Dom Paulo Evaristo Arns - Esperança & Liberdade Religiosa.
Giuliane de Alencar & Ubiracy de Souza
Braga
“Minha impressão é que haviam apagado todas as luzes”. Dom Paulo Evaristo Arns
A
utopia não é a mesma coisa que esperança, porque quando esperamos alguma coisa,
partimos do pressuposto de que aquilo que esperamos é possível de acontecer.
Aquele que espera parte do pressuposto racional, segundo o qual aquilo em
relação ao qual se tem esperança, é possível de realização. Mesmo quando um
católico diz ter esperança em um milagre, ele parte do pressuposto racional da
possibilidade da realização desse milagre. E mesmo que alguém diga que esse
católico está errado na sua esperança, verdade é que eventualmente seu erro em
si mesmo não é sinônimo de irracionalismo. A esperança acena para um futuro
vislumbrado como plenitude no presente. A esperança tem como substrato social a
perspectiva de mudança na vida. Sem a utopia a esperança representa uma virtude
vazia. É a utopia, a topia da esperança. A esperança é o alimento
sagrado da utopia e, esta, sua mediação complexa e histórica de sobrevivência
nas sociedades. Entretanto, em tempos de crise de conjuntura e de metarrelatos,
como ocorre com as ideologias, somos vítimas de uma crise das utopias. O atual
aparente vazio de sujeitos sociais e particularmente na esfera de ação política
de representação dos partidos, a falta de perspectivas para um futuro imediato
tem contribuído para a resignação de muitos atores sociais do presente.
Estaria, então, a esperança nas transformações sociais e políticas, órfã de
utopia? Morreu a utopia ou morreram certas utopias que se sobrepuseram à
esperança e transformaram-se em meros discursos político-partidários estatistas
de consumação da ordem e progresso? A interpretação de que a queda do
presidente João Goulart em 1964 não resultou apenas de golpe civil-militar
deve-se em parte ao trabalho de René Dreifuss.
O
Projeto Brasil: Nunca Mais desenvolvido por Dom Paulo Evaristo Arns,
Rabino Henry Sobel, Pastor presbiteriano Jaime Wright e equipe, foi realizado
clandestinamente entre 1979 e 1985 durante o período final de esgotamento da
ditadura civil-militar no Brasil, no ano de 1985, e resgatou uma importante e
decisiva documentação sobre a história social do Brasil. Sistematizou
informações de mais de 1.000.000 de páginas contidas em 707 processos do
Superior Tribunal Militar (STM) revelando a extensão da repressão política no
Brasil cobrindo um período que vai de 1961 a 1979, atualmente constitui-se no
fundo mais pesquisado do Arquivo Edgard Leuenroth, na cidade de Campinas, na Universidade Estadual de Campinas. O Relatório
completo, resultado do esforço de mais de 30 brasileiros que se dedicaram
durante quase seis anos a rever a história do período no país.
Ipso
facto, reescrevendo-a a partir das denúncias feitas em
juízo por opositores do regime de 1964, bem como o livro publicado pela Editora
Vozes, no dia 15 de julho de 1985, tiveram papel fundamental na identificação e
denúncia dos torturadores do regime militar e desvelaram as perseguições, os
assassinatos, os desaparecimentos e as torturas; atos praticados nas
delegacias, unidades militares e locais clandestinos mantidos pelo aparelho
repressivo no Brasil. O livro publicado é um resumo com cerca de 5% de todas as
informações obtidas. O projeto foi apoiado pelo Conselho Mundial de Igrejas,
que ajudou com recursos para alugar uma sala, máquina fotocopiadoras e pagar o
pessoal para operá-las. Desse modo foi possível fotocopiar mais de um milhão de
páginas de 707 processos arquivados no Superior Tribunal Militar, obtidos a
partir de pedidos de vistas de advogados que atuavam em favor dos direitos
humanos.
