sábado, 8 de abril de 2023

Jane Birkin, Serge Gainsbourg – Regard, Je T’aime & Gemidão Francês.

                                                                         Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso”. Clarice Lispector

    

A racionalidade de opiniões e ações sociais é um tema cuja elaboração se deve originalmente à filosofia. Pode-se dizer, até mesmo, que o pensamento filosófico tem sua origem no fato da razão corporificada no reconhecer, no falar e no agir torna-se reflexiva. O tema fundamental da filosofia é a razão. A filosofia empenha-se desde o começo por explicar o mundo como um todo, mediante princípios encontráveis na razão, bem como a unidade na diversidade dos fenômenos. E não o faz em comunicação com uma divindade além do mundo, nem pela retrogradação ao fundamento de um cosmo que abranja a natureza e a sociedade. O pensamento grego não via a uma teologia, nem a uma cosmologia ética no sentido das grandes religiões mundiais. Ele visa sim à ontologia. Se há algo comum às doutrinas filosóficas, é a intenção de pensar o ser ou a uma idade do mundo pela via de uma explanação das experiências da razão em seu trato consigo mesma. Os substitutivos teóricos das imagens de mundo perderam valor não em virtude do suposto avanço das ciências empíricas, e também, e principalmente pela consciência reflexiva que acompanhou esse grande avanço. Onde quer que se tenha formado núcleos temáticos mais rígidos na filosofia contemporânea, e uma argumentação mais coerente, seja em lógica ou epistemológica, nas teorias da linguagem e do significado, em ética ou na teoria da ação, até mesmo em estética, o interesse logo se volta às condições formais da racionalidade do conhecer, do entendimento verbal mútuo e do agir comunicativo, seja no cotidiano da vida social, seja no plano das experiências instituídas ou per se dos discursos instituídos academicamente.

A teoria da argumentação ganha significado especial, porque é dela a tarefa de reconstituir os pressupostos e condições formal-pragmáticos de um comportamento explicitamente racional. Clarice Lispector (1920-1977) foi uma escritora nascida na Ucrânia e naturalizada brasileira, mas declarava, quanto a sua brasilidade, ser pernambucana, sendo considerada uma das escritoras mais importantes do século XX e a maior escritora judia desde Franz Kafka (1883-1924). A escritora dizia não ter aparentemente nenhuma ligação com a Ucrânia e que sua “verdadeira” pátria era o Brasil. Pouca gente se dá conta de que uma das escritoras mais talentosas da literatura viveu em Maceió (AL). Trata-se de Clarice Lispector, que passou alguns anos de sua infância na capital alagoana. Inicialmente, a família passou um breve período em Maceió, até se mudar para o Recife, capital do estado de Pernambuco, onde Clarice cresceu e onde, aos oito anos, perderia a mãe. Aos quatorze anos de idade, transfere-se com o pai e as irmãs para o Rio de Janeiro, onde a família estabilizou-se, e onde o seu pai viria a falecer, em 1940. Sua obra literária tem como escopo inúmeras cenas cotidianas e enredos psicológicos, sendo considerada uma de suas principais características a epifania de personagens comuns em momentos do cotidiano. Predomina em suas obras o nível de análise per se visto que o narrador segue o fluxo do pensamento e o monólogo interior das personagens. As ações sociais destinam-se a ilustrar características psicológicas das personagens, para lembrarmo-nos de Fiódor Dostoiévsky. São comuns enredarem-se histórias críveis sem começo, meio ou fim. Ela se dizia, em vista da criação, ser mais escritora, irradiando uma ideia afetiva nas palavras, porque registrava em palavras aquilo que de fato sentiam. 

O primeiro núcleo urbano surge no início do século XVIII a partir do Engenho Massayo, do qual não se sabe quem era o seu proprietário e nem a sua exata localização topográfica, que pode ter sido na atual Praça D. Pedro II ou em uma área mais próxima do Riacho Massayo, o sofrido Salgadinho. A população pobre que ali se estabeleceu andava a pé, só apanhando o bonde de burros em casos de extrema necessidade, ou mesmo por motivo de doença. Nas tardes de domingos e feriados os bondes de burros tinham grande movimentação. Os cidadãos respeitáveis, as senhoras da sociedade, as melindrosas e almofadinhas, que constituíam a geração de seu tempo, na primeira e segunda década do século XIX, utilizavam o bonde para ligeiros passeios, e claro, para ir e vir das matinês dos cinemas Floriano e Capitólio que iniciavam o sistema sonoro com a Melodia da Broadway e a Marcha dos Granadeiros. O OdeonDelícia e o Ideal continuavam a exibir os filmes mudos, decerto, com orquestras de pianos e violinos tocando nas belas salas de espera dos cinemas. Depois, passando às salas de projeções para execução de partituras musicais, mas adaptadas ao enredo dos filmes em exibição. As famílias utilizavam o bonde de burros para comparecer às procissões, atos cívicos, comícios políticos e encontros nas casas de chá, sorveterias e restaurantes.

 A cidade vivia um período atribulado: o prefeito anterior, Lauro de Almeida Lima, fora assassinado a tiros um ano antes, após desentender-se com um fiscal de tributos. Este, por sua vez, foi fuzilado em seguida pelo delegado de polícia. O banho de sangue traumatizou a população urbana da cidade. O vice-prefeito Manuel Sampaio Luz cumpriu o resto do mandato. Com a proximidade das eleições, os políticos começaram a articulação para escolher o membro sucessor tentando dissipar o clima de comunicação político sombrio. Era um ambiente inóspito, típico da República das oligarquias quando os partidos interferiam pouco nas eleições. Contudo, o que demandava valor de troca era a representação dos caciques políticos, geralmente fazendeiros. Em Palmeira dos Índios, a política das últimas quatro décadas era dominada pela família Cavalcanti, aliados do governador alagoano Pedro da Costa Rego do Partido Democrata. Após negociações, a cúpula indicou Graciliano Ramos (1892-1953), comerciante que beirava os 35 anos, com fama de honesto, culto, austero e, principalmente, amigo dos caciques do partido. Aliado ao bom trânsito político havia sido bem sucedido como presidente da Junta Escolar na gestão anterior, uma espécie de secretário municipal da educação. Chamado para uma reunião, Graciliano reagiu bem ao aprovar o projeto de torná-lo prefeito. 

O momento histórico das disciplinas é o momento em que nasce uma arte do corpo humano, apenas para citarmos Michel Foucault, que visa não unicamente o aumento de suas habilidades, isto é importante, nem tampouco aprofundar sua sujeição, mas a formação de uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto uma política das coerções que são um trabalho sobre o corpo, uma manipulação calculada de seus elementos, de seus gestos, de seus comportamentos. O corpo humano entra numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe. Uma “anatomia política”, que é também igualmente uma “mecânica do poder”, está nascendo; ela define como se pode ter o domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente para que façam o que se quer, mas para que operem como se quer, com as técnicas segundo a rapidez e a eficácia que se determina. A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos dóceis.  A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência). Ela associa o poder do corpo; faz dele por um lado uma “aptidão”, uma “capacidade” que ela procura aumentar; e inverte por outro lado a energia, a potência que poderia resultar disso, e faz dela uma relação de sujeição estrita. Se a exploração econômica separa a força e o produto do trabalho, a coerção disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre aptidão aumentada e dominação acentuada.

François Mitterrand (1916-1996) foi um político francês, presidente da França, de 1981 até 1995. Detém atualmente o recorde de longevidade de 14 anos na presidência da República Francesa. Foi o primeiro presidente da República e um dos dois únicos, junto com François Hollande, oriundos do Parti Socialiste (PS) um partido político social-democrata da França. A origem do PS remonta a 1905 e à fundação da Secção Francesa da Internacional Operária (SFIO), que, desde a sua fundação, ocupou o espaço do socialismo democrático e da social-democracia na política francesa. Apesar de a SFIO ter tido um papel importante, em especial, na resistência ao nazismo durante a 2ª guerra mundial, o partido viu-se ultrapassado pelo Partido Comunista Francês, como o maior partido da esquerda francesa. Sob sua presidência foi abolida a pena de morte na França, em 1981. Seu mandato presidencial encerrou-se em maio de 1995, quando foi sucedido por Jacques Chirac. Morreu de câncer oito meses depois, em 8 de janeiro de 1996. Mitterrand nasceu em família católica e conservadora da província. O seu pai, Joseph Mitterrand, foi funcionário de uma companhia ferroviária, e, gerente da fábrica de vinagre familiar, chegando a ser presidente da federação de sindicatos de fabricantes. Teve três irmãos e quatro irmãs. Entre 1925 e 1934 fez os estudos secundários no colégio Saint-Paul de Angoulême. Aí Mitterrand integrou-se na Juventude Estudantil Cristã, ramo estudantil da Ação Católica. Até 1937 estudou na Escola Livre de Ciências Políticas, graduando-se em julho de 1937. Entre 1935 e 1936 militou durante cerca de um ano nos Volontaires Nationaux do coronel François La Rocque (1885-1946). 

Participou nas manifestações contra “a invasão de vagabundos” em fevereiro de 1935 e mais tarde nas que se fizeram contra o professor de Direito Gaston Jèze, quando este foi nomeado conselheiro jurídico do Negus da Etiópia, em janeiro de 1936.  Relaciona-se, por amizade ou família com membros da Cagoule. Escreveu artigos em jornais de direita como L`Écho de Paris de Henri de Kerillis, próximo do Partido Social Francês, de caráter fascista e colaborou com o governo de Vichy. São artigos de literatura, mas também sobre a sociedade contemporânea e a política. Em 1938 reconhece Georges Dayan, judeu e socialista a quem salva de agressões antissemitas da Ação Francesa. Passam a ser grandes amigos. Entre 1937 e 1939 fez serviço militar na infantaria colonial. Em janeiro de 1947 assume o ministério dos antigos combatentes, tornando-se o ministro mais jovem da história da França, aos 30 anos. Suas atividades políticas foram marcadas pela oposição a Charles de Gaulle (1890-1970), contra quem concorreu nas eleições presidenciais de 1965, chegando a conseguir um segundo turno, mas saiu derrotado por 55,20% dos votos contra os 44,80%. Em 1974 enfrentou Valéry Giscard d’Estaing nas eleições, perdendo o pleito por 49,19% a 50,81%. Após tentar a presidência em duas ocasiões (1965 e 1974), foi eleito em 1981, sendo o primeiro presidente socialista eleito em seu país. Houve intensa comemoração nas ruas de Paris, na mesma noite do anúncio de sua vitória, em 10 de maio. Foi reeleito em 1988. Segundo o filósofo marxista Jacques Rancière (2014), na disputa presidencial francesa de 1981, Mitterrand fez 110 promessas. E em sua reeleição, ninguém o havia questionado sobre a quantidade de promessas que foram cumpridas. Ao contrário, o elogiavam por deixar de fazer promessas.

