“A Marta é jovem, bem vestida e fez várias plásticas, mas nunca administrou nem a casa dela”. Luiza Erundina
Luiza
Erundina de Sousa nasceu em Uiraúna, em 30 de novembro de 1934. É um município brasileiro no Estado da
Paraíba, localizado na microrregião de Cajazeiras. Está distante 476 quilômetros
de João Pessoa, a capital do Estado. Sua fundação ocorreu em 2 de dezembro de
1953. Uiraúna polariza 4 municípios: Poço Dantas, Bernardino Batista, Joca
Claudino e Poço de José de Moura. É conhecida como a “Terra dos Músicos e
Sacerdotes”, devido a forte vocação dos munícipes nessas nobres profissões.
Uiraúna é um dos principais municípios do Alto Sertão Paraibano devido seu
comércio ativo e sua localização privilegiada, sendo uma das mais importantes
rotas de ligação entre diversas microrregiões da Paraíba com o Estado do Rio
Grande do Norte e Ceará. Foi reconhecida em 2008, no governo de Bosco
Fernandes, como “Paris do Sertão”, devido à iluminação e à pavimentação nas vias
da cidade, dando um novo e bonito aspecto comparado com Paris, Cidade Luz. É
Assistente Social engajada e Deputada Federal pelo Estado de São Paulo, pertencendo
à bancada do PSOL. Foi coordenadora-geral da coligação “Unidos pelo
Brasil”. Ganhou notoriedade de 1ª prefeita de São Paulo representando o Partido
dos Trabalhadores, em 1988.
“Podemos” em
português e “Podem”, em catalão ou “Ahal Dugu”, em basco é um partido político
espanhol de esquerda fundado em 2014. Tem como secretário geral o eurodeputado
Pablo Iglesias Turrión, analista político e professor de Ciência Política. O
partido participou das eleições europeias de 2014, quatro meses depois da sua
formação e obteve cinco cadeiras de um total de 54, com 7,98% dos votos, sendo
a quarta candidatura mais votada em Espanha. Em menos de uma semana tornou-se o
partido político espanhol mais seguido nas redes sociais tradicionais, superando
os partidos conservadores, como o PP de direita e PSOE de centro-esquerda,
surpreendendo o establishment
político espanhol. Representa um partido político de esquerda da Grécia. Foi
fundado em 2004 como uma aliança eleitoral de 13 partidos e organizações de
esquerda, sendo a componente principal o partido Synaspismós (SYN - Coligação
de Movimentos de Esquerda e Ecológicos; em grego “Συνασπισμός της Αριστεράς των
Κινημάτων και της Οικολογίας”, Synaspismos tis Aristerás tu Kinīmátōn kai tis
Oikologías). Em maio de 2012, o SYRIZA apresentou-se como um único partido. Após
a vitória eleitoral em janeiro de 2015 o líder do Syriza, Alexis Tsipras, foi
empossado como primeiro-ministro para dirigir o novo governo democrático da Grécia - o
Governo Tsipras. Realizou-se assim um governo de coalizão com o partido
nacionalista conservador, Gregos Independentes.
O “partido-movimento”, como eles se
denominam, tem inspiração na ascensão do partido de esquerda Syriza, na Grécia,
que elegeu o primeiro-ministro do país, Alexis Tsipras. “O Podemos”, partido
surgido na Espanha após a manifestação dos Indignados, em 2011, é outro exemplo
para o engajamento de Luíza Erundina na perspectiva do “Raiz Movimento
Cidadanista”. É neste sentido o seu engajamento - "Há que mudar a lógica
do Sistema. “Os de acima abaixo e os de abaixo acima”, pois em uma democracia
real “o povo manda e o governo obedece”. Ou assumimos este objetivo com
coragem, clareza e determinação ou jamais mudaremos. E há exemplos de que pode ser
assim. Da vitória do Syriza na Grécia ao Podemos da Espanha. Dos zapatistas no
México à democracia direta na Islândia. Temos também os nossos vizinhos; a
Bolívia, com a organização dos indígenas e pobres e o primeiro presidente
indígena das Américas; o processo constituinte no Equador; o Uruguai da
revolução tranquila; a cidade de Medellín, na Colômbia, antes conhecida pelo
cartel das drogas e hoje reconhecida como a cidade mais inovadora do
mundo", diz trecho do manifesto.
A
ideia de “partidos” como é concebida na modernidade ocidental nasce
originalmente da analogia entre algumas palavras: facções que dividiam as Repúblicas antigas, os clãs que se agrupavam em torno de um condottiere na Itália da Renascença, os clubes onde se reuniam os deputados das assembleias
revolucionárias, os comitês que
preparavam as eleições censitárias das assembleias revolucionárias, bem como as
vastas organizações políticas populares
que enquadravam a opinião pública nas democracias modernas. Essa identidade
nominal justifica uma relação filosófica de parentesco “em si” e “para si”:
conquistar o poder e exercê-lo. Em seu conjunto, o desenvolvimento dos partidos
comparativamente parece estar associado ao da democracia, isto é, a extensão do sufrágio popular
e das prerrogativas parlamentares nas sociedades contemporâneas.
Quanto
mais as assembleias políticas veem desenvolverem-se suas funções e
independências, tanto mais os seus membros se ressentem da necessidade de se
agruparem por “afinidades eletivas” (“Wahlverwandtschaften”) a fim de agirem de
comum acordo; quanto mais o direito de voto se estende e se multiplica, se
torna necessário enquadrar os eleitores por comitês capazes de tornar
conhecidos os candidatos e de canalizar os sufrágios em sua direção. Seu
nascimento encontra-se ligado a formação dos grupos parlamentares e comitês
eleitorais. Sua gênese situa-se fora do ciclo eleitoral e parlamentar, formando
essa exterioridade quando se afigura doutrinas políticas como motoras. Não se devem
confundir com os grupos os designados pelo seu local de reunião como ocorre com
as assembleias das igrejas. Os
jacobinos representaram a gênese distinguindo-se ideologia e política
nacionalista.
Comparativamente
nos Estados Unidos da América, os comitês eleitorais se beneficiaram igualmente
de circunstâncias especiais. Grande número de funções públicas era eletivo, o
sufrágio popular teria ficado desamparado se não tivesse sido guiado por um
organismo de seleção. A eleição presidencial processando-se naquele país pela
maioria relativa, a intervenção de comitês bem organizados era indispensável
para evitar toda divisão de votos. A irrupção contínua de imigrantes introduzia
constantemente no corpo eleitoral uma massa de recém-chegados, absolutamente
ignorantes da política norte-americana: era preciso que seus votos fossem
canalizados para candidatos sobre os quais ignoravam tudo, ou que fossem
recomendados pelo Comitê, para evitar o “sistema de despojos”, que atribuía ao
partido vencedor os cargos públicos que poria à disposição dos comitês
poderosos meios materiais.Uma vez
nascidas essas duas células-mater,
grupos partidários e comitês eleitorais, foi suficiente que se estabelecesse
uma coordenação permanente entre estes e que vínculos regulares os unissem
àqueles para que se encontre em face de um verdadeiro partido. Geralmente, foi
o grupo parlamentar que desempenhou o papel essencial nessa última fase.