Sua
atuação pastoral foi voltada aos habitantes da periferia, aos trabalhadores, à
formação de Comunidades Eclesiais de Base nos bairros, principalmente os mais
pobres, e à defesa e promoção dos direitos da pessoa humana. Ficou reconhecido
como o Cardeal dos Direitos Humanos, principalmente por ter sido o
fundador e líder da Comissão Justiça e Paz do estado de São Paulo, e sua
atividade política era claramente vinculada à sua fé religiosa. Segundo ele: - “Jesus
não foi indiferente nem estranho ao problema da dignidade e dos direitos da
pessoa humana, nem às necessidades dos mais fracos, dos mais necessitados e das
vítimas da injustiça. Em todos os momentos Ele revelou uma solidariedade real
com os mais pobres e miseráveis (Mt. 11, 28-30[4]); lutou contra a injustiça, a
hipocrisia, os abusos do poder, a avidez de ganho dos ricos, indiferentes aos
sofrimentos dos pobres, apelando fortemente para a prestação de contas final,
quando voltará na glória para julgar os vivos e os mortos”.
Enquanto
bispo-auxiliar, trabalhou na Zona Norte paulistana, no bairro de Santana.
Durante a ditadura militar, na década de 1970, notabilizou-se na luta pelo fim
das torturas e restabelecimento da democracia no país, junto com o rabino Henry
Sobel, criando uma ponte entre a comunidade judaica e a Igreja Católica em solo
paulista. Renovou o plano pastoral da Arquidiocese de São Paulo, instituindo
novas regiões episcopais, as divisões da Arquidiocese de São Paulo, e quarenta
e três novas paróquias. Em 1972 criou a Comissão Brasileira de Justiça e Paz de
São Paulo. Incentivou a Pastoral da Moradia e a Pastoral Operária. Em 22 de
maio de 1977 recebeu o título de Doutor Honoris Causa juntamente com o
presidente norte-americano Jimmy Carter (1977-1981), da Universidade de Notre
Dame, Indiana, Estados Unidos da América (EUA). A distinção, concedida
também ao Cardeal Kim da Coreia do Sul e ao Bispo Lamont da Rodésia, deveu-se
ao seu desempenho em prol dos direitos humanos.
Entre
1979 e 1985, coordenou com o Pastor presbiteriano Jaime Wright, de forma
clandestina, o projeto Brasil: Nunca Mais. Este projeto tinha como objetivo
evitar o possível desaparecimento de documentos durante o processo de
redemocratização do país. O trabalho foi realizado em sigilo e o resultado foi
a cópia de mais de um milhão de páginas de processos do Superior Tribunal
Militar (STM). Contudo, este material foi microfilmado e remetido ao exterior
diante do temor de uma apreensão do material. Em ato público realizado dia 14
de junho de 2011, foi anunciada a futura repatriação, digitalização e
disponibilização para todos os brasileiros deste acervo. O livro homônimo
Brasil: Nunca Mais reuniu esta pesquisa sobre a tortura no Brasil no período da
ditadura militar e foi publicado pela Editora Vozes. Evaristo Arns também foi
um dos organizadores do movimento social Tortura Nunca Mais. Em 3 de
junho de 1980 recebeu, em São Paulo o Papa João Paulo II. Em 30 de novembro de
1984 inaugurou a Biblioteca Dom José Gaspar.
