segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Dois Brasis - Políticas Públicas & Cultura da Miséria Humana

                                                                                     Ubiracy de Souza Braga

                        “Miséria é miséria em qualquer canto. Riquezas são diferentes...”. Titãs

                           
            Há dois brasis no âmbito do desenvolvimento da consciência nacional. Aquele que representa academicamente a elaboração de um julgamento filosófico a respeito da história - estranho a si mesmo, produzindo sucessivamente todas as formas do real: quadros do pensamento, natureza histórico-etno-sociológica. Afastando-se de si, exteriorizando-se, para voltar depois a si mesmo, quando a ideia triunfa do que a limitava, afirmando-se na negação das suas negações sucessivas. Quando demonstra como a consciência se eleva, pouco a pouco, desde as formas elementares da sensação até à ciência, comparativamente identificada com a racionalidade da religião, travestida na política, tal como o valor absoluto da religião cristã se integra na verdade do saber na esteira da vida: A representação da consciência, a autoconsciência e a razão. – “Na vitória do mais forte, na derrota dos iguais/A violência travestida faz seu trottoir/Na procura doentia de qualquer prazer/Na arquitetura metafísica das catedrais/Nas arquibancadas, nas cadeiras, nas gerais/A violência travestida faz seu trottoir”.              
            Um latifúndio é uma propriedade agrícola de grande extensão pertencente a uma única pessoa, uma família ou empresa e que se caracteriza pela exploração extensiva de seus recursos. A extensão necessária para se considerar uma propriedade como um latifúndio depende do contexto: enquanto na Europa o grande latifúndio pode ter algumas centenas de hectares, na América Latina, pode facilmente ultrapassar os 10 mil. Além da extensão, outras características do que é conhecido como latifúndios são: baixos rendimentos unitários, uso da terra abaixo do nível de exploração máxima e baixa capitalização. A concentração de terras, em posse dos grandes fazendeiros, tem sido com frequência apontada como a principal causa das injustiças sociais, responsável pelo inchaço demográfico das grandes cidades e do aumento da violência como um todo. O latifúndio ainda é regime próprio de países pobres e um dos responsáveis pelo atraso e pelo subemprego nos campos e nas cidades. Este sistema de distribuição da propriedade rural é comum no Brasil, com o tema tratado no campo jurídico pelo Estatuto da Terra, legislação estudada no ramo do Direito chamado Direito Agrário, além de interessar às políticas governamentais de reforma agrária que determinam o uso  do solo rural no país. O latifúndio tem sido uma fonte de instabilidade social e política.   


Desde meados dos anos 1940 o debate vinha sendo meramente sobre como prover assistência a famílias pobres e miseráveis. A concessão de benefícios e ajuda era então feita pontualmente e de forma indireta, geralmente com a distribuição de cestas básicas em áreas carentes principalmente do norte e nordeste, algumas vezes seguidas de denúncias de corrupção devido a centralização das compras em Brasília, além do desvio de mercadorias pela falta de controle logístico. O idealizador do projeto de ajuda direta foi Herbert José de Sousa, o Betinho, sociólogo e importante ativista dos direitos humanos brasileiro. Durante o governo FHC os chamados programas de distribuição de renda foram efetivados no país, alguns em parceria com ONGs. Todos esses programas estavam agrupados na chamada “Rede de Proteção Social”, de abrangência nacional.
Na década de 1950, quando o brasileiro Josué de Castro tornou-se presidente do Conselho da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e proferiu a frase: - “No Brasil, ninguém dorme por causa da fome. Metade porque está com fome e a outra metade porque tem medo de quem tem fome”, que o debate sobre segurança alimentar passa a ganhar notoriedade no Brasil. De acordo com Castro 10, o método de investigação que norteou a elaboração da Geografia da Fome foi baseado nos princípios estabelecidos pelos geógrafos Carl Ritter e Alexander von Humboldt,  Paul Vidal de La Blache, entre outros. O objetivo básico da irradiação da fome consiste em “localizar com precisão, delimitar e correlacionar os fenômenos naturais e culturais que ocorrem à superfície da terra”. O propósito do estudo foi realizar uma sondagem de natureza ecológica sobre o caráter da fome no Brasil, orientado pelos princípios geográficos da localização, extensão, causalidade, correlação e unidade terrestre. Embora explicitando identificação com o método geográfico, os aspectos biológicos, médicos e higiênicos da miséria da fome são analisados em seu ensaio ecológico.             
            Estatisticamente entre 2004 e 2013, os índices de pobreza retroagiram de 20%   para 9% da população de 7% para 4% no caso da pobreza extrema (cf. Mercadante, 2010; 2013). Os principais aspectos da pobreza continuam os mesmos que revelam o diagnóstico de dois brasis. Está presente no meio rural e nas regiões economicamente involuídas, com a manutenção e exploração do trabalho escravo e da prostituição infantil permanentes nas transformações do mundo da política e da cultura do Norte e Nordeste do Brasil. Essa é a conclusão do estudo comparativo divulgado com base em dados reais pelo “Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo” (IPC-IG), de fora para dentro, vinculado ao “Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento” (PNUD). - “A redução da pobreza não acompanhou as alterações em seus principais aspectos ou perfis”, ratificam os especialistas no estudo. - “Em termos regionais, pouco mudou, com as regiões Norte e Nordeste apresentando as maiores taxas de prevalência da pobreza, bem como as áreas rurais em todas as regiões”.