Da
influência dos sindicatos operários sobre a criação dos partidos, era preciso
aproximar a das cooperativas agrícolas e dos agrupamentos profissionais
camponeses. Se os partidos agrários demonstraram menos desenvolvimento que os
partidos trabalhistas, manifestaram, contudo, grande atividade em certos
países, notadamente nas democracias escandinavas, na Europa central, na Suíça,
na Austrália, no Canadá e mesmo nos Estados Unidos da América. Trata-se às
vezes de simples organismos eleitorais e parlamentares, conforme o primeiro
tipo descrito, no caso, a França. Em contrapartida, aliás, há uma aproximação
do mecanismo do nascimento do Partido Trabalhista britânico: os sindicatos e os
agrupamentos agrícolas resolvem sobre a criação de um organismo eleitoral, ou
se transformam diretamente em partido. A ação da Fabian Society no nascimento do Labour
Party ilustra, por outro lado, a influência das “sociedades de pensamento”,
como se dizia no século XVIII e dos agrupamentos intelectuais sobre a gênese
dos partidos políticos.
Os
exemplos de criação dum partido político por um cenáculo intelectual seriam
igualmente bem numerosos: mas é muito raro que o partido encontre em seguida
uma base popular que lhe permita alcançar êxito num regime de sufrágio
universal. Esse modo de criação de partidos corresponderia antes a um sufrágio
restrito. Ao contrário, a influência das igrejas e das seitas religiosas é
sempre grande. Organizações católicas, senão o próprio clero intervém
diretamente na criação de partidos cristãos da direita surgidos antes de 1914,
e no aparecimento contemporâneo dos partidos democrata-cristãos. Na Bélgica, a
intervenção das autoridades foi decisiva no desenvolvimento do Partido
conservador católico. Para reagir contra as “leis do infortúnio” de 1879 sobre
o ensino leigo e proteger a educação religiosa o clero suscitou a criação de
“comitês escolares católicos”, no país provocando a retirada de
crianças das escolas e a multiplicação de escolas livres. Da influência das ligas sobre os partidos pode-se fazer uma aproximação conceitual com a das sociedades secretas e de agrupamentos clandestinos.
Trata-se, com efeito, nos dois casos, de organismos com
finalidades políticas que não agem no terreno eleitoral e parlamentar, os
primeiros porque não querem, os segundos por não podem, estando sob a ação duma
interdição legal. O Partido Comunista soviético não tem outra origem, que
passou em 1917 da ilegalidade do poder, conservando, aliás, características
notáveis de sua organização anterior, introduzidas em seguida nos
partidos comunistas do mundo, reorganizados sobre o modelo do primeiro. Mais
uma vez, deve-se constatar a influência da gênese dum partido sobre a sua
estrutura definitiva. No caso do comunismo, é verdade que a manutenção da
organização clandestina se justificava pela possibilidade de retornar à
estrutura de um agrupamento secreto se as perseguições governamentais
obrigassem a fazê-lo. O presidente não eleito de 2016, Michel Temer é
membro de reconhecida seita.
Bibliografia geral consultada.
TOCQUEVILLE, Alexis, De la Democratie en Amerique. Paris: Éditions Gallimard, 1951; WEBER, Max, The Protestant Ethic and the Spirit of
Capitalism. New York: Charles Scribner’s Sons, 1958; Idem, Economia y Sociedad. Esbozo de
sociología comprensiva. México: Fondo de Cultura Económica, 1992; MITZMAN,
Arthur, La Jaula de Hierro. Una
Interpretación Histórica de Max Weber. Madrid: Alianza Universidad, 1976; DUVERGER,
Maurice, Os Partidos Políticos. 2ª
edição. Rio de Janeiro: Zahar Editores; Universidade de Brasília, 1980; NAUDON,
Paul, Histoire Générale de la
Franc-Maçonnerie, Paris: Presses Universitaires de France, 1981; PEREIRA, Marcia Aparecida Accorsi, A População de Rua, as Políticas Assistenciais Públicas e os Direitos de Cidadania: Uma Equação Possível?. Dissertação de Mestrado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1997; PERLMAN, Janice, O Mito da Marginalidade. Favelas e Política no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 2002; ALBUQUERQUE, Maria José de, Verticalização de Favelas em São Paulo: Balanço de uma Experiência (1989 a 2004). Tese de Doutorado. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2006; GOMES,
Rita Helena, A desobediência em Hobbes.
Tese de Doutorado em Filosofia. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas
Gerais, 2007; SILVA, Rodrigo Freire de Carvalho, O Partido dos Trabalhadores (PT)
no Brasil e o Partido Socialista (PSCh) no Chile: A Transformação da Esquerda
Latino-americana. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Ciências
Sociais. Brasília: Universidade de Brasília, 2011; LÖWY, Michael, “O Golpe de Estado de 2016 no Brasil”. In: https://blogdaboitempo.com.br/2016/05/17; entre outros.
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* Sociólogo (UFF), Cientista Político
(UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de
Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).
“A sinceridade é o eventual engano
de todos os grandes homens”. Rembrandt van Rijn
Rembrandt Harmenszoon van Rijn, nasceu em Leida, em 15 de julho de 1606 e faleceu na cidade de Amsterdam, em 4 de outubro de 1669. Foi um extraordinário pintor e gravurista holandês. É geralmente considerado um dos maiores nomes da história da arte europeia e o mais importante da história holandesa. É considerado ainda, por alguns, como o maior pintor de todos os tempos. As suas contribuições à arte surgiram em um período denominado pelos historiadores de “Século de Ouro dos Países Baixos”, no qual a influência política, a ciência, o comércio e a cultura holandesa, particularmente a pintura atingiram seu ápice. Tendo alcançado sucesso na juventude como um pintor de retratos, seus últimos anos foram marcados por uma tragédia pessoal e dificuldades financeiras. No entanto, as suas gravuras e pinturas foram populares em toda a sua vida e sua reputação como artista manteve-se elevada, e por vinte anos ele ensinou quase todos os importantes pintores holandeses. Os maiores triunfos criativos de Rembrandt são exemplificados especialmente “nos retratos de seus contemporâneos, autorretratos e ilustrações de cenas da Bíblia”. Seus autorretratos formam uma biografia singular e intimista em que o artista pesquisou a si mesmo sem vaidade e com a máxima sinceridade. Tanto na pintura como na gravura, ele expõe um conhecimento completo da iconografia clássica, que ele moldou para se adequar às exigências da sua própria experiência; assim, a representação de uma cena bíblica era baseada no conhecimento de Rembrandt sobre o texto específico, na sua assimilação da composição clássica, e em suas observações da população judaica de Amsterdã.
Devido a sua empatia pela condição humana, ele foi chamado de “um dos grandes profetas da civilização”. Rembrandt nasceu em 15 de julho de 1606 em Leida, na República Unida dos Países Baixos (atual Países Baixos). Foi o nono filho do casal Harmen Gerritszoon van Rijn, um próspero moleiro e Neeltgen Willemsdochter van Zuytbrouck. Na infância frequentou aulas de Latim e foi matriculado na Universidade de Leida. Registros etnográficos demonstram que ele demonstrava grande inclinação para pintura, tornando-se sem demora aprendiz de um pintor, Jacob van Swanenburgh (1571-1638), com quem passou três anos. Após um breve, mas importante aprendizado de seis meses com o famoso pintor Pieter Lastman em Amsterdã, Rembrandt abriu um estúdio em Leida em 1624 ou 1625, compartilhando-o com seu amigo e colega de profissão Jan Lievens. Em 1627, Rembrandt começou a aceitar alunos, entre eles Gerrit Dou. Em 1629, Rembrandt foi “descoberto” pelo estadista Constantijn Huygens, pai do matemático e físico Christiaan Huygens, que conseguiu para o pintor importantes encomendas na Corte de Haia. Como resultado desta conexão, o príncipe Frederik Hendrik continuou a adquirir as obras de Rembrandt até 1646. No final de 1631,
Rembrandt mudou-se para Amsterdã, historicamente em rápida expansão como o novo
centro comercial dos Países Baixos, e começou a praticar como retratista
profissional, obtendo grande êxito.