Em seus dois mandatos, Mitterrand conseguiu abolir a pena de morte, nacionalizar cinco grupos industriais e 39 bancos, estabelecer a aposentadoria aos 60 anos, descriminalizar a homossexualidade, promover o fim do monopólio estatal da radiodifusão, inaugurar o Musée d’Orsay, o Instituto do mundo árabe, a pirâmide do Louvre e a pedra fundamental da Biblioteca Nacional da França, reforçar a relação franco-alemã, consolidar a Comunidade Europeia e criar a União Europeia com a assinatura do Tratado de Maastricht em 1992. Várias medidas sociais foram ratificadas, tais como a descriminalização oficial da homossexualidade”. O Ministro do Interior, Gaston Defferre (1910-1986), pôs fim ao registo de homossexuais, e o comunista Jack Ralite (1928-2017), Ministro da Saúde, retirou a questão tóxica referida à homossexualidade da lista de perturbações mentais. O governo introduziu a passagem da maioria sexual para 15 anos, abolindo a distinção, introduzida em 1942 e confirmada em 1945, na idade do consentimento entre relações homossexuais e heterossexuais. O estilo de vida homossexual deixa de ser uma cláusula de cancelamento de um arrendamento residencial. A 29 de setembro de 1983 recebeu o Grande-Colar da Ordem do Infante D. Henrique e a 28 de outubro de 1987 recebeu o Grande-Colar da Ordem da Liberdade de Portugal.

Nascido Lucien Ginsburg, filho de judeus russos, Serge Gainsbourg foi um homem de múltiplas habilidades em galerias de arte como artista plástico, músico, ator e cineasta. Em diversos momentos específicos, o talento para a música de estúdio e a provocação elaborada andaram de mãos dadas. Músico polêmico e dono de um repertório provocativo, ele gravou a famosa canção Je T'aime, Moi Non Plus, com Brigite Anne-Marie Bardot, que foi banida pelo “papa e proibida nas rádios inglesas na época do lançamento”. Brigitte Bardot atriz e ativista francesa sobre as defesa dos animais, iniciou sua carreira artística como cantora e modelo. Ficou reconhecida por suas iniciais BB considerada um dos maiores símbolos sexuais (sendo também comum o uso do termo inglês sex symboldos anos 1950 e 1960. Gainsbourg tem a sua trajetória pessoal e profissional controversa retratada no filme: O Homem que Amava as Mulheres (1977), dirigido pelo quadrinista Joann Sfar, nascido em 1971 e que traz Eric Elmosnimo como o protagonista e a atriz Laetita Casta interpretando Brigitte Bardot. Os romances rumorosos, o estilo social de vida hedonista e as letras de música provocativas e exemplarmente polêmicas contribuíram para construir a fama de enfant terrible que o acompanhou suas décadas de vida. Pessoas numa variedade de disciplinas e campos artísticos pensam saber algo sobre a sociedade que vale contar para outros, e elas usam uma variedade de formas, mídias e meios para comunicar suas ideias e descobertas.

Estudos comparativos destas maneiras de representar conhecimento sobre a sociedade mostram os problemas comuns que todas estas representações envolvem e as diferentes soluções que as pessoas desenvolvem para situações diferentes. Tentamos ser abrangentes em nossa comparação, incluindo ao menos em princípio todos os meios naturais e gêneros que as pessoas usam ou usaram em alguma oportunidade. Embora isto não seja possível, tentamos evitar os biases mais convencionais, e incluímos não somente os formatos científicos respeitáveis e aqueles inventados por profissionais, mas também, igualmente, os que foram criados por artistas e por leigos. Urna lista sugerirá  que observamos das ciências sociais (cf. Becker 1993), formas de representação como modelos matemáticos, tabelas estatísticas e gráficos, mapas, prosa etnográfica e narrativa histórica; das artes, romances, filmes, fotografias de cena e drama; indefinida entre os dois, histórias de vida e outros materiais biográficos ou autobiográficos. 

Do ponto de vista jornalístico e ipso facto comunicativo a reportagem, inclusive os gêneros mistos de docudramafilme documentário e fatos ficcionalizados, e o contar de histórias, a feitura de mapas e outras atividades representacionais de leigos ou de pessoas agindo na condição de leigos, como fazem até mesmo os profissionais a maior parte do tempo. Modos de representação fazem mais sentido quando vistos num contexto organizacional, como maneiras que as pessoas usam para contar o que pensam que sabem, para outras pessoas que querem sabê-lo, como atividades organizadas moldadas pelo esforço conjunto de todas as pessoas envolvidas. Nós compreendemos rapidamente que nos concentrarmos em objetos - como se os assuntos de nossa investigação fossem tabelas, gráficos, etnografias ou filmes - seria um erro que provocaria confusão. Faz mais sentido olhar para estes artefatos como remanescentes da ação coletiva, trazidos à vida sempre que alguém os utiliza, como pessoas que fazem ou leem mapas ou prosa, fazem ou veem filmes. Falar sobre um filme é uma redução para “fazer um filme” ou “ver um filme”.

 Esta não é uma distinção qualquer. Concentrar-se sobre os objetos conduz erroneamente a atenção para aquilo que um meio é capaz de realizar formal e tecnicamente, para quantos “bits” de informação um monitor de televisão pode transmitir, ou para saber se um meio puramente comunicativo visual pode veicular noções lógicas tais como causalidade. Concentrar-se sobre a atividade organizada, por outro lado, mostra que aquilo que um meio pode fazer é sempre uma função da maneira como as restrições organizacionais afetam o seu valor de uso social. O que as fotografias podem veicular é, em parte, moldado pelo orçamento, que indica quantas fotografias podem ser usadas e como podem ser exibidas, e quanto será gasto para fazê-las e quanto de filme e de tempo de fotógrafo serão pagos; e pelo volume e tipo de atenção que serão investidos por aqueles que as contemplarem para poder interpretá-las. Ver organizacionalmente representações de conhecimento sobre a sociedade significa incorporar à análise todos os aspectos das organizações nas quais elas são realizadas: estruturas burocráticas, orçamentos, códigos profissionais, características e aptidões do público são todos aspectos pertinentes que marcam o “falar sobre a sociedade”. Os trabalhadores decidem como proceder para fazer representações, observando o que é possível, lógico, exequível e desejável, dadas as condições sociais sob as quais as estão fazendo e as pessoas para quem as estão fazendo.

Na década de 1980, Gainsbourg causou escândalo ao protagonizar o clipe Lemon  Incest, um single gravado pelo pai & filha franceses: Serge e Charlotte Gainsbourg. Foi gravada em 1984 e lançada como single do álbum Love on the Beat de Serge, de 1985, e no álbum de estreia de Charlotte Gainsbourg, Charlotte For Ever, de 1986, marcando sua estreia musical. O ator surge em “cena seminu ao lado da filha mais nova, a premiada atriz Charlotte Gainsbourg, que na época tinha 13 anos”. Entre as diversas biografias já escritas sobre ele, a mais recente é Serge, Monte Paron (Edition Pascal, 2011), escrita por Alann Parouty, ex-motorista do cantor. O livro revela a intimidade do artista pelos olhos de um funcionário que esteve ao seu lado trabalhando até a sua morte em março de 1991, e o descrevia como “um homem frágil e sensível que adorava provocar as pessoas e inverter, bagunçar ou implodir a ordem institucionalizada”. Impossível falar de música francesa sem falar de Serge Gainsbourg (1928-1991). Após a morte do cantor, o nome dele continua como um dos mais relevantes na cultura daquele país. Afinal de contas, boa parte da produção artística de Serge Gainsbourg que vai gradativamente da chanson ao synth pop, passando pelo rock, jazz, reggae e tantos outros ritmos, continua atual, inconfundível e inimitável. O parisiense é mencionado como influência social por incontáveis artistas do universo pop internacional. A biografia do ídolo virou filme.

Lançada em 1969, Je t`aime (moi non plus), com seus sons maliciosos de orgasmo feminino, permanece como a mais erótica das canções. Malicioso é tanto um adjetivo como um substantivo no masculino. O sucesso desencadeou o lançamento de uma série de LPs só com esse tipo de música.  O guitarrista Edgar Scandurra faz tributo ao cantor. Assim como aconteceu em outros países em anos recentes Gainsbourg passou a ser descoberto pelas novas gerações. Em 2009, ano da França no Brasil, a Orquestra Imperial apresentou o show Gainsbourg Imperial, no qual contaram com a participação do maestro Jean-Claude Vannier, um dos parceiros musicais do cantor francês, Caetano Veloso e Jane Birkin. Outro exemplo é a banda-tributo Les Provocateurs, criada pelo guitarrista Edgard Scandurra. O grupo interpreta um repertório formado por clássicos de Serge Gainsbourg como Bonnie and Clyde, 69 Anée Erotic, Poupée de Cire Poupée de Son e, claro, Je t`aime (moi non plus). - As músicas são lindas, o trabalho dele é incrível. Adoro tocar as composições do Gainsbourg. Mas acho que a importância desse projeto é poder apresentar para quem gosta de música esse personagem cuja obra é riquíssima, com música, composição, letra, provocação, comportamento; fico muito feliz de poder apresentar isso para a galera, comenta o guitarrista Scandurra.

Não queremos perder de vista o que particulariza a sociologia, é que ela lida com  fenômenos sociais no plano em que eles podem ser descritos, objetivamente, através de propriedades da porção social do meio ambiente dos organismos e dos processos que nela ocorrem. Em consequência, não lhe cabe estudar os organismos físicos como tais, nem as propriedades que derivam deles, que determinam ou condicionam seus comportamentos. Compete-lhes, especificamente, estudar os comportamentos sociais em si mesmos, ou seja, como parte de uma rede de interdependências e interações sociais, característica da espécie de organismos considerados. Portanto, o sociólogo profissional, opera em plano altamente complicado e abstrato, isolando e analisando relações que definem, de modo imediato, o nível de complexidade alcançado pelas diferentes manifestações da vida social entre os seres vivos. Para o sociólogo brasileiro Florestan Fernandes, da mesma maneira que o biólogo e o psicólogo sabem que os processos biológicos e psicológicos são condicionados pelas situações sociais da vida dos organismos, o sociólogo reconhece que os processos sociais são regulados por elementos vitais e mecanismos extra-sociais, de natureza biológica, psicológica ou biopsicológica. Apenas, concentra sua atenção abstrata nas propriedades dos aspectos sociais da vida, que são objeto de sua especialidade no campo da ciência.

