A desqualificação frequente de pessoas que se empregam para se submeter a um salário é um resultado direto do princípio de estratificação estamental, peculiar à ordem social e, decerto, da oposição desse princípio a uma distribuição de poder regulada exclusivamente por intermédio do mercado global entre nações e nacionalidades. A ordem estamental significa precisamente o inverso, ou seja, a estratificação em termos de “honras” e estilos de vida peculiares aos grupos estamentais organizados como tal. Se a simples aquisição econômica e o poder econômico puro, ainda trazendo o estigma de sua origem extra-estamental, pudessem conceder a quem os tivesse conseguido as mesmas honras que os interessados em estamentos em virtude de um estilo de vida que pretendem para si, a ordem estamental estaria ameaçada em suas bases mesmas, principalmente tendo em vista que, em condições de igualdade de honras estamentais, a posse per se representa um acréscimo, mesmo não sendo abertamente reconhecida como tal. Portanto, provavelmene todos os grupos que têm interesses na ordem estamental reagem com especial violência precisamente contra as pretensões de aquisição exclusivamente econômica. O parvenu jamais é aceito, pessoalmente e sem reservas, pelos grupos estamentalmente privilegiados nas sociedades existentes estruturadas antes do histórico de constituição da sociedade industrial no processo de globalização.
Se o conceito de nação pode, de alguma forma, ser definido sem ambiguidades, certamente, não pode ser apresentado em termos de qualidades empíricas comuns aos que contam como membros da nação. O conceito indubitavelmente significa que podemos apreender de certos grupos de homens um sentimento específico de solidariedade frente a outros grupos. Assim, o conceito pertence à esfera de valores. Não obstante, não há acordo sobre como esses grupos devem ser delimitados ou sobre que ação concertada deve resultar dessa solidariedade. Na linguagem comum, nação não equivale a povo de um Estado, ou seja, aos integrantes de uma determinada comunidade política. Além disso, uma nação não é a mesma coisa que uma comunidade que fala a mesma língua, pois uma língua comum não parece ser absolutamente necessária a uma nação. E certos grupos linguísticos não se consideram como nação à parte, pois língua comum e nação são de intensidade variada. A solidariedade nacional entre homens e mulheres que falam a mesma língua pode ser aceita ou rejeitada. Ao invés disso, pode estar ligada a diferenças culturais de contingência das massas que tem como representação um credo religioso.
Na verdade, em toda parte, os nacionalistas especialmente radicais são, com frequência, de origem estrangeira. Além disso, um tipo antropológico comum, específico, não seja relevante para a nacionalidade, não é bastante nem constitui pré-requisito para fundar uma nação. Não obstante, a ideia de nação pode incluir as noções de descendência comum e de uma homogeneidade essencial, embora frequentemente indefinida. A ação tem essas noções em comum com o sentimento de solidariedade das comunidades étnicas, que também é alimentado de várias fontes. Mesmo o sentimento de solidariedade étnica não faz, por si, uma nação. É um velho problema, saber se os judeus podem ser chamados de nação. As razões práticas para que um grupo social acredite representar uma nação varia muito, tal como a conduta empírica que na realidade resulta da filiação ou falta de filiação a uma nação. As camadas feudais, as camadas de funcionários, as camadas empresariais de várias categorias, as camadas de intelectuais ou de estamentos e castas, não têm atitudes homogêneas ou históricas em suas ações.
Um em cada seis indianos não pertence a nenhuma das quatro castas do sistema hierárquico social da Índia. Estatisticamente representam 200 milhões de indianos, os párias, são considerados seres impuros e desprezíveis. Nos vilarejos indianos os párias fazem um trabalho braçal no campo e retiram o lixo, porém vivem à margem da sociedade. Em alguns lugares ainda não podem entrar nos templos, recolher água de poços que servem à comunidade, tocar em outros indianos ou viver dentro do vilarejo. As punições por violar os limites das castas são severas. Muitos párias, atraídos pelos missionários ocidentais, converteram-se ao cristianismo. Mas continuaram excluídos da sociedade (cf. Drèze e Amartya, 2015). Um puzzle do ponto de vista sociológico é que nenhuma religião na Índia conseguiu superar as divisões sociais do sistema rígido de castas do hinduísmo. A Constituição da Índia promulgada em 1947 proibiu a discriminação por castas e instituiu leis específicas de acesso à educação e ao emprego bem remunerado, porém o preconceito contra os párias ainda existe na sociedade indiana.
O avô de Gidla, educado por missionários canadenses, ao ser expulso de seu vilarejo, alistou-se no Exército da Índia Britânica e, no início da década de 1940, foi lutar no Iraque. A partir desse episódio, a autora reconstitui a vida das crianças que o avô deixou para trás no contexto social e político do movimento de Independência da Índia. Satyamurthy, o filho mais velho, abraçou a causa nacionalista, mas sua crença na democracia foi efêmera. Inspirado pelas ideias de Mao Tsé-Tung, disseminando uma visão revolucionária do comunismo, desapareceu nas florestas da região central da Índia, onde participou do movimento de guerra de guerrilha contra o governo indiano. Embora Satyamurthy, de cujo significado tem como representação a ideia em desenvolvimento de que a pessoa inteira seja o tema principal do livro, a mãe de Gidla, Manjula, é a verdadeira heroína da história. Apesar da discriminação socialmente admitida de casta e sexo, Manjula cursou a universidade, enfrentou um marido repressivo e criou três filhos. Ao voltar para a casa após a experiência de militância frustrada, Satyamurthy encontrou surpreso, uma família educada nas melhores instituições de ensino da Índia, um exemplo reflexivo da superação do preconceito social e da pobreza de forma generalizada.