Ele inicialmente permaneceu com um
marchand, Hendrick van Uylenburg, e em 1634 casou-se com sua sobrinha, Saskia van
Uylenburg. Saskia era advinda de uma família respeitável: seu pai fora advogado
e burgemeester (prefeito) de Leeuwarden. Quando Saskia, a filha caçula, ficou órfã,
passou a morar com sua irmã mais velha em Het Bildt. Rembrandt e Saskia
casaram-se na igreja local de Sint Annaparochie, sem a presença de seus
parentes. No mesmo ano, Rembrandt tornou-se cidadão de Amsterdã e membro da
guilda local de pintores. Ele também influenciou diversos alunos, entre eles
Ferdinand Bol e Govert Flinck. Em 1635, Rembrandt e Saskia mudaram-se para sua
primeira residência, alugada no bairro da moda de Nieuwe Doelenstraat. Em 1639,
passaram a viver em um casarão na rua Jodenbreestraat, então em fase de
transição para um quarteirão judeu; a hipoteca para financiar a aquisição da
propriedade de 13 000 guilders seria mais tarde a razão principal de graves
dificuldades financeiras. Com uma renda substancial na época, ele poderia ter
quitado a dívida facilmente, mas ao que parece suas despesas eram tão grandes
quanto os lucros, que supostamente esvaíram-se também em investimentos
malsucedidos. Foi neste local que
Rembrandt recorreu com frequência a seus vizinhos judeus para pintar cenas do
Velho Testamento.
Embora abastado, o casal enfrentou diversos problemas
pessoais; seu filho Rumbartus morreu com dois meses de idade em 1635, e sua
filha Cornelia apenas três semanas após o parto em 1638. Em 1640 tiveram mais
uma filha, também chamada Cornelia, que morreu com um mês de idade. Somente seu
quarto filho, Titus, nascido em 1641, é que sobreviveu até a maioridade. Saskia
morreu em 1642, pouco depois do nascimento de Titus, provavelmente em
decorrência de uma tuberculose. Os desenhos de Rembrandt dela em seu leito de
morte estão entre seus trabalhos mais comoventes. Durante a enfermidade de
Saskia, Geertje Dircx foi “contratada como enfermeira e babá de Titus,
tornando-se na mesma época amante de Rembrandt”. Ela posteriormente processaria
o pintor por quebra de promessa, sendo recompensada com uma pensão alimentícia
de 200 guilders por ano. Ao descobrir que Geertje havia penhorado joias
pertencentes a Saskia, Rembrandt conseguiu com que ela fosse internada por doze
anos em um asilo de indigentes em Gouda. No final da década de 1640, Rembrandt
deu início a um relacionamento com sua empregada Hendrickje Stoffels. Em 1654
tiveram uma filha, Cornelia, o que provocou a intimação de Hendrickje pela
Igreja Reformada Holandesa para responder à acusação de que cometera “atos de
uma prostituta com Rembrandt o pintor”. Ela confessou a verdade, sendo
excomungada. Rembrandt não foi convocado ou excomungado, pois não
fazia parte de nenhuma igreja.
Os dois foram
considerados legalmente casados sob a lei comum, apesar do pintor não ter se
casado oficialmente para não perder acesso aos recursos financeiros destinados
a Titus no testamento de sua mãe. Rembrandt vivia além de suas rendas,
comprando obras de arte, impressões e raridades, o que supostamente provocou em
1656 um acordo nos tribunais para evitar sua falência, que resultou na venda da
maioria de seus quadros e sua imensa coleção de antiguidades. A lista de itens
vendidos sobreviveu ao tempo, e relaciona entre outros objetos os bustos de
vários Imperadores Romanos, armaduras japonesas e um acervo de história natural
e mineral. Os valores obtidos com as vendas em 1657 e 1658, contudo, foram irrisórios.
Em 1660 ele foi forçado a vender sua casa e máquina impressora e mudar-se para
uma habitação modesta em Rozengracht. As autoridades e credores eram em geral
compreensivos com sua situação, com exceção da guilda de pintores de Amsterdã,
que introduziu “uma nova regra proibindo a qualquer um nas circunstâncias de
Rembrandt de trabalhar como pintor”. Para contornar a proibição, Hendrickje e
Titus iniciaram um empreendimento para agenciar obras de arte, com Rembrandt
como seu funcionário. Em 1661, ele ou o novo empreendimento foi contratado para
completar os trabalhos do recém-construído paço municipal, a contratação só
ocorreu, no entanto, após a morte de Govert Flinck, que fora designado
originalmente para o trabalho. A obra resultante, A Conspiração de Claudius
Civilis, rejeitada e devolvida; apenas um fragmento dela
acabaria conservada. Na mesma época Rembrandt admitiu seu último aprendiz, Aert
de Gelder.
Em 1662 ele continuava
a executar grandes encomendas de retratos e outras obras. Quando Cosme III da
Toscana viajou a Amsterdã em 1667, visitou, entre outros locais, a casa de
Rembrandt. Rembrandt sobreviveu tanto a Hendrickje, que morreu em 1663, quanto
Titus, morto em 1668. Ele faleceu em Amsterdã por volta de um ano depois da
morte do filho, sendo sepultado em uma cova não demarcada na Westerkerk. Enfim,
segundo estudiosos, a pintura do grande mestre divide-se claramente em duas
fases distintas. Na primeira, é evidente a influência de Pieter Lastman, que
estudou com Caravaggio em Roma por mais de 10 anos. Esta técnica mostra um
contraste muito grande com a iluminação da tela, o que confere grande
dramaticidade às pinturas, que tinham temática bíblica ou mitológica. A
movimentação dos personagens retratados também era muito carregada de
expressões intensas, o que colabora mais ainda na dramaticidade da cena. As
pinturas eram menores, mas riquíssimas em detalhes, como vestimentas e
joalheria. A segunda fase começa por volta de 1640, onde Rembrandt utiliza com
maior profusão a monocromia em tons dourados, uma influência clara de
Caravaggio, um dos primeiros grandes mestres do chiaroscuro, técnica com
uma justaposição muito forte entre luzes e sombras, cujo resultado final é um
efeito visual impressionante, criada por Leonardo Da Vinci. Porém o clima da
pintura, ao invés de movimentos repentinos e fortes, torna-se mais leve, com
personagens mais introspectivos e pensativos. A luz passa a ser não só um
elemento que compõe o ambiente, mas começa a fazer parte do plano espiritual da
pintura, como a luz da alma humana.