            No entanto, há muita coisa nebulosa em jogo na cena política, se bem atendemos no puro ser que constitui a essência dessa certeza, e que ela enuncia como sua verdade. Uma certeza sensível efetiva não é apenas essa pura imediatez, mas um exemplo da mesma. Entre as diferenças sem conta que ali evidenciam, achamos em toda parte a “diferença-capital”, a saber: que nessa certeza ressaltam logo para fora do puro ser dos dois estes, um este, como Eu; outro, como um este imaginário sobre o “cativeiro da terra” no Brasil sobre o qual justifica a violência das bancadas dos três “bes”: bancada da bala, bancada da Bíblia, bancada do boi. Refletindo sobre essa diferença, resulta tanto um como outro não estão na certeza sensível apenas de modo imediato, mas, mediatizados. Essa diferença entre a essência e o exemplo, entre a imediatez e a mediação, quem faz não somos nós apenas. Nós a encontramos na certeza sensível; e na forma em que nela se encontra, e não como nós acabamos de determina-la.
Na certeza sensível, um momento é oposto como o essente simples e imediato, ou como a essência: o objeto. O outro momento, porém, é posto como o inessencial e o mediatizado, momento que nisso não é “em-si”, mas por meio do Outro: o Eu, um saber, que sabe o objeto só porque ele é; saber que pode ser ou não. Mas o objeto é o verdadeiro e a essência: ele é, tanto faz que seja conhecido ou não. Permanece mesmo não sendo conhecido – enquanto o saber não é, se o objeto não souber que pode ser. Trata-se assim da singularidade imediata de apreensão do objeto. O outro momento, porém, é posto como o inessencial e o mediatizado, momento que nisso não é “em-si”, mas por meio de Outro: o Eu, um saber, que sabe o objeto só porque ele é; saber que pode ser ou não. Mas o objeto é o verdadeiro e a essência: ele é, tanto que seja conhecido ou não. Permanece mesmo não sendo conhecido – enquanto o saber não é, se o objeto não é. O objeto, portanto deve ser examinado, para vermos se é de fato, na certeza sensível mesma, aquela essência que ela lhe atribui; e se esse seu conceito – de ser uma essência – corresponde ao modo imediato como se encontra na certeza sensível.

A tendência é conselheira se examinarmos o período anterior ao golpe de Estado de 2016 no Brasil. Em 2013, 37% dos domicílios pluriativos recebiam recursos do “Programa Bolsa Família”, enquanto nos domicílios agrícolas esse percentual era de 22%. - “Benefícios assistenciais como Bolsa Família ajudam, contudo, não são suficientes para retirá-los da extrema pobreza. Deve haver políticas sociais voltadas para os pequenos agricultores, que considerem as fragilidades dessas famílias, que buscam a sua sobrevivência na agricultura familiar”. - “A pluriatividade nordestina parece surgir como única alternativa de sobrevivência das famílias em situação de extrema pobreza”. No Norte, a pobreza comparativamente diminuiu menos que no Nordeste e no Brasil como um todo. Segundo o levantamento, a persistência da pobreza extrema no Norte, particularmente entre os domicílios pluriativos e aqueles não agrícolas, é especialmente preocupante. Já as taxas de pobreza são praticamente as mesmas em 2004 e 2013. - “Embora o Norte seja menos pobre do que o Nordeste, o progresso tem sido mais lento lá em comparação às demais regiões do país”, por razões sociológicas e políticas.  O Programa Bolsa Família do ponto de vista técnico-metodológico é sociologicamente um “mecanismo condicional de transferência de recursos”. Foi considerado um dos principais programas de combate à pobreza, tendo sido nomeado como “um esquema anti-pobreza originado na América Latina  ganhando adeptos mundo afora” na The Economist. Os governos no mundo estão de olho no programa.