Assim como aconteceu em outros países em anos recentes Gainsbourg passou a ser descoberto pelas novas gerações. Em 2009, ano da França no Brasil, a Orquestra Imperial apresentou o show Gainsbourg Imperial, no qual contaram com a participação do maestro Jean-Claude Vannier, um dos parceiros musicais do cantor francês, Caetano Veloso e Jane Birkin. Outro exemplo é a banda-tributo Les Provocateurs, criada pelo guitarrista Edgard Scandurra. O grupo interpreta um repertório formado por clássicos de Serge Gainsbourg como Bonnie and Clyde, 69 Anée Erotic, Poupée de Cire Poupée de Son e, claro, Je t`aime (moi non plus). - As músicas são lindas, o trabalho dele é incrível. Adoro tocar as composições do Gainsbourg. Mas acho que a importância desse projeto é poder apresentar para quem gosta de música esse personagem cuja obra é riquíssima, com música, composição, letra, provocação, comportamento; fico muito feliz de poder apresentar isso para a galera, comenta o guitarrista Scandurra. que particulariza a sociologia, é que ela lida com fenômenos sociais no plano em que eles podem ser descritos, objetivamente, através de propriedades da porção social do meio ambiente dos organismos e dos processos que nela ocorrem. Em consequência, não lhe cabe estudar os organismos físicos como tais, nem as propriedades que derivam deles que determinam ou condicionam comportamentos. Portanto, o sociólogo profissional, opera em plano altamente complicado e abstrato, isolando e analisando relações que definem, de modo imediato, o nível de complexidade alcançado pelas diferentes manifestações da vida social entre os seres vivos da mesma maneira que o biólogo e o psicólogo sabem que os processos biológicos e psicológicos são condicionados pelas situações sociais da vida dos organismos, o sociólogo reconhece que os processos sociais são regulados por elementos vitais e mecanismos extra-sociais, de natureza biológica, psicológica ou biopsicológica. Apenas, concentra sua atenção abstrata nas propriedades dos aspectos sociais da vida, que são objeto de sua especialidade no campo da ciência.

Vale lembrar que a sociologia não se interessa, indiscriminadamente, pelo estudo dos fenômenos sociais. Ela trata-os na medida em que estes traduzem ou exprimem certo estado de sociabilidade e coordenação supraindividual de reações ou de comportamentos de organismos coexistentes nas mesmas unidades de vida. No plano abstrato de análise, seu ponto de referência, na descrição de tais categorias sociais, não é o “organismo”, sua estrutura e mecanismos, mas, a própria teia de interações sociais. Melhor dizendo, a ordem social, inerente às diversas modalidades de manifestações organizada da vida, oferece-nos o ponto de referência através do qual devem ser descritos sociologicamente. Nesse caso, os organismos vivem em condições que convertem a agregação ou a associação em necessidade vital. A sociedade não se opõe à natureza, ao contrário, pois representa o seu prolongamento na organização dos processos comunicativos de vida.

À luz de tais argumentos impõe-se, sobretudo, considerar três fatos básicos. Primeiro, a ordem social parece constar entre os fundamentos do equilíbrio da natureza, nos níveis de organização da vida que requerem, normalmente, a agregação ou a associação dos organismos. Segundo, tem a sua importância relativa da ordem social, na determinação do equilíbrio da natureza, é incontestavelmente variável, por serem muito diversas as necessidades que ela parece preencher nos diferentes níveis de organização da vida. Terceiro, a estabilidade da ordem social parece ser amplamente afetada por fatores e mecanismos extra-sociais, mas, inversamente, também parece claro que, em dadas condições, a instabilidade da ordem social resulta de elementos e de processos sociais, o que lhe confere influência causal para alterar o padrão de equilíbrio da natureza. Quanto ao primeiro fator, objetivamente é possível distinguir, grosso modo, quatro níveis de organização da vida, em vista da estrutura dos organismos e a propriedade da natureza do intercâmbio que eles conseguem desenvolver com o meio per se em que vivem.

A esses níveis aplicamos qualificações provisórias e precárias, que se justificam, segundo Fernandes, no estado atual de nossos conhecimentos: a ordem biótica, a ordem biossocial, a ordem psicossocial e a ordem sociocultural. A primeira, traduz a condição mais elementar da capacidade dos organismos de estabelecer interação social com outros organismos da mesma espécie ou de espécies diferentes. A segunda, aparece em um nível mais complexo da organização da vida, no qual os organismos dispõem da capacidade, biologicamente condicionada, de se locomoverem e de interagirem entre si. Tal ordem representa o produto do concurso de fatores orgânicos estáveis, embora se possa presumir que fatores supra-orgânicos chegam a desempenhar algum papel na interação de organismos entre si ou com o meio.  A terceira, envolve uma combinação mais complexa na operação dos fatores orgânicos, de caráter psicobiológico, e de fatores sociais, inerentes à maneira pela qual os indivíduos aprendem a viver em grupo e a reagir apropriadamente à presença de outros organismos, da mesma espécie ou de espécies diferentes. A quarta, põe-se diante da modalidade de organização da vida na qual os fatores orgânicos são corrigidos e complementados por fatores supra-orgânicos.

Várias de suas letras tinham duplo sentido e escandalizaram a sociedade francesa quando foram lançadas. No fim dos anos 1970, o cantor foi à Jamaica gravar um disco. A versão para a Marselhesa, o hino francês, com alterações nas letras e em ritmo de reggae, enfureceu alas mais conservadoras da França. Em um outro destempero famoso do artista, ele queimou uma nota de 500 francos em um programa de televisão. Também irritou os franceses ao criar uma versão reggae para o hino nacional da França, A Marselhesa. Outro episódio marcante se deu quando a jovem cantora France Gall, de 18 anos, apareceu na televisão, segurando um pirulito e cantando a maliciosa Les Sucettes, escrita por Gainsbourg. Debochado e irônico, ele viveu tórridos romances com as mulheres consideradas mais belas em sua época, como Bardot, a atriz e cantora Jane Birkin, mãe de Charlotte Gainsbourg e Vanessa Paradis. Nascido numa França ocupada por nazistas no fim da 2ª guerra mundial (1939-1945), Gainsbourg cotidianamente se interessou por artes plásticas. Estudava e pintava mulheres na sua principal fonte de inspiração, porém mesmo contra sua vontade descobriu na música sua melhor forma de expressão e mais tarde transformou-se em Serge, o grande ícone da música francesa.

Sua unidade de trabalho não são nem os organismos nem as propriedades que eles possuem. Mas o modo pelo qual os organismos se congregam socialmente e as consequências que daí advém para as formas de organização da vida.  Serge Gainsbourg desenvolveu uma brilhante carreira como compositor e cantor de diversos estilos musicais. Dominado pelo eterno espírito boêmio e fumante incessante, Gainsbourg foi um dos maiores artistas franceses, sendo comparado pelo presidente da época de sua morte como o Baudelaire da música francesa, aquele que elevou a música ao âmbito da arte. Ele deixou mais de 200 canções, gravadas por intérpretes tão distintos, comparativamente, em termos de geração e estilo, quanto Juliette Gréco, Yves Montand, Vanessa Paradis e Alain Chamfort. Manteve-se existente de maio de 1940 a dezembro de 1944. Como resultado da derrota da França e seus aliados na batalha da França, o gabinete francês procurou um cessar das hostilidades. Um armistício foi assinado em 22 de junho de 1940 em Compiègne. Nos termos do acordo, uma área designada no norte e no oeste da França, a zone occupée, foi ocupada pelo exército alemão, nesta região, o governo francês localizado em Vichy, liderado pelo idoso Marechal Philippe Pétain (1856-1951), era um subordinado aos alemães. A maior parte do terço restante do país foi posto como a zona livre, como sendo totalmente controlada pelo governo de Vichy. 

A Alsácia e Lorena foram reincorporadas à Alemanha propriamente dita, assim sujeitando a sua população de gênero masculina ao recrutamento militar alemão. Vários departamentos ao longo da fronteira italiana foram ocupados por tropas italianas, enquanto que as áreas geográficas demarcadas ao longo da fronteira belga foram administradas pelas autoridades de ocupação alemãs em Bruxelas. Toda a costa atlântica foi declarada uma zona militar, colocando-a fora dos limites para civis franceses, mas claro que exceto para os habitantes locais, que necessitaram mesmo assim, tendo como a marca autoritária de um passe especial. Tanto as partes desocupadas e ocupadas da França permaneceram legalmente sob o controle do governo de Vichy. Quando os aliados invadiram a África do Norte em 8 de novembro de 1942, os alemães e os italianos ocuparam a parte restante livre da França. A libertação da França começou em 6 de junho de 1944 com o desembarque das forças aliadas no chamado Dia D e a famosa Batalha da Normandia em 6 de Junho de 1944 e terminou em dezembro. A própria Paris foi libertada em 25 de agosto de 1944.

Entretanto, em 1941 foi realizado um concurso internacional de charges antissemitas no país sobre a salvaguarda do Terceiro Reich e promovido pelo jornal Je suis partout. É um jornal francês fundado por Joseph-Arthème Fayard (1866-1936), publicado pela primeira vez em 29 de novembro de 1930. Foi colocado sob a direção de Pierre Gaxotte (1895-1982) até 1939. Os jornalistas profissionais do tabloide incluíam Lucien Rebatet (1903-1972), Alain Laubreaux (1899-1968), o ilustrador Ralph Soupault (1904-1962) e o correspondente no país belga Pierre Daye (1892-1960), além de bancos e indústrias estrangeiras, neste interim, terem explorado a economia francesa e em campos de concentração como “utilidade de uso” a favor do esforço de guerra alemão. O pico do índice de Gini da França ocupada entre 0,4 e 0,5 entre 1940 e 1944 e o país imperialista se envolveu em crimes de guerra na época como o ocorrido na Argélia de natureza semelhante ao nazismo no período. O Coeficiente de Gini é amplamente utilizado em diagnósticos estatísticos em diversos campos de estudo, principalmente a sociologia, economia, ciências da saúde, ecologia, engenharia e agricultura.