O desenvolvimento do estamento é
essencialmente uma questão de estratificação que e baseia na usurpação, que é a
origem normal de quase toda honra estamental. Mas o caminho dessa situação
puramente convencional para o privilégio local, positivo ou negativo, é
percorrido facilmente, tão logo determinada estratificação da ordem social tenha, na verdade, sido vivida e tenha
conseguido a estabilidade em virtude de uma distribuição estável do poder
econômico. Isto quer dizer o seguinte: onde as suas consequências se realizaram
em toda extensão, o estamento evolui para uma casta fechada. As distinções
estamentais são, então, asseguradas não simplesmente pelas convenções e leis,
mas também pelos rituais. Isto ocorre de tal modo que todo contato físico com
um membro de uma casta “superior” é considerado como uma impureza ritualística
e um estigma que deve ser expiado por um ato religioso. O estigmatizado e o
normal admitira Erving Goffman (2013: 146), “são parte um do outro; se alguém
se pode mostrar vulnerável, outros também o podem. Porque ao imputar
identidades aos indivíduos, desacreditáveis ou não, o conjunto social mais
amplo e seus habitantes, de certa forma, se comprometeram, mostrando-se como
tolos”. As castas individuais criam cultos e deuses bem distintos. A casta é a forma pela qual costumam socializar-se as comunidades
étnicas que creem na relação de parentesco de sangue com os
membros de comunidades exteriores e relacionamento social.
Esses
povos formam comunidades que adquirem tradições ocupacionais específicas de
artesanatos, ou de outras artes, e cultivam uma crença em sua comunidade
étnica. As castas já foram contestadas por vários movimentos hindus
reformistas, muçulmanos, siques, cristãos e budistas. O Sikhismo ou siquismo é
uma religião monoteísta fundada em fins do século XV no Punjab, região dividida
entre o Paquistão e a Índia por Guru Nanak (1469-1539). É por vezes retratado
como o resultado de um sincretismo entre elementos do hinduísmo e do Islamismo
e Sufismo. Quando chegou à Índia, a Companhia Britânica das Índias Orientais
criou leis constitucionais separadas por religião e casta. A Índia britânica
tornou a organização por castas, a base do sistema de administração do país. Os
jatis foram a base da etnologia das castas na Índia britânica. No censo
de 1881 e posteriormente, os etnógrafos coloniais usaram os jatis para
inserir num sistema de modo que pudesse classificar as pessoas. O censo de 1891
incluiu sessenta subgrupos, cada um deles dividido em seis categorias
ocupacionais e raciais, e os números aumentaram nos censos subsequentes. A
divisão por castas na Índia britânica, segundo Bayly (2001), “classificou os jatis
indianos com base em princípios semelhantes (comparativamente) aos da zoologia e botânica,
ranqueando-os em ordem de pureza, origem ocupacional e reputação social”. O
sistema compreendia uma população humana de 3 mil castas, englobando aproximadamente 90 mil
subgrupos endogâmicos regionais.
Apesar da proteção legal, a Índia continua marcada pelo o que ex-primeiro-ministro Manmohan Singh descreveu como “apartheid de castas”, um complexo sistema de estratos sociais profundamente arraigados na cultura indiana. Milhões de dalits, considerados intocáveis no sistema de castas, sofrem de forma permanente a discriminação, constantemente reforçada pelo Estado e por entidades privadas. Uma pesquisa realizada em 2014 pelo Conselho Nacional de Pesquisa Econômica Aplicada (NCAER) revelou que um em cada quatro pessoas entrevistadas, de diferentes grupos religiosos reconheceu ter sido praticado a intocabilidade. Lamentavelmente, a prática se manifesta de várias maneiras. Em algumas aldeias os estudantes das castas superiores se negam a comer alimentos preparados pelos dalits, um grupo que inclui várias comunidades marginalizadas. Um estudo detalhado, feito por Sarva Shiksha Abhiyan, um programa estatal para conseguir a educação primária universal, concluiu que existem três tipos de discriminação social, dos professores, dos colegas e de todo o sistema educacional. O sistema de castas, considerado uma característica dominante da religião hindu e praticamente visto como uma divisão divina do trabalho dá aos dalits as tarefas mais servis: coleta de lixo, remoção de excrementos humanos, varrer, pavimentar e eliminar corpos humanos e de animais. Dados estatísticos do censo de 2011 revelam que 800 mil dalits trabalhavam esvaziando manualmente latrinas, embora se estime que através da divisão do trabalho essa tarefa pudesse afetar 1,3 milhão de pessoas.