Os efeitos de luz criam a forma e o espaço
e a cor se subordina a estes, daí a ser chamado de mestre das luzes e
sombras. A profundidade de seus
quadros neste período é intensa, tocando ao extremo o observador. Cada vez mais
aproxima-se da técnica do grande mestre Ticiano, o que pode ser visto nas
finalizações e na qualidade superficial de suas pinturas. Rembrandt pintava em
camadas de tintas, construindo a cena da região mais afastada até a sua frente,
com o uso de vernizes entre estas camadas de tinta, que eram bem espessas, o
que permitia uma ilusão de ótica graças à qualidade táctil da própria tinta. A
manipulação tátil da tinta se aproximava de técnicas medievais, quando
alguns efeitos de mimetismo transformavam a superfície da pintura. O resultado
final varia muito no manuseio da tinta, sugerindo espaço de uma maneira
altamente individual. Rembrandt pintou usando basicamente três temas distintos:
as pinturas sacras, os auto retratos e os retratos de grupos. As pinturas
sacras foram realizadas por toda a vida do pintor, principalmente de cenas
retratadas na Bíblia. Temos como bons exemplos desta fase "O retorno do
filho pródigo" em exposição no Museu Hermitage de São Petersburgo e Jacó
abençoa os filhos de José no Museu Staatliche Kunstsammlungen Kassel. Muito
elogiado por seus contemporâneos, que sempre o reverenciaram como um mestre
intérprete das histórias bíblicas graças à sua habilidade em representar
emoções e atenção aos detalhes.
Rembrandt ficou muito
famoso pela quantidade de autorretratos que realizou, mais de 100 no
total, por 40 anos. Estes autorretratos, que eram leituras psicológicas do
autor, foram comparados somente aos que Vincent Van Gogh fez de si mesmo, mais
de 200 anos depois. Sempre foi fiel ao rosto que encontrava no espelho, tanto
nos momentos felizes quanto nos de desespero, onde encarava as agruras da vida.
Os retratos de grupos estavam em moda na Holanda na época de Rembrandt, onde
grupos procuravam os pintores para terem seu retrato imortalizado em uma tela,
e ainda podiam dividir os custos da produção entre si. Apesar de ter pintado
apenas quatro retratos em grupo, dois dos mais famosos quadros de Rembrandt
encontram-se nesta temática, A Aula de Anatomia do Dr. Tulp, em exposição no
Museu Mauritshuis, em Haia e A Ronda Noturna, no Rijksmuseum, em
Amsterdã. Em muitas pinturas bíblicas, como A Subida da Cruz, José
Contando Seus Sonhos e A Stoning de São Estevão, Rembrandt pintou-se
como na representação de personagem na multidão. Acredita-se que Rembrandt
tenha feito isto pois, para ele, a Bíblia era um tipo de diário, uma
conta sobre os momentos de sua própria vida. Rembrandt era, e ainda é, muito
famoso pela qualidade das suas gravuras.
Produziu-as de 1626 a
1660, até quando foi obrigado a vender sua impressora e deixou de fazê-las. O
único ano em que não realizou nenhuma gravura foi o de 1649. Até o século XIX,
Rembrandt era mais famoso como gravador do que como pintor. Isso porque
Rembrandt “não as considerava um tipo inferior de arte, e sim, outro tipo de
expressão, totalmente diferente da pintura”. As gravuras consistiam em “uma
técnica aperfeiçoada e simplificada pelo próprio pintor”, por volta de 1630,
onde ele gravava placas de metal com um buril e depois, com a utilização de
alguns ácidos, coratavam estas ranhuras feitas nas placas, marcando-as.
Com o auxílio de uma prensa ele transpunha esta imagem gravada na placa de
metal para o papel, resultando em lindas gravuras. O nome desta técnica é água-forte.
Rembrandt usava das mais variadas temáticas nas suas gravuras como cenas
bíblicas, mitologia, paisagens, nus, retratos e outras mais, idem às suas
pinturas; embora os autorretratos sejam mais comuns neste tipo de arte. A fase
onde realizou a maior quantidade de gravuras iniciou-se em 1636 e durou cerca
de 20 anos. Muitas delas permanecem até hoje, algumas sendo encontradas no
Museu Rembrandt, em Amsterdã. Gravuras estas que percorrem o mundo em
exposições temporárias, a fim de que outros possam apreciar as obras do grande
mestre. Existem vinte e sete autorretratos, 64 paisagens, a maioria pequenas,
com um detalhamento impressionante. Um terço de suas gravuras eram de tema
religioso, muitas tratadas de forma bastante simplista, enquanto outras são
impressões monumentais.
Algumas gravuras eróticas,
ou apenas obscenas também são encontradas, embora não haja paralelo a este tema
em suas pinturas. Possuía, até ser obrigado a vender, uma série de gravuras de
outros artistas e muitos esboços e influências podem ser traçadas daí. Entre
estes podemos destacar Mantegna, Rafael Sanzio, Hercules Segers, e Giovanni
Benedetto Castiglione. Assim como na pintura, Rembrandt também passou por duas
fases distintas na execução de gravuras. Poucos trabalhos restaram da primeira
fase, restando somente as impressões finais e esboços. Na segunda fase, mais
madura, de cerca de 1650, uma certa quantidade de placas ainda restou.
Rembrandt começa a experimentar diferentes tipos de papel para impressão,
incluindo papel de arroz e veludo. Começa a usar um “tom de superfície”, o que
deixa uma fina camada de tinta em partes da placa ao invés de deixá-la
completamente imersa em tinta em cada impressão. Outro detalhe encontrado nas
gravuras da segunda fase é a quantidade de áreas brancas, o que sugeria espaço
e outras áreas de linhas extremamente complexas a fim de produzir tons escuros
ricos em detalhes. No acervo da coleção Casa Museu Eva Klabin, no Rio de
Janeiro, encontra-se a água-forte Banhistas, 1651. Essa cena gravada pode se
relacionar a estudos de outros artistas, como Jacques Callot, que também
produziu cenas de banhistas.
Historicamente Rembrandt
é uma modificação do primeiro nome do artista, que começou a usá-lo em 1633
quando adicionou um d, e manteve a assinatura constante, apenas com
uma pequena alteração puramente visual, sem alterações de pronúncia.
Curiosamente, apesar de suas pinturas e gravuras apresentarem vários formatos
de assinatura neste período inicial, seus documentos sempre mantiveram o
original Rembrant. Esta prática de assinar com apenas o primeiro
nome foi seguida por Vincent van Gogh, e provavelmente inspirada por Rafael,
Leonardo da Vinci e Michelangelo, que são considerados os primeiros a adotar
esta prática. Na infância frequentou aulas de Latim e foi matriculado na
Universidade de Leida. Registros demonstram que ele tinha grande
inclinação para pintura, tornando-se sem demora aprendiz do pintor, Jacob van
Swanenburgh, com quem conviveu por três anos.
Após
um breve, mas importante aprendizado de seis meses com o famoso pintor Pieter
Lastman em Amsterdã, Rembrandt abriu um estúdio em Leida em 1624 ou 1625,
compartilhando-o com seu amigo e colega de profissão Jan Lievens. Mas foi
somente após aparceria
com Jan Lievens, com quem dividiu um estúdio, que Rembrandt começou a criar sua
reputação de artista talentoso e promissor. Com 21 anos já era professor de
pintura e, aos 25, realizou seu primeiro trabalho por encomenda: o retrato de
Nicolaes Ruts. Em 1627, Rembrandt começou a aceitar alunos, entre eles Gerrit
Dou. Em 1629, foi descoberto pelo estadista Constantijn Huygens, pai do matemático
e físico Christiaan Huygens, que conseguiu para o pintor boas encomendas
na Corte de Haia. Como resultado desta relação social, o príncipe Frederik
Hendrik continuou a adquirir as obras de Rembrandt até 1646.
