Ubiracy de Souza
Braga
“Ninguém daria o menor apoio, nem teria a menor
devoção por uma pessoa real”. Jean
Baudrillard
Jean Baudrillard foi um Sociólogo,
poeta e fotógrafo. Foi um dos fundadores da revista “Utopie”. Formado pela
Sorbonne em língua alemã, ele lecionou a disciplina em diferentes escolas
secundárias na França até 1966, além de traduzir para o francês, durante este
período, textos de dramaturgos germânicos como Bertold Brecht e Peter Weiss,
além do filósofo Marx. Em 1968, sob a orientação do filósofo marxista Henri
Lefebvre, conclui a sua tese de doutoramento: “O sistema dos objetos”, na qual
problematiza o lugar praticado em que mesas, televisões, carros e bolsas, por
exemplo, ocupam o cotidiano das pessoas. Lecionou sociologia na Universidade de
Nanterre. Sua biografia não é de difícil acesso, tanto pela existência de
análises teóricas a seu respeito, quanto por sua personalidade reservada. Como poucos
resguardavam exageradamente sua privacidade. Personagem polêmico desenvolve
teorias sociais que remetem ao estudo dos impactos da comunicação, das múltiplas mídias
na cultura contemporâneas. Os paradoxos de Jean Baudrillard querem responder a “situações-limite”
da reflexão contemporânea.
Metodologicamente
descreve a estrutura do processo em que a chamada “cultura de massa” reproduz a
realidade virtual. Suas teorias contradizem o discurso da verdade. Contribuem para
a reflexão crítica e antropológica da civilização sobre a situação de dominação
mediada pelos sistemas de signos contemporâneos: cultura imagética, o híbrico da fotografia com a arte; espetáculo, entretenimento;
sinal-valor, o fim do “valor de uso” ou “de troca” na teoria marxista e a introdução da marca, do prestígio, do luxo e da sensação de poder; mercadoria-signo, liberta o signo do objeto; lei do código; sedução; maioria silenciosa; excrescência, e muitos outros conceitos e expressões que conectados ao conceito-chave de “simulacro”, remetem-nos imediatamente a um nome: Jean Baudrillard. Juntamente com Jacques Derrida, Michel Foucault, Jean-François Lyotard, Cornelius Castoriadis e Edgar Morin, para ficarmos nestes exemplos, destacou-se como representante da chamada: “Nova Teoria Francesa”, caracterizando-se assim como um teórico interdisciplinar. Seus escritos trouxeram novas noções conceituais onde a marca das interconexões entre economia e política, cultura e sociedade, colocando-o para além dos marcos científicos tradicionais.
Os
impactos sociais do desenvolvimento das novas tecnologias e a abstração das
representações sociais dos discursos são elementos que servem de objeto para suas
pesquisas. O discurso teórico-metodológico do pensador impôs-se no nível ontológico de ruptura radical, ou de
contraponto, sem conceder qualquer moto-contínuo à dialética. Afez-se a última
fidelidade ao seu tempo, como espanto, na sagacidade metodológica dos
reinícios, em que a morte se descarta como detalhe, em um absoluto em stacattos. O paradoxo de consequências
inintencionais neutraliza qualquer paroxismo. Instala-se no ethos do legítimo atemporal deste
questionamento social, passado à troca simbólica e linguística, tão diferente
do “ser-para-a-morte” heideggeriano ou da radical assunção do insuportável do
fim que nos deu François Lyotard como a incredulidade em relação às metanarrativas. Baudrillard não contrapôs, apenas, a
“consciência-limite” da contingência à sua banalização. Mas o próprio
relevo como evento, “descartando-o, enfim, como a cinza do seu cigarro”.