Formado
em Teologia e Filosofia no Brasil, na década de 1940, e em Letras na França, no
início da década de 1950, dom Paulo Evaristo Arns escreveu 56 livros e recebeu
24 títulos honoriscausa em universidades importantes de
quase todo mundo ocidental. Obteve Licença em Letras: estudos brasileiros,
latinos, gregos e história antiga; Universidade de Paris (Sorbonne), 1947 -
1950; em Pedagogia: Instituto de Pedagogia de Paris, 1950 - 1952; em Literatura
Antiga: Instituto de Altos Estudos, Paris, 1950-1952; Estágios: 3 na Alemanha,
2 na Inglaterra, 1 na Holanda, 1 na Bélgica, 1 nos Estados Unidos e 1 no
Canadá, 1948-1950. Obteve doutorado em Letras: Universidade de Paris
(Sorbonne), em 03.05.1952, com a distinção maior, “très honorable” para a tese,
intitulada: “La Technique du Livre d’après Saint Jérome”. E teses secundárias: “Les
Confessions de Saint Augustin dans l’oeuvre de Saint Bonaventure”; “Thesaurus
Linguae Latinae”. Nos anos 1960, atuou como padre em Petrópolis (RJ). Delimitada
pelo Parque Nacional da Serra dos Órgãos, com os seus picos arborizados e
quedas de água, é reconhecida como um retiro de montanha para os residentes do
Rio. No centro, o Museu Imperial exibe mobiliário de época no antigo palácio do
imperador do século XIX, Dom Pedro II. Nas proximidades, a enorme Catedral de
São Pedro de Alcântara alberga o mausoléu do imperador e da sua mulher. Ele se
tornou bispo em 2 de maio de 1966, aos 44 anos, e foi nomeado arcebispo pelo
papa Paulo VI em 22 de outubro de 1970. Exerceu o cargo até 1998, quando
completou 75 anos. Foi substituído pelo arcebispo d. Cláudio Hummes e virou
arcebispo-emérito de São Paulo. Era o mais antigo de todos os membros do
Colégio Cardinalício. Como cardeal eleitor, participou dos conclaves de agosto
e outubro de 1978, que escolheram os papas João Paulo I e João Paulo II que recepcionou
em São Paulo em 1980.
Na
tarde de 25 de outubro de 1975, o “Destacamento de Operações de Informações -
Centro de Operações de Defesa Interna” (DOI-CODI) informou que o jornalista
Vladimir Herzog, diretor de Jornalismo da TV Cultura de São Paulo, havia se
suicidado naquelas instalações do Exército. Eram “anos de chumbo”, com os militares
no poder desde 1964. A censura à imprensa e a truculência contra os que se
opunham ao regime militar atingiram em cheio Vlado Herzog, como o jornalista
era conhecido, barbaramente torturado e morto. Os militares queriam sua ligação
com o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Como não entregou amigos, foi
seviciado até a morte. Uma voz se levantou contra a versão do suicídio: dom
Paulo Evaristo Arns, arcebispo emérito de São Paulo e cardeal da Igreja
Católica desde 1973, que morreu nesta quarta-feira (14/12/2016) aos 95 anos. Muito
antes da morte do jornalista Vlado Herzog, apenas uma das batalhas que travou
contra o regime militar (1964-1985), dom Paulo Evaristo Arns já se preocupava
com inúmeros cadáveres que vinham sendo jogada em valas na periferia de São
Paulo, matança atribuída ao grupo de extermínio “Esquadrão da Morte”, mas que a
Igreja Católica desconfiava tratarem-se do assassinato de jovens da luta contra
o arbítrio. E fundou a Comissão de Justiça e Paz, da Diocese de São Paulo, para
denunciar os crimes dos militares. Foi na luta contra a ditadura que dom Paulo Evaristo Arns começou a escrever sua história de um
homem sem medo, o “arcebispo da esperança”, como ficou reconhecido (cf. Arns,
2001).
Vlado
Herzog nasceu na cidade de Osijek, na Iugoslávia, em 1937, filho de um casal de
origem judaica. Durante a 2ª guerra mundial (1939-1945), para escaparem do
antissemitismo do Estado fantoche da Croácia, controlado pela Alemanha nazista,
a família Herzog imigrou primeiramente para a Itália, onde viveram
clandestinamente até imigrarem para o Brasil. Naturalizado brasileiro, Vladimir
Herzog tinha paixão pela fotografia, atividade que exercia por conta de seus
projetos coletivos com o cinema. Passou a assinar “Vladimir” por considerar que
seu nome soasse exótico para os brasileiros. Herzog se formou em Filosofia pela
tradicional Universidade de São Paulo, em 1959. Na década de 1970, assumiu a
direção do Departamento de Telejornalismo da TV Cultura (SP) e também de
professor de jornalismo na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade
de São Paulo. É uma instituição pública de ensino superior localizada na cidade
de São Paulo. Como parte da Universidade de São Paulo, é considerada uma
unidade de ensino, pesquisa e extensão. A ECA foi fundada em 15 de junho de
1966, e hoje é formada por oito departamentos e pela Escola de Arte
Dramática (EAD). Oferece 21 cursos de graduação, sendo que 13 deles da área
de Artes e 8 voltados às comunicações sociais. Seus ex-alunos são
reconhecidos como Ecanos.