Rembrandt
mudou-se para Amsterdã (1631), então em rápida expansão como centro comercial
dos Países Baixos. Começou a praticar como retratista profissional, obtendo
grande êxito, permanecendo com o marchand,
Hendrick van Uylenburg, e em 1634 casou-se com sua sobrinha, Saskia van
Uylenburg, advinda de uma família respeitável: seu pai fora advogado e prefeito
(“burgemeester”) de Leeuwarden. Quando Saskia, a filha caçula, ficou órfã,
passou a morar com sua irmã mais velha em Het Bildt. Rembrandt e Saskia
casaram-se na igreja local de Sint Annaparochie, sem a presença de seus
parentes. Assim, no mesmo ano, tornou-se cidadão de Amsterdã e membro da guilda
local de pintores. Ele também conquistou diversos alunos, entre eles Ferdinand
Bol e Govert Flinck. Em 1639, passaram a
viver em um casarão na Rua Jodenbreestraat. A hipoteca para financiar a
aquisição da propriedade seria mais tarde a razão principal de graves
dificuldades financeiras. Foi
neste local que recorreu com frequência aos vizinhos judeus para
pintar cenas do Velho Testamento. Embora abastado, o casal enfrentou diversos
problemas pessoais; seu filho Rumbartus morreu com dois meses de idade em 1635,
e sua filha Cornelia apenas três semanas após o parto em 1638. Em 1640 tiveram
mais uma filha, também chamada Cornelia, que morreu com um mês de idade.
Somente seu quarto filho, Titus, nascido em 1641, é que sobreviveu até a
maioridade. Saskia morreu em 1642, pouco depois do nascimento de Titus,
provavelmente em decorrência de uma tuberculose. Os desenhos de Rembrandt, dela
em seu leito de morte, estão entre seus trabalhos mais intimistas e comoventes.
Durante a enfermidade de Saskia, Geertje Dircx foi contratada como enfermeira e
babá de Titus e tornando-se durante época amante de Rembrandt.
As
gravuras consistiam de uma técnica aperfeiçoada e simplificada pelo próprio
pintor, por volta de 1630, onde ele gravava placas de metal com um buril e
depois, com a utilização de alguns ácidos, corava estas ranhuras feitas nas
placas, marcando-as. Com o auxílio de uma prensa ele transpunha esta imagem
gravada na placa de metal para o papel, resultando em lindas gravuras. O nome
desta técnica é “água-forte”. Rembrandt usava das mais variadas temáticas nas
suas gravuras como cenas bíblicas, mitologia, paisagens, nus, retratos e outras
mais, como também nas suas pinturas; embora os autorretratos sejam mais comuns
neste tipo de arte. A fase onde realizou a maior quantidade de gravuras
iniciou-se em 1636 e durou cerca de 20 anos. Muitas delas permanecem,
algumas encontradas no Museu Rembrandt, em Amsterdã. Gravuras no mundo em exposições temporárias, a fim de que outros possam
apreciar as obras do grande mestre.
No
final da década de 1640, Rembrandt deu início a um relacionamento com sua
empregada Hendrickje Stoffels. Em 1654 tiveram uma filha, Cornelia, o que
provocou a intimação de Hendrickje pela protestante Igreja Reformada Holandesa
para responder a acusação de que cometera "atos de uma prostituta com
Rembrandt o pintor". Ela confessou a verdade, sendo excomungada. Rembrandt
por sua vez não foi convocado ou excomungado, pois, como ateu não fazia parte
de nenhuma igreja. Os dois foram considerados legalmente casados sob a lei
comum do Direito, apesar do pintor não ter se casado oficialmente para não
perder acesso aos recursos financeiros destinados a Titus no testamento de sua
mãe. Rembrandt
vivia socialmente além do que obtinha de suas rendas, comprando obras de arte, impressões e raridades, o
que supostamente provocou em 1656 um acordo nos tribunais para evitar sua
falência, que resultou na venda da maioria de seus quadros e sua imensa coleção
de antiguidades. A lista de itens vendidos sobreviveu ao tempo.
Relaciona entre
outros objetos os bustos de vários imperadores romanos, armaduras japonesas e
um acervo de história natural e mineral. Os valores obtidos com as vendas em
1657 e 1658, contudo, foram irrisórios. Em 1660 ele foi forçado a vender sua
casa e máquina impressora e mudar-se para uma habitação modesta em Rozengracht.
As autoridades e credores eram em geral compreensivos com sua situação, com
exceção da guilda de pintores de Amsterdã, que introduziu uma nova regra
proibindo a qualquer um nas circunstâncias de Rembrandt de trabalhar como
pintor. Para
contornar a proibição, Hendrickje e Titus iniciaram um empreendimento para
agenciar obras de arte, com Rembrandt como seu funcionário. Em 1661, ele foi
contratado para completar os trabalhos do recém-construído paço municipal - a
contratação só ocorreu, no entanto, após a morte de Govert Flinck, que fora
designado originalmente para o trabalho. A obra resultante, A Conspiração de
Claudius Civilis, foi rejeitada e devolvida ao pintor; apenas um fragmento dela
acabaria conservado, quando na mesma época Rembrandt admitiu seu último
aprendiz, Aert de Gelder. Em 1662 ele continuava a executar grandes encomendas
de retratos e outras obras. Quando Cosme III da Toscana viajou a Amsterdã em
1667, visitou, a casa de Rembrandt que
nessa altura pintava em camadas de tintas, construindo a cena da região mais
afastada até a sua frente, com o uso de vernizes entre estas camadas de tinta,
que eram bem espessas, o que permitia uma ilusão de ótica graças à qualidade tátil
da própria tinta. A manipulação tátil da tinta se aproximava de técnicas
medievais, quando alguns efeitos de mimetismo transformavam a superfície da
pintura. O resultado final varia muito no manuseio da tinta, sugerindo espaço
de uma maneira particularmente singular e intimista. Rembrandt pintou
basicamente três temas distintos: as pinturas sacras, os autorretratos e os
retratos de grupos. As pinturas sacras foram realizadas por toda a vida do
pintor, principalmente de cenas retratadas na Bíblia. Temos como bons exemplos
desta fase "O retorno do filho pródigo" em exposição no Museu
Hermitage de São Petersburgo e “Jacó abençoa os filhos de José” no Museu
Staatliche Kunstsammlungen Kassel. Muito elogiado por seus contemporâneos, que
sempre o reverenciaram como um mestre intérprete das histórias bíblicas graças
à sua habilidade em representar emoções e atenção aos detalhes. Além disso,
ficou muito famoso pela quantidade de autorretratos que realizou, sendo mais de
100 no total, por 40 anos. Estes autorretratos, que representavam “leituras psicológicas
do autor”, foram comparados sociologicamente somente aos autorretratos que Vincent Van Gogh fez de si mesmo,
mais de 200 anos depois.
Notadamente
Rembrandt sempre foi fiel ao rosto
que encontrava no espelho, tanto nos momentos felizes quanto nos de desespero,
onde encarava as agruras da vida. Os retratos de grupos estavam em moda na
Holanda na época de Remdrandt, onde grupos procuravam os pintores para terem
seu retrato imortalizado em uma tela, e ainda podiam dividir os custos da
produção entre si. Apesar de ter pintado apenas quatro retratos em grupo, dois
dos mais famosos quadros de Rembrandt encontram-se nesta temática, A Aula de
Anatomia do Dr. Tulp, em exposição no Museu Mauritshuis, em Haia e A Ronda Noturna,
no Rijksmuseum, em Amsterdã. Em muitas pinturas bíblicas, como A Subida da
Cruz, José Contando Seus Sonhos e A Stoning de São Estevão, Rembrandt
pintou-se misturado como personagem na multidão, tal como Alfred Hitchcock no cinema.