Para
Baudrillard a manipulação teórica dos signos, com a infinita reprodução e a reprodução
de imagens em signos, torna a subsunção entre o real o imaginário. A perda de
significados estáveis que daí deriva tem sido avançada como uma característica
das sociedades pós-modernas. Ele analisa as fases históricas que conduziram a
esta situação. Numa primeira fase, o signo reflete uma realidade. Numa segunda
fase, o signo mascara e perverte uma realidade. Numa terceira fase, o signo
mascara a ausência de uma realidade e numa quarta fase o signo não tem qualquer
relação com nenhuma realidade; ele é o seu próprio simulacro. Esta é a fase em
que se encontra a pós-modernidade. As suas obras principais desde Le Système des Objets (1968) à Le Paroxyste Indifférent (1997) insere-se
em um cosmos, da radicalidade de seu jogo das subversões,
em que se inverte a própria relação do real pelo simulacro, o ético pela transparência do mal e a perseverança no
tempo pela ilusão do fim.
É um universo sem fugas o que demarcou Baudrillard,
tendo levado às últimas consequências a negociação da trégua simbólica com a
morte, rendendo-se à “troca impossível”. A presença do pensamento
baudrillardiano nasce toda da concepção de “hiperconsciência” da própria estase
em aguilhão, sem concessões, no pós-moderno deste seu “ser no mundo”. Sua
postura aparentemente profética e apocalíptica é fundamentada através de
teorias irônicas como escopo à
definição do real que o homem ocupa
neste ambiente virtual. Para Baudrillard, as tecnologias desenvolvidas devem
estar inseridas num plano capaz de suportar esta expansão contínua. Ressalta
que as redes geram uma quantidade de
informações que ultrapassam limites para influenciar na definição da massa crítica.
É
no começo da década de 1980 que Jean Baudrillard obtém, no Japão, a máquina
fotográfica para a disciplina do novo imaginário individual (o sonho) e
coletivo (os mitos, os ritos, os símbolos) que intuíra historicamente pela
frequentação do surrealismo dos anos 1930. Não é Breton, mas seu professor de
filosofia em Reim, Emmanuel Peillet, que lhe permite o choque da pataphysique, em vinheta dos mais rigorosos
no discernimento do real frente a seu recomeçar. Na fidelidade crítica a esta
escola de pensamento recebeu o título de “satrapa transcendental”, ao lado de
dois profetas deste mundo contemporâneo, de após a grande entente linguística e
a descanonização derradeira do surreal, Umberto Eco e Arrabal. Todo o ambiente
está contaminado pela intoxicação midiática que sustenta este sistema de
relações. A interdependência deste “feudalismo tecnológico” faz-se necessária
para que a relação social fetichista do dinheiro, os produtos e as ideias se
estabeleçam de forma plena. É servidão voluntária resultante do que se
movimenta num processo espiral contínuo de auto-sustentação. É considerado um dos principais teóricos da pós-modernidade
e fora da psicologia que melhor diagnosticaram o mal-estar
contemporâneo.
Nos debates sobre a pós-modernidade,
Baudrillard passou a ser reconhecido como o teórico do regime do “simulacro”
através do ensaio: “Simulacros e Simulação”, livro que se tornou famoso também
fora do ambiente acadêmico quando foi exibido no filme: “Matrix”, pois é
ambientado na edição deste livro que “Neo” guarda seus programas. Colaborou
ainda o fato de o ator Keanu Reeves dizer em suas entrevistas sobre o filme,
que havia lido “Simulacros e Simulação”. Foi o que bastou para que o nome de
Baudrillard com sua teoria sobre o simulacro fosse rapidamente associado ao
filme. Como teórico ele não gostou da associação. E comentou que tanto os
responsáveis pelo filme, como Reeves, “se leram meu livro, não entenderam
nada”. A interpretação distorcida do pensamento de Baudrillard feita em
“Matrix”, é comum filosoficamente bem como entre admiradores de
seus trabalhos. Na entrevista sobre o filme, Baudrillard foi objetivo: - existem
filmes melhores que este sobre o mesmo tema. “Truman Show”, por exemplo, é mais
sutil. Não deixa o real de um lado e o virtual de outro, como “Matrix”. Esse é
o problema. Essa é a confusão.