Comparativamente em ciências sociais e economia, além do coeficiente de Gini relacionado à renda, estudiosos publicaram coeficientes relacionados à educação e oportunidades de trabalho. O Coeficiente de Gini na educação estima a desigualdade nesta área de uma dada população. É utilizado para discernir tendências em desenvolvimento social através da escolaridade processual ao longo do tempo. Em um estudo de 85 países, foi estimado que Mali tinha o maior índice de Gini de educação, com 0,92 em 1990, implicando numa desigualdade muito alta na escolaridade em toda população, enquanto os Estados Unidos da América tinham a menor desigualdade no índice de Gini, com 0,14. Entre 1960 e 1990, progressivamente Coreia do Sul, China e Índia tiveram a queda mais rápida em desigualdade de educação, de acordo com o mesmo índice. Os Estados Unidos tiveram o índice de Gini ligeiramente aumentado em relação ao período de 1980-1990. O movimento nazifascista francês tem impactos político-ideológicos até o século XXI com o partido Frente Nacional que está associado a nível internacional ao Partido nacional-socialista ucraniano. Em seu início, Je suis partout estava centrado em cobrir temas internacionais, aparentemente sem pretender exibir expressões ligadas ao extremismo, antissemitismo, ou mesmo uma abordagem política consistente de direita. No entanto, a reunião do grupo de editores foi fortemente influenciado pelas ideias conservadoras de Charles Maurras (1868-1952) e do integralista Action française, e a ideologia rapidamente se espalhou para o conteúdo editorial, já que os jornalistas mais moderados desistiram em protesto social. 

Apesar de suas conexões internacionais, Je suis partout não recomendou copiar a origem local ao estabelecer um regime fascista: - “Olharemos para o fascismo estrangeiro apenas através do fascismo francês, o único fascismo real” (14 de abril de 1939). Como tal, o jornal elogiou Jacques Doriot (1898-1945) por suas tentativas de unir a extrema-direita francesa em uma única Frente. A retórica antissemita do jornal aumentou muito após o caso do financista Alexandre Stavisky, um escândalo financeiro na França em 1934, envolvendo o estelionatário Stavisky (1886-1934) e a manifestação de extrema-direita que ocasionou em frente ao Palais Bourbon. Confiscado em 1791, o palácio deixou de pertencer aos Bourbon e foi declarado bem nacional. A crise de 6 de fevereiro de 1934 representou o motim que alguns pensaram naquela quadra política de acontecimentos como um golpe de Estado. O jornal tornou-se cada vez mais vitriólico após a formação do governo de esquerda da Frente Popular sob o primeiro-ministro judeu Léon Blum (1936). A partir de 1938, Je suis partout igualou a propaganda racista na Alemanha nazista ao publicar duas edições especiais: Les Juifs (“Os Judeus”) e Les Juifs et la France (“Os Judeus e a França”). O editor Jean Fayard cortou relações com o jornal em 1936, que foi vendido a uma nova diretoria – que incluía o argentino Charles Lescat (1887-1948) que era, segundo sua própria descrição, “um fascista tão genuíno quanto calmo”. Pouco antes da 2ª guerra e da ocupação em 1940, o jornal foi banido.

O jornal Action française tornou-se um marco programático relacionado ao antiparlamentarismo, nacionalismo e crítica ideológica das instituições decadentes da Terceira República, aproximando-se dos movimentos fascistas franceses e estrangeiros. Apoiou claramente Benito Amilcare Andrea Mussolini a partir de outubro de 1932, quando a política italiana ganhou uma edição especial. Je suis partout era favorável à Falange espanhola, uma organização política de inspiração fascista ativa em 1933 e 1934, à Garda de Fier romena; também reconhecida como Movimento do Legionário, em romeno: Mișcarea Legionară é o nome mais comum dado a um movimento fascista e partido político romeno, no período de 1927 para até o início da 2ª guerra mundial. A Guarda de Ferro (Garda de Fier) era ultranacionalista, fascista, anticomunista e promovia a fé cristã ortodoxa. É considerada uma organização antissemita, mesmo indo tão longe a ponto de exigir a introdução do “Estado antissemita”, ao rexismo belga de Léon Degrelle (1906-1994), bem como a Oswald Mosley (1896-1980) e sua União Britânica de Fascistas. A partir de 1936 rompeu com Maurras, profundamente antialemão, e começou a abrir-se ao nazismo e ao infernal prócer.

Apesar de suas conexões internacionais, Je suis partout não recomendou copiar a origem local ao estabelecer um regime fascista: - “Olharemos para o fascismo estrangeiro apenas através do fascismo francês, o único fascismo real” (14 de abril de 1939). Como tal, o jornal elogiou Jacques Doriot (1898-1945) por suas tentativas de unir a extrema-direita francesa em uma única Frente. A retórica antissemita do jornal aumentou muito após o caso do financista Alexandre Stavisky, um escândalo financeiro na França em 1934, envolvendo o estelionatário Stavisky (1886-1934) e a manifestação de extrema-direita que ocasionou em frente ao Palais Bourbon. Confiscado em 1791, o palácio deixou de pertencer aos Bourbon e foi declarado bem nacional. A crise de 6 de fevereiro de 1934 representou o motim que alguns pensaram naquela quadra política de acontecimentos como um golpe de Estado. O jornal tornou-se cada vez mais vitriólico após a formação do governo de esquerda da Frente Popular sob o primeiro-ministro judeu Léon Blum (1936). A partir de 1938, Je suis partout igualou a propaganda racista na Alemanha nazista ao publicar duas edições especiais: Les Juifs (“Os Judeus”) e Les Juifs et la France (“Os Judeus e a França”). O editor Jean Fayard (1902-1978) cortou relações com o jornal em 1936, que foi vendido a uma nova diretoria – que incluía o argentino Charles Lescat (1887-1948) que era, segundo sua própria descrição, “um fascista tão genuíno quanto calmo”. Pouco antes da 2ª guerra mundial e da ocupação em 1940, o jornal foi banido definitivamente.

Bibliografia geral consultada.

GIDDENS, Anthony; TURNER, Jonathan (Org.), Teoria Social Hoje. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1999; ÁNGELES, Guadalupe, “Chi ès Clarice Lispector”. In: Sagarana – Rivista Litteraria. Rio de Janeiro, n° 8, 2002; CASETTI, Federico Francesco, Cómo Analizar un Film. Barcelona: Ediciones Paidós, 2007; BARCELLOS, Lia Rejane Mendes, A Música como Metáfora em Musicoterapia. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Música. Centro de Letras e Artes. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2009; RODRIGUEZ, Juan, “From plain Jane to pop icon”. In: Montreal Gazette, 3 September 2009; RANCIÈRE, Jacques, Nas Margens do Político. Lisboa: Editora KKYM, 2014; ESPOSITO, Roberto, El Dispositivo de la Persona. Buenos Aires: Amorrotu Editores, 2011; Idem, Le Persone e Le Cose. Torino: Einaudi Editore, 2014; BELTRÃO, Filipe Barros, O Som na Obra de Lars von Trier: Um Estudo sobre a Criação Sonora. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2016; ALVIM, Luíza Beatriz Amorim Melo, A Música Clássica Preexistente no Cinema de Diretores da Nouvelle Vague – Anos 50 e 60. Tese de Doutorado em Música. Programa de Pós-Graduação em Música. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2017; ALVIM, Luíza Beatriz Amorim Melo, A Música Clássica Preexistente no Cinema da Nouvelle Vague - Anos 50 e 60. Tese de Doutorado em Música. Programa de Pós-Graduação em Música. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2017; FRANCO, Stella Maris Scatena, Viagens e Relatos: Representações e Materialidade nos Périplos de Latino-americanos pela Europa e Estados Unidos no Século XIX. São Paulo: Intermeios; Universidade de São Paulo - Programa de Pós-Graduação em História Social, 2018; LEITE, Edmundo, “Gemidão francês era proibido no Brasil há 50 anos”. In: https://www.estadao.com.br/acervo/17/09/2019; TORRES, José Airton Albuquerque, Pressupostos da Indústria Cultural e Massificação da Juventude, numa Perspectiva de Adorno e Horkheimer. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2019; SILVA, Leonardo Domingos Braga da, O Materialismo Transcendental e a Coisa em Si em ŽIŽEk. Dissertação de Mestrado em Filosofia. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2022; entre outros.   

domingo, 2 de abril de 2023

Quarto do Pânico – Domínio, Repetição & Desejo Mistificado.

                                Nas relações de poder, a sexualidade não é o elemento mais rígido”. Michel Foucault (1984: 98)


A besteira não é a animalidade. O animal está garantido por formas específicas que o impedem de ser besta. Mas foram estabelecidas frequentemente correspondências entre os rostos humanos e as cabeças animais, isto é, entre diferenças individuais do homem e diferenças específicas do animal. Mas, assim procedendo, não se dá conta da besteira como bestialidade propriamente humana. Quando o poeta satírico percorre todos os graus de injúria, ele não permanece nas formas animais, mas empreende regressões mais profundas, dos carnívoros aos herbívoros, e acaba por desembocar numa cloaca, num fundo universal digestivo e leguminoso. Mais profundo do que o gesto anterior do ataque, segundo Gilles Deleuze no ensaio da Différence et Répétition (1968), ou o movimento de voracidade, há o processo interior de digestão, a besteira nos momentos peristálticos. Razão pela qual o tirano não é apenas um cabeça de boi, mas de pera, de couve ou de batata. Alguém jamais é superior ou exterior aquilo de que ele se aproveita: o tirano em geral institucionaliza a besteira, mas é o primeiro serviçal de seu sistema, e o primeiro instituído é sempre um escravo que comanda escravos. Nesse caso, como o conceito de erro daria conta da unidade de besteira e crueldade, de grotesco e terrificante, que duplica o curso do mundo? A covardia, a crueldade, a baixeza, a besteira não são potências corporais ou fatos de caráter e de sociedade, mas estruturas do pensamento e de poder como tal.