Chegou
à sede DOI-CODI, às 8 horas, levado àquele endereço pelo jornalista Paulo
Nunes, que cobria a área militar na redação da Cultura e dormira na casa do
diretor da TV naquela noite para assegurar que ele se apresentaria na
instalação militar logo cedo. Nunes foi dispensado na recepção e Vlado
encaminhado para interrogatório. Foi então encapuzado, amarrado a uma cadeira, sufocado
com amoníaco, submetido a espancamento e choques elétricos, conforme o manual
ali praticado e seguindo a rotina a que foram submetidos centenas de outros
presos políticos nos centros de tortura criados pela ditadura e financiados em
boa parte por empresários que patrocinavam ações repressivas e de violação dos
Direitos Humanos, como a Operação Bandeirante. - “Naquela cela solitária, com o
ouvido na janelinha, eu podia ouvir os gritos: ‘Quem são os jornalistas? Quem
são os jornalistas?’ Pelo tipo de grito, pelo tipo de porrada, sabia que estava
sendo feito com alguém exatamente aquilo pelo que eu tinha passado, recordou,
em 1992, em depoimento ao jornal Unidade, do sindicato da categoria, o
jornalista Sérgio Gomes, que estava preso no mesmo DOI-CODI em que Vlado se
encontrava naquele dia. - “Lá pela hora do almoço há uma azáfama, uma
correria”.
Ele
foi torturado durante toda a manhã e se dá o tal silêncio. A pessoa para de ser
torturada e em seguida há uma azáfama, uma correria…A gente percebe que tem
alguma coisa estranha acontecendo. Tinham acabado de matar o Vlado”. Mas o
assassinato brutal, por espancamento, não era o limite a que podiam chegar os
feitores do regime ditatorial. Esquivar-se da responsabilidade pelo crime
forjando uma inverossímil cena de suicídio seria o próximo passo dos
torturadores. Com uma tira de pano, amarraram o corpo pelo pescoço à grade de
uma janela e convocaram um perito do Instituto Médico Legal (IML) para
fotografar a “prova” de que supostamente o preso político dera fim à própria
vida, em um surto de enlouquecido arrependimento por ter escrito uma confissão
que aparecia rasgada, no chão, na imagem divulgada pelos órgãos de repressão.
A
cena da morte de Vlado, fotografada pelo perito do Instituto Médico Legal, foi
representada pelo artista Elifas Andreato no quadro “25 de Outubro”. Etnograficamente
na pressa para montar esse “circo macabro”, os torturadores ignoraram detalhes
como o fato de Vlado Herzog ser mais alto do que a janela com grade onde
supostamente enforcou-se e a rotina de encarceramento que tira dos presos
qualquer instrumento com o qual se possam enforcar, cintos e cadarços entre
eles. Criaram, assim, uma mentira tão flagrante que a Sociedade Cemitério
Israelita nem considerou a hipótese de enterrar o corpo na área reservada
aos suicidas, como determina a prática e ética religiosa. Mas, no Inquérito
Policial Militar que viria a ser instaurado em razão da morte ocorrida em
instalação oficial, o promotor Durval de Araújo – um defensor e protegido do
regime – sustentaria que o sepultamento aconteceu no setor de suicidas,
recorrendo a depoimentos contraditórios e, mais que se esforçaria para
distorcer o que diziam vários depoentes. A mãe de Vlado disse que sentiu que
queria morrer ao receber a notícia da perda do filho. O promotor tentou
registrar que ela “sentiu vontade de suicidar-se também”.