A multiplicação da quantidade de sinais e
espetáculos particulares pelos meios de comunicação produz uma proliferação do
que ele chamou de “sinal-valor”, uma “economia política do signo” – expressão
que nomeia outra importante obra de Baudrillard. Melhor dizendo, a marca, o
prestígio, o luxo e a sensação de poder tornam-se uma parte crescentemente
importante do artigo de consumo e não somente seu “valor de uso” ou “de troca”
como ocorre na análise fetichista da mercadoria no âmbito na teoria marxista
desenvolvida através da mercadoria. Chegamos assim ao que consideramos como seu escopo analítico-filosófico, ou, em outras palavras, o
enfoque principal do pensamento de Jean Baudrillard. A inter-relação de seus
conceitos, reflexões e obras em torno, não somente descritivo, mas também da
crítica política sem concessões ao processo de consumo contemporâneo. A
imagem fotográfica afasta ou atrai a população da realidade?
A questão foi
levantada por Jean Baudrillard na cidade de São Paulo (2000), num seminário
sobre imagem e violência. Nesta reflexão Baudrillard consolidou sua fama em
1991, com o diagnóstico de que a guerra contra o Golfo Pérsico “não ocorreu”,
argumentando que nenhum lado poderia contar vitória e que o conflito não
alterou nada no Iraque. Dez anos depois, através do ensaio: “O Espírito do
Terrorismo”, voltou a causar grande controvérsia, ao descrever e explicar no
âmbito comunicacional os ataques de 11
de Setembro de 2001 nos Estados Unidos como expressão da representação
da “globalização triunfante combatendo a si mesma”. A simetria da figuração, na
queda das torres gêmeas do WTC, é a de anulação de qualquer
espelho, quando a “civilização do medo” que inaugura é a do abate do outro, na
ronda sem face do terrorismo. Este gestual cego só pode ser o da violência
irrecorrível, o protesto à expropriação definitiva das subjetividades culturais
frente ao mundo hegemônico da razão, dos jogos feitos e terminais da
dinâmica de progresso. Sobre a descrição de vingança ocorrida neste episódio,
escreveu no ano seguinte: Power Inferno (2002).
De
fato a transformação da mercadoria em signo representou o destino da
globalização do capitalismo no século XX. Nesta direção, condenou o processo de
estetização de todas as coisas que ocorre na atual fase do capitalismo, pois
como dizia, “até o mais marginal, o mais banal, o mais obscuro estetiza-se”.
Deixou transparecer que entendia a publicidade como a arte oficial do
capitalismo, uma vez que todas as formas atuais de atividade voltam-se e
esgotam-se nela. Por isto a forma ideológica
da publicidade com apoio de relações técnicas de trabalho impôs-se e
desenvolveu-se à custa de todas as outras linguagens contemporâneas. Portanto,
reiterou que os códigos e modelos de marketing
e lógicas tem o papel de formalizar e deixar mais simples os semelhantes, geraram uma produção infinita e instável de estilos de
vida, dissolvendo-se o objeto reconhecido como sociedade. A estetização que fascina, manipula desejos e gostos e impulsiona na direção da produção-consumo além dos princípios da economia política. Apresenta a falsa ideia de que nas práticas consumistas está a resolução dos problemas da vida, bem como a transformação da insignificância do mundo.
As
estruturas sociais de classe, gênero e etnia são reduzidos às imagens do social
e vividos através do meio de reprodução das imagens e de estilo de vida. Observou que os “meios realizadores” estão em coisas muito diferentes às
expectativas geradas, e, ainda segundo ele, que atendam satisfações mais
superficiais, mas jamais aspectos profundos da vida humana como geralmente
propõem. Sob este aspecto radicalizou ao desenvolver a ideia que os indivíduos
imersos nas práticas e relações de consumo, não combatem nem condenam, mas
exploram ao máximo as tendências figuradas. As sensações imediatas, as
experiências ardentes e isoladas, tanto quanto as intensidades da sociedade-cultura
de consumo. Sem procurar significados obtém prazer estético de intensidades
superficiais. Na
ordem da produção, o objeto carece de unicidade e singularidade, pois, objetos
tornam-se simulacros indefinidos uns
dos outros como objetos, os homens que os produzem. A pretensa
objetividade do mundo erigido pela racionalização técnica corresponde à
universalização de um modelo arbitrário advindo da generalização da economia
política na forma da lei do valor. A partir do código, considerado como sistema
de signos generalizados, a simulação opera a inversão das relações sociais entre pessoas, identificada entre o real
e sua representação, estabelecendo simples oposições binárias que permitem a
objetividade do discurso e o controle dos objetos.
