as pessoas ao seu redor. Amizades em idades jovens enquanto crescem também têm muito a ver não apenas com o desenvolvimento psicológico, mas também com habilidades e comportamento social.

        O mesmo vale para as leis comuns na sociedade. Se o grupo de um indivíduo decide obedecer por eles ou não, isso afeta a visão desse indivíduo sobre a lei e seu grupo como um todo. A maneira como as pessoas podem agir ou falar dita a maneira como os outros as veem em uma sociedade. Por exemplo, os indivíduos podem ver a autoridade de muitas maneiras diferentes, dependendo de suas experiências e do que os outros lhes disseram. Por isso, com base no conhecimento social de autoridade das pessoas, suas opiniões e ideias são muito diferentes.  Cada indivíduo tem seu próprio processo de pensamento psicológico único e pessoal no qual eles usam para analisar o mundo ao seu redor. As pessoas internalizam e processam fatores sociológicos de maneira relativa ao seu processo de pensamento psicológico. Essa relação é recíproca, pois a sociedade pode alterar e transformar as maneiras que as pessoas pensam e, ao mesmo tempo, a sociedade pode ser influenciada pelo pensamento psicológico exteriorizado dos indivíduos da própria sociedade. Devido a isso, pode-se antever como a psicologia é  útil para ajudar o sociólogo a compreender e interpretar os efeitos dos fatos sociais no comportamento de um indivíduo numa sociedade determinada.



            Na verdade, inicialmente, a classe médica em geral acaba por marginalizar as ideias de Freud; seu único confidente durante esta época é o médico Wilhelm Fliess. Depois que o pai de Freud falece, em outubro de 1896, segundo as cartas recebidas por Fliess, Freud, naquele período, dedica-se a anotar e analisar seus próprios sonhos, remetendo-os à sua própria infância e, no processo, determinando as raízes de suas próprias neuroses. Tais anotações tornam-se a fonte etnográfica para a obra "A Interpretação dos Sonhos". Durante o curso desta autoanálise, Freud chega à conclusão de que seus próprios problemas eram devidos a uma atração por sua mãe e a uma hostilidade em relação a seu pai. É o que constitui o famoso “complexo de Édipo”, que se torna o "coração", por assim dizer, da teoria de Freud sobre a origem da neurose em todos os seus pacientes investigados. Nos primeiros anos do século XX, são publicadas suas obras em que contém  suas teses principais: “A Interpretação dos Sonhos” e “A psicopatologia da vida cotidiana”. Nesta época, Freud já não mantinha mais contato nem com Josef Breuer, nem com Wilhelm Fliess. No início, as tiragens das obras não animavam Freud, mas logo médicos de vários lugares: Eugen Bleuler, Carl Jung, Karl Abrahams, Ernest Jones, Sandor Ferenczi, demostram respaldo às suas ideias e passam a compor o “Movimento Psicanalítico”.
Por sua vida inteira, Freud teve uma posição financeira modesta, como Marx ou Nietzsche. Josef Breuer foi, no início, um aliado de Freud em suas ideias e também um aliado com patrocínio financeiro. Freud criou o termo “psicanálise” para designar um método, uma teoria e uma técnica para investigar cientificamente os processos inconscientes e de outro modo inacessíveis do psiquismo. Foi com o decorrer das discussões de casos clínicos com Breuer que surgiram as ideias que culminaram com a publicação dos primeiros artigos sobre a psicanálise. O primeiro caso clínico relatado deve-se a Breuer e descreve o tratamento dado sua paciente Bertha Pappenheim, chamada de Anna O”, no livro e posteriormente no cinema, que demonstrava vários sintomas clássicos de histeria. O método de tratamento consistia na chamada “cura pela fala”, ou “cura catártica”, na qual o ou a paciente discute sobre as suas associações com cada sintoma e, com isso, os faz desaparecer. Esta técnica tornou-se o centro de manejo das técnicas de Freud, que também acreditava, cientificamente, que as memórias ocultas ou “reprimidas” nas quais se baseavam os sintomas de histeria eram sempre de natureza sexual. Entertanto, Breuer não concordava com Freud, o que levou à separação de ideias entre eles logo após a publicação dos casos clínicos em sociedades científicas.  