Em
entrevista exclusiva concedida a Cylene Dworzak Dalbon, a publicitária Clarice
Herzog fala do “terrível outubro de 1975”, quando seu marido, o jornalista
Vladimir Herzog foi assassinado dentro das dependências do DOI-CODI pelos
órgãos de repressão da ditadura. Foram presos outros jornalistas ligados ao
Vlado e da TV Cultura, o Markum, o
Anthony, Rodolfo Konder, o Sérgio Gomes. Foi um momento extremamente tenso.
Esperávamos, afirma Cylene, que o Vlado fosse preso devido a essas prisões, e
discutimos muito sobre qual seria o teor de seu depoimento – o que nunca passou
pelas nossas cabeças é que ele acabaria morto. Naquele momento estava no
Partido. Ele nunca foi ligado à política, ele não era comunista – aliás, era
bastante crítico ao partido. - Na verdade, o Vlado era um intelectual, ligado a
teatro, cinema, que desejava um mundo melhor, um mundo onde as ideias pudessem
ser discutidas e respeitadas. Naquela época existiam duas forças contra a
ditadura militar: uma era a igreja e a outra o PCB. Como o Vlado era judeu,
optou pelo Partido – a sua área de atuação como militante era a discussão da
situação cultural no país – a produção artística, nos vários níveis, estava
sendo totalmente massacrada pela censura.
O
motivo da violenta repressão contra o Partido Ccomunistas Brasileiro (PCB), é que ele estava se tornando uma
nova e forte frente e enfrentando a ditadura. Mas aconteceu o que não esperávamos
que acontecesse: afinal, apesar do Vlado estar envolvido com o partido
comunista, tínhamos empregos, passaporte, residência fixa e não éramos
envolvidos com a luta armada”. A violência repressiva do Estado e o controle
policial imposto sobre quase todos os setores da sociedade, além da ausência de
liberdades civis e públicas, haviam conduzido o país a uma situação
insustentável do ponto de vista da manutenção do regime de força que
caracterizava a ditadura militar. Além disso, o fato de os militares terem
assumido diretamente o governo, ocasionou uma politização negativa dentro das
Forças Armadas, desvirtuando os propósitos constitucionais da instituição
militar. A “anarquia” e a “desordem”, promovida por setores militares radicais,
permearam todos os governos da ditadura, e tinham sua origem justamente na
politização no interior da instituição militar. Portanto, é apropriado
interpretar sociologicamente a “distensão” como um sinal da impossibilidade de
os militares se manterem indefinidamente no poder. A distensão foi concebida e
operacionalizada de modo que a saída das Forças Armadas do governo não deveria
ameaçar a ordem vigente e os interesses das frações das classes dominantes.
Muito
antes da morte de Herzog, apenas uma das batalhas que travou contra o regime
militar (1964-1985), dom Paulo já se preocupava com inúmeros cadáveres que
vinham sendo jogados em valas na periferia de São Paulo, matança atribuída ao
Esquadrão da Morte, mas que a Igreja Católica desconfiava tratarem-se do
assassinato de jovens da luta contra o arbítrio. E fundou a Comissão de Justiça
e Paz, da Diocese de São Paulo, para denunciar os crimes dos militares. Foi na
luta contra a ditadura que dom Paulo começou a escrever sua história de um
homem sem medo, o “arcebispo da esperança”, como ficou conhecido. Entre 1979 e
1985, quando tudo o que os militares menos queriam era ver suas mazelas
expostas pelo processo de redemocratização, dom Paulo foi ágil. Instituiu o
projeto “Brasil Nunca Mais”, com a ajuda do pastor evangélico Jaime Wright. O
grupo conseguiu copiar um milhão de processos que haviam tramitado no Superior
Tribunal Militar. Depois de tudo compilado, o “Brasil Nunca Mais” denunciou
toda a perseguição e a violência da ditadura. Os dados estatísticos foram
copiados, microfilmados e enviados para Genebra, onde o pastor Wright tinha
relações internacionais com o Conselho Mundial de Igrejas.