Para entender a questão em torno do quarto da família de classe média na sociedade contemporânea, como ocorre na narrativa do filme O Quarto do Pânico, uma representação social de suspense norte-americano de 2002, dirigido por David Fincher, com as atrizes Jodie Foster e Kristen Stewart e os atores Forest Whitaker e Jared Leto. A casa e seu quarto do pânico foram construídos em um lote no Raleigh Studios, um estúdio localizado em Hollywood, Los Angeles, sob propriedade da Raleigh Enterprises desde 1979. O local está ativo desde 1915. Antes de Raleigh, o estúdio era administrado pela Famous Players Film Company, Clune Studios, California Studios e outros. Sociologicamente, Raleigh “não tem marca ou logotipo útil”, servindo como um espaço transitório de aluguel para vários filmes antes e depois da propriedade da Raleigh Enterprises. O autor Tom Ogden descreve o Raleigh Studios como “um estúdio independente, não afiliado a nenhum dos principais”, que em 2009 tinha nove estúdios disponíveis. A partir de 2022, o local conta com 13 estúdios sonoros. Nicole Kidman foi originalmente escalada como a protagonista, mas ela saiu de cena depois de agravar uma lesão anterior. Sua partida ameaçou a realização do filme, mas Jodie Foster rapidamente ocupou o lugar de Nicole. Os cineastas utilizaram “imagens geradas por computador para criar a ilusão da câmera no filme parecer mover-se através das salas da casa”. Jodie engravidou durante as filmagens, que foram suspensas até depois de ocorrer o parto. A recém-separada matrimonialmente Meg Altman e a filha Sarah são surpreendidas com a invasão de sua enorme casa por três ambiciosos vigaristas. Elas se escondem em um quarto secreto para situações de emergências, mas passam a enfrentar pequenos problemas dentro e fora de seu refúgio, pois curiosamente o que os homens procuram está justamente no quarto onde elas estão.

A rua já era um tema familiar da iconografia medieval: ela se anima com uma vida particularmente expressiva nas admiráveis vistas das pontes de Paris da Vida de São Denis, notável pregador converteu centenas de pessoas, num manuscrito do século XIII. Assim como nas cidades árabes de hoje, a rua era o lugar onde se praticavam os ofícios, a vida profissional, as conversas, os espetáculos e os jogos. Fora da vida privada, por muito tempo ignorada pelos artistas, tudo se passava na rua. No entanto, as cenas dos calendários, de inspiração rural, durante muito tempo a ignoraram. No século XV, a rua tomou seu lugar nos calendários. É verdade que os meses de novembro e de dezembro do livro de horas de Turim são ilustrados com o tradicional sacrifício do porco. Mas aqui, ele se passa na rua, e os vizinhos estão diante de suas portas para observá-lo. No calendário do livro de horas de Adelalde de Savoie, aparece o mercado: moleques cortam as bolsas de donas-de-casa ocupadas e distraídas - reconhecemos aí o tema dos pequenos batedores de carteiras, que se iria manter na pintura picaresca ao longo de todo o século XVII. Uma outra cena do mesmo calendário representa a volta do mercado: uma comadre para falar com sua vizinha, que está na janela; alguns homens descansam sentados num banco, protegidos por um telheiro, e distraem-se vendo meninos jogar péla e lutar. Essa rua medieval assim como a rua árabe de hoje, não se opunha à intimidade da vida privada; era um prolongamento dessa vida privada, o cenário familiar do trabalho e das relações sociais na vida cotidiana.


Para compreendermos este “lugar praticado”, para usarmos a terminologia de Michel de Certeau, é necessário antes de tudo, investigarmos a história social da criança e da família, segundo o estudo clássico de Philippe Ariès (1978) conforme questões hic et nunc, nesta brevíssima introdução ao tema. Quanto mais avançamos no tempo e espaço, e sobretudo no século XVI, mais frequentemente a família do senhor da terra é representada entre os camponeses, supervisionando seu trabalho e participando de seus jogos. Numerosas tapeçarias do século XVI descrevem essas cenas campestres em que os senhores e suas crianças colhem uvas e supervisionam a colheita do trigo. O homem não está mais sozinho. O casal não é mais apenas o casal imaginário individual do referido amor cortês. A mulher e a família participam do trabalho e vivem perto do homem, na sala ou nos campos. Não se trata propriamente de cenas de família: as crianças ainda estão ausentes no século XV. Mas o artista exprime discretamente a colaboração da família, dos homens e das mulheres no âmbito da casa, no trabalho quotidiano, com uma preocupação de intimidade outrora desconhecida. Ao mesmo tempo, a rua surge nos calendários.

Os artistas, em suas tentativas de representação da vida privada, começariam por mostrá-la na rua, antes de segui-la até dentro de casa. Talvez essa vida privada se passasse tanto ou mais na rua do que em casa. Com a rua, os jogos invadiram as cenas dos calendários: os jogos de cavalaria, como os torneios (Turim, Hennessy), os jogos comuns a todos, e as festas folclóricas, como a árvore de maio. O calendário do livro de horas de Adelaïde de Savoie (1092-1154) compõe-se essencialmente de uma descrição dos mais diversos jogos, jogos de salão, jogos de força e de habilidade, jogos tradicionais: a festa de Reis, a dança de maio, a luta, o hóquei, as disputas entre dois homens armados de varas em duas barcas, as guerras de neve. Em outros manuscritos, assistimos a certames de tiro com bestas (Hennessy), a passeios de barco com música (Hennessy) e os banhos coletivos (Grimani). Ora, sabemos que os jogos não eram então apenas diversões, mas uma forma de participação na comunidade ou no grupo: jogava-se em família, entre vizinhos, entre classes de idade, entre paróquias. Finalmente, partir do século XVI, uma nova personagem entra em cena nos calendários: a criança. Sem dúvida, ela já aparecia com frequência na iconografia do século XVI, particularmente nos reconhecidos Miracles de Notre Dame. Mas ela havia permanecido ausente dos calendários, como se essa tradição antiga tivesse hesitado em aceitar esse elemento que concorre em momento tardio.

Nos trabalhos dos campos, ainda não aparecem crianças ao lado das mulheres. Apenas algumas servem à mesa nos banqudes de janeiro. Percebemo-las também no mercado do livro de horas de Adelalde de Savoie; nesse mesmo manuscrito, elas brincam de jogar bolas de neve, atrapalham com sua bagunça o pregador na igreja e são expulsas. Nos últimos manuscritos flamengos do século XVI, elas se divertem alegremente; percebe-se a predileção que lhes dedica o artista. Os calendários dos livros de horas de Hennessy e de Grimani imitaram com precisão a aldeia coberta de neve das Très Riches Heures do Duque de Berry, na cena do mês de janeiro, ao qual descrevemos acima, em que o camponês corre para casa a fim de se unir às mulheres que se aquecem. Foi encomendado por João, duque de Berry em torno de 1410. Eles acrescentaram outra personagem: a criança que aparece na pose do Manneken-Pis, que se tornara frequente na iconografia da época a criança urina pela abertura da porta. Esse tema do Manneken-Pis é encontrado em toda a parte: lembremos o sermão de São João Batista do museu dos Augustins de Toulouse que outrora ornava a capela do Parlamento dessa cidade, ou um certo putti de Ticiano. Nesses livros de horas de Hennessy e Grimani, as crianças patinam no gelo, brincam de imitar os torneios dos adultos, mas alguns reconheceriam entre elas o jovem Carlos V. No livro de horas de Munique, elas se atiram bolas de neve. No Hortulus animae, elas brincam de corte de amor e de torneio, montadas numa barrica, ou patinam no gelo. As representações sucessivas dos meses do ano introduziram, essas novas personagens: a mulher, o grupo de vizinhos e companheiros, a criança se ligava a essa necessidade outrora desconhecida de intimidade, de vida familiar, quando não era ainda precisamente, de vida “em família”.

Ao longo do decorrer do século XVI, essa iconografia dos meses sofreria uma última transformação  significativa para nosso estudo: ela se tornaria uma iconografia da família. Ela se tornaria familiar ao se combinar com o simbolismo de uma outra alegoria tradicional: as idades da vida. Havia várias maneiras de representar as idades da vida, mas duas delas eram mais comuns: a primeira, mais popular, sobreviveu na gravura, e representava as idades nos degraus de uma pirâmide que subia do nascimento à maturidade, e daí descia até a velhice e a morte. Os grandes pintores recusavam-se a adotar essa composição demasiado ingênua. De modo qual, adotavam a representação das três idades da vida sob a forma de uma criança, alguns adolescentes – em geral um casal - e um velho. No quadro de Ticiano ', por exemplo, aparecem dois putti dormindo, um casal formado por uma camponesa vestida tocando flauta e um homem nu no primeiro plano, e, ao fundo, um velho sentado e recurvado segurando uma caveira. O mesmo tema é encontrado em Van Dyck, no século XVII. Nessas três ou quatro idades da vida são representadas separadamente, segundo a tradição iconográfica.

Ninguém teve a ideia de reuni-las dentro de uma mesma família, cuja gerações diferentes simbolizariam as três ou quatro idade da vida. Os artistas, e a opinião que eles traduziam, permaneciam fiéis a uma concepção mais individualista das idades: o mesmo individuo era representado nos diversos momentos de seu destino. Entretanto, ao longo do século XVI, surgira uma nova ideia, que simbolizava a duração da vida através da hierarquia da família. Lá tivemos a ocasião de citar Le Grand Propriétaire de Toutes Choses, esse velho texto medieval traduzido para o francês e editado em 1556. Como observamos, esse livro era um espelho do mundo. O sexto livro trata das “Idades”. É ilustrado com uma xilogravura que não representa nem os degraus das idades, nem as três ou quatro idades separadas, mas simplesmente uma reunião de familia. O pai está sentado com uma criancinha sobre os joelhos. Sua mulher está de pé à sua direita. Um dos filhos está à sua esquerda, e o outro dobra o joelho para receber algo que o pai lhe dá. Trata-se ao mesmo tempo de um retrato de família, como os que abundavam nessa época nos Países Baixos, na Itália, na Inglaterra, na França e na Alemanha, e uma cena de gênero familiar, que os pintores e gravadores multiplicariam no século XVII. 

Esse tema reconheceria a mais extraordinária popularidade. Não era um tema totalmente desconhecido da Idade Média, ao menos da parte final. Foi desenvolvido de forma notável num capitel das loggias do palácio Ducal de Veneza, dito capitel do casamento. Neste caso, constitui o membro superior de uma coluna (ou pilastra). Ele faz a mediação entre a coluna e a carga que é empurrada para baixo sobre ela, ampliando a área da superfície de suporte da coluna. O capitel, projetando-se de cada lado à medida que sobe para sustentar o ábaco, junta-se ao ábaco geralmente quadrado e ao eixo geralmente circular da coluna. O capitel pode ser convexo, como na ordem dórica; côncavo, como no sino invertido da ordem coríntia; ou rolando para fora, como na ordem iônica. Estes formam os três tipos principais nos quais todas as capiteis da tradição clássica se baseiam. Venturi data essa representação de cerca de 1424, enquanto Toesca a coloca no fim do século XIV, o que parece mais provável devido ao estilo e ao traje, mas mais surpreendente em virtude da precocidade do tema. As oito faces desse capitel contam-nos uma história dramática que ilustra a fragilidade da vida, um tema familiar nos séculos XIV e XV - porém aqui, esse drama se passa no seio de uma familia, e isso é novo. A representação começa pelo noivado. A seguir, a jovem mulher aparece vestida com um traje de cerimônia sobre o qual foram costurados pequenos discos de metal: seriam simples enfeites ou seriam moedas, já que as moedas desempenhavam um papel no folclore do casamento e do batismo? A terceira face representa a cerimônia do casamento, no momento em que um dos cônjuges segura uma coroa sobre a cabeça do outro: rito que subsistiu na liturgia oriental. Então, os noivos têm o direito de se beijar.