          Pelo menos desde 1899, com a publicação do conspícuo ensaio A Interpretação dos Sonhos, o austríaco Sigmund Freud se transformou num dos pensadores mais polêmicos da história social e, portanto, clínica. Desacreditada inicialmente, a psicanálise, o método e a técnica por ele concebido para o tratamento dos problemas psíquicos e a compreensão da mente humana, chegou a ser considerada a última palavra da ciência sobre a questão. Há quem despreze (e não são poucos) essas novas posições psicológicas e clínicas e defenda apaixonadamente as teorias de Freud cuja essência considera-se correta e aparentemente inquestionável. Mais importante do que essa discussão é descrever os fundamentos da doutrina psicanalítica e apresentar as principais contribuições que ela refez à ciência, à filosofia, à antropologia e à sociologia em seu surgimento. A psicanálise interpreta as manifestações da psique, as tendências sexuais (ou libido), e as fórmulas morais e limitações condicionantes do indivíduo. São dois os fundamentos da teoria psicanalítica: 1) Os processos psíquicos são em sua imensa maioria inconscientes, a consciência não é mais do que uma fração de nossa vida psíquica total; 2) os processos psíquicos inconscientes são dominados por nossas tendências sexuais reprodutivas. Nesse sentido, Freud pretendeu descrever a vida humana tanto do ponto de vista pessoal e individual, mas também pública e social, recorrendo a essas tendências sexuais a que chamou de libido.
Com esse termo, o pai da psicanálise designou a “energia sexual” de maneira mais geral e indeterminada. Assim, por exemplo, em suas primeiras manifestações sociais, a libido liga-se as funções vitais: no bebê que mama, o ato de sugar o seio materno provoca outro prazer além do de obter alimento e esse prazer passa a ser buscado por si mesmo. Na abordagem psicanalítica fundada por Sigmund Freud, o indivíduo se constitui como um ente à parte do social e que compõe o nível de análise social. Freud refere-se aos aspectos que compõem um estado instintivo humano e que acaba por se tornar inibido em prol da convivência em comunidade. A inibição destes aspectos, que são instintivos, consiste numa privação de características que são inatas aos homens, e, esta própria privação, acaba por consistir em determinados descontentamentos. Neste sentido, os homens em civilização ou civilizados demonstram-se descontentes na busca de sua felicidade, pois seus instintos não são prontamente atendidos em sociedade. No seu ensaio: “O mal-estar da civilização”, Freud elabora uma discussão filosófico-social a partir de sua teoria psicanalítica. O autor desenvolve a ideia pragmática segundo a qual, em sociedade, “não há avanço sem perdas”. A ideia central que desenvolve nesta obra é a de que a civilização é inimiga da satisfação dos instintos humanos. A sociedade modifica a natureza humana individual, constitui o homem como membro da comunidade, adaptando-o a um processo vital que torna o indivíduo um ente social.
            Em 1923, no livro “O Ego e o Id”, Freud expôs uma divisão da mente humana em três partes: 1) o ego que se identifica à nossa consciência; 2) o superego, que seria a nossa consciência moral, os princípios sociais e as proibições que nos são inculcadas nos primeiros anos de vida e que nos acompanham de forma inconsciente a vida inteira; 3) o id, isto é, os impulsos múltiplos da libido, dirigidos sempre para o prazer. A influência que Freud exerceu em várias correntes da ciência, da arte, da sociologia e da filosofia foi enorme. Mas não se deve deixar de dizer que muitos filósofos, psicólogos e psiquiatras fazem sérias objeções ao modo como o pai da psicanálise e seus discípulos apresentam seus conceitos: como “realidades absolutas” e não como suportes ou “instrumentos” de explicação que podem ser ultrapassados pela dinâmica científica e, em alguns casos, foram mesmo. Em uma de suas últimas obras “O Mal-Estar na Civilização”, publicado em 1930, Freud descreve a história da humanidade como a “luta entre os instintos de vida” (Eros) e “os da morte” (Tanatos), teoria cujo pioneirismo deu ao fator sexual que era - até Freud - uma área de quase absoluta ignorância para a ciência em geral e a filosofia. A psicanálise é o que se faz através da conversação.  