Acredita-se que Rembrandt fez isto, pois, para ele, a Bíblia era um tipo de
diário, uma narrativa sobre os momentos de sua própria vida. O acabamento é
cuidadoso, com técnica refinada. Os grupos de figuras são construídos segundo o
receituário barroco, com gestos dramáticos e expressivos, de ação intensa.
Em
1642, o pintor Rembrandt entregou uma obra que pintara sob encomenda. Era a
chamada A Ronda Noturna. O cliente a rejeitou, acusando o artista
de "não ter pintado seu retrato", de ter representado "o cenário
de uma ópera bufa" e de ter cobrado um preço "muito alto". Nos
debates que se seguiram, o pintor foi enfim acusado de "pintar só o que
queria". Um bom exemplo, neste sentido, refere-se O Juramento de
Julius Civilis (1661) pintado a serviço do prefeito de Amsterdã. A
encomenda havia sido recusada por diversos pintores e Rembrandt, passando por
enormes dificuldades, aceitou o trabalho. O resultado, porém, desagradou aos
governantes e ficou menos de um ano pendurado nas paredes da sede da
prefeitura. Incumbido de retratar o episódio em que Julius Civilis reúne
líderes batavos e combater os invasores romanos, Rembrandt apresentou uma tela realista, com um bando de bárbaros em
volta do rei caolho. Não gostaram do realismo fiel do
pintor.
Talvez
por isso, Rembrandt tornou-se um dos mais importantes nomes da história da arte
ocidental. Enfim, existem vinte e sete autorretratos, 64 paisagens, a maioria
pequena com um detalhamento impressionante. Um terço de suas gravuras era de
tema religioso, muitas tratadas de forma bastante simplista, enquanto outras
são impressões monumentais. Algumas eróticas, ou aparentemente obscenas também
são encontradas, embora não haja paralelo a este tema em suas pinturas. Possuía
uma série de gravuras de outros artistas e muitos esboços e influências que podem
ser traçadas daí. Entre estes podemos destacar: Mantegna, Rafael Sanzio,
Hercules Segers, e Giovanni Benedetto Castiglione. Assim como na pintura,
comparativamente Rembrandt também passou por duas fases distintas no processo criativo na execução de gravuras,
restando somente as impressões finais e esboços. Na segunda fase, mais madura (1650)
uma quantidade de placas ainda restaram. Começa a experimentar diferentes tipos
de papel para impressão, incluindo papel de arroz e veludo. Utiliza um
tom de superfície, deixando a fina camada de tinta em partes
da placa, ao invés de deixá-la completamente imersa em tinta em cada impressão.
Outro detalhe encontrado nas gravuras da segunda fase é a quantidade de áreas
brancas, o que sugeria espaço e outras áreas de linhas extremamente complexas,
a fim de produzir tons escuros ricos em detalhes. Enfim, Rembrandt era
requisitado pelos burgueses enriquecidos que desejavam se ver eternizados nas
paredes de suas casas. Talvez
por pura inaptidão para as contas viveu grande parte de sua vida endividado,
motivo pelo qual foi à falência em 1656, aos 50 anos de idade. Depois de ter
perdido a esposa e três filhos, teve ainda que vender sua enorme casa em
Amsterdã, além de praticamente toda sua coleção de móveis, tapeçarias, joias e
porcelanas. Até seus autorretratos, nunca antes postos à venda, tiveram que
sair das mãos do autor. Além de usar a mãe, a esposa e o filho como modelos,
Rembrandt realizou um grande número de autorretratos ao longo da vida. É
interessante e talvez imprescindível no processo de análise, comparar as mudanças operadas na feição do artista com o passar dos anos.
Diferentes estados psicológicos são demonstrados: o jovem bem-sucedido e inteligente,
o homem imponente, o velho sereno e resignado. Este era Rembrandt Harmenszoon
van Rijn, o maior pintor que a Holanda já teve, mas que só seria reconhecido 200 anos após a sua morte, aos 63 anos, na solidão e na quase absoluta
miséria.
Bibliografia
geral consultada.
WHITE,
Christopher, The Late Etchings of Rembrandt. Londres: British
Museum/Lund Humphries, 1969; CLOUGH, Shepard Bancroft, European History in a
World Perspective. D.C. Heath and Company. Los Lexington, MA, 1975; CLARK,
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Editors Harper & Row, 1969; Idem, An Introduction to Rembrandt.
Londres: John Murray/Readers Union, 1978; GEIST, Johann Friedrich, Le Passage. Un Type
Architectural du XIX Siècle. Bruxelles: Pierre Margada Editeur, 1987; SCHWARTZ, Gary (editor), The
Complete Etchings of Rembrandt Reproduced in Original Size. Nova York:
Editor Dover, 1988; HELD, Julius, Rembrandt Studies. Princeton:
Princeton University Press, 1991; MINOIS, Georges, Histoire du
Suicide: La Société Occidentale Face à la Mort Volontaires. Paris:
Librairie Arthème Fayard, 1995; GOMBRICH, Hans Josef, The Story of Art.
Londres: Editor Phaidon, 1995; SLIVE, Seymour, Dutch Painting, 1600–1800.
Yale: Editor Yale University Press, 1995; Durham, John I., “Biblical
Rembrandt: Human Painter”. In:
A Landscape of Faith. Geórgia: Mercer University Press, 2004; AVANCINI,
José Augusto, “Rembrandt e a Invenção de Si: Seus Autorretratos São Um Percurso
Autobiográfico?”. In: SOUZA, Elisei Clementino; ABRÂO, Maria Helena Menna
Barreto, Tempos, Narrativas e Ficções. Porto Alegre: Editora da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2006, pp. 119-129;
HUGHES, Robert, “The God of Realism”, Rea S. Hederman. The New York Review of
Books, 53 (6) 2006; BARROS, Carlos Ferreira, Autorrepresentação: A
impossibilidade do Auto-retrato e a Impossibilidade de Deixar de Haver
Auto-retrato. Dissertação apresentada à Universidade de Aveiro. Portugal,
2011; ALPERS, Svetlana, O Projeto de Rembrandt: O Ateliê e o Mercado.
São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2010; SILVA, Allan Lourenço, Luz e
Sombra em Senhora dos Afogados à Luz de Rembrandt. (Monografia). Goiânia:
Universidade Federal de Goiás. 2013; VIEIRA, Karine Gomes Perez, “Habitações”:
Autorretratos como Microterritórios Subjetivos. Tese de Doutorado em Artes
Visuais. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Valência:
Universitat Politècnica de València, 2016; entre outros.
___________________
* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ),
doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de
São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências
Sociais do Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
“A ilusão nos engana justamente fazendo-nos passar por uma percepção autêntica”. Maurice Merleau-Ponty
O filósofo francês Maurice Merleau-Ponty exercitou em sua teoria reflexões sobre a fenomenologia, movimento filosófico segundo o qual, assim que algo se revela frente à consciência humana, o Homem inicialmente o observa e o percebe em completa conformidade com sua forma, do ponto de vista da sua capacidade perceptiva. Na conclusão deste processo, a matéria externa é inserida em seu campo consciencial, convertendo-se, assim, em um fenômeno. O filósofo tem consciência de que as teorias sociais convencionalmente conhecidas sobre a percepção e a psicologia, contrariando Jean-Paul Sartre, percebe em que instante a consciência é integrada no mundo. As críticas analíticas de Merleau-Ponty ao modelo representacional da percepção e da consciência se constituem ao longo de sua démarche no âmbito filosófico. Todavia em O Visível e o Invisível (1996; 2007), praticamente abandona a preocupação com a crítica a estas questões. Aprofunda cada vez mais suas concepções sobre o corpo, sobre o Ser, inaugurando a concepção de “carne”. Escreve que a carne (“Chair”) não é matéria, não é espírito, não é substância. Seria preciso para designá-la, o termo “elemento” (“élément”) “em que era empregado para falar-se da água, do ar, da terra e do fogo. Isto é, no sentido de uma coisa geral, meio caminho entre o indivíduo espaço-temporal e a ideia”.