O
ProjetoBrasil: NuncaMais desenvolvido por Dom Paulo
Evaristo Arns, Rabino Henry Sobel, Pastor presbiteriano Jaime Wright e equipe,
foi realizado clandestinamente entre 1979 e 1985 durante o período final da
ditadura militar no Brasil, no ano de 1985, gerou uma importante documentação
sobre a história do Brasil. Sistematizou informações de mais de 1.000.000 de
páginas contidas em 707 processos do SuperiorTribunalMilitar (STM) revelando a extensão da repressão política no Brasil
cobrindo um período que vai de 1961 a 1979, atualmente constitui-se no fundo
mais pesquisado do Arquivo Edgard Leuenroth na Universidade de Campinas (SP). O
Relatório completo, resultado do esforço de mais de 30 brasileiros que se
dedicaram durante quase seis anos a rever a história social e política do
período no país, reescrevendo-a a partir das denúncias feitas em juízo por
opositores do regime de 1964, bem como o livro publicado pelas Editoras Vozes,
tiveram papel fundamental na identificação e denúncia dos torturadores do
regime militar e desvelaram as perseguições, os assassinatos, os
desaparecimentos e as torturas; atos praticados nas delegacias, unidades
militares e locais clandestinos mantidos pelo aparelho repressivo de Estado no
Brasil. Em resposta ao livro de Arns, os militares escreveram o livro: “Tentativas
de Tomada do Poder” baseado em documentação produzida pelos órgãos de repressão
do período autoritário, contendo uma versão policial sobre a história política.
Dom
Paulo Arns temia que os documentos fossem “apreendidos” pelos militares
brasileiros e destruídos. Os documentos só voltaram ao Brasil em 2012, já com o
país na plenitude democrática, e estão à disposição do público para consulta.
Em vez do medo, dom Paulo preferiu lutar para defender a memória de um período
obscuro. - Dom Paulo não avisou nem a Conferência dos Bispos do Brasil (CNBB)
que estava constituindo o “Brasil Nunca Mais”, lembra o ex-ministro de Direitos
Humanos Paulo Vannuchi, que assessorou dom Paulo no projeto. Formou um grupo
pequeno de auxiliares, para que não vazasse. Pediu que não falássemos nem em
casa. Foram cinco anos de trabalho, de 1979 a 1985. Foi a primeira “Comissão da
Verdade” do país. Até hoje ninguém contesta um único dado estatístico do
levantamento do Brasil Nunca Mais. Dom Paulo representou um marco expressivo na
luta contra a ditadura militar golpista no Brasil.
Quando
a agonia da tortura assolava os porões, sobretudo na década de 1970, dom Paulo
peregrinava de quartel em quartel. Usou sua influência para libertar dezenas de
presos políticos. No meio de toda aquela incerteza, o líder católico servia de
referência para políticos brasileiros, que faziam romaria à Arquidiocese em
busca de seus conselhos. Do sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, que na
época liderava as greves de metalúrgicos na região do ABC, ao sociólogo
Fernando Henrique Cardoso, Ulysses Guimarães e Mário Covas, como lembra o
jurista Dalmo Dallari, amigo de dom Paulo que foi o primeiro presidente da Comissão
de Justiça e Paz, em 1972. - Ele não fazia distinção de partido ou motivação
política. Assim, circulava em todos os segmentos da sociedade. Como era
essencialmente franciscano, atendia a todos com espírito de fraternidade e
sempre com muito equilíbrio emocional - recorda o jurista conservador Dalmo Dallari.
D. Paulo Evaristo Arns celebrou missa de sétimo dia pela morte do jornalista
Vladimir Herzog junto com o rabino Henry Sobel na Igreja da Sé situada no
centro da cidade de São Paulo (1975). Dom Paulo compareceu ao lançamento da
coleção “Teologia da Libertação”, em 1989, junto com Luís Inácio Lula da Silva.