         Em suas teorias, Freud afirma que os pensamentos são desenvolvidos por processos diferenciados, relacionando tal ideia à de que o nosso cérebro trabalha essencialmente no campo da semântica. A mente desenvolve os pensamentos num sistema intrincado de linguagem baseada em imagens, as quais são meras representações de significados latentes. Em diversas obras Freud não só desenvolve sua teoria sobre o inconsciente da mente humana, como articula o conteúdo do inconsciente ao ato da fala, especialmente aos atos falhos. Para Freud, a consciência humana subdivide-se em três níveis analíticos: consciente, pré-consciente e inconsciente. O primeiro nível de análise contém o material perceptível; o segundo nível, o material latente, mas passível de emergir à consciência com certa facilidade; e o terceiro nível contém o material de difícil acesso, isto é, o conteúdo mais profundo da mente, que está ligado aos instintos primitivos do homem. Os níveis de consciência estão distribuídos entre as três entidades que formam a mente humana, ou seja, o Id, o Ego e o Superego.
Segundo Freud, o conteúdo do inconsciente é, muitas vezes, reprimido pelo Ego. Para driblar a repressão, as ideias inconscientes “apelam” aos mecanismos definidos por Freud em sua obra: “A Interpretação dos Sonhos”, como deslocamento e condensação. Estes dois, mais tarde, seriam relacionados por Romain Jacobson à metonímia e metáfora, respectivamente. Portanto, as representações de ideias inconscientes manifestam-se nos sonhos como símbolos imagéticos, tanto metafóricos quanto metonímicos. Aplicando o conceito à fala, o inconsciente consegue expelir ideias recalcadas através dos chistes ou atos falhos. Freud propõe que as piadas ou as trocas de palavras por acidente nem sempre são inócuas. Antes, são mecanismos da fala que articulam ideias aparentes com ideias reprimidas, são meios pelos quais é possível exprimir os instintos primitivos. Semelhante à análise dos sonhos, a análise da fala seria um caminho psicanalítico para investigar os desejos ocultos do homem e as causas das psicopatologias. – “É na palavra e pela palavra que o inconsciente encontra sua articulação essencial”. Deste modo, Freud cria uma inter-relação entre os campos da linguística e da psicanálise, que será retomada por estudiosos posteriores, como ocorre precisamente nos Séminaire de seu incontestavelmente maior intérprete: Jacques-Marie Émile Lacan (1901-1981).
Sua primeira intervenção na psicanálise é para situar o Eu como instância de desconhecimento, de ilusão, de alienação, sede do narcisismo. É o momento do “Estádio do Espelho”. O Eu é situado no registro do Imaginário, juntamente com fenômenos como amor e ódio. É o lugar das identificações e das relações duais. Distingue-se do Sujeito do Inconsciente, instância simbólica. Lacan reafirma, então, a divisão do sujeito, pois o Inconsciente seria autônomo com relação ao Eu. E é no registro do Inconsciente que deveríamos situar a ação da psicanálise. Esse registro é o do simbólico, é o campo da linguagem, do significante. Claude Lévi-Strauss afirmava que “os símbolos são mais reais que aquilo que simbolizam, o significante precede e determina o significado”, no que é seguido por Lacan. Marca-se aqui a autonomia da função simbólica. Este é o “Grande Outro” que antecede o sujeito, que só se constitui através deste – “o inconsciente é o discurso do Outro”, “o desejo é o desejo do Outro”. O campo de ação da psicanálise situa-se então na fala, onde o inconsciente se manifesta, através de atos falhos, esquecimentos, chistes e de relatos de sonhos, enfim, naqueles fenômenos que Lacan nomeia como “formações do inconsciente”. A isto se refere o aforismo lacaniano “o inconsciente é estruturado como uma linguagem”: biblioteca, escrivaninha e o célebre divã. Eis tudo o que se esperaria encontrar no ambiente de trabalho de Sigmund Freud: um aficionado por arqueologia. O local de trabalho era enobrecido por mais de 2 mil peças antiquíssimas: esculturas de porte médio ou menor, fragmentos de pintura em gesso, papiro e linho, recipientes e pedaços de vidro.
Uma curiosa imagem, não?