Na quinta face, eles estão deitados nus no leito nupcial. Nasce uma criança, que aparece enrolada em cueiros e segura pelo pai e a mãe juntos. Suas roupas parecem mais simples do que na época do noivado e do casamento: eles se tornaram pessoas sérias, que se vestem com uma certa austeridade ou segundo a moda antiga. A sétima face reúne toda a familia, que posa para um retrato. O pai e a mãe seguram a criança pelo ombro e pela mão. Já é o retrato familiar, tal como o encontramos no Le Grand Propriétaire. Mas, com a oitava face, o drama explode: a familia sofre uma prova, pois a criança está morta, estendida sobre a cama, com as mãos postas. A mãe enxuga as lágrimas com uma das mãos e põe a outra no braço da criança; o pai reza. Outros capitéis, vizinhos deste, são ornados com putti nus que brincam com frutas, aves ou bolas: temas mais banais, mas que permitem recolocar o capitel do casamento em seu contexto iconográfico. A história do casamento começa como a história de uma familia, mas acaba com o tema diferente da morte prematura. No museu Saint-Raimond, em Toulouse, podemos ver os fragmentos de um calendário que pôde ser datado do início da Segunda metade do século XVI graças aos trajes. Na cena do mês de julho, a familia está reunida num retrato, como na gravura contemporânea do Le Grand Propriétaire, mas com um detalhe adicional que tem sua importância: a presença dos criados ao lado dos pais. O pai e a mãe estão no meio. O pai dá a mão ao filho, e mãe à filha. O criado está do lado dos homens, e a criada do lado das mulheres, pois os dois sexos são separados como nos retratos de doadores: os homens, pais e filhos, e as mulheres, mães e filhas, do outro.

Os criados fazem parte da familia. Agosto é o mês da colheita, mas o pintor se empenha em representar, mais do que a própria colheita, a entrega da colheita ao senhor, que tem na mão moedas para dar aos camponeses. Essa cena prende-se a uma iconografia muito frequente no século XVI, particularmente nas tapeçarias em que os fidalgos do campo supervisionam seus camponeses ou se divertem com eles. Outubro: a refeição em familia. Os pais e as crianças estão sentados à mesa. A criança menor está encarapitada numa cadeira alta, que lhe permite alcançar o nível da mesa - uma cadeira feita especialmente para as crianças de sua idade, do tipo que vemos ainda hoje. Um menino com um guardanapo serve à mesa: talvez um criado, talvez um parente, encarregado naquele dia de servir à mesa, função que nada tinha de humilhante, muito ao contrário. Novembro: o pai está velho e doente, tão doente que foi preciso recorrer ao médico. Este, com um gesto banal pertencente a uma iconografia tradicional, inspeciona o urinol. Dezembro: familia está reunida no quarto, perto do leito onde o pai agoniza. 

Ele recebe a comunhão. Sua mulher está de joelhos ao pé da cama. Atrás dela, uma moça ajoelhada chora. Um rapaz segura uma vela. Ao fundo, percebe-se uma criança pequena: sem dúvida o neto, a próxima geração que continuaria a familia. Portanto, esse calendário assimila a sucessão dos meses do ano à das idades da vida, mas representa as idades da vida sob a forma da história de uma familia: a juventude de seus fundadores, sua maturidade em torno dos filhos, a velhice, a doença e a morte, que é ao mesmo tempo a boa morte, a morte do homem justo, tema igualmente tradicional, e também a morte do patriarca no seio da familia reunida. A história desse calendário começa como a da família do capitel do casamento do palácio dos Doges. Mas não é o filho, a criança querida, que a morte rouba cedo demais. As coisas seguem um curso mais natural. É o pai que parte, ao final de uma vida plena, cercado por uma família unida, e deixando-lhe sem dúvida um patrimônio bem administrado. A diferença está toda aí. Não se trata mais de uma morte súbita, e sim da ilustração de um sentimento novo: o sentimento da família.

O aparecimento do tema da família na iconografia dos meses não foi um simples episódio. Uma evolução maciça arrastaria nessa mesma direção toda a iconografia dos séculos XVI e XVII. No princípio, as cenas representadas pelos artistas se passavam ou num espaço indeterminado, ou em lugares públicos como as igrejas, ou ao ar livre. Na arte gótica, livre do simbolismo romano-bizantino, as cenas de ar livre tornaram-se mais numerosas e mais significativas graças à invenção da perspectiva e ao gosto pela paisagem: a dama recebe seu cavaleiro num jardim fechado; a caçada conduz grupos através dos campos e florestas; o banho reúne as damas em torno da fonte de um jardim; os exércitos manobram, os cavaleiros se enfrentam em torneios, o exército acampa em torno da tenda onde o Rei descansa, os exércitos sitiam cidades; os príncipes entram e saem das cidades fortificadas, sob a aclamação do povo e dos burgueses. Penetramos nas cidades por pontes, passando diante das tendas onde trabalham os ourives. Vemos passar os vendedores de biscoitos, e as barcas carregadas descendo o rio. Ao ar livre ainda, vemos todos os jogos serem praticados. Acompanhamos os jograis e os peregrinos em seu caminho. A iconografia profana medieval é uma iconografia do ar livre.

Quando, nos séculos XIII ou XIV, os artistas se propõem a ilustrar anedotas ou episódios particulares, eles hesitam, e sua ingenuidade surpresa produz um resultado canhestro: nenhum deles se compara ao virtuosismo dos artistas que representam episódios nos séculos XV e XVI. Antes do século XV, portanto, as cenas de interior são muito raras. A partir de então, elas se tornam cada vez mais frequentes. O evangelista, antes situado num meio atemporal, torna-se um escriba em sua escrivaninha, com a pena e a raspadeira na mão. Primeiro ele é colocado na frente de um simples drapeado decorativo, mas finalmente aparece num quarto cheio de livros em prateleiras: do evangelista, passou-se ao autor em seu quarto, a Froissart escrevendo uma dedicatória em seu livro. Nas ilustrações do texto de Terêncio do palácio dos Doges, as mulheres trabalham e fiam em seus aposentos, com suas criadas, ou aparecem deitadas na cama, nem sempre sozinhas. Veem-se cozinhas e salas de albergues. As cenas galantes e as conversações se passam agora no espaço fechado de uma sala. Surge o tema do parto, cujo pretexto é o nascimento da Virgem. Criadas, comadres e parteiras se atarefam no quarto em torno da cama da mãe. Surge também o tema da morte, da morte no quarto, em que o agorlizante luta em seu Idto por sua salvação. A representação mais frequentes do quarto e da sala corresponde a uma tendência nova do sentimento, que se volta então para a intimidade da vida privada.  As cenas de exterior não desaparecem, é certo - são a origem das paisagens, mas as cenas de interior tornam-se mais numerosas e mais originais. Iriam caracterizar a pintura de gênero todo o tempo de sua existência. 

A vida privada, rechaçada na Idade Média, invade a iconografia, particularmente a pintura e a gravura ocidentais no século XVI e, sobretudo no XVII: a pintura holandesa e flamenga e a gravura francesa comprovam a extraordinária força desse sentimento, antes inconsistente ou menosprezado. Sentimento já tão moderno, que para nós é difícil compreender o quanto era novo. Essa farta ilustração da vida privada poderia ser classificada em dois grupos: o do namoro e da farra à margem da vida social, no mundo suspeito dos mendigos, nas tabernas, nos bivaques, entre os boêmios e os vagabundos - que desprezaremos por estar fora de nosso assunto - e sua outra face, o grupo da vida em familia. Se percorrermos as coleções de estampas ou as galerias de pintura dos séculos XVI-XVII, ficaremos impressionados com essa verdadeira avalancha de imagens de familias. Esse movimento culmina na pintura da primeira metade do século XVII na França, e na pintura de todo o século e até mais na Holanda.  Ele persiste na França durante a segunda metade do século XVII na gravura e nos leques pintados, reaparece no século XVIII na pintura, e dura até o século XIX, até a grande revolução estética que baniria da arte a cena de gênero. Nos séculos XVI e XVII, os retratos de grupos são numerosíssimos. Alguns são retratos de confrarias ou corporações. Mas a maioria representa uma familia reunida.  Estes surgem no século XV, com os doadores que se fazem representar no nível inferior de alguma cena religiosa, como sinal de sua devoção. Esses doadores são discretos e estão sozinhos.

Mas logo começam a trazer a seu lado toda a familia, incluindo os vivos e os mortos: as mulheres e os filhos mortos também têm seu lugar na pintura. De um lado aparece o homem e os meninos, do outro a ou as rnulheres, cada uma com as filhas de seu leito. O nível ocupado pelos doadores amplia-se ao mesmo tempo em que se povoa, em detrimento da cena religiosa, que se torna então uma ilustração, quase um hors-d`oeuvre. Na maioria dos casos ela se reduz aos santos padroeiros do pai e da mãe, o santo do lado dos homens e a santa do lado das mulheres. Convém observar a imponência assumida pela devoção dos santos padroeiros, que figuram como protetores da familia: ela é o sinal de um culto particular de caráter familiar, como o do anjo da guarda, embora este último tenha um caráter mais pessoal e mais peculiar à infância. Essa etapa do retrato dos doadores com sua família pode ser ilustrada com numerosos exemplos do século XVI: os vitrais da família Montmorency em Monfort-L`Amaury, Montmorency e Ecouen; ou os numerosos quadros pendurados como ex-votos nos pilarcs e nas paredes das igrejas alemãs, muitos dos quais ainda permanecem em seu lugar nas igrejas de Nuremberg e muitas outras pinturas, às vezes ingênuas e mal feitas, chegaram aos museus regionais da Alemanha e da Suíça alemã. Os retratos de familia de Holbein são fiéis a esse estilo. Tudo indica que os alemães se tenham apegado por mais tempo a essa forma de retrato religioso da familia, destinado às igrejas; ele seria uma forma mais barata do vitral dos doadores, mais antigo, e anunciaria os ex-votos mais anedóticos e pitorescos do século XVIII e início do XIX, que representam não mais a reunião familiar dos vivos e dos mortos, mas o acontecimento miraculoso que salvou um indivíduo ou um membro da familia de um naufrágio, um acidente ou uma doença. O retrato de familia representa na sociedade uma espécie de ex-voto.