Em relação ao discurso, reduzindo o signo ao puro jogo dos
significantes, anula a relação entre significante e significado necessária ao
processo de significação. Assim, diferentemente da ordem da produção, o
controle das relações do homem com as “coisas” não mais advém do agir
racional-com-respeito-a-fins, pois a predominância do código inaugura o
monopólio da palavra como característica básica da dominação contemporânea. Da
mesma forma, enquanto técnica de controle do objeto, o processo de simulação
opera uma completa inversão, de forma que o real se torne efeito ou reflexo de
modelos gerativos. Simulacros e simulação representa um tratado filosófico de
Jean Baudrillard que discute a relação entre realidade, símbolos e sociedade. Simulacros
são cópias que representam níveis de análise que nunca existiram ou que não
possuem mais o seu equivalente na realidade. Simulação é a imitação de um
processo virtual existente no mundo real. Se a visão de Baudrillard é
problemática e pessimista porque não depreende nos mass media a
possibilidade real da comunicação e da troca, estando restrita ao encontro “face a face”, por
outro lado, ela é profícua na medida em que, já no início da década de 1970, o
autor ergue-se contra o domínio da semiologia italiana e francesa,
relativizando sua prática teórica no que diz respeito à comunicação social.
Bibliografia
geral consultada.
KELLNER, Douglas, Jean
Baudrillard: From Marxism to Postmodernism and Beyond. California: Stanford University Press, 1989; PEREIRA, Ondina Pena, O Feminino em Jean Beaudrillard: Rito de Passagem do Modo de Produção ao Modo de Sedução. Dissertação de Mestrado em Filosofia. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 1990; BAUDRILLARD,
Jean, Simulacres et Simulation. Paris:
Éditions Galilée, 1981; Idem, Esquecer Foucault. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1984; Idem, Para uma Crítica da Economia Política do
Signo. Lisboa: Edições 70, 1995; Idem, A
Ilusão Vital. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2001; Idem, A Sociedade de Consumo. Lisboa: Edições
70, 2007; HUIZINGA, Johan, Homo Ludens: O
Jogo como Elemento da Cultura. São Paulo: Editora Perspectiva, 2007; MENDES,
Candido, “Baudrillard e a Pós-modernidade”. Disponível em: Dados. Vol. 50 n°1. Rio de Janeiro, 2007; TONIN, Juliana, Espetáculo, Simulacro, Tribalismo, Hipermodernidade: Paradoxos da Sociedade da Imagem. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2008; TEIXEIRA, Marcel Monteiro, Leituras Especulativas do Mundo. Ficção Científica e Discurso Teórico-Crítico. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Letras. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2010; PAES, Fabiano Pures, Elementos da Fundamentação do Trabalho em Herbert Marcuse e seus
Efeitos na Lógica Social do Consumo Fundamentada por Jean Baudrillard. Tese
de Doutorado em Filosofia. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul, 2010; PALMIERI JÚNIOR, Valter, Capitalismo e Sociedade de Consumo: Uma
Análise Introdutória sobre o Consumo e Modo de Vida na Sociedade Contemporânea.
Dissertação de Mestrado em Economia. Campinas (SP): Universidade Estadual
de Campinas, 2012; OLIVEIRA, Fernando Maluf Dib, A Constituição da Identidade na Pós-Modernidade: O Simulacro da Realidade. Dissertação de Mestrado. Instituto de Ciências Sociais. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, 2016; entre outros.
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