O jornal francês Le Monde reporta: - “O programa Bolsa Família amplia, sobretudo, o acesso à educação, a qual representa a melhor arma, no Brasil ou em qualquer lugar do mundo, contra a pobreza”. Foi citado como um bom exemplo de política pública na área de assistência social no Relatório sobre Erradicação da Pobreza do Secretário-Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, para o Conselho Econômico Social (ECOSOC) das Nações Unidas. O programa Bolsa Família foi citado como referência de política “acessível” em termos econômicos para países em desenvolvimento. Segundo o documento, com aproximadamente 0,5% do seu Produto Interno Bruto, países podem adotar políticas similares ao programa Bolsa Família. Outros exemplos latinos de assistência social, baseados nas transferências de dinheiro condicionado a resultados em educação, saúde e outros investimos de capital humano foram o “Oportunidades”, no México, e o “Famílias em Ação”, na Colômbia. A erradicação da pobreza foi o tema central do Relatório do Secretário-Geral para o Conselho em fevereiro de 2012. O principal argumento do documento é que o crescimento econômico precisa ter como escopo políticas sociais e macroeconômicas capazes de criar empregos, reduzir desigualdades e garantir proteção social.  
A redução que pode perder força com a atual crise política foi calculada com base em uma nova linha de pobreza estabelecida de US$ 1,90 por dia, e é maior do que a divulgada anteriormente. Antes, quando se levava em conta linha de pobreza anterior, de renda de US$ 1,25 cerca de R$ 4,81 na cotação atual por dia, o declínio da pobreza extrema no Brasil no período havia sido de 59%, passando de 10,2% em 2001 para 4,2% em 2013. A linha anterior tinha como base preços de 2005. A atualização preserva o real poder de compra, considerando fatores como inflação, taxa de câmbio e preços de matérias-primas e incorporando dados sobre diferenças no custo de vida nos países. De acordo com o Banco Mundial, com base na nova linha, o número de pessoas em “situação de extrema pobreza” no Brasil em 2013 era de 9,5 milhões. Até então, pela metodologia anterior, o número de pessoas nessa situação no mesmo ano era de cerca de 8,4 milhões, considerando-se população de cerca de 200 milhões de brasileiros.
Um contingente significativo de trabalhadores está à margem, clandestina e excluída da sociedade brasileira. Milhões de homens, mulheres e crianças não possuem certidão de nascimento, de batismo ou casamento. Não têm endereço/residência fixa, não pagam conta de água, luz ou telefone. Não possuem carteira de trabalho e quando a possuem não têm emprego. Não pagam impostos, porque não possuem renda. Não têm conta no banco, porque consomem, mas não produzem socialmente. Não sabem ler ou não compreendem a mensagem, porque estão fora do mercado de trabalho no mercado de trabalho qualificado. É a população com maior mobilidade geográfica; a primeira a ficar desempregada em momentos conjunturais de crise e a que mais sofre o impacto da instabilidade econômica. Tem a mais alta frequência de intercorrências médicas, desde a infância à velhice, uma expectativa de vida quase vinte anos menor do que a população que trabalha e/ou detém os meios de produção e uma taxa de mortalidade mais alta.   
            No Brasil, inexiste uma política global, coordenada e efetiva de combate à miséria e pobreza. Apesar disso, o país segundo pesquisadores, “gasta uma quantidade grande de recursos em projetos sociais ineficientes”. Para promover uma ação global, efetiva e duradoura do combate à pobreza no Brasil não é necessário que se observe e se conheça detalhadamente a situação de vida, saúde e nutrição do Brasil pobre, mas a relação social e política de coexistência de dois brasis que constitui a essência dessa certeza e que ela representa como verdade. Uma certeza sensível efetiva não representa apenas essa pura imediatez, mas é exemplo da mesma. Entre as diferenças sem conta que ali evidenciam, achamos em toda parte a diferença-capital, a saber: que nessa certeza ressaltam logo para fora do puro ser dos dois estes: um este, como Eu; outro, como um “este” imaginário prenhe da explicação etnohistórica refletindo sobre essa diferença, resulta tanto um como outro não estão na certeza sensível apenas de modo imediato, mas, mediatizados na e pela política. Eu tenho a certeza por meio de outro. Igualmente na certeza diante outro, no âmbito de sua formulação determinada.