            Havia objetos gregos, romanos e asiáticos, mas Freud tinha especial predileção pela cultura egípcia, que compreendia quase metade de sua coleção. Por quase meio século demonstrou-se não um mero colecionador, mas aquele que conhecia profundamente a arte antiga. Mais tarde afirmaria que, desde aquele primeiro contato com a extinta civilização greco-romana, estudar culturas antigas lhe trouxe conforto e consolação ao longo dos inúmeros dissabores de sua vida atribulada. Tinha uma relação “desejante” com Roma: entre 1895 e 1898, tentou visitar a cidade nada menos do que cinco vezes, mas uma irresistível inibição o fazia retroceder. Na Interpretação dos Sonhos, ele analisou a imaginação, relacionando-a com sua origem judaica e o antissemitismo. As obras de arte exerceram grande influência na vida de Freud, mas nenhuma, talvez, como a estátua de Moises de Michelangelo, exposta na Igreja de San Pientro in Vincolli na qual visitou por vezes e chegou a dedicar um trabalho analítico somente para a obra. Nos tempos de estudante identificava-se com Aníbal, general cartaginês de origem fenícia, semítica, portanto contra Roma, inimiga figadal de Cartago. Como ocorria com aquele general, Freud sentia-se inibido, constrangido a não penetrar em Roma. Com a publicação da obra viu-se livre do “estranhamento”, tornando-se um visitante da cidade e de suas adoráveis antiguidades. Alienação nas ciências sociais, é um conceito que designa indivíduos que estão alheios a si próprios ou a outrem, tornando-se dependentes de atividades ou instituições humanas, devido a questões econômicas, sociais ou religiosas. Desta forma, refere-se também à diminuição da capacidade dos indivíduos em pensarem e agirem por si próprios. Há quem defina a alienação como a falta de consciência por parte do ser humano de que ele possui um grau de responsabilidade na formação do mundo a seu redor, e vice-versa. Deste conceito filosófico-sociológico, derivaram-se outros usos da palavra, como por exemplo, na psiquiatria, pode ser usada como um sinônimo de loucura. No Direito, existem a alienação de um bem, a alienação parental e a alienação fiduciária. Ainda que a alienação seja um conceito a priori filosófico, existe o conceito de alienação mais propriamente dito originariamente na filosofia.

Bibliografia geral consultada.
PATTO, Maria Helena Souza, Psicologia e Ideologia: Uma Introdução Crítica à Psicologia Escolar. Tese de Doutorado. Instituto de Psicologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1981; XENAKIS, Françoise, Zut! On a Encore Oublie Madame Freud. Paris: Éditions Hachette, 1984; ELIAS, Norbert, El Proceso de la Civilización: Investigaciones Sociogenéticas y Psicogenéticas. 2ª edicíon. México: Fondo de Cultura Económica, 1989; FLEM, Lydia, L`homme Freud. Paris: Éditions Seuil, 1991; SILVA, Marcos Paulo do Nascimento, A Problemática do Mal em O Mal-Estar na Civilização. Dissertação de Mestrado. Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Departamento de Filosofia. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2004; DARWIN, Charles, A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2009; BURKE, Janine, Deuses de Freud: A Coleção de Arte do Pai da Psicanálise. Rio de Janeiro: Editora Record, 2010; FREUD, Sigmund, Totem e Tabu. Contribuição à História do Movimento Psicanalítico e Outros Textos (1912-1914). São Paulo: Editora Companhia da Letras, 2012; ALMEIDA, Alexandra Nakano de, Os Primeiros Quebra-cabeças de Freud: Um Estudo sobre o Papel da Arte na Constituição da Psicanálise. Tese de Doutorado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia: Psicologia Clínica. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2012; GOIANA, Francisco Daniel Iris, Instinto e Civilização: A Sociologia Processual de Norbert Elias e Seu Encontro com a Psicanálise Freudiana. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2014; COSTA, André Oliveira, Sujeito< > Cultura. Uma Relação com Efeitos de Transmissão. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Educação. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2014;  DIDI-HUBERMAN, Georges, Invenção da Histeria: Charcot e a Iconografia Fotográfica da Salpêtrière. Rio de Janeiro: Editor Contraponto, 2015; SCARAMBONI, Bruna Aline, Além de Freud: Um Estudo sobre a Relação entre a Sociologia de Norbert Elias e a Psicanálise Freudiana. Dissertação de Mestrado. Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo, 2015; MERLI, Laura Fernandes, Assistência Social e as Contribuições da Psicanálise: Um Processo de Supervisão Institucional. Tese de Doutorado. Instituto de Psicologia. São Paulo: Universidade de São paulo, 2017; entre outros.  

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