Mas logo começam a trazer a seu lado toda a familia, incluindo os vivos e os mortos: as mulheres e os filhos mortos também têm seu lugar na pintura. De um lado aparece o homem e os meninos, do outro a ou as rnulheres, cada uma com as filhas de seu leito. O nível ocupado pelos doadores amplia-se ao mesmo tempo em que se povoa, em detrimento da cena religiosa, que se torna então uma ilustração, quase um hors-d`oeuvre. Na maioria dos casos ela se reduz aos santos padroeiros do pai e da mãe, o santo do lado dos homens e a santa do lado das mulheres. Convém observar a imponência assumida pela devoção dos santos padroeiros, que figuram como protetores da familia: ela é o sinal de um culto particular de caráter familiar, como o do anjo da guarda, embora este último tenha um caráter mais pessoal e mais peculiar à infância. Essa etapa do retrato dos doadores com sua família pode ser ilustrada com numerosos exemplos do século XVI: os vitrais da família Montmorency em Monfort-L`Amaury, Montmorency e Ecouen; ou os numerosos quadros pendurados como ex-votos nos pilarcs e nas paredes das igrejas alemãs, muitos dos quais ainda permanecem em seu lugar nas igrejas de Nuremberg e muitas outras pinturas, às vezes ingênuas e mal feitas, chegaram aos museus regionais da Alemanha e da Suíça alemã. Os retratos de familia de Holbein são fiéis a esse estilo. Tudo indica que os alemães se tenham apegado por mais tempo a essa forma de retrato religioso da familia, destinado às igrejas; ele seria uma forma mais barata do vitral dos doadores, mais antigo, e anunciaria os ex-votos mais anedóticos e pitorescos do século XVIII e início do XIX, que representam não mais a reunião familiar dos vivos e dos mortos, mas o acontecimento miraculoso que salvou um indivíduo ou um membro da familia de um naufrágio, um acidente ou uma doença. O retrato de familia é uma espécie de ex-voto.

Recentemente divorciada Meg Altman e sua filha Sarah acabam de adquirir uma casa de quatro andares no Upper West Side. O anterior proprietário da casa, um milionário recluso, instalou uma sala isolada usada para proteger os ocupantes da casa de intrusos. O “quarto do pânico” é protegido por um sistema de segurança abrangente, com múltiplas câmeras de vigilância, um sistema de voz, e uma linha telefônica separada concreto e aço de todos os lados, e uma porta de aço. Na noite que as duas se mudam para a casa, ela é invadida por Junior, o neto do proprietário anterior; Burnha, um empregado da empresa de segurança da residência; e Raoul, um pistoleiro recrutado por Junior. Os três estão atrás de 3 milhões de dólares em títulos ao portador (cf. Hilferding, 2011), que estão trancados dentro de um cofre no chão do quarto do pânico. Depois de descobrir que as Altmans se mudaram mais cedo do que o esperado, Junior convence o relutante Burnham, que assegurou que a casa estava desocupada, para continuar com seu assalto. Enquanto eles começam o roubo, Meg acorda e observa os intrusos nos monitores de vídeo no quarto do pânico.

Antes dos três poderem alcançá-las, Meg e Sarah correm para o quarto do pânico e fecham a porta em seguida deles. Elas são incapazes de usar o telefone no quarto, que era uma linha telefônica separada que nunca foi ligada por Meg. Com a intenção de forçar as duas saírem da sala, Burnham introduz gás propano nas saídas de ar do quarto. Raoul, em conflito com Burnham e Junior, perigosamente aumenta a quantidade de gás. Não sendo possível selar as aberturas, Meg incendeia o gás enquanto ela e Sarah se encobrem com cobertores à prova de fogo, enquanto ocorre uma explosão nas aberturas para a sala de fora e faz com que o fogo queime Junior. As Altmans fazem várias tentativas para pedir ajuda, incluindo sinalização com um vizinho com uma lanterna através da abertura de um tubo de ventilação, mas o vizinho ignora. Meg então consegue ligar o telefone na linha principal e fala com seu ex-marido Stephen, antes dos assaltantes cortarem a linha. Quando todas as tentativas de entrar na sala falham, Junior deixa escapar que há muito mais dinheiro no cofre do que aparentava, e desiste do roubo. Ao sair da casa, ele é baleado por Raoul, que obriga Burnham terminar o assalto. Stephen chega à casa é tomado como refém por Burnham e Raoul que lhe bate. Para piorar Sarah tem diabetes, sofre “uma convulsão devido a uma hipoglicemia”.

A hipoglicemia é uma alteração no nível de açúcar presente na circulação sanguínea do paciente, ficando fora dos padrões recomendados pelos médicos. Isso causa uma série de sintomas incômodos, como tontura e tremores, além de poder afetar portadores ou não de diabetes. Esse quadro ocorre quando há muita insulina no sangue e muita glicose entrando nas células, porém, pouco se permanece na corrente sanguínea. A hipoglicemia também tecnicamente pode surgir quando a quantidade dos hormônios de contrarregulação diminui o glucagon, hormônio do crescimento, adrenalina e cortisol. Eles ajudam a liberar o glicogênio armazenado no fígado, necessário quando se esgota o estoque disponível de glicose no sangue.  Sua injeção com glicose de emergência está no frigorífico fora do quarto do pânico. Depois de usar Stephen inconsciente para enganar Meg que momentaneamente deixou o quarto do pânico, Burnham entra nele, encontrando Sarah imóvel no chão. Depois de recuperar a seringa para Sarah, Meg briga brevemente com Raoul, que ao entrar no quarto do pânico, deixa a arma do lado de fora. Enquanto Meg consegue jogar a seringa no quarto do pânico, Burnham freneticamente tranca a porta, com Raoul e Sarah dentro, esmagando a mão de Raoul na porta de aço.

Meg, que agora tem a arma, implora aos dois intrusos no sistema de som para dar a injeção em Sarah. Depois de algum tempo Burnham, que não mostrou nenhum interesse em ferir Meg ou Sarah ao longo do filme, dá a injeção em Sarah. Enquanto isso, ele diz a Sarah que ele não queria isso, e a única razão pela qual ele concordou em participar era para dar ao seu próprio filho uma vida melhor. Após Burnham dá a injeção em Sarah que agradece a ele e ele diz a Meg que Sarah está agora bem. Tendo anteriormente recebido um telefonema de Stephen, dois policiais que tratam da vigilância do bairro chegam, o que leva Raoul na relação causa e efeito a sustentar ameaça à vida de Sarah. Sentindo o perigo potencial para a filha, Meg fala com os oficiais e eles saem. Enquanto isso, Burnham abre o cofre e remove os 22 milhões de dólares em títulos ao portador, o que confere ao possuidor do documento o direito de crédito, mesmo que não conste o seu nome como beneficiário. A mera posse terrena do documento legitima a exigência. A transferência do crédito se dá pela tradição do documento. Como os ladrões tentam sair, usando Sarah como refém, Meg bate em Raoul com uma marreta e Burnham foge. Stephen ferido atira em Raoul e erra, Raoul se prepara para matar Meg com uma marreta, mas Burnham, ao ouvir os gritos de dor de Sarah, retorna à casa e atira em Raoul, afirmando: - “Você vai ficar bem agora”, para Meg e sua filha antes de sair.

A polícia, alertada devido ao comportamento suspeito de Meg, chegam com reforço e capturam Burnham, que permite que os títulos ao portador se espalhem com a ventania. Mais tarde, Meg e Sarah, depois de se recuperar da experiência angustiante, começam a procurar no jornal um novo lar. Com a paisagem do deve-se introduzir nela o lugar do tirano, do escravo e do imbecil, sem que o lugar se assemelhe aquele que o ocupa e sem que o transcendental seja declarado sobre as figuras empíricas que ele torna possíveis.  Não só a univocidade do ser em relação à Deus e às criaturas se prolonga na univocidade dos “atributos”, mas, sob a condição de sua infinitude, Deus pode possuir esses atributos unívocos formalmente distintos sem nada perder de sua unidade. O outro tipo de “distinção”, a distinção modal, se estabelece entre o ser ou os atributos, por um lado, e, por outro, as variações intensivas de que são capazes. Essas variações visuais, como os graus do branco, são modalidades individuantes das quais o infinito e o finito constituem precisamente a condição e a possibilidade abstrata para reter as intensidades singulares. Na sua própria neutralidade, o ser unívoco não implica somente formas qualitativas ou atributos distintos, eles mesmos unívocos, mas se reporta e os reporta a fatos intensivos ou graus individuantes que variam seu modo sem modificar-lhe a essência enquanto ser. A distinção reporta o ser à diferença, a distinção formal e a distinção modal sãos os tipos sob os quais o ser unívoco, em si mesmo, por si mesmo, se reporta à diferença. É com Espinosa que o ser unívoco, tornando-se expressivo, tornando-se uma verdadeira proposição expressiva afirmativa deixa de ser neutralizado.  

Mas é o ponto de partida para a constituição do sujeito que desejo, mas não um desejo dirigido a uma coisa qualquer no mundo. O homem se torna humano quando “deseja outro desejo”. Abre-se assim, ao homem, um novo espaço de liberdade, que se manifesta antes de tudo como um desejo de reconhecimento e produz uma luta de morte por puro prestígio – o ato fundante da história, o ato antropogênico por excelência. Mas para que haja história, é preciso que haja relação social entre homens vivos. A luta não pode terminar com a aniquilação de um dos lados. Um deles deve abdicar do combate, colocar a liberdade acima de sua vida, fora da relação entre “senhor-escravo”. Nela se concentrando outra atividade essencial ao projeto do homem: o trabalho intelectual como princípio de liberdade. A dialeticidade que assim se estabelece, como unidade dos contrários, é um dos pontos culminantes do pensamento humano em todas as épocas, e sua conclusão é surpreendente e magistral: o homem integral, livre, satisfeito com o que é; o homem que se aperfeiçoa, não é o senhor nem o escravo, mas o que consegue suprimir sua sujeição.