Essa diferença entre a essência e o exemplo dramático, entre a imediatez e a mediação, a encontramos na própria certeza sensível; e deve ser tomada na forma em que nela se encontra, e não como nós acabamos de determina-la. Na certeza sensível, um momento é oposto como o essente simples e imediato, ou como a essência: o objeto. O outro momento, porém, é posto como o inessencial e o mediatizado, momento que nisso não é “em-si”, da consciência nacional representado apenas como dado, mas por meio do Outro: o Eu, um saber, que sabe o objeto só porque ele é; saber que pode ser ou não. Mas o objeto é o verdadeiro e a essência: ele é, pois tanto faz que seja conhecido ou não. Permanece mesmo não sendo conhecido - enquanto o saber não é, se o objeto não souber que pode ser. Trata-se assim da singularidade imediata de apreensão do objeto. O objeto, portanto deve ser examinado, para vermos se é de fato, na certeza sensível mesma, aquela essência que ela lhe atribui. E se esse seu conceito, pelo fato de ser uma essência, corresponde ao modo imediato como se encontra na certeza sensível.
O problema da pobreza no Brasil não está completamente superado, disse o então assessor da Secretaria Geral da Presidência da República, Selvino Heck, em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH). Segundo Selvino Heck, apesar de o país não possuir mais pessoas em situação de fome crônica, ainda existem 20 milhões de brasileiros que vivem em extrema pobreza. Ele lembrou que um dos desafios da presidente Dilma Rousseff é justamente erradicar a pobreza extrema até 2015, conforme preveem as Metas do Milênio, estabelecidas pela Organização das Nações Unidas. Na audiência, foram discutidas ações nacionais e internacionais de combate à fome e à miséria. A proposta do governo pretendia dar continuidade e ampliar a distribuição de renda; qualificar a oferta de serviços públicos, como acesso à saúde e à educação; e programar ações de inclusão produtiva, com a criação de emprego e valorização da agricultura familiar; entre outras medidas. Na avaliação do assessor, os conceitos de pobreza e de extrema pobreza não envolvem apenas os critérios de renda e fome. Para ele, o acesso mínimo a serviços que ofereçam qualidade de vida, como saúde, moradia e educação, também devem ser observadas.

Bibliografia geral consultada.

MARTINS, José de Souza, L`Infanzia Negata 1ª edizione. Chieti Scalo (Itália): Vecchio Faggio, 1991; Idem, Fronteira - A Degradação do Outro nos Confins do Humano. 1ª edição. Editora Hucitec, 1997. 2ª edição, rev. e atualizada, Editor Contexto, 2009; STÉDILE, João Pedro (org.), A Questão Agrária Hoje. Porto Alegre: Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1989; RIZZINI, Irene (ed.), Children in Brazil Today: A Challenge for the Third Millennium. Rio de Janeiro: EDUSU - Editora Universitária Santa Úrsula, 1994; BRITO, Reynaldo Alves de, População, Espaço e Economia numa Perspectiva Histórica: O Caso Brasileiro. Tese de Doutorado em Demografia. Programa de Pós-Graduação em Economia. Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 1997; LIMA, Nisia Trindade, Um Sertão chamado Brasil: Intelectuais, Sertanejos e Imaginação Social. Tese de Doutorado em Sociologia. Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, 1997;   WEISSHEIMER, Marco Aurélio, Bolsa Família: Avanços, Limites e Possibilidades do Programa que está Transformando a Vida de Milhões de Famílias no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2006; FRONZA, Paula, Programa Bolsa Família: Contribuições para o Enfrentamento à Pobreza. Dissertação de Mestrado em Serviço Social. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2010;CARVALHO, Enildo de Moura, Na terra de Malazartes e Aleijadinho: Vianna Moog, um Intérprete de Brasil. Tese de Doutorado em História. Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Campus São Leopoldo,  2011; ASSIS, Frederico Oliveira Alfaix, Brasília Também é Goiás: Memórias Entrelaçadas entre dois Brasis Regionais. Dissertação de Mestrado em Memória Social. Programa de Pós-Graduação em Memória Social. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (2003-), 2013; MERCADANTE, Aloisio, O Governo Lula e a Construção de um Brasil mais Justo. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2010; Idem, Brasil: de Lula a Dilma (2003-2013). Tese de Doutorado em Economia. 1ª edição. Madrid: Clave Intelectual, 2013; ABREU, Raquel de, O Pedrinho de Monteiro Lobato, Pedrinho de Lourenço Filho: Dois Intelectuais e dois Brasis. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Educação. Centro de Ciências da Educação. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2014; entre outros.

Nenhum comentário:

Postar um comentário