A casta, isto é, os direitos e deveres rituais que ela dá e impõe, e a posição dos brâmanes, é a instituição fundamental do hinduísmo que só pode ser compreendida em relação à casta, sem cujo entendimento é impossível compreender o hinduísmo que representa o terceiro dos três períodos da religião indiana, caracterizado por um extremo pluralismo de cultos, deuses e seitas; neobramanismo, neo-hinduísmo. Mas a posição social do hindu em relação á autoridade do brâmane pode variar extraordinariamente, desde a submissão incondicional até o desafio de sua autoridade. Quando algumas castas contestam a autoridade do brâmane, isto significa que o brâmane é rejeitado como sacerdote, que seu juízo nas questões controversas de ritual não é reconhecido como autorizado, e que seu conselho é jamais buscado. À primeira vista parece contrariar a regra de que as castas e os brâmanes pertencem ambos ao hinduísmo. Mas na realidade, se a casta é essencial ao hindu, o inverso não é válido, isto é, nem toda casta é uma casta hindu. Há castas entre os maometanos da Índia, copiadas dos hindus. E castas existentes também entre budistas. Até mesmo os cristãos indianos comparativamente não foram capazes de evitar, por motivos práticos, o reconhecimento das castas. Os jats são historicamente uma casta majoritária na região rural do Estado de Haryana, mas presente em outros sete estados do Norte da Índia, como no Uttar Pradesh, Rajastão e Gujarat. Mais de um século depois, e com o fenômeno sociológico do êxodo rural, os jats passaram a exigir um maior reconhecimento das grandes cidades no perímetro urbano e da administração do Estado. Com cerca de 6 milhões de membros concretamente na Índia, os jats dividem-se em dois grupos religiosos, a saber, os Sikhs e os hindus.
Os
siques, ou sikhs, representam socialmente um grupo
etnorreligioso que adere ao Siquismo, uma religião dármica que se originou
no final do século XV na região do Punjab, no subcontinente indiano, com base
na revelação do Guru Nanak. O termo sikh tem sua origem na palavra sânscrita śiṣya
(शिष्य),
que significa “discípulo” ou “estudante”. Os siques do gênero sexual masculino
geralmente têm Singh (“leão”) como sobrenome, embora nem todos os Singhs
sejam necessariamente siques; da mesma forma, as mulheres siques têm Kaur (“princesa”)
como sobrenome. Esses sobrenomes exclusivos foram dados pelos gurus para
permitir que os siques se destacassem e também como um ato de desafio ao
sistema de castas da Índia, ao qual os gurus foram contra. Os siques acreditam
firmemente na ideia de Sarbat da bhala (“bem-estar de todos”) e são
frequentemente vistos na linha de frente para fornecer ajuda humanitária em
todo o mundo. Os siques que se submeteram ao Amrit Sanchar (“batismo pelo
Khanda”), uma cerimônia de iniciação, reconhecidos como Khalsa desde o
dia de sua iniciação e devem ter sempre em seus corpos os cinco K: kesh,
cabelo não cortado geralmente coberto por um dastār, também conhecido como
turbante; kara, um bracelete de ferro ou aço; kirpan, uma espada
semelhante a uma adaga enfiada em uma cinta gatra ou em um cinturão kamar kasa;
kachera, uma roupa de baixo de algodão; e kanga, um pequeno pente
de madeira. A região de Punjab, no subcontinente indiano, tem sido a pátria
histórica dos siques, tendo sido inclusive governada por eles em partes
significativas dos séculos XVIII e XIX.
Atualmente,
o Canadá tem a maior proporção nacional de siques (2,1%) do mundo, enquanto o
estado de Punjab, na Índia, tem a maior proporção de siques (58%) entre todas
as divisões administrativas do mundo. Muitos países, como o Canadá e o Reino
Unido, reconhecem os siques como uma religião designada em seus censos, e, a
partir de 2020, os siques são considerados como um grupo étnico separado nos
Estados Unidos da América. O Reino Unido também considera os siques como um
povo etnorreligioso, como resultado direto do caso Mandla v Dowell-Lee em 1982. Guru Nanak (1469-1539), o fundador do
Siquismo, nasceu em uma família Khatri, filho de Mehta Kalu e Mata Tripta, na
aldeia de Talwandi, atualmente Nankana Sahib, perto de Laore. Durante toda a
sua vida, Guru Nanak foi um líder religioso e reformador social. No entanto,
pode-se dizer que a história política sique começou em 1606, com a morte do
quinto guru sique, Guru Arjan Dev. As práticas religiosas foram formalizadas
pelo Guru Gobind Singh em 30 de março de 1699, quando o guru iniciou cinco
pessoas de diversas origens sociais, conhecidas como Panj Piare (“cinco amados”),
para formar um corpo coletivo de siques iniciados, conhecido como Khalsa (“puro”).
Os primeiros seguidores do Guru Nanak eram khatris, mas mais tarde um grande
número de jates aderiu à fé. Os brâmanes se opuseram “à exigência de que os
siques deixassem de lado os costumes distintos de suas castas e famílias,
incluindo os rituais mais antigos”.
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