Essa teoria circunscreve três impulsos filosóficos que serão afastados pelo trabalho merleau-pontyano: o teológico, que coloca o Absoluto como ponto de partida; o humanista, presente tanto nas filosofias da consciência quanto nas antropologias filosóficas, que faz da subjetividade o ponto de partida. Enfim, o naturalismo cientificista e o de um certo materialismo que, desejoso de corrigir as tendências anteriores, toma o homem e o mundo como processos objetivos impessoais. Esta é a tônica do filme Misery em que a miséria humana não é determinista, pois acaso, do latim: “a casu”, significa “sem causa”. Acaso é uma palavra que pode ser usada em três sentidos diferentes, dependendo do significado que se dê à palavra causa. A base do conhecimento está, portanto, na capacidade de perceber o que nos cerca. Implica também o processo de dar significado ao que foi captado pelos sentidos, para que se possam realizar as necessárias conexões entre os objetos perceptíveis, o que torna possível vê-los como um todo expresso na dinâmica de seu movimento.
Leitora ardente e fã número 1 dos livros dele, Annie o prende na própria casa e o submete a uma série de torturas inimagináveis. Uma adaptação elegante, fiel e recheada de humor mórbido. Escritor de best-sellers, Paul Sheldon (James Caan) é salvo de um acidente por uma fã que resolve “guardá-lo para ela”. Ela se chama Annie Wilkes (Kathy Bates), enfermeira fanática pela personagem Misery Chastain. Paul, com as duas pernas quebradas e preso à cama, sente o alívio de não ter morrido tornar-se horror quando Annie descobre que a personagem Misery morre no último romance da série. Ele é obrigado a queimar o manuscrito com que esperava conquistar respeitabilidade literária. Annie exige que ele resgate Misery dentre os mortos e, diante do trágico e o inusitado, escrever essa história dramática, pois será sua única garantia de vida. Vale lembrar que num curso sobre o conceito de Natureza, ministrado em 1956/57, no Collège de France, Merleau-Ponty afirma que o problema ontológico é aquele ao qual se subordinam todos os outros e por isso mesmo a ontologia não pode ser um teísmo, um naturalismo ou um humanismo, ou seja, não pode identificar o Ser com um dos seres - Deus, o homem ou a Natureza. Essa posição é reafirmada na última nota de trabalho de seu livro inacabado, O Visível e o Invisível (2007), quando apresenta o plano de seu escrito, escrevendo: - “Trata-se precisamente de mostrar que a filosofia não pode mais pensar segundo esta clivagem: Deus, o homem, as criaturas”.
Neste aspecto filosófico e metodológico, Marx, depois de Hegel, é quem melhor precisa, a ideia segundo a qual “não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência”. Assim como não se julga um indivíduo pela ideia que ele faz de si próprio, não se poderá julgar uma tal época de transformação pela mesma consciência de si; é preciso, pelo contrário, explicar esta consciência pelo conflito que existe entre as forças produtivas sociais e as relações de produção. Uma organização social nunca desaparece antes que se desenvolvam todas as forças produtivas que ela é capaz de conter; nunca relações de produção novas e superiores se lhe substituem antes que as condições materiais de existência destas relações se produzam no próprio seios da velha sociedade. É por isso que a humanidade só levanta os problemas que é capaz de resolver e numa observação atenta, descobrir-se-á que o próprio problema só surgiu quando as condições materiais para resolvê-lo existiam ou estavam, ao menos em via de aparecer. Narra que existe a “carne do mundo” e a “carne do corpo” e se imbricam na relação de percepção mútua. - “A carne é fenômeno de espelho e o espelho é extensão da minha relação com meu corpo”. É a possibilidade de corpo e mundo terem carne que os faz reconhecíveis para o outro, que nos faz capazes de, percebendo o mundo, refletirmos sobre este e sobre nós mesmos. Merleau-Ponty foi, ao lado de Jean-Paulo Sartre, a figura mais representativa do pensamento filosófico francês após a 2ª guerra mundial, e que se celebrizou por uma de suas manifestações reconhecidas: o existencialismo.Ele procura persuadir o leitor de que os conceitos fundamentais da filosofia - sujeito e objeto, fato e essência, ser e nada, consciência, imagem, coisa, palavra - já representam determinada interpretação singular do mundo. Sua obra foi profundamente inspirada pelos trabalhos de Edmund Husserl, considerado o pai da fenomenologia, apesar de negar sua doutrina do conhecimento intencional, preferindo basear sua construção teórica na maneira de se portar do corpo e na captação de impressões dos sentidos.No exame minucioso da percepção, Merleau-Ponty converte o processo fenomenológico em uma modalidade existencial, resumindo no logos a estrutura do mundo. Segundo sua concepção, a filosofia permite um novo aprendizado do olhar sobre o universo que o envolve, um retorno ao âmago do objeto. A base do conhecimento está, portanto, na capacidade suscetível de perceber o que nos cerca, o que implica também o processo sociológico de dar significado ao que foi captado pelos sentidos, para que se possam realizar as necessárias conexões entre os objetos perceptíveis, o que torna possível vê-los como um todo.
O trabalho parece ser uma categoria muito simples. A ideia de trabalho nesta universalidade, como trabalho em geral, é também das mais antigas. No entanto, concebido do ponto de vista econômico nesta forma simples, o trabalho é uma categoria tão moderna como as relações que esta abstração simples engendra. Assim, apesar de historicamente a categoria mais simples poder ter existido antes da mais concreta, pode pertencer, no seu completo desenvolvimento - em compreensão e em extensão -, precisamente a uma forma de sociedade complexa, enquanto a categoria mais concreta se achava já completamente desenvolvida numa forma de sociedade mais atrasada. Assim, a abstração mais simples, que a economia política moderna coloca em primeiro lugar e que exprime uma relação muito antiga e válida para todas as formas de sociedade, só aparece no entanto sob esta forma abstrata como verdade prática enquanto categoria da sociedade mais moderna. Isto é importante, na medida em que para Marx, o todo, na forma em que aparece no espírito como todo-de-pensamento, ou seja, analiticamente, é um produto do cérebro pensante, que se apropria do mundo do único modo que lhe é possível, de um modo que difere da apropriação desse mundo pela arte, pela religião, pelo espírito prático, antes como depois, o objeto real conserva a sua independência fora do espírito; e isso na duração em que tiver uma atividade meramente especulativa, meramente teórica. No emprego do método teórico é necessário que o objeto, a sociedade, esteja constantemente presente no espírito como dado primeiro.