Na linguagem teórica, academicamente entendemos que as palavras e expressões funcionam como representação de conceitos teóricos, mas em sua periodização histórica as palavras e expressões funcionam sempre de forma distinta, porque se referem a concepção pontual de uma teoria da história. A dificuldade própria da terminologia teórica consiste, pois, neste sentido em que, por detrás do significado usual da palavra, é preciso sempre discernir o seu significado conceptual, que é sempre diferente do significado usual empírico e casual contido na representação das fontes, nas atas, nos documentos oficiais etc. Na sua significação mais geral deve nos permitir a compreensão histórica e sociológica que tem por efeito social o conhecimento de um objeto: a narrativa da história. A história abstrata ou a história em geral não existem, no sentido do termo, mas apenas a história real, ou “como efetivamente ocorreu, desses objetos concretos e singulares que enformam a experiência acumulada da humanidade.

A determinação mais simples e primeira que o espírito pode estabelecer é o Eu, a faculdade de poder abstrair todas as coisas, até sua própria vida. Chama-se idealidade, idealização, precisamente esta supressão da exterioridade. Entretanto, o espírito não se detém na apropriação, transformação e dissolução da matéria em sua universalidade, mas, enquanto consciência religiosa, por sua faculdade representativa, penetra e se eleva através da aparência dos seres até esse poder divino, uno, infinito, que conjunta e anima interiormente todas as coisas, enquanto pensamento filosófico, isto é, como seu princípio universal, a ideia eterna que as engendra e nelas se manifesta. Portanto, que o espírito finito dialeticamente segue um passo a passo e se encontra inicialmente numa união imediata com a natureza, a seguir em oposição com esta e finalmente em identidade com esta, porque suprimiu/subsumiu a oposição e voltou a si mesmo e, per se o espírito finito é a ideia, mas ideia que girou sobre si mesma e que existe por si em sua realidade.

Todo conhecer, todo aprender, toda visão, toda ciência, inclusive toda atividade, não possui nenhum outro interesse além do aquilo que “é em si”, no interior, manifestar-se desde si mesmo, ou seja, transformar-se objetivamente. Nesta diferença se descobre toda a diferença na história do mundo. Os homens são todos racionais. O formal desta racionalidade é que o homem seja livre. Esta é a sua natureza. Isto pertence à essência do homem. O europeu sabe de si, é objeto de si mesmo. A determinação que ele conhece é a liberdade. Ele se conhece a si mesmo como livre. O homem considera a liberdade como sua substância. Se os homens “falam mal de conhecer é porque não sabem o que fazem”. Conhecer-se, converter-se a si mesmo no objeto (do conhecer próprio) e o fazem relativamente poucos. Mas o homem é livre somente se sabe que o é. Pode-se também em geral falar mal do saber, como se quiser. Mas somente este saber libera o homem. O conhecer-se é no espírito a existência. Esta é a única diferença da existência, a diferença do separável. O Eu é livre em si, mas também por si mesmo é livre e eu sou livre somente enquanto existo como livre.

Agora Nietzsche, mutatis mutandis - contamina a reflexão crítica na Sétima Arte. O trágico sempre será afirmativo e não reativo. O reativo, dialético, é simplesmente conservação de força frente ao inesperado. Que precisa do controle e da submissão daquele que é atingido pelo inusitado. O trágico afirma-se na consciência plena do acaso como constituinte da própria realidade e o “cosmiza” ativamente e não reativamente. O trágico não só afirma a necessidade a partir do acaso, como afirma o próprio acaso. Não só afirma a ordem a partir da desordem, como afirma a própria desordem. Não só afirma o cosmos a partir do caos, como afirma o caos. Reitera, sobretudo, o próprio devir. Essa é a grande inversão de Nietzsche. Que tira do pensamento qualquer pressuposição de sentido e valor, para construí-los a partir do “jogo de forças” visando expansão da capacidade de potência. A tese de Nietzsche em relação ao homem ocidental pressupõe que o sentido e valor já uma é Der Wille Zur Macht, se afirmando como força e moldando os agentes a reagirem contra aquilo que constitui a realidade: a falta de valor em si e sentido próprio. O mundo, para Nietzsche, não é ordem e racionalidade, mas desordem e irracionalidade. Seu princípio filosófico não era, portanto, Deus e razão, mas a vida que atua sem objetivo definido, ao acaso, e, por isso, se está dissolvendo e transformando-se em um constante devir.

A única e verdadeira realidade “sem máscaras”, para Nietzsche, é a vida humana tomada e corroborada pela vivência do instante. Nietzsche era um crítico: a) das “ideias modernas”, b) da vida social e da cultura moderna, c) do neonacionalismo alemão, e, para sermos breves, d) Para ele, os ideários modernos em torno da democracia, socialismo, igualitarismo, emancipação feminina não eram senão expressões da decadência de determinado “tipo homem”. Por estas razões, é, por vezes, apontado como um precursor da concepção de pós-modernidade. A figura de Nietzsche foi particularmente promovida na Alemanha Nazi, num processo político mediante o qual você opta, mas não decide, tendo sua irmã, simpatizante do regime, fomentado esta associação. Como dizia Heidegger, ele próprio nietzschiano, “na Alemanha se era contra ou a favor de Nietzsche”. Durante toda a vida, tentou explicar o insucesso de sua literatura, chegando à conclusão de que “nascera póstumo”, para os leitores do porvir. O sucesso de Nietzsche, entretanto, sobreveio quando um professor dinamarquês leu a sua obra: Assim Falou Zaratustra e, então, tratou de difundi-la, em 1888. Em 3 de janeiro de 1889, Nietzsche sofreu um colapso mental. Teria testemunhado o açoitamento de um cavalo no outro extremo da Piazza Carlo Alberto. Então correu em direção ao cavalo, jogou os braços ao redor de seu pescoço para protegê-lo e em seguida, caiu no chão.

Nos dias seguintes, Friedrich Nietzsche enviou escrito breve reconhecido como: “Wahnbriefe” (“Cartas da loucura”) para um número de amigos, entre eles, Cosima Wagner, filha do pianista Franz Liszt com a Condessa Marie d`Agout e Jacob Burckhardt, historiador, filósofo da história e da cultura suíça, autor de importantes obras sobre a cultura e história da arte. Muitas destas cartas foram curiosamente assinadas “Dionísio”. Embora a maioria dos comentaristas considere seu colapso como alheios à sua filosofia, Georges Bataille chegou a insinuar que sua filosofia pudesse tê-lo enlouquecido e a psicanálise “post-mortem”, de René Girard, postula uma “rivalidade de adoração” com Richard Wagner. Todavia, subsiste ainda uma indiferença entre a substância e os modos: a substância espinosista aparece independente dos modos, e os modos dependem da substância, mas de outra coisa. Seria preciso que a substância fosse dita dos modos e somente dos modos. Tal condição só pode ser preenchida à custa de uma subversão categórica mais geral, segundo a qual o ser se diz do devir, a identidade se diz do diferente, o uno se diz do múltiplo e assim por diante. Que a identidade não é a primeira, que ela existe como princípio, que ela gira em torno do Diferente, tal é a natureza da revolução copernicana que abre à diferença a possibilidade própria, em vez de mantê-la sob a dominação de um conceito geral já posto como idêntico.

Com o eterno retorno, o bravo Nietzsche não queria dizer outra coisa. O eterno retorno não pode significar o retorno do Idêntico, pois ele supõe, ao contrário, um mundo, o da vontade de potência, em que toda as identidades prévias são abolidas e dissolvidas. Revir é o ser, mas somente o ser do devir. O eterno retorno não faz o mesmo retornar, mas o revir constitui o único Mesmo do que se torna. Revir é o devir-idêntico do próprio devir. Revir é, pois, a única identidade, mas a identidade como potência segunda, a identidade da diferença, o idêntico que se diz do diferente, que gira em torno do diferente. Tal identidade, produzida pela diferença, é determinada como repetição. Do mesmo modo a repetição do eterno retorno consiste em pensar o messo a partir do diferente. Esse pensamento já não é uma representação teórica: ele opera praticamente uma seleção das diferenças segundo sua capacidade de produzir, isto é, de retornar ou de suportar a prova do eterno retorno. A roda do eterno retorno é, ao mesmo tempo, produção da repetição a partir da diferença e seleção da diferença a partir da repetição.

Bibliografia geral consultada.

DELEUZE, Gilles, Différence et Répétition1ª édition. Paris: Presses Universitaires de France, 1968; ARIÈS, Philippe, História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora, 1978; VALADIER, Paul, Nietzsche y la Critica del Cristianismo. Madrid: Ediciones Cristiandad, 1982; BLUMER, Herbert, Filmes e Conduta. Novas York: Macmillan Editor, 1983; FOUCAULT, Michel, História da Sexualidade I: A Vontade de Saber. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984, em particular, Cap. IV- O dispositivo da sexualidade. Item 3 - domínio, pp. 98-108; Idem, Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 1987; BRAIER, Eduardo Alberto, Psicoterapia Breve de Orientação Psicanalítica. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1991; MACIEL, Lucia Maria Argollo, Transtorno do Pânico e Neurose de Angustia: Analise dos Conceitos. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Medicina. São Paulo: Universidade de São Paulo,1992; DENZIN, Norman, A Sociedade Cinematográfica. Londres: Sage Publications, 1995; DOMINGUES, José, As Ordenações Afonsinas. Três Séculos de Direito Medieval – 1211 a 1512. Tese de Doutoramento. San Tiago de Compostela: Universidade de San Tiago de Compostela, 2007; HILFERDING, Rudolf, Il Capitale Finanziario. Milano: Editore Mimesis, 2011; GIMBO, Fernando Sepe, Foucault, o Ethos e o Pathos de um Pensamento. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Departamento de Filosofia e Metodologia das Ciências. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, 2015; MOURÃO, Patrícia, A Invenção de uma Tradição: Caminhos da Autobiografia no Cinema Experimental. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais. Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2016; CAFÉ, Alana Boa Morte, Natureza Humana e História em David Hume. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, 2018; RODRIGUES NETO, Pedro de Souza, Economia, Moral e Natureza Humana em David Hume. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia.  Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2019; MEDEIROS, Maria Carolina El-Huaik de, Essa fez Socila: Narrativas de Etiqueta, Socialização Feminina e Aperfeiçoamento Social da Mulher. Tese de Doutorado. Departamento de Comunicação Social. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2022; entre outros.