Ele apoiou o dominicano Frei Betto, um dos maiores expoentes do movimento de
base.
O lider religioso também se encontrou com Jimmy Carter, ex-presidente dos Estados
Unidos da América, em 1997. O arcebispo participou da cerimônia de posse do
prefeito de São Paulo, Mário Covas em 1983 com o governador Franco Montoro. Dom
Paulo participou das negociações para libertação do empresário Abílio Diniz, em
2001. O sacerdote encontrou o Papa João Paulo I. Em outro embate
com a cúpula da Igreja, o religioso nascido em Forquilhinha (Santa Catarina) no
dia 14 de setembro de 1921, mostrou-se contrário ao celibato obrigatório em uma
entrevista ao jornal OGlobo, em 2002. Mais uma vez, enfrentou
as críticas do Vaticano. O arcebispo emérito de São Paulo recebe a visita da presidente eleita Dilma Rousseff (PT) em maio de 2012.
Enfim, outro amigo do religioso,
o jurista conservador Hélio Bicudo diz que o arcebispo recebia o líder
sindicalista Lula com cordialidade, mas tinha relação mais próxima com o
sociólogo Fernando Henrique Cardoso. - Em 1978, quando Fernando Henrique se
lançou candidato ao Senado pela primeira vez, eu também desejava concorrer ao
Senado. Dom Paulo me pediu para desistir em favor de Fernando Henrique, e eu
desisti - revela Bicudo. Dom Paulo também apoiou a Teologia da Libertação. Não
hesitou em desagradar ao Vaticano ao se posicionar
publicamente ao lado de um dos maiores expoentes daquele movimento católico de
esquerda-socialista, Leonardo Boff. Por conta disso, especula-se que o
arcebispo tenha sido punido pela Igreja, que, em 1989, fragmentou a Arquidiocese
de São Paulo em quatro outras dioceses: Osasco, São Miguel Paulista, Santo
Amaro e Campo Limpo.
Bibliografia
geral consultada.
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Presses Universitaires de France, 1977; DREIFUSS, René Armand, 1964: A Conquista do Estado. Ação Política, Poder e Golpe de Classe. 2ª edição. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 1981; GINZBURG, Carlo, Occhiacci di legno - Nove riflessioni sulla distanza. Milano: Giangiacomo Feltrinelli Editore, 1998;ASSUNÇÃO, Vânia
Noeli Ferreira de, O Satânico Doutor Go. A Ideologia Bonapartista de Golbery
do Couto e Silva. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em
Ciências Sociais. São Paulo: Pontifícia Universidade de São Paulo, 1999; ARNS, Paulo Evaristo, “Prefácio”. In:Brasil: Nunca Mais. 11ª edição. Petrópolis (RJ): Editoras
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Il Futuro della Democrazia. 1ª
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Brasil há mais de 30 anos”. In: O Estado
de S. Paulo, 29/03/2007; MEZAROBBA, Glenda Lorena, O Preço do Esquecimento: As Reparações Pagas às Vítimas da Ditadura Militar (uma comparação entre Brasil, Argentina e Chile). Tese de Doutorado em Ciência Política. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2007; RODRIGUES, Cátia Regina, A Arquidiocese de São Paulo na Gestão de D. Paulo Evaristo Arns (1970-1990). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História Social. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de História. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2008; IMENO, Myriam, “Emoções e Política: A Vítima e a Construção de Comunidades Emocionais”. In: Mana, vol. 16, nº 1, pp. 99-121, 2010; FASSIN, Didier, “Vers une Théorie des Économies Morales”. In: FASSIN, Didier; EIDELIMAN, Jean-Sébastian (Org.), Économies Morales Contemporaines. Paris: La Découverte, 2012; Artigo: “A Amizade de dois Comunistas: Paulo Evaristo Arns e Fidel Castro”. In:
http://radiovox.org/2016/12/12/; entre outros.
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