No filme, a máquina de escrever de
Paul tem como representação uma tecla “N” defeituosa, o que alude assim como
uma das primeiras máquinas históricas de escrever de Stephen King. Antes de
James Caan assumir o papel de Paul Sheldon, ele foi oferecido para o genial
Jack Nicholson. O ator recusou porque tinha feito O Iluminado em 1980, e não
queria fazer outra adaptação de um livro de King. Curiosamente James Caan apareceu uma vez
no set de ressaca, e todas as cenas que ele filmou naquele dia obviamente não
ficaram boas para exibição. O diretor Rob Reiner disse a James Caan que ele teria que fazer
as cenas novamente porque havia “um problema no laboratório”. Quando Caan descobriu
que não tinha nada de errado com o laboratório, ele se ofereceu para cobrir o
dinheiro que o estúdio perdeu com a gravação extra. Annie Wilkes é a personagem favorita na literatura ficcionista de King, porque ela sempre
foi surpreendente para escrever, com profundidade e simpatia inesperadas.
Segundo Merleau-Ponty, a esfera humana é uma espécie de “intermundo”, o qual
pode ser explicado como o contexto histórico, a simbologia, ou a verdade a ser
construída.
Algo que acena com a possibilidade
de uma significação das coisas, apesar de todos os paradoxos existenciais.
Neste sentido, ser é visto pelo outro como uma fração de mundo, a interação
social entre as consciências e a ligação dialética
entre o senhor e o escravo no sentido hegeliano. Contudo, as obras mais
significativas de Merleau-Ponty são as de natureza psicológica, para o que nos
interessa, estão entre elas: A Estrutura do Comportamento, de 1942, e Fenomenologia
da Percepção, de 1945. Na sua fase de inferência política elaborou uma série
de outros ensaios de teor marxista como: Humanismo e Terror, de 1947, uma apologia
do comunismo soviético de fins da década de 1940. Em 1955 ele passa por uma
modificação na sua weltanschauung
sobre este regime, no ensaio: As Aventuras da Dialética, de 1955, no qual o
marxismo é visto comparativamente mais como um método
de análise do que representando uma práxis revolucionária para se avançar politicamente sobre o debate da questão tópica da verdade no âmbito histórico da fenomenologia. Ao distanciar-se de suas
primeiras obras e buscar a ontologia, Merleau-Ponty busca o Espírito Selvagem
e o Ser Bruto. Sua interrogação vem exprimir-se na nota de O Visível e o Invisível, na medida em que para ele: “o Ser é o
que exige de nós criação para que dele tenhamos experiência”. Frase cujo
prosseguimento reúne emblematicamente arte e filosofia, pois a nota continua:
“filosofia e arte, juntas, não são fabricações arbitrárias no universo da
cultura, mas contato com o Ser justamente enquanto criações”. Por que criação?
Porque entre a realidade dada como um fato, instituída, e a essência secreta
que a sustenta por dentro há o momento instituinte, no qual o Ser vem a ser:
para que o ser do visível venha à visibilidade, solicita o trabalho do pintor;
para que o ser da linguagem venha à expressão, pede o trabalho do escritor;
para que o ser do pensamento venha à inteligibilidade, exige o trabalho do
pensador. Se esses trabalhos são
criadores é justamente porque tateiam ao redor de uma intenção de exprimir
alguma coisa para a qual não possuem modelo que lhes garanta o acesso ao Ser,
pois é sua ação queabre a via de acesso
para o contato pelo qual pode haver experiência do Ser. Que laço amarra num
tecido único experiência, criação, origem e Ser? Aquele que prende Espírito
Selvagem e Ser Bruto. Que é Espírito Selvagem? É o espírito de práxis, que quer e pode alguma coisa, o
sujeito que não diz “eu penso”, e sim “eu quero”, “eu posso”, mas que “não
saberia como concretizar isto que ele quer e pode senão querendo e podendo”. Isto
é, agindo, realizando uma experiência e sendo essa própria experiência na existência.
O que torna possível a experiência criadora é a existência de uma falta ou de uma lacuna a serem preenchidas, sentidas pelo sujeito da ação como intenção de significar alguma coisa muito precisa e determinada no campo da ação social. Em A Estrutura do
Comportamento, obra dedicada ao tema da relação entre corpo e espírito,
Merleau-Ponty confronta as posições behavioristas e gestaltistas em psicologia,
e afirma que o interesse pela noção de comportamento advém de suas
possibilidades para uma compreensão do mundo humano que escape tanto da redução
mecanicista dos acontecimentos psíquicos quanto da assimilação do psiquismo à
consciência pura. Graças a essa noção, pensada como estrutura, o filósofo pode
distinguir entre a ordem física, a biológica e a humana, ordens que não podem
ser reduzidas umas às outras, por nenhum tipo de mentalidade, mas dotadas de especificidade e diferença
intrínseca. A elaboração da idéia de ordem humana como instituição da ordem
simbólica da cultura efetuada pela percepção, pela linguagem e pelo trabalho,
ou como relação com o possível e com o ausente,assegura airredutibilidade dessa
ordem à ordem física e à biológica, mas nem por isso a concebe como uma
construção intelectual específica posta pela consciência reflexiva: o comportamento humano
não é uma coisa nem é uma ideia.
O referencial teórico de
Merleau-Ponty ainda conserva ressonâncias da tradição esquecida da antropologia filosófica, pois o
papel central é conferido à consciência perceptiva e não à percepção. Diante
das operações da ciência e da filosofia cabe indagar: por que nossa existência
é convertida em objeto de conhecimento, nosso corpo, em coisa qualquer, a
percepção, em pensamento de perceber, a palavra, em pura significação,
instrumento a serviço do mutismo do intelecto? Por que nossa inerência ao
mundo, à história e à linguagem são dissimuladas? Recusa do imprevisível, o
pensamento de sobrevôo é um “projeto de posse intelectual do mundo domesticado
pelas representações construídas pelo sujeito do conhecimento”. A crítica analítica do possessivo é, simultaneamente, afirmação de que a filosofia e a
ciência não são a fonte do sentido e que não há um ponto de partida absoluto, Deus, o homem, a Natureza, mas um solo originário e uma inerência ao mundo
que merecem ser interrogados: o que está ligado de forma inseparável ao ser. É aquilo que está intimamente unido e que diz respeito ao próprio ser. A miséria humana é inerente e faz parte da pessoa ou coisa e que lhe é inseparável por natureza. É o que é intrínseco, específico e que pode servir para caracterizar algo ou alguém para o bem ou o mal. Bibliografia geral consultada.
MERLEAU-PONTY, Maurice, La
Structure du Comportement. Paris: Presses Universitaires de France, 1942;
Idem,Ciências do Homem e Fenomenologia. São Paulo: Editor Saraiva, 1973;
Idem, “Textos Selecionados”. In: Coleção OsPensadores. São Paulo: Abril
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Percepção. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1996; Idem, Le Primat de la Perception et ses
Conséquences Philosophiques, Précédé de, Projet de Travail sur la Nature de la
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Invisible. Paris: Éditions Gallimard, 1996; Idem, O Visível e o Invisível. 4ª edição. São Paulo: Editora Perspectiva,
2007; MOUTINHO, Luiz Damon Santos, “O Invisível como Negativo do Visível: A
Grandeza Negativa em Merleau-Ponty”. In: Trans/Form/Ação.
Vol.27 n° 1 Marília, 2004; SILVA, Claudinei Aparecido de Freitas da, A Carnalidade da Reflexão: Ipseidade e Alteridade em Merleau-Ponty. Tese de Doutorado em Ciências Humanas. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, 2007; CHAUÍ, Marilena, “Merleau-Ponty: A Obra Fecunda”. Disponível em: http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/;
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Stephen, Misery: Louca Obsessão